A 21ª Conferência do Clima (COP 21) será realizada em
dezembro de 2015, em Paris, e terá como principal objetivo costurar um novo
acordo entre os países para diminuir a emissão de gases de efeito estufa,
diminuindo o aquecimento global e em consequência limitar o aumento da
temperatura global em 2ºC até 2100.
Os Munduruku iniciaram o processo de autodemarcação no território após anos sem resposta da FUNAI.
Por Camila Nobrega, De Berlim, Alemanha
Os Munduruku, do Médio Tapajós, estão entre os 21 vencedores do Prêmio Equador (Divulgação) |
Enquanto lideranças
de vários países se preparam para debater acordos sobre projetos de mitigação
do aquecimento global que afetam diretamente áreas de floresta – como a
Amazônia brasileira – povos tradicionais silenciados neste processo lutam para
garantir autonomia nesses territórios. É o caso do povo Munduruku, da região do
Médio Tapajós, que receberá um prêmio pelo projeto de autodemarcação do próprio
território em uma das programações paralelas à conferência, que começa na
próxima segunda-feira, 30 de novembro, em Paris.
Os Munduruku estão
entre os 21 vencedores do Prêmio Equador, cujo objetivo é ressaltar alternativas locais
que combinam soluções para pessoas e a natureza. A cerimônia de entrega do
prêmio, organizado pela ONU, será no dia 7 de dezembro. O povo Munduruku
iniciou o processo de autodemarcação no território, após anos de espera
sem ações por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai). Como a terra
indígena está na reta de interesses econômicos, como a previsão da construção
da usina hidrelétrica de São Luis do Tapajós, a demarcação oficial da terra
indígena Daje Kapap Eypi está paralisada. O território reivindicado, e há gerações
ocupadas pelo povo indígena, está localizado nos municípios de Itaituba e Trairão
oeste do Pará. O local fica a poucos quilômetros da área prevista para a
construção da usina de São Luiz do Tapajós, de 8.040 megawatts.
Marquinho Mota,
representante do Fórum da Amazônia Oriental, esteve presente esta semana em um
debate sobre “Floresta, Direitos, Emissões – Povos tradicionais da Amazônia e a
política climática internacional”, em Berlim, e questionou:
- Aí dizem que
energia hidrelétrica é energia limpa. Uma energia que começa desse jeito pode
ser chamada de limpa? - perguntou Marquinho durante o debate no Instituto
Ibero-americano, no centro de Berlim, capital alemã, no último dia 24 de
novembro.
Autodemarcação
começou em 2014
Linhas fronteiriças
podem parecer apenas abstrações de um território real, vivido no dia a dia, mas
há situações em que elas podem gritar sobrevivência e se tornar instrumento de
autonomia. E é exatamente por sua importância que elas são constantemente
negadas e invisibilizadas, tornando-se motivo de conflitos Brasil afora. Foi
percebendo isso que o povo Munduruku resolveu, há pouco mais de um ano, começar
um processo árduo e bastante ousado de autodemarcação do próprio território.
Facões e GPS em punho (sim, porque a tecnologia também pode auxiliar o
conhecimento tradicional), mais de 60 indígenas Munduruku se voluntariaram a se
embrenhar na mata na região do Médio tapajó para iniciar a tarefa em conjunto. Nesse
processo, homens e mulheres dividiram tarefas. As Guerreiras Munduruku, grupo
de mulheres da etnia que vivem e lutam na região, têm protagonismo no processo
e na documentação da autodemarcação.
O Movimento
Munduruku Ipereg Ayu vive sob tensão com medo de que parte das terras onde
habitam sejam inundadas para a construção de, pelo menos, nove barragens na
bacia do Tapajós. Algumas comunidades da região possuem terras demarcadas, mas
existem outros grupos em aldeias como a Sawre Muybu ao longo do médio curso do
Tapajós próximo ao município de Itaituba, que não possuem o título da terra.
Estes territórios são os mais ameaçados. Sem regularizar a situação, o governo
brasileiro e os poderes econômicos locais, como o agronegócio em aliança com
grupos internacionais, se tornam coniventes com as ameaças de violência e
diversas violações de direitos às quais os indígenas estão submetidos
atualmente.
Frente a uma
plateia composta majoritariamente por europeus, Marquinho foi aplaudido ao
explicar o processo de autodemarcação e a negativa dada pelo povo Munduruku a
outras iniciativas de ajuda financeira, como o projeto de REDD (Redução de
Emissões por Desmatamento e Degradação), que seria feito com uma obscura
empresa irlandesa denominada Celestial Green Ventures. Por US$ 4 milhões
divididos ao longo de 30 anos a empresa teria os direitos de comercializar
créditos de carbono daquela área da floresta.
“Esses projetos de
REDD (mecanismos que mais uma vez será debatido na COP-15) violam direitos dos
povos tradicionais. A ideia é a floresta ficar preservada, mas o caboclo e o
índio, por exemplo, perdem o direito de tirar uma palha para construir casa.
Não queremos perder nosso direito à floresta para empresas internacionais
poderem poluir livremente na Índia ou sei lá aonde”, afirmou Marquinho Mota.
Quilombos lutam por
visibilidade na luta por justiça ambiental
Assim como os povos
indígenas, movimentos quilombolas estarão presentes em Paris, na tentativa de
construir uma resistência às propostas de preservação ambiental que atropelam
direitos das comunidades tradicionais. Ana Cláudia Mumbuca, quilombola da
região do Jalapão, no Tocantins, também esteve presente no debate em Berlim e
ressaltou o momento difícil que o Brasil vive, em uma luta diária contra
retrocessos no Congresso: “Não podemos deixar que tirem os direitos dos povos
tradicionais em nome do que chamam de preservação ambiental. Se o nosso
território está preservado não foi apenas porque a natureza se manteve, mas
porque existe trabalho humano ali, diário e integrado ao meio ambiente.”
Ana fez uma
comparação com o trabalho das abelhas, que foi preservado ali. “Nós também
somos as abelhas que polinizam a floresta e isso não é levado em consideração”
São as abelhas que
dão inclusive nome à região. Mumbuca é referência a uma abelha azul muito comum
naquela localidade do Jalapão. O lugar se tornou famoso em textos sobre turismo
na região do Tocantins e artesanato feito por mulheres com o capim dourado. Mas
pouco se fala sobre os conflitos de terra a que as quilombolas e os quilombolas
Mumbuca estão expostos nesse território, a cerca de 30 quilômetros do município
de Mateiros, numa área próxima à rodovia TO-110. Junto com outros povos do
Cerrado, eles lutam para dar visibilidade à degradação desse bioma,
especialmente devido ao agronegócio que ocupa grandes faixas da região,
criticando mudanças propostas na legislação, como a polêmica PEC 215.
Lutando contra a
falta de espaço no debate público e na mídia, quilombolas e indígenas do
Tocantins também iniciaram processos autônomos, por meio de instrumentos como a
cartografia social. O objetivo é dar espaço à narrativa da população
local.
Durante o debate, Ana mencionou a Marcha das Mulheres Negras que ocorreu
pela primeira vez em Brasília, no dia 18 de novembro, reunindo mais de 20 mil
mulheres. Ela contou sobre as ofensivas contra a marcha, por parte de grupos
políticos conservadores do país e a repressão enfrentada pela ação da Polícia
Militar. Recebeu o apoio direto de uma companheira do movimento negro de
Camarões e foi aplaudida longamente pela plateia. Ana Mumbuca e Marquinho Mota
participam de uma extensa agenda na Alemanha e seguem para a Áustria.
27/11/2015
FONTE: http://www.brasildefato.com.br/
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