Confira entrevista com o poeta negro baiano
Nelson Maca, especialista em literatura negra. Escritor e militante, Maca é
professor da Universidade Católica de Salvador (Ucsal) e autor do livro
"Gramática da Ira". Nesta entrevista, ele aborda assuntos como a
cultura negra e o preconceito racial.
Por Júlio Lacerda do Rio de Janeiro
(RJ)
Nelson Maca |
Brasil de Fato: Na cena
brasileira, o que você destacaria na luta contra o racismo?
Nelson Maca: O movimento
que mais admiro hoje é o Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta. Meu contato
maior é com o núcleo da Bahia, que reúne uma galera muito forte lado a lado com
Hamilton Borges e Doutora Andrea Beatriz. Eles botam o dedo na ferida e provam
que, apesar de todo discurso de emancipação atual, as coisas para o povo preto
têm piorado. Da luta pela inserção cidadã rebaixou-se para a luta contra a
própria morte!
Brasil de Fato: Hoje há uma
espécie de movimento de saraus se articulando e se ampliando no Brasil. O
movimento negro está nele?
Nelson Maca: Há, sim, uma
cena de Sarau que, a cada dia se amplia e fortalece no Brasil. Hoje,
felizmente, cresce nesse contexto eventos centrados ou que dialogam mais
profundamente com a negritude. Não vejo o Movimento Negro, no sentido mais
tradicional, envolvido nele. No entanto, considero essas iniciativas como uma
nova modalidade de movimento negro, mais arejada e com mais respeito pela
literatura em si, e também pelas demais expressões que formatam os diversos
saraus.
Brasil de Fato: Se tratando de Rio
de Janeiro, para além do samba, o funk e o hip-hop popularizam também uma arte
que expressa a cultura negra? É por aí mesmo?
Nelson Maca: Com certeza.
Mesmo com suas contradições internas, são linguagens e culturas que se
estabelecem no âmbito da população negra e, assim, expressam suas demandas,
independente de sua aceitação ou não por outras comunidades, outras ou também
negras. O principal do Funk e do Rap – e a cultura hip hop como um todo – é que
se tratam de vozes renovadas e, normalmente, jovens e urbanas.
Brasil de Fato:
Sobre as realidades da luta social do povo negro, qual seria a principal
semelhança e diferença entre Rio e Salvador?
Nelson Maca: Não vejo
diferenças efetivas. O genocídio físico e cultural do povo negro caminha
igualmente nos dois estados. Preconceito e racismo não têm fronteira regional,
nacional ou internacional. Da forma como as experimentamos no Brasil se dá em
qualquer país de hegemonia branca que se utilizou da cultura da escravidão
negra para se estabelecerem como estão hoje.
Brasil de Fato: O que seria um
poeta da literatura negra?
Nelson Maca: Primeiramente
um poeta preto que escreve em primeira pessoa, ou seja, um eu negro. Na
temática, sua poesia traz um fundo etno-cultural baseado nas demandas e
experiência na e da Negritude. Suas imagens desrecalcam elementos e símbolos
negros soterrados pelo etnocentrismo da literatura “branco-européia”
brasileira. Na textura, palavras, expressões, sons e ritmos do mundo negro.
Brasil de Fato: Como surgiu esse
projeto de livro? Qual o propósito do "Gramática da Ira” O que você
destacaria como mais importante nele?
Nelson Maca: Surge do meu desejo de registrar minha obra
em material gráfico. Esse desejo associado aos pedidos e cobranças de amigos,
admiradores e outros escritores, impulsionaram a publicação da Gramática da
Ira. O propósito do livro é ser um instrumento de prazer estético e de luta,
sem hierarquia de valor. Tanto ser livro para leitura com ser uma arma para
militância.
http://www.brasildefato.com.br/
13/07/2015
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