Recebi nesta manhã ensolarada um belo
texto enviado pela aluna e intelectual orgânica Jailma Lopes do IFRN - Curso de
Informática (Campus de Ipanguaçu/RN-Brasil). Texto de autoria do Frei Gilvander
Moreira que, versa sobre um modelo de Estado que ver a arte do fazer político
como um trabalho pelo bem estar social, por valores nobres e revitalizantes de
uma cultura política que seja direcionada para formações mais humanas de
relações sociais. No dizer de (Silva & Silva; 2012: 337/338): “o intelectual não pode se furtar à ação
política, esconder-se em teorias pretensamente neutras. Não que todos os
educadores precisem atuar necessariamente nas instâncias político-partidárias. Mas
é função do intelectual, dos profissionais de ensino, a proposição de caminhos
à sociedade, de discursos compatíveis com as questões atuais.” Assim sendo,
é importante que façamos uma reflexão sobre o texto e se possível indicar essa
leitura a esses politiqueiros de plantão que não tem idéia do que seja
política. E além do mais, faz mau uso deste instrumento para prejudicar os
menos favorecidos. Enfim, boa leitura...
CUBA: os desafios de um grande
povo “ilhado”
Por Frei Gilvander Moreira
Chico Buarque, cronista das esperanças políticas
do seu tempo, ao falar sobre as suas viagens a Cuba, registrado no terceiro DVD
da série retrospectiva de sua obra, ironiza:“antigamente, o passaporte brasileiro dizia: válido
para todos os países com exceção de Cuba. Dá vontade de ir, né?”
Até bem pouco tempo, voltar ao Brasil após
uma visita a Cuba podia custar alguns aborrecimentos. O próprio Chico Buarque
foi protagonista de um fato que acabou virando manchete nos jornais. O jornal
“Folha de São Paulo”, no dia 21 de fevereiro de 1978, trouxe a seguinte
notícia: “CHICO
VOLTA DE HAVANA E É DETIDO. Chico Buarque, sua mulher Marieta Severo, o
escritor Antonio Callado e sua mulher Ana Arruda foram detidos ao chegar, na
manhã de ontem, em aviões diferentes, no aeroporto do Galeão. Como foi
divulgado pela imprensa, Chico Buarque e Callado integraram o júri de um prêmio
literário em Havana, Cuba, na semana passada. Como eles, fizeram parte desse
júri o jornalista Fernando Morais, também brevemente detido ao chegar em
Congonhas, sábado, e o escritor Inácio de Loyola, que presumivelmente ainda não
regressou ao País. O Brasil não tem relações diplomáticas com Cuba, mas um
advogado ouvido ontem no Rio opinou "não haver nenhum crime em se visitar
um país”. A Polícia carioca apreendeu a bagagem dos detidos, e ambos foram
avisados de que serão convocados para novos depoimentos.”
Afora os constrangimentos, nem mesmo na
época da ditadura militar era crime visitar Cuba. No entanto, falar de Cuba, do
socialismo e do grande líder revolucionário Fidel Castro ainda causa muito
constrangimento e indignação. A mídia, geralmente, desfila um rosário de
preconceitos acerca do regime político cubano e da história da Revolução.
Todavia, mesmo correndo o risco de causar constrangimentos e indignação,
retornando agora ao Brasil, após passar nove dias em Havana, quero assumir o
compromisso e a responsabilidade de compartilhar a experiência de conhecer de
perto a resistência e a determinação desse povo que luta contra o capitalismo e
contra o imperialismo criminoso dos Estados Unidos da América. Abaixo destaco
alguns aspectos presentes no modo de vida em Cuba e que, no meu entendimento,
são relevantes para pensarmos no socialismo hoje para uma vida melhor em sociedade. Eis,
abaixo, dez pontos que dão um panorama de nove dias em Cuba: primeiras
impressões; o impacto já ocorre na chegada; a relação de Cuba com os demais
países da América Latina; contra o bloqueio, muita criatividade; exercício do
poder em Cuba; sistema de Saúde socialista; telenovelas brasileiras em Cuba;
cristãos em Cuba; produção de alimentos e economia cubana.
1) Primeiras impressões
De 19 a 28 de dezembro (de 2006) realizei um sonho
de mais de 20 anos: pisar no solo sagrado de Cuba e conviver alguns dias com os
cubanos, esse povo heróico que defende ainda nos dias atuais o socialismo,
mesmo quando para muitos a única resposta possível para a humanidade é a
chamada democracia burguesa e o capitalismo.
Antes de emitir qualquer opinião sobre
Cuba acredito ser relevante ter em mente dois aspectos fundamentais: o
primeiro, a localização estratégica da ilha que fica a apenas 150 km do maior império da
atualidade. Esta é a distância que separa Cuba do estado da Flórida nos Estados
Unidos. O segundo aspecto é o fato de o país ter sofrido, e continuar sofrendo,
ao longo de sua história, permanentes tentativas de invasão, exatamente em
vista de sua posição estratégica na entrada do golfo do México.
Cuba é uma ilha de 110.000 Km2, 20% do
estado de Minas Gerais, estreita e comprida, assemelhando-se a um jacaré. Com
11 milhões de habitantes é uma ilha encantada por sua beleza natural e
encantadora pelo seu povo. Cristóvão Colombo, ao chegar em Cuba, em 1492, já
afirmara: “Esta
é a terra mais bela que olhos humanos viram.”
Nos dias atuais, pode-se afirmar que em
Cuba, além de vermos coisas que nossos olhos nunca tinham visto antes, vamos
sentir uma grande nostalgia diante de tantos objetos antigos que fizeram parte
do nosso cotidiano em um tempo em que nossas vidas eram bem mais simples e
livres do atual estresse em que vivemos nos dias atuais. Vamos nos deparar com
coisas totalmente inusitadas e criativas: táxis em bicicletas, carros
remendados com madeira e plásticos, ônibus construídos sobre antigas carretas,
chamadas “camelos”. Tudo isso permite àquele povo resistir, com intrepidez e
dignidade ao criminoso e diabólico bloqueio estadunidense. Convivem, no mesmo
cenário, recursos materiais limitados, tão abundantes nos paises ocidentais,
com o que há de mais moderno e avançado na criação humana. Seja nas ciências,
nas artes, nos esportes, os cubanos destacam-se sempre.
Ouvi relatos e reflexões que meus ouvidos
nunca tinham ouvido. Procurei ouvir mais do que emitir qualquer parecer acerca
do modo de vida que surge e que se atualiza desde o triunfo da Revolução em
1959. Aliás, este um fato que gera tanta especulação: as possibilidades de
sobrevivência do regime socialista cubano diante da globalização, da pressão
capitalista em todos os moldes e, principalmente, após a morte de Fidel.
Com ouvido atento procurei descobrir a
beleza daquela grande nação. O tempo todo tinha a sensação de estar na ilha
imaginária de Thomas Morus, UTOPIA, na qual o autor, inspirado na República de
Platão, pensa uma sociedade ideal em todos os sentidos, solidária, sem
propriedade privada, sem violência e com dignidade para todas as pessoas. No
entanto, não tenho a pretensão de defender a existência de uma sociedade
perfeita. O meu propósito neste ensaio é mostrar que, somando o que há de bom
em Cuba, fica um grande saldo em vista das limitações existentes, sobretudo se
levarmos em conta que a maioria das carências, impostas ao povo, advém não do
regime político socialista e sim do bloqueio da política imperialista dos
Estados Unidos, que causa enormes danos à economia cubana.
2) O impacto já ocorre na chegada
Na chegada a Havana, capital de Cuba, já é
possível sentir a diferença de se estar em um Estado socialista. Do aeroporto José Marti ao
centro da capital há um percurso de aproximadamente 30 quilômetros.
Neste trajeto somos presenteados com uma delicada e bem cuidada paisagem, onde
não há sequer uma propaganda comercial. Nas ruas de Havana, ocorre o mesmo,
nenhum outdoor que
estimule o consumo. Só podem ser vistas, e poucas, as propagandas do regime
socialista. Lembro-me de algumas: “Neste momento mais de 2 milhões de crianças estão passando fome
nas ruas do mundo, nenhuma delas é cubana.” “Pela vida. Não ao bloqueio
econômico dos Estados Unidos.” “Che Guevara, teu exemplo é uma luz na nossa
marcha socialista.” “Em Cuba, 100% das crianças estão na escola” .
Em 1961, após uma intensa campanha de
alfabetização, Cuba foi declarada território livre do analfabetismo. Vimos
pelas ruas pessoas simples e trabalhadoras que nos dão a certeza da existência,
naquele território, de um povo educado e saudável. Também chama a atenção a
enorme diversidade, nas pessoas, nas cores dos carros, no modo de vestir.
Pessoas alegres e que falam com muito orgulho do seu país. Determinados mesmo
quanto à independência e da opção e luta obstinada pelo socialismo e pela soberania.
Nos quatro canais de TV abertos, todos
estatais - há vários outros canais regionais –, não há também propaganda
comercial. Só há programas culturais, informativos e esportivos. Poucos são os
programas de entretenimento, dentre eles uma novela brasileira, atualmente,“Senhora do Destino”,
à qual os cubanos se referem com grande entusiasmo. Gostam muito de telenovelas
e radionovelas. Vale até lembrar que se orgulham de terem criado as
radionovelas, a primeira que se tornou famosa no Brasil, “O direito de nascer”.
3) A relação de Cuba com os demais
países da América Latina
A eleição de Hugo Chaves, na Venezuela,
criou novos laços entre os países da América Afrolatíndia e desenvolveu uma
outra forma de solidariedade entre as nações do continente. Cuba recebe o
petróleo venezuelano em troca do apoio na área da saúde. São milhares de
médicos e outros profissionais trabalhando na Venezuela. Milhares de
venezuelanos estão indo a Cuba para fazer tratamento de saúde. A excelência
cubana na área da saúde também tem ajudado muitos outros países como o Brasil e
a Bolívia.
Ao visitar o Museu da Revolução, antiga
sede presidencial do ditador Fulgêncio Batista, encontramos um grupo de jovens
bolivianos, orgulhosos do governo Evo Morales. Aqueles jovens informaram que,
logo após assumir a presidência, Morales enviou 400 jovens para cursar medicina
em Cuba. Formados,
serão missionários de uma revolução no sistema de saúde boliviano e poderão
trabalhar também em outros países, voluntariamente.
Na ELAN – Escola Latina Americana –,
criada em 1999, há 4 mil jovens latino-americanos cursando medicina. O estado
cubano custeia tudo: além dos professores e da manutenção da universidade,
oferece hospedagem, alimentação, livros, cadernos e ainda dá uma ajuda de custo
mensal. Os livros usados são devolvidos ao final de cada ano para que outros
estudantes possam estudar neles. É interessante registrar: enquanto nos Estados
Unidos gastam-se 350 mil dólares para formar um médico, em Cuba 120 mil dólares
são suficientes.
Há milhares de estudantes estrangeiros em
Cuba, na graduação e na pós-graduação. Só do Brasil são 700 jovens, 70 dos
quais são enviados pelo MST para fazer medicina e outros cursos.
4) Contra o bloqueio, muita
criatividade
Cuba foi inicialmente uma colônia
espanhola. Em 1898 foi ocupada militarmente pelos Estados Unidos. A partir de
então, cresceram os negócios dos norte-americanos na ilha que somente em 1902
tornou-se um país independente. O destino de Cuba foi profundamente marcado
pela influência norte-americana tanto no plano político, mediante o apoio a
partidos ou grupos, quanto no econômico. A beleza caribenha e a localização
estratégica atraíram também para o local o lazer e a orgia dos ianques. Também
uma chaga que gera um grande incômodo: uma base militar dos Estados Unidos em
território cubano, a base de Guantánamo. Essa base militar resultou das
negociações para a retirada das tropas americanas na independência.
Após a Revolução em 1959, muitos cubanos
migraram para os EUA e por discordar do regime são, ainda nos dias atuais,
manipulados e financiados pelo governo estadunidense com o intuito de derrubar
o regime liderado por Fidel Castro. Hoje, incluindo os descendentes, há mais de
um milhão de cubanos que vivem naquele país. A grande maioria colabora
efetivamente para a economia cubana enviando dólares para os parentes que moram
na ilha. Uma minoria, conhecida como a máfia cubana de Miami, que perdeu
dinheiro e poder após a Revolução de 1959, conspira o tempo inteiro contra a
política socialista. Essa pressão de uma minoria cubana interessa à política
imperialista dos Estados Unidos que usa de artifícios para isolar o último país
de resistência socialista existente no planeta.
Basta ver que quando um estrangeiro chega
clandestinamente aos Estados Unidos é imediatamente mandado de volta ao seu
país. Os cubanos são a exceção. Para incentivar a saída de Cuba, o governo dos
Estados Unidos acolhe como cidadãos os cubanos que chegam ao seu território. Ou
seja, os únicos estrangeiros que têm visto de permanência incondicionado nos
Estados Unidos são os originários de Cuba.
O bloqueio dos Estado Unidos a Cuba
consiste na proibição do comércio dos produtos cubanos nos Estados Unidos e a
venda de qualquer produto norte-americano a Cuba. Além é claro da proibição do
uso de tecnologia desenvolvida nos Estados Unidos. Não existe relação
diplomática e comercial entre os dois países. Isso gera enormes dificuldades à
economia cubana devido ao custo do transporte que é acrescido a todos os
produtos que vêm de países bem mais distantes, como os países europeus, o
Canadá ou China. Cuba tem de pagar sobretaxas para importar produtos
norte-americanos de outros países.
Deste modo, a única forma de o governo
cubano sobreviver ao bloqueio, é usar de muita criatividade e contar
irrestritamente com o apoio de um povo educado e que conhece muito bem a sua
história.
Vimos muita criatividade no sistema de
transporte cubano: táxis em triciclos, uns motorizados, como os cocotáxis para
os turistas, outros movidos somente com a força do pedal por valentes
condutores, que levam passageiros a pequenas distâncias. Automóveis que foram
sofisticados na década de 1950 e que continuam rodando suntuosos pelas avenidas
de Havana. Pequenos automóveis Fiat, parecendo miniaturas dos antigos 147.
Carros russos, como o Lada – das décadas de 1970 e 1980. Alguns seminovos em
uma grande variedade de tipos e cores. Micro pick-ups com apenas 03 rodas,
ônibus antigos tipo jardineira e os “camellos”, carretas com a carroceria
transformada em “super-ônibus”, como base para o transporte coletivo dos
trabalhadores, quase de graça. Incrível a diversidade de tipos e cores dos
meios de transporte em Cuba.
Vimos um grande número de pessoas pegando
carona e muitos motoristas oferecendo carona, especialmente nos horários de
pico. Depois ficamos sabendo que cerca de 80% dos automóveis são estatais e são
orientados a dar carona. Os carros particulares, que são poucos, também
cultivam essa prática de dar carona. É muito difícil ver uma pessoa sozinha no
veículo. Normalmente andam duas, três ou quatro pessoas no mesmo automóvel,
inclusive nos táxis. Percebemos que dar e receber carona é um valor socialista
e faz parte da cultura, é o normal. Muita gente vai trabalhar e volta sem ter
que pagar pelo transporte. Não existe o menor receio de violência como seria de
se esperar no Brasil. Também uma forma bastante inteligente de economizar
energia. O petróleo é muito oneroso para o governo cubano.
E desta e de outras maneiras Cuba vai
driblando o bloqueio norte-americano.
5) Exercício do poder em Cuba
Conversamos com taxistas, médicos,
lixeiros, comerciantes, professoras, psicólogas, agrônomos, advogados. Não
vimos nem uma pessoa reclamar de Fidel Castro, nem do socialismo, nem da
Revolução cubana. Pelo contrário, ouvimos o reconhecimento e a constatação de
que a Revolução deu dignidade para milhares de pessoas em Cuba. Conforme já
afirmamos acima, o diabólico bloqueio econômico que o (des)governo dos Estados
Unidos impôs a Cuba desde 1961 é identificado pelo povo cubano como o
responsável pelas dificuldades enfrentadas em todos os níveis.
Em Havana as praças públicas são realmente
públicas. O povo circula à vontade. Não vimos ninguém alertando sobre riscos de
roubo e assalto. A população está desarmada. Afirmam que existem armas
guardadas em vários locais e que podem ser disponibilizadas à população em caso
de invasão dos Estados Unidos. “Aqui não há delinqüentes e nem delinqüência. Aqui
temos paz social, fruto da justiça social existente. É muito raro acontecer um
assassinato ou um assalto”, diz uma criminóloga cubana. E
acrescenta: “Em caso de invasão, cada um dos cubanos sabe onde deve estar
imediatamente”.
Perguntamos a várias pessoas: “Como é
exercido o poder em Cuba? Fidel manda muito?” Explicaram-me: “A base do
exercício do poder em Cuba está nos CDRs – Comitês de Defesa da Revolução.
Esses comitês que surgiram para proteger a população das tentativas de golpe,
existem em todas as quadras das cidades e também na zona rural. No CDR todas as
pessoas da quadra estão cadastradas. Fazem assim um retrato de toda a população.
Sabem quantas crianças, quantos idosos e gestantes existem no país, com uma
margem de erro insignificante. Há em cada comitê um/a presidente/a, um
secretário/a e um vigilante que é o responsável pela saúde, educação das
pessoas que moram naquele local. Além do CDR, há o delegado de circunscrição
que exerce a função como voluntário, isto é, não recebe salário para
desempenhar a função. De três em três meses esse delegado presta contas ao
povo. Vinte delegados escolhem um delegado de território.
A organização política cubana inclui
também uma Assembléia municipal (poder executivo +
legislativo) que cuida de finanças, esporte, educação, saúde, moradia,
comércio, transporte, ruas e estradas, comunidades. Existem ainda as Assembléias
provinciais (14 províncias).
Da Assembléia Nacional fazem
parte 601 deputados. Vale destacar que recebem apenas o necessário para viver.
Exercem o mandato de deputado e continuam trabalhando na sua profissão e por
isso recebem salário, não pelo fato de serem deputados, mas como padeiros,
professores, médicos, ou qualquer outra profissão que exerçam. Em Cuba uma
pessoa é reconhecida na sociedade pelo que faz em prol da coletividade e não
pelo que consegue angariar para si mesma, como pela capacidade de ganhar
dinheiro ou ter sinais externos de riqueza.
Há um Conselho de Ministros com um
presidente, que agora é Ricardo Alareni. As grandes decisões nacionais são
tomadas na Assembléia Nacional. Fidel Castro é, desde o
triunfo da Revolução em 1959, reeleito como deputado. É o primeiro secretário
do PCC e comandante das Forças Armadas. Ilude-se quem pensa que Fidel decide
tudo sozinho. É claro que ele tem muita influência nas decisões por razões
históricas e pela idoneidade moral que adquiriu e conserva.
Conforme vemos, há uma rede de
participação que vai dos CDRs até ao Comitê Central da Revolução. Essas pessoas
são integrantes do Partido Comunista de Cuba, mas só se ingressa no Partido
após verificar com rigor a idoneidade e o interesse da pessoa pelo bem comum.
6) Sistema de Saúde socialista
“Cuba é uma fábrica de médicos”, exclama
Mongui, um cubano que se sente embaixador do Brasil em Havana. Na medicina a
excelência cubana tem o seguinte objetivo: conquistar os melhores remédios para
todos com o custo mais econômico possível e de forma sustentável. O Ministério
da saúde, as faculdades de medicina e os médicos incentivam e incluem cada vez
mais todos os tipos de medicina alternativos e naturistas – homeopatia,
geoterapia, ervas medicinais, massagem. Prioriza-se muito a medicina preventiva
que passa necessariamente por uma boa alimentação.
Há 60 mil médicos cubanos trabalhando
voluntariamente em missões internacionalistas, em 69 países, contribuindo com o
resgate da saúde de milhares de pessoas. Só na Venezuela estão mais de 15 mil.
Na Venezuela, atualmente, existem cerca de
20 mil médicos cubanos alavancando uma revolução no sistema público de saúde.
São responsáveis pelo atendimento primário da população, algo parecido com o
médico de família. Estão nas favelas e bairros pobres; lá vivem e atendem com
competência e dedicação os pobres. Recordo-me de ter ouvido em Caracas, no 6o Fórum
Social Mundial, três jovens camelôs dizendo com veemência: "Por mais de 50 anos,
os médicos venezuelanos recém formados se recusaram a ir para interior, para os
bairros, para a periferia. Só queriam ficar na capital, ganhar dinheiro às
custas da dor. Agora, com Hugo Chávez, eles tiveram sua chance de ajudar o
povo. Não quiseram. Então foi preciso apelar para a solidariedade. Vieram os
médicos de Cuba e estamos tendo acesso à saúde nos lugares mais distantes e
pobres". Ainda, em Caracas, em conversa com duas médicas e um
médico, ouvimos, entre tantas coisas, o seguinte: “Não viemos aqui para
ganhar dinheiro, mas por amor ao próximo. Estudamos medicina para cuidar das
pessoas, nunca para ganhar dinheiro. Quando terminamos o curso de medicina em
Cuba, fazemos um juramento de cuidar sempre da vida ameaçada em Cuba e em
qualquer país do mundo. Quando se é de esquerda, socialista, somos mais
cristãos, pensamos mais no próximo. Todo o povo do mundo é meu próximo, é minha
família. Somos e devemos nos comportar todos como irmãos. Vivo para servir a
sociedade. Aqui na Venezuela, recebemos apenas uma ajuda de custo para pagar
metrô, ônibus coletivo e comprar alimentos e alguma coisa mais necessária.” O
estipêndio recebido pelos médicos cubanos não chega a um salário mínimo da Venezuela,
que é cerca de R$405,00.
Mesmo com as dificuldades internas para a
produção de alimentos, em Cuba, todas as crianças de 0 dia a 7 anos de idade e
as gestantes têm garantido um litro de leite por dia.
Cuba é administrada considerando todos os
cubanos como sendo uma só família. Fidel é o pai de todos e os cubanos são
todos irmãos e irmãs. Por isso todos são tratados com igualdade de oportunidades.
Há prioridades que devem ser satisfeitas: alimentação, saúde, educação,
transporte público, cultura e esporte. As reivindicações pessoais são
atendidas, desde que sejam viáveis e no interesse de todos. Por exemplo, só tem
computador individual – o que é um “luxo” em Cuba – quem está desenvolvendo um
trabalho social relevante e que precisa deste instrumento. Só será permitido
comprar celular quando se encontrar um sistema que seja acessível a todos. E
estão quase conseguindo.
O povo cubano é um povo sadio. Come-se o
necessário para viver, sem exageros. Não vimos sequer uma pessoa obesa. A
alimentação é orientada por nutricionistas e contém todos os nutrientes
necessários para uma boa saúde.
Norma, uma psicóloga cubana, passou três
meses no Rio de Janeiro. Contou-nos que convidada para participar de diversos
churrascos e rodízios, estranhou muito diante de tanta fartura de carne e tão
pouca fartura na cultura e nas artes. Quando quis ir assistir a um show de
Gilberto Gil no Canecão avisaram-lhe que era muito caro. Ela revelou: “Entre comer muito,
participar de rodízios, prefiro alimentar meu espírito. O que mais nos alimenta
são os bens espirituais: cultura, arte, esporte e trabalho voluntário, tudo
isso dentro do espírito revolucionário socialista. A sociedade capitalista
enche a barriga das pessoas, mas deixa o espírito vazio .”
Vimos que a agricultura está diretamente
associada à saúde. Os alimentos são produzidos de forma orgânica e ecológica.
Usa-se muito pouco produtos químicos na agricultura. Está em curso um grande
projeto de reflorestamento com árvores nativas e exóticas.
7) Telenovelas brasileiras em Cuba
Em Cuba, a TV veicula uma telenovela por
noite. Uma noite, uma telenovela cubana e na noite seguinte, uma telenovela
brasileira ou de outro país. Antes da veiculação, uma comissão do setor de
relações internacionais analisa a telenovela estrangeira, dá um parecer, corta
cenas de sexo, de banalização.
Perguntei a várias pessoas cubanas se já
tinham pensado sobre os possíveis efeitos das telenovelas brasileiras sobre o
povo cubano. Caridad, psicóloga do setor de relações internacionais da TV
cubana me explicou: “A
programação dos 4 canais cubanos é basicamente cultural. O povo estava pedindo
mais programas de entretenimento. É muito melhor passar uma telenovela
latino-americana do que filmes dos Estados Unidos, filmes que geram uma cultura
de violência e de consumo. A questão central não é veicular ou não uma novela.
A questão é como veicular. Em Cuba as telenovelas são veiculadas sem nenhum comercial,
apenas uma por dia. Assim o/a telespectador/a acompanha mentalmente o
desenrolar da ficção. No Brasil, são muitas novelas por dia e são envenenadas
pela propaganda intermitente, entremeada na novela. Quando o/a telespectador/a
começa a raciocinar, interrompe-se a novela e joga uma propaganda. A pessoa
deixa de pensar na novela e começa a pensar na propaganda. Esta mistura de
novela com propaganda faz um estrago mental em quem está assistindo. Fica como
abelha tonta. É impedida de pensar. Resultado: a novela vira tranqüilizante.
Além disso, em Cuba o povo é culto e não aceita pacificamente o que é
apresentado na telinha. Também não encontra na realidade o luxo espelhado nas
telenovelas. Fica só no ficção.”
8) Cristãos em Cuba
Participamos de uma celebração na Igreja
Batista, presidida pelo pastor Raul Soares, deputado do PCC – Partido Comunista
de Cuba. De origem camponesa, já está no 3o mandato como deputado. É um dos
três pastores deputados em
Cuba. Além de Raul, há um outro da igreja episcopal e outro
presbiteriano. Raul Soares nos disse: “Não há contradição entre ser pastor e ser deputado
socialista. Em Cuba 80% das pessoas se declararam religiosas. Acreditam em Deus. Seguimos o
testemunho do Concílio Vaticano II, das Comunidades Eclesiais de Base e da
Teologia da Libertação. Os pobres nos evangelizam. Em 1959, a Igreja Católica
cubana traiu os pobres, a Jesus e a Deus, porque se colocou contra a Reforma
Agrária que Fidel Castro estava fazendo. Sou um pastor de esquerda. Espero que
Lula não traia os pobres e que faça uma verdadeira reforma agrária no Brasil.
Não há saída para a humanidade fora do socialismo. Precisamos melhorar o
socialismo. Capitalismo é anti-cristão e anti-humano.”
Conhecemos o Centro Martin Luther King,
com sede nas dependências da Igreja Batista. A partir da pedagogia de Paulo
Freire, esse centro tem ajudado a construir cerca de 60 casas populares, por
ano, em mutirão com a participação ativa dos sem-casa. Esse centro participa de
brigadas populares de limpeza de praças públicas em trabalho voluntário.
9) Produção de alimentos
Sentimos como Cuba vive, desde o fim do
apoio soviético ao país, um grande desafio para alimentar o seu povo. Todavia,
mesmo diante dessa dificuldade, em Cuba, os produtos transgênicos são
proibidos. Lá, de fato, as sementes são patrimônio da humanidade. Preserva-se a
diversidade das sementes e espécies.
A produção de alimentos, em Cuba, acontece
de forma diversificada. Há “granjas”, grandes fazendas do Estado, que produzem
cana-de-açúcar, tabaco, arroz e gado. Poucas pessoas, com implementos
agrícolas, garantem uma grande produção para o abastecimento de toda a
população ou industrializa os seus produtos de exportação, como o açúcar e os
famosos charutos e rum cubanos. Há pequenas, médias e grandes CCS – Cooperativas
de Crédito e Serviço – que reúnem muitas famílias de pequenos proprietários;
são empreendimentos mistos: privado e estatal. O cultivo é feito em sistema de
rodízio. Por exemplo, ara-se um pedaço de terra, planta banana (só um pé em
cada cova, 1,5 metro
entre as fileiras, pois assim produz mais). Após a colheita, ara-se novamente a
terra e planta-se uma nova cultura que pode ser mandioca, ou milho, depois
feijão, tomate, e assim por diante. Deste modo, é preservada a fertilidade da
terra. Há ainda as “fincas”, que são pequenas chácaras,
nas quais a agricultura familiar é tocada por uma, duas ou três pessoas. Em
Cuba a maior parte da terra rural pertence ao Estado. É muito raro o comércio
de terras. O agricultor possui, geralmente, apenas o usufruto da área em que
trabalha.
Atualmente o Estado cede terra para
usufruto por três anos. Se a pessoa progride, passa a ter direito sobre aquela
porção de terra. Se não, a terra é devolvida para o Estado que a repassa para
outro.
Todos os trabalhadores, tanto do campo
quanto os da cidade, têm todos os direitos trabalhistas respeitados.
Aposentadoria aos 60 anos para os homens e 55 para as mulheres, férias mesmo
para aqueles que trabalham por conta própria, saúde e educação, licença
maternidade de 1 ano para as mães. Em Cuba há apenas 3% de desempregados.
Após a queda do socialismo real, em
novembro de 1989, Cuba entrou em um Regime Especial. A agricultura urbana é
incentivada e está sendo desenvolvida para melhorar a alimentação do povo da
cidade. Lotes vagos, fundo de quintal e pequenos espaços de terra na cidade
estão sendo aproveitados na produção da horticultura. Há técnicos agrícolas que
orientam o plantio. Sementes são doadas. Fertilizante orgânico e húmus a partir
de minhocas chinesas garantem o êxito da produção de verduras.
10) Economia cubana
Em Cuba a economia é estatal. Cada pessoa
só pode ter uma casa e os que têm, só podem ter um carro. Existem diversos
mecanismos para se impedir a acumulação de riquezas. Com uma economia tão
“engessada” diriam os economistas de plantão, Cuba cresceu mais de 12,5% no ano
passado.
Em Cuba é proibido enriquecer-se, pois o
enriquecimento de uns gerará o empobrecimento de outros. Para garantir esse
princípio, uma série de medidas econômica é tomada. Por exemplo, de dois em dois
anos, mais ou menos, muda-se moeda para evitar acumulação. Quem juntar dinheiro
em casa, ainda que pouco-a-pouco, vendendo artesanato, com táxi, turismo, só
poderá trocar pouco dinheiro velho pelo novo. Assim controla e impede a
acumulação.
Em 2005, foi proibido o comércio com dólar
em Cuba. Agora
o turista é obrigado a trocar o dólar para “peso convertible” com uma
desvalorização de 20%, isto é, U$1,00 vale 0,80 de peso “convertible”. Este
vale 24 “pesos nacionais”, que é a moeda utilizada pelos cubanos. Uma pessoa
cubana paga em peso nacional a maioria dos produtos. Um estrangeiro paga em
peso “convertible”.
É proibida a existência de classes entre
os cubanos. O salário-mínimo está em 225,00 pesos nacionais por mês, piso
mínimo para os aposentados. Há acréscimos como prêmio aos melhores
funcionários. Uma pessoa não consegue ganhar mais do que 900,00 pesos nacionais
por mês, incluindo todos os incentivos e prêmios por mérito. As empresas
estatais dão “estímulos”, tais como cesta-básica, direito de fazer um curso
especial em Cuba ou no exterior.
Em Cuba as tarifas por serviços públicos
são baixíssimas. A tarifa de energia é de 9,00 pesos nacionais (cerca de 35
centavos de real) para 100 quilowatts de energia. Tanto as famílias quanto as
empresas pagam o mesmo valor por 100 quilowatts. Não é como em Minas Gerais, onde as
famílias pagam de 6 a
10 vezes mais do que o que pagam as empresas e cujas contas dos serviços
públicos essenciais sugam grande parcela da renda das pessoas. Paga-se muito
pouco também pelo consumo de água e gás de cozinha.
Os cartões de crédito – exceção feita ao
American Express e aos emitidos nos Estados Unidos – são aceitos em Cuba, em
muitos lugares.
Muitos se perguntam como pode-se viver com
tão pouco em Cuba. O
incrível é que não há violência no país, pelo rosto vê-se que as pessoas gozam
de boa saúde, todos estudam ou só não estuda quem não quer. Quase todos têm
trabalho. Não falta alimento nutritivo para ninguém. Só não há luxo e
desperdício alimentar. Como a educação e a cultura são prioridades do governo
os cubanos pagam muito barato para entrar nos teatros, nos museus, e em todos
os locais que custam mais caro para os turistas. Esse pode ser um exemplo a ser
seguido aqui no Brasil. Para um brasileiro é muito caro pagar para assistir a
um show que os estrangeiros, cheios de dólares acham muito barato no Rio de
Janeiro ou para entrar em uma igreja histórica em Ouro Preto. Por
isso já cantou Elis Regina que “o Brasil não conhece o Brasil”.
Se olharmos bem, após conhecer Cuba,
podemos ver que o Brasil é um país para poucos. Cuba é um país para todos. Uma
cubana nos provocou: “O Brasil é um país lindo, mas me dói o coração e me deixa
indignada ver os deputados brasileiros aumentarem em quase 100% seus próprios
salários, já astronômicos. Isso é uma desumanidade gritante. Não entendo como o
povo brasileiro não se levanta contra essa e tantas outras injustiças.”
Assim, volto ao Brasil, cheio da energia
boa que transcende Havana. Deixamos em terras cubanas novos amigos, aqueles que
tanto como nós admiram Ronaldinho, o futebol brasileiro, o samba e algumas
telenovelas brasileiras veiculadas em Cuba. A maioria dos cubanos admira a Teologia da
Libertação, frei Betto, Leonardo Boff, as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs
-, o MST e os Movimentos Populares do Brasil. Isso fortalece os nossos laços de
amizade e a vontade de voltar ao país que recebe a todos os brasileiros como
irmãos.
Engana-se, vou arriscar um palpite, quem
pensa que Cuba esfacela-se após Fidel Castro. A admiração e o respeito que os
cubanos tem pelo Grande Comandante, a ponto de o chamarem de “nosso pai”,
garantirão a firmeza na marcha socialista mesmo após sua morte. Fidel está
internalizado no povo e será muito mais vivo e forte após sua morte. Em Cuba
pode-se afirmar, sem sobra de dúvidas, que há 11 milhões de defensores da
Revolução. Quem viver verá!
Frei
Gilvander Moreira