Na semana em que é comemorado o Dia
Mundial do Meio Ambiente, indígenas, quilombolas e agricultores, entre outras
vítimas, brigam pelo direito à saúde e à terra.
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Os povos almados marcham e pedem ao Estado brasileiro que os respeitem. Foto: Ruy Sposati/Cimi |
A marcha dos indígenas Terena, que
partiu no dia 30 de maio e chegou na quarta-feira, dia 5 de junho, em Campo Grande, Mato
Grosso do Sul, serve como símbolo de que nesta semana, em que é lembrado o Dia
Mundial do Meio Ambiente, não há nada o que comemorar. De acordo com o Mapa de
Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, elaborado pela
Fiocruz e pela ONG Fase, e lançado no ano passado, as principais vítimas são os
indígenas, sendo 33,67 dos casos do relatório; os agricultores familiares,
31,99%; e os quilombolas, com 21,55%. No mapa, são relatados 343 conflitos
ambientais, que têm impacto na saúde coletiva no país.
Casos clássicos de grandes
empreendimento – como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, construída no Rio
Xingu, no Pará, e a usina siderúrgica Tyssenkrup Companhia Siderúrgica do
Atlântico (TKCSA), em Santa
Cruz, no Rio de Janeiro, além de empresas como a fábrica
Eternit em Minaçu, em Goiás, e das Indústrias Nucleares do Brasil S.A (INB), em Santa Quitéria, no
Ceará, e no Caetité, na Bahia – mostram que a luta não é localizada.
Uma das
coordenadoras do Mapa de Injustiças Ambientais e editora do blog Combate ao
Racismo Ambiental, Tânia Pacheco, denuncia que a situação está ficando cada vez
mais crítica. "O meio ambiente não é só a plantinha, não é só o bicho que
está no meio do mato. O meio ambiente é o ser humano que está integrando a
natureza.
A gente vive em um país no qual, neste momento, um indígena de 35
anos [Oziel Gabriel] acabou de ser assassinado porque estava tentando ficar em
uma terra que é reconhecida como dele. Se olharmos a terra de Mato Grosso do
Sul, hoje ela é toda banhada a sangue.
Quem não foi expulso durante a
colonização, foi expulso no século passado e continua sendo. Lá é o estado onde
mais se mata indígena no Brasil, sendo responsável por mais de 50% de mortes de
indígenas por ano. Mas, em todo o país, temos um monte de gente ameaçada de
morte, como os quilombolas e pescadores artesanais. Por outro lado, temos
madeireiros acabando com a Amazônia, eucalipto, soja e a cana de açúcar como
monocultura dos grandes latifúndios, dando passos para trás na nossa
história", resume Tânia.
Segundo ela, "o que está por
trás disso é um modelo desenvolvimentista capitalista que se apossou do coração
e da mente de determinadas pessoas, que entendem que o consumo é a grande marca
de ser”. “Isso se reflete no racismo com os quilombolas, nordestinos,
indígenas, entre outros", avalia.
Grandes empreendimentos
Um caso que já dura mais de 20
anos, a Usina de Belo Monte atinge mais de 300 mil pessoas, entre ribeirinhos,
quilombolas e indígenas, que habitam a região. A questão do licenciamento e a
falta da participação popular no estudo de viabilidade do projeto foram alguns
dos pontos agravantes do processo que se arrasta até hoje. Mais recentemente,
em 2009, com o novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e com a liberação da
licença prévia para a construção por meio do Ministério de Meio Ambiente (MMA),
a questão voltou à tona.
A licença permite que o consórcio Norte Energia,
responsável pela usina, instale canteiro de obras e alojamentos com a
autorização de desmatamento de 238 hectares. Um dos problemas questionados
pelo Ministério Público Federal foi o de que a empresa não cumpriu as
condicionantes exigidas para a obra.
No mês de maio desse ano, mesmo com
muitas manifestações e protestos, as lideranças Munduruku que ocupavam a região
do canteiro de obras em Vitória do Xingu, a 50 km de Altamira, no Pará,
receberam mandado que determina a reintegração de posse de Belo Monte.
O
Ministério Público do Pará, em pronunciamento, alegou que havia se surpreendido
com a decisão, uma vez que a negociação com os indígenas estava avançada. A
decisão partiu da desembargadora Selene Almeida, que se baseou em um relatório
realizado pela Polícia Federal de Altamira. Em nota, o MPF também mostrou
"preocupação com a condução do caso, já que a chefe da Polícia Federal em
Altamira, responsável pelo relatório, é casada com o advogado da Norte Energia
S.A, Felipe Callegaro Pereira Fortes, autor do pedido de reintegração de
posse".
A questão do licenciamento
ambiental também é uma pedra no meio do caminho de pescadores artesanais e
responsáveis pelo Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj),
da Petrobras. O projeto abarca sérias denúncias de poluição na Baía de
Guanabara e ataques a pescadores.
Na primeira semana do mês de maio, o juiz
federal Eduardo de Assis Ribeiro Filho, da Segunda Vara Federal de Itaboraí,
paralisou as obras por entendimento de que as licenças ambientais do Instituto
Estadual do Ambiente (Inea) não eram suficientes e faltariam documentos de
liberação do Ibama. Dois dias depois, o Comperj voltou a operar.
Em entrevista concedida à EPSJV/Fiocruz,
o líder da Associação de Homens e Mulheres do Mar (Ahomar) e pescador,
Alexandre Anderson, denunciou a contaminação provocada pela construção, que
acarretou o prejuízo da atividade pesqueira de inúmeras famílias, e as ameaças
que estaria sofrendo junto com outros companheiros.
Em menos de um mês, dois
pescadores artesanais e ativistas, Almir Nogueira de Amorim, de 40 anos, e João
Luiz Telles Penetra (Pituca), de 45 anos, foram assassinados. Alexandre hoje
não exerce mais sua atividade e é integrante do programa de proteção a
ameaçados de morte do governo federal, por conta das constantes ameaças.
Rio de Janeiro e Minas Gerais
dividem as consequências provocadas pelas obras de construção do Porto do Açu,
que ficará em São João
da Barra, no Rio de Janeiro. O Mapa das Injustiças aponta que, no total, serão
32 municípios envolvidos e diferentes atividades produtivas impactadas.
"Por conta de tantas partes envolvidas, o licenciamento foi se dando de
forma parcial, no lugar de analisar o todo, vendo os impactos em grandes
dimensões", afirma o pescador.
O Complexo Portuário do Açu , do grupo EBX,
prevê a construção de um terminal portuário para receber navios de grande
porte, além de um condomínio industrial com plantas de pelotização, indústrias
cimenteiras, um polo metal-mecânico, unidades petroquímicas, montadora de
automóveis, pátios de armazenagem para gás natural, cluster para processamento
de rochas ornamentais e uma usina termoelétrica, informa o Mapa das Injustiças
Ambientais.
Como consequência, a obra está desalojando diversas comunidades e
afetando uma área de reserva ambiental. A Asprim, baseada no parecer técnico da
Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB), afirma que o estudo de impacto
ambiental (EIA/RIMA) omite informações. O Instituto Justiça Ambiental (IJA)
também aponta irregularidades no licenciamento, por ter iniciado a tramitação
no Inea, quando o caminho deveria ser por um órgão federal, que, no caso, seria
o Ibama.
Agronegócio
O município de Limoeiro do Norte,
no Ceará, está entre os mais impactados pelo uso de agrotóxicos. Uma pesquisa
realizada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), em conjunto com a Universidade
de São Paulo (USP), apontou que o uso tem sido indiscriminado e que um em cada
três trabalhadores avaliados apresentam irritação, dores, tonturas, depressão,
câncer, entre outros sintomas, além da constatação de alguns casos de morte.
A professora e pesquisadora do
Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da UFC, Raquel
Rigotto, enfatiza que os impactos na saúde pública, embora sejam de grande
dimensão, não estão claros para a sociedade. "Temos impacto desde os
consumidores até os trabalhadores. Como diz o [cineasta] Silvio Tendler, o
veneno está na mesa todos os dias.
O estudo do Ministério da Saúde que faz o
controle de registro da Anvisa tem mostrado que em 63% das amostras analisadas
são identificadas a presença dos agrotóxicos, e em 29% destas esse teor é tão
elevado que torna o alimento proibido para consumo. Os consumidores estão
ingerindo doses enormes. O resultado disso é que ele é um dos responsáveis por
uma das principais causas de morte no Brasil, que é o câncer", explica.
Segundo ela, “desde a Revolução Verde, tem-se a ideia de que os agrotóxicos
elevam a produtividade e melhoram a qualidade dos produtos. Com isso, contam
com o envolvimento muito forte do governo federal e governos estaduais, que têm
concedido isenções de impostos, tornando o produto mais barato e,
consequentemente, estimulando o consumo conjuntamente com a propaganda e com
agentes técnicos que sofrem forte influência na formação acadêmica".
Raquel lembra que, do 1 milhão de
tonelada de agrotóxicos que o Brasil consome ao ano, 70% é consumido na
produção das três principais commodities agrícolas para exportação: a soja, a
cana de açúcar e o milho. O Brasil é hoje o maior consumidor de agrotóxico do
mundo. De acordo com dados da Embrapa, os estados que lideram esse ranking
internamente são São Paulo (25%), Paraná (16%), Minas Gerais (12%), Rio Grande
do Sul (12%), Mato Grosso (9%), Goiás (8%) e Mato Grosso do Sul (5%). Além do
alto consumo, o problema está ainda na forma como ele é usado.
A pulverização aérea - proibida em
diversos países - ainda é uma prática comum no Brasil. Casos recentes como o de
Rio Verde, em Goiás, em que uma escola foi atingida e diversos estudantes e
funcionários foram contaminados com o Engeo Pleno, um inseticida da Syngenta que
havia sido proibido pelo Ibama e logo depois liberado, ilustram essa situação.
O município de Lucas do Rio Verde (MT) também sofre consequências de
pulverização aérea que já contaminou rios, águas da chuva e até o leite
materno, de acordo com a pesquisa ‘Agrotóxicos em leite humano de mães
residentes de Lucas do Rio Verde ', da pesquisadora Danielly Palma. Ainda no
Mato Grosso, os indígenas Xavante da Terra Indígena de Marãwaitsédé também
denunciaram despejo de agrotóxicos muito próximo às suas residências.
Nesta semelhança entre quem legisla
e quem lucra, o agronegócio cresceu substancialmente nos últimos anos no
Brasil. Entre os proprietários de grandes terras e indústrias do setor, estão
muitos parlamentares, como o senador Blairo Maggi (PR/MT), líder da Comissão de
Meio Ambiente do Senado, que também é composta pelos ruralistas Garibaldi Alves
Filho, Ivo Cassol, Kátia Abreu, José Agripino e Eunício Oliveira, este último
exerce cargo de suplente.
Povos tradicionais
A marcha dos indígenas Terena que
abriu essa matéria também é fruto da briga entre fazendeiros e indígenas. A
fazenda Buriti, motivo do conflito atual, é um espaço reivindicado pelos
indígenas há mais de uma década, e que, em 2010, foi reconhecido pelo
Ministério da Justiça como de posse permanente dos Terena. Há um ano, o governo
voltou atrás, concedendo a reintegração da posse da terra aos antigos
proprietários.
Uma das principais bandeiras dos indígenas brasileiros é a
demarcação das terras. O que os indígenas estão considerando um passo para trás
foi dado nesta última semana, quando o governo anunciou que a Fundação Nacional
do Indígena (Funai) não será a única a emitir pareceres sobre as demarcações,
conjuntamente serão levados em consideração os de outros órgãos, como o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Em carta aberta, os servidores
da Funai protestaram sobre a decisão. "(...) De acordo com a Constituição
Federal de 1988, compete à União a demarcação de terras indígenas para a
garantia da sobrevivência física e cultural destes povos, de acordo com seus
usos costumes e tradições, afastando-se a ideia de assimilação/aniquilação dos
povos indígenas e suas culturas, que orientou ações de Estado até os anos 198/90.
As demarcações de terras indígenas são, portanto, o reflexo de um novo
paradigma para uma sociedade verdadeiramente plural, em que povos indígenas têm
voz, vez e terras", diz a carta.
Outras contaminações
Zoraide Vilas Boas, coordenadora de
comunicação da Associação Movimento Paulo Jackson - Ética, Justiça e Cidadania,
explica que a população do município de Caetité, localizado a 750 km de Salvador (BA),
sofre as consequências de mina de urânio. A contaminação da água também é
destaque da cidade, que não tem unidade de saúde pública que possa cuidar
diretamente do problema.
A exploração do material radioativo é realizada pela
empresa pública Indústrias Nucleares Brasileiras (INB). "A Comissão
Nacional de Energia Nuclear, na estrutura do setor nuclear brasileiro, é a que
formula, cria, faz a política nuclear, e, ao mesmo tempo, estimula a atividade,
fiscaliza e é proprietária da INB. Por outro lado, a INB ainda tem a prática de
levar cientistas para fazer palestras que alegam que o Caetité já é poluído
naturalmente", denuncia.
O município de Santa Quitéria, no
Ceará, compartilha do mesmo problema. A denominada "Jazida de
Itataia" foi descoberta no ano de 1976 e, em 2006, o governo anunciou a
intenção de extrair além do urânio, o fosfato, ambos destinados à produção de
fertilizantes. A exploração ainda não foi iniciada, mas o Mapa de Injustiças
enfatiza que esta magnitude implicará no transporte de materiais perigosos,
riscos de acidentes, vazamentos e demais passivos para as populações.
Zoraide alerta que a INB tem
alegado que a exploração no Ceará tem foco no fosfato como forma de conseguir
um licenciamento. "Eles alegam que o urânio é uma exploração secundária.
Porque o licenciamento para o fosfato pode ser feito pela secretaria do estado
do Ceará, já o licenciamento nuclear é de responsabilidade federal. O caminho é
mais fácil desta forma. A sociedade reagiu e o processo ainda não foi
concluído", explica.
O amianto - declarado pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) como um elemento altamente cancerígeno - é
livremente explorando na Mina Cana Brava, de propriedade do grupo italiano
Eternit e da Sociedade Anônima Mineração de Amianto, em Minaçu, interior de
Goiás.
A auditora fiscal do trabalho, Fernanda Giannasi, afirma que além de um
problema de saúde ocupacional, por conta do desenvolvimento de mesotelioma,
tipo de câncer provocado pela exposição ao amianto, trata-se também de um
problema de saúde pública. "O que nos causa muito incômodo é que o Amianto
continua sendo permitido no Brasil.
O descaso com a vida e a saúde da população
com a exploração deste mineral já deu origem a diversas ações que estão em
andamento, mas isso não vai adiante. Essa atividade é reconhecida como
cancerígena, e já foi abolida em mais de 60 países. Aqui continuam a explorar
sobre a proteção do governo de Goiás e do governo Federal. A omissão é um dos
pontos mais graves deste caso", argumenta. Tamanha a gravidade
internacional que, nesta semana, a justiça italiana aumentou a sentença do empresário
suíço Stephan Schmidheiny, sócio da Eternit Italia, de 16 para 18 anos, por ter
provocado a morte de mais de 3 mil pessoas com o uso de amianto.
De acordo com o Mapa das
Injustiças, baseado em denúncias de entidades locais e de fiscais do Ministério
do Trabalho, há cerca de 50 famílias de trabalhadores e ex-trabalhadores das
minas e fábricas da SAMA/Eternit atingidas por doenças e óbitos. “São vítimas
de câncer e de asbestose, causados pelo contato prolongado com o amianto
crisotila, que a empresa insiste em dizer que é seguro. Há também denúncias de
que o município inteiro de Minaçu é impactado pela névoa contínua lançada pela
mineradora e pela fábrica de fibro-cimento sobre a cidade”, denuncia o
documento. Fernanda ainda avalia que a população tem medo de enfrentar esse
debate por conta do receio de perder o seu trabalho. "A população está
diante de um risco altíssimo, mas está sem solução, pois a atividade econômica
da cidade gira em torno desta exploração mineral", relata.
A chuva de prata proliferada pela
Tyssenkrup Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) parece lembrar a situação
de Minaçu. O caso da TKCSA, em
Santa Cruz, no Rio de Janeiro, deu origem ao relatório
‘Avaliação dos Impactos Socioambientais e de Saúde em Santa Cruz ',
desenvolvido por pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro (Uerj), que constata que, na precipitação, havia a presença de ferro,
cálcio, manganês, silício, entre outros. Segundo o documento, esta contaminação
já teria provocado na população problemas dermatológicos, respiratórios e
oftalmológicos.
Os pescadores da Baia de Sepetiba também se dizem prejudicados
com a instalação da empresa, pela poluição de toda a região. Para a atuação, a
empresa não obteve a licença definitiva, mas suas atividades são realizadas por
conta de uma licença ambiental parcial conforme um Termo de Ajustamento de
Conduta assinado em 2010 pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEA), a
Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) e o Instituto Estadual do
Ambiente (Inea). No total, são 130 condicionantes que ainda não foram cumpridas
em sua completude.
O professor-pesquisador da Escola
Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz (EPSJV/Fiocruz), Alexandre
Pessoa, lembra que o bairro que abriga a empresa historicamente foi um
território de exceção, e que esses são os alvos de empresas transnacionais com
empreendimentos poluidores. O professor lembra que a empresa, de origem alemã,
não recebeu a permissão para houvesse instalação do modelo no país de origem. "Existe
uma intencionalidade nessa escolha, que parte do pressuposto de que num o
território com baixo índice de desenvolvimento humano e ocupado por uma
comunidade de baixa renda, a população não teria condições de defender os seus
direitos", explicou o professor.
Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/13172
07/06/2013