Para Marcos Rogério Beltrão, é preciso estar alerta aos impactos negativos que o monocultivo traz para o bioma.
Vinícius Segalla
Bioma que tem 5% da
biodiversidade do planeta é ameaçado pelo avanço do agronegócio - Foto: Marcelo
Camargo/Agência Brasil
Conhecido popularmente como "caixa d'água do Brasil", o Cerrado brasileiro é berço de importantes rios do país, abastecendo um total de oito bacias hidrográficas.
No entanto, segundo o ambientalista Marcos Rogério Beltrão dos
Santos, o bioma está ameaçado.
Em entrevista ao programa Bem Viver, da rádio Brasil de Fato, ele afirma que é perceptível ver a
vegetação sumindo em algumas regiões devido a atuação do agronegócio.
:: Modelo agroindustrial está relacionado com pandemias virais,
apontam especialistas ::
Além dos
"desertos verdes", a chegada da soja nos anos 1990 trouxe também o
acirramento de conflitos com as comunidades tradicionais.
"Temos
um histórico de confronto, de mortes, principalmente de camponeses que são as
principais vítimas desse modelo da chamada Revolução Verde. Primeiro roubaram
os territórios das comunidades tradicionais. Segundo, tiraram a água. E em
terceiro mudaram todo o sistema tradicional de produção", critica
Beltrão, que é também documentarista.
:: Cerrado perde metade da vegetação nativa; agronegócio acelera o
processo ::
A utilização
de água em ampla quantidade para o desenvolvimentos dos monocultivos também
pode trazer uma escassez hídrica ainda maior para a região, principalmente
no oeste da Bahia.
"O pessoal
que gosta de creditar isso a questão do clima, à falta de chuva, mas o
ponto principal é a destruição. Principalmente a do agronegócio. A
sociedade brasileira tem que se fazer uma pergunta: até que ponto vale a pena
desmatar e destruir nossos biomas para produzir commodities?, questiona o ambientalista.
"Tem um professor, Altair Salles, que fala que a questão do Cerrado
brasileiro é de segurança nacional. Uma vez que destruído o Cerrado, se
compromete toda a rede hidrológica do Brasil", afirma.
:: Avanço do desmatamento: Cerrado tem mais de 21 mil focos de
queimadas ::
Confira a entrevista na íntegra.
Brasil de Fato: Como o agronegócio impacta a vida das comunidades
tradicionais e o meio ambiente no Cerrado brasileiro? Quais as consequências pro
resto do país, já que na região nascem as bacias hidrográficas?
Marcos Rogério Beltrão dos Santos: O Cerrado é um dos biomas mais importantes da América Latina.
Basicamente todas as bacias recebem água do Cerrado. Hoje sua extensão
territorial está reduzida. Tem estudos que demonstram isso. Um tempo atrás o
Cerrado era bem maior.
Hoje não tem uma ligação mas era possível encontrar o Cerrado do outro lado da
floresta amazônica, entre a divisa do Brasil com a Venezuela,
regiões da Colômbia. Então nesse passado recente, o Cerrado estava interligado.
Tínhamos aqui o oeste da Bahia completamente coberto pelo Cerrado, assim como
na Chapada Diamantina. E entre elas tem a caatinga. E com certeza havia uma
ligação entre o Cerrado da Chapada e o oeste da Bahia que hoje já não existe
mais.
Toda região
do Cerrado é muito importante e a principal característica é o solo. Solos
arenosos, com baixo teor de argila, favorece a interação da água e da chuva,
uma região que por estar muito próxima da floresta amazônica recebe muita água
e uma boa parte dessa água é armazenada.
Para se ter ideia, hoje os três principais aquíferos estão sob o Cerrado. O Aquífero Guarani, o
Aquífero Bambuí e o Aquífero Urucuia - esse último considerado o maior aquífero
100% brasileiro. O Guarani é internacional, está em vários países da América do
Sul. Já o Urucuia ocupa a região Sudoeste. Ocupa o estado de Minas Gerais, a
região Brasil-Central que faz parte de Goiás, também está no Nordeste porque
está nos estados da Bahia e Maranhão. E também na região Norte, já que o estado
de Tocantins também faz parte desse aquífero.
Cerca de 80% do Aquífero Urucuia está no oeste da Bahia. A partir dos
anos 70, houve um período muito intenso aqui na região porque primeiro vieram
os grileiros, houve confronto com as comunidades tradicionais
que não se preocupavam em fazer documento. Uso comum, todo mundo poderia usar
então não tinha dono, não tinha necessidade de documento dessas áreas.
Ai os
grileiros se aproveitaram dessa foto de documento e começaram a criar
documentos em cima dos territórios das comunidades tradicionais. Nos anos 1980
foi efetivado na região oeste o projeto de reflorestamento do oeste da Bahia,
que consistia na derrubada de toda vegetação nativa do cerrado para o plantio
de eucalipto.
Brasil de Fato: Mas que projeto é esse? Retirada da vegetação nativa para colocar
pinus no lugar?
Marcos Rogério
Beltrão dos Santos: Isso. Foi um projeto do governo federal e estadual
com a iniciativa privada. Nos anos 80, o Brasil, como o mundo todo, vivia uma crise
de combustível. Uma das ideias era plantar eucalipto para produzir etanol e
também produzir carvão para siderúrgica. Inclusive aqui no oeste da Bahia
chegou a ter uma subsidiária da Shell. Essa subsidiária que ficaria responsável
por fazer o aproveitamento do eucalipto para a produção de eucalipto mas o
projeto fracassou. O projeto foi para ajudar os amigos. Com isso chegou a soja
nos anos 90.
Brasil de Fato: E qual o impacto que o agronegócio trouxe pra região, para o
bioma?
Marcos Rogério
Beltrão dos Santos: Temos um histórico de confronto, de mortes,
principalmente de camponeses que são as principais vítimas desse modelo da
chamada Revolução Verde. Primeiro roubou os territórios das comunidades
tradicionais. Segundo, tirou a água. E em terceiro mudou todo o sistema
tradicional de produção.
A partir dessa
alteração da tirada da vegetação do Cerrado, se rodamos hoje pelo oeste na
Bahia é um deserto. Porque nesse período não tem soja, algodão, não tem milho.
Quando começar a chover vemos um deserto verde das monoculturas.
Mas houve
muitos confrontos. Recentemente completaram-se 43 anos de um dos assassinatos.
Só para ilustrar como foram violentas as situações de grilagem: No dia 22 de
setembro de 1977, foi assassinato em Santa Maia da Vitória, cidade vizinha de
Correntina, o advogado Eugênio Lira, do sindicato dos trabalhadores
rurais.
Ele foi
assassinado um dia antes de ir para Salvador depor na CPI da Grilagem. Ele iria
fazer denuncia sobre a grilagem no oeste da Bahia. Um grupo de grileiros
contratou um pistoleiro para matá-lo em plena luz do dia na cidade.
Tem inúmeros
outros casos de trabalhadores, camponesas e camponeses que foram assassinados
justamente nessa luta em defesa do Cerrado e do seu modo de vida.
A luta pelo
Cerrado não parou. Mas hoje, no oeste da Bahia, tem mais um agravante que é a
escassez de água. Com a destruição do Cerrado, principalmente nas áreas do
Aquífero Urucuia, o resto da Bahia passa por uma crise hídrica. Não só o oeste
como a bacia do São Francisco, do Tocantins, do Brasil todo.
Tem um
professor, Altair Salles, que fala que a questão do Cerrado brasileiro é de
segurança nacional. Uma vez que destruído o Cerrado, se compromete toda a rede
hidrológica do Brasil.
O país vem
passando por escassez de água. Já teve período de ter que fazer rodízio em
cidades como Goiânia. Todas as grandes cidades que recebem água do Cerrado em
algum momento passa por escassez.
Lógico que o pessoal que gosta de creditar isso a questão do clima,
à falta de chuva, mas o ponto principal é a destruição. Principalmente o
agronegócio. A sociedade brasileira tem que se fazer uma pergunta: até que
ponto vale a pena desmatar e destruir nossos biomas para produzir commoditties?
Hoje, por
exemplo, vivemos uma insegurança. O arroz está tão caro... Não há uma política
de segurança alimentar para a população brasileira e estamos pagando um preço
muito alto.
E tem a
questão dos agrotóxicos, as exportações de soja não são taxadas, tem a lei
Kandir, que isenta a taxação de imposto de produtos agrícolas. No fim das
contas, estamos pagando caro, não só as nossas gerações, mas as futuras também
pagarão um preço muito caro para ter o título de maior exportador de soja, de
milho e de algodão.
Edição:
Daniel Lamir
Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 10 de
Outubro de 2020
Fonte: https://www.brasildefato.com.br
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