Pesquisar este blog

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

OSVALDÃO, COMANDANTE NEGRO DO ARAGUAIA

Documentário mostra a história de um carismático jovem lutador brasileiro
Por Mário Augusto Jakobskind,Do Rio de Janeiro (RJ)

"Osvaldão" conta história de militante comunista 

O documentário "Osvaldão", que conta a história de um personagem carismático oriundo das classes populares e que teve papel destacado como comandante da guerrilha do Araguaia está nas telas dos cinemas brasileiros.
Com a direção de Vandré Fernandes, Ana Petta, Fábio Bardella e André Michiles, um quarteto de jovens que não eram nascidos quando da guerrilha, além de Renata Petta na produção, o documentário tem uma história pouco comum. Ele foi realizado de forma independente ao ser financiado por diversos movimentos sociais e contribuintes individuais. Não dependeu de empresas públicas ou privadas.           
O filme fala sobre Osvaldo Orlando da Costa, um jovem nascido no município mineiro de Passa Quatro (MG), de família descendente de escravos. Depois de exercer várias atividades, inclusive como lutador de boxe no Vasco da Gama, ele ganhou uma bolsa de estudos na então Tchecoslováquia, onde se formou em engenharia.
Militante comunista
Osvaldão tornou-se militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e, a partir de 1967, durante a ditadura civil militar, entrou fundo no projeto de guerrilha. Sua missão era preparar terreno para a deflagração do movimento. A narração do documentário é feita pelo ator Antônio Pitanga, pela cantora Leci Brandão e pelo cantor Criolo.
A guerrilha do Araguaia acabou sendo reprimida de forma violenta. Seus militantes foram assassinados por militares deslocados para combater um movimento que tentava dar os seus primeiros passos. Quase todos os guerrilheiros foram presos e assassinados fora de combate. Os corpos de alguns deles, entre os quais Osvaldão, estão desaparecidos até hoje.
Pelo relato de camponeses moradores da região, Osvaldão transformou-se numa lenda. Era uma figura respeitada, não só pelo seu carisma como pelo poder de comunicação. Era cultuado pelos habitantes locais, que também tiveram de enfrentar a fúria repressiva do Estado brasileiro, no maior deslocamento de tropas ocorrido na história do país desde a Guerra de Canudos.   
Quem for ver Osvaldão terá a oportunidade de conhecer com mais profundidade o jovem negro brasileiro que tinha por objetivo acabar com a ditadura civil militar que assolou o país depois da derrubada do Presidente constitucional João Goulart, em abril de 1964. Ele e tantos outros companheiros deram a vida para proporcionar melhores condições de vida ao povo brasileiro, pela via do socialismo. 
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/

17/02/2016

domingo, 21 de fevereiro de 2016

HERANÇA NEGRA

Quilombolas interagiam com comunidades locais e criaram núcleos locais que sobrevivem até hoje
v  Flávio Gomes e Antonio Liberac C. S. Pires

Já sabemos bastante sobre os quilombos e os mocambos no Brasil durante a escravidão, graças aos avanços da pesquisa histórica nas últimas décadas. Assim como na Jamaica, no México e nas Guianas coloniais, aqui proliferaram grandes comunidades de fugitivos, especialmente Palmares e nas Minas Gerais setecentista. Porém, uma característica mais acentuada nos assemelha à experiência dos quilombos da Venezuela e Colômbia, denominados cumbes e palenques: o surgimento de inúmeras pequenas e médias comunidades rurais em várias regiões. Elas se disseminaram nas últimas décadas da escravidão e avançaram após a emancipação (1888).
Em várias partes das Américas, libertos, escravos e principalmente fugitivos desenvolveram micro-sociedades camponesas, com roças e extrativismo, em diversas estruturas. Nesta espécie de campesinato negro, sempre houve articulação entre os quilombos e os setores sociais envolventes, o que incluiu a miscigenação com grupos indígenas. Em função do não-isolamento e ao mesmo tempo da estratégia de migração, muitos quilombos sequer foram identificados e reprimidos por fazendeiros e autoridades durante a escravidão. Outros foram reconhecidos como vilas de roceiros negros, efetuando trocas mercantis e interagindo com a economia local. Destaca-se ainda a formação de comunidades de senzalas — com cativos e libertos de um mesmo proprietário, ou de um conjunto de proprietários, organizadas por grupos de trabalho, famílias, compadrio e base religiosa. Em comum, estas inúmeras comunidades compartilhavam a identidade étnica e as noções de territórios na sua base econômica agrária.
Essas diferentes tipologias são necessárias para entender a complexidade das formações quilombolas em várias épocas e contextos. Os quilombos que procuravam constituir micro-sociedades camponesas integradas à economia local coexistiram com aqueles caracterizados pelo protesto reivindicatório, com ocupação de terras e invasões de fazendas, e com pequenos grupos de quilombolas em migração permanente.
Aqueles mais estáveis – como Palmares no século XVII, os quilombos de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso no século XVIII, e vários outros na Bahia, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Maranhão e Pará no século XIX — apesar das expedições reescravizadoras tinham se reproduzido ao longo do tempo, possuindo uma economia estável. Já os pequenos grupos de quilombolas itinerantes não tinham acampamentos fixos e suas economias se carecterizavam, de maneira geral, por um caráter extrativo e predatório. Desapareciam e reapareciam de forma contínua.
Também surgiriam – principalmente no último quarto do século XIX — aquilombamentos constituídos por escravos de uma mesma fazenda, refugiados no interior das terras do próprio senhor. Em protestos – que podiam durar alguns meses ou mesmo anos – reivindicavam mais autonomia e não raras vezes aceitavam voltar à situação de cativos, com a condição de verem suas exigências atendidas. Foi o que aconteceu no final do ano de 1870, na fazenda da Marambaia, pertencente ao Comendador Souza Breves, localizada em Mangaratiba, no Rio de Janeiro. Um grupo de escravos tinha se aquilombado, negando-se a ser transferido para outras fazendas. Os quilombolas encontravam solidariedade e “auxílio nos parceiros da fazenda e seus parentes consentindo que eles pernoitem nas mesmas senzalas, embrenhando-se durante o dia pelas matas”. Quatro anos mais tarde, se aquilombaram alguns escravos em uma fazenda de Barra de São João, também na província do Rio de Janeiro. Segundo seu proprietário, o Comendador Costa Cabral, apesar da “abundância em que viviam”, pois até mesmo fumo e aguardente lhes fornecia, “por mais de uma vez tem-lhe fugidos os escravos, ainda que [se] conservam nas proximidades da fazenda”. E assim esses escravos “permaneciam aquilombados”, construindo seus ranchos nas matas da fazenda e praticando “pequenos furtos, como é costume em tais casos para subsistirem”.
Existiam também  lavradores espertalhões, que se aproveitavam da mão-de-obra de cativos refugiados. Em Macaé, em 1864, cerca de 26 escravos de um mesmo senhor, dados como fugidos, foram encontrados trabalhando na fazenda do Deitado, de propriedade de Bernardo Lopes da Cruz, logo denunciado como acoutador (aquele que oculta criminosos) e ladrão. Os recapturados confirmaram a denúncia e revelaram que tinham sido vendidos há pouco tempo e que o acoutador negociou com eles “o prazo de um mês pouco mais ou menos para venderem as suas roças e criação, e dispusessem-se para a viagem”. Um episódio original de aquilombamento. Escravos insatisfeitos com a troca de senhor, e portanto de cativeiro, acabaram fugindo coletivamente e foram trabalhar para outro fazendeiro, com a promessa de que seriam comprados. Colhiam café, ora dormiam nas senzalas da fazenda para onde tinha fugido, ora nos matos, ora em ranchos.
Casos como estes demonstram que assenzalados e aquilombados viviam situações mais próximas do que até bem pouco tempo sugeriu a bibliografia sobre o tema. O que está em xeque é a polarização entre os conceitos de quilombo, idealizado como local de rebeldia, e senzala, suposto espaço de irremediável acomodação. Um episódio ocorrido em 1882, no município de Paraíba do Sul, no Vale do Paraíba Fluminense, ajuda a questionar tal oposição. Os escravos da fazenda Três Barras estavam trabalhando “tranqüilamente” na lavoura, quando reagiram contra uma diligência que retornava de um ataque a um quilombo próximo, libertando o “chefe do quilombo” que ia preso e tentando justiçar um “preto capataz”, responsabilizando-o pela denúncia e prisão de alguns quilombolas.
Depois de 1888, as diversas experiências de aquilombamento passaram a interagir ainda mais com as formações camponesas predominantemente negras, feitas de lavradores pobres, roceiros ou libertos. Pode ter existido um movimento migratório de famílias de libertos — alguns dos quais também quilombolas — à procura de terras férteis e trabalho em outras regiões e fazendas. Este parece ter sido o caso da ocupação na Baixada Fluminense. E em diversos lugares, os libertos – como está bem documentado para o Vale do Paraíba e Campos dos Goitacazes — permaneceram nas antigas fazendas onde moravam. Ao mesmo tempo, grupos de quilombolas migraram para onde havia vilas e feiras, locais em que  realizavam trocas com taberneiros.

Havia também grupos formados por antigos fugitivos, desertores e mesmo soldados que retornaram da Guerra do Paraguai. É o caso da comunidade da Barra da Aroeira, no município de Santa Tereza, a cerca de 90 km de Palmas, capital do Tocantins. Ela surgiu a partir de doações de terras aos ex-combatentes. Ao voltar da Guerra, o soldado negro Felix José Rodrigues recebeu terras do Imperador Dom Pedro II. Com outros roceiros – talvez alguns antigos quilombolas — teria iniciado a ocupação em um lugar denominado São Domingos. Plantando arroz, feijão, mandioca, milho e hortaliças, mas com dificuldade de comprovar com documentos a ocupação histórica da terra, esta comunidade hoje vive ameaçada por fazendeiros e grileiros locais.
Cada vez mais evidente, a diversidade na formação desses grupos negros torna imprescindível uma ampliação da definição de quilombo. É o que vêm fazendo pesquisadores que investigam experiências de quilombos e mocambos nos séculos XVII, XVIII e XIX, e realizam etnografias, laudos e levantamentos antropológicos. Graças a esta revisão, faz-se enfim possível o reconhecimento da origem histórica e identitária de comunidades, povoados e bairros negros rurais (alguns limítrofes a áreas urbanas), como remanescentes de quilombos. Um processo que ainda tem muito o que avançar.
v  Flávio  Gomes é professor de história da UFRJ e autor do livro Histórias de Quilombolas. Mocambos e Comunidades de Senzalas no Rio de Janeiro -- séc. XIX . São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
v  Antonio Liberac Cardoso Simões Pires é professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano e autor do livro As Associações de Homens de Cor e a Imprensa Negra Paulista. Belo Horizonte: Daliana - MEC/SESU/Secad- Neab-UFT, 2006.
Saiba Mais - Bibliografia:
ACEVEDO MARIN, Rosa Elizabeth  (1993) Negros do Trombetas. Guardiões de matas e rios. Belém, UFPA
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. (Org.) (1996) Frechal, terra de preto: quilombo reconhecido como reserva extrativista. São Luís, SMDDH/CCN-PVN.
FRAGA FILHO, Walter Silva. (2006) Encruzilhadas da Liberdade: Histórias e Trajetórias de Escravos e Libertos na Bahia, 1870-1910. Campinas, Cecult, Editora da Unicamp.
PIRES, Antonio Liberac Cardoso Simões e OLIVEIRA, Rosy. (2006) Sociabilidades Negras. Comunidades Remanescentes, Escravidão e Cultura. Belo Horizonte, MEC/UFT/Daliana.
Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/
14/6/2008  


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

COMUNIDADE DE MANGUEIRAS CONQUISTA O RECONHECIMENTO DE SUAS TERRAS

Quilombos sofrem com perda de território e demora no processo de regularização fundiária
Por Wallace Oliveira, De Belo Horizonte
“O reconhecimento significa o início de uma liberdade tardia” | Foto: Noronha Rosa
No limite entre Belo Horizonte e Santa Luzia (MG), habita um povo que surgiu antes que a cidade existisse. A comunidade quilombola Mangueiras é formada por 35 famílias que descendem de Maria Bárbara, trabalhadora negra que nasceu por volta de 1863. Vivem há mais de 150 anos na Mata do Izidoro, área coberta por vegetação nativa, fauna e nascentes, que os moradores têm preservado desde que lá chegaram.
No dia 14 de janeiro, foi dado um grande passo na proteção do território dessa comunidade. Uma portaria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), publicada no Diário Oficial da União (DOU), reconheceu as terras do quilombo.
“É uma conquista importante, mas não significa que a comunidade já tenha o título das terras porque, a partir de agora, começa um longo processo de desintrusão. Se tiver alguém de outra área, tem que tirar, pagar indenizações, e isso podem demorar”, explica Lilian Gomes, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais.
“Para nós, quilombolas, o reconhecimento de nossas terras significa o fim da segunda escravidão e o início de uma liberdade tardia. Dizem que a escravidão terminou em 1888, mas a libertação foi assinada a lápis. Com a conquista da terra, ela começará a ser escrita a caneta”, comenta o presidente da Associação do Quilombo de Mangueiras, Maurício Moreira.
Perda de território
O território original do Quilombo Mangueiras era de 387 mil metros quadrados, mas, ao longo do tempo, foi reduzido a 18,6 mil, área reconhecida pelo INCRA. A perda de terras começou na década de 1920, com a construção da MG-20 e de uma estrada que levava a um sanatório. Entre 1928 e 1932, outra porção foi dividia, passando às mãos da família Werneck. Já nos anos 50, a edificação de conjuntos habitacionais provocou nova diminuição das terras da comunidade.
A partir de 2006, com a duplicação da rodovia e a construção da Linha Verde, aumentou a pressão da especulação imobiliária. A Operação Urbana do Izidoro, conduzida pela Prefeitura de Belo Horizonte, prevê a ocupação verticalizada da região, com a construção de apartamentos financiados principalmente pelo programa Minha Casa Minha Vida.



Em MG existem mais de 500 comunidades quilombolas | Foto: Reprodução/Incra
Quilombos em MG


De acordo com o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes), só em Minas Gerais, existem mais de 500 comunidades quilombolas. Apenas o quilombo de Porto Corís, no Vale do Jequitinhonha, recebeu o título de suas terras, mas o território foi inundado pela Barragem de Irapé.
Em BH, além de Mangueiras, há outros dois quilombos urbanos: Manzo Ngunzo Kaiango, que fica no alto do bairro Santa Efigênia, e Luíses, no Grajaú. Neste último, a comunidade possuía o documento de compra, mas o território foi tomado pela Prefeitura e por grandes empreendimentos imobiliários.  Os quilombolas aguardam o processo de titulação que, segundo eles, é lento e não tem levado em conta as reivindicações da comunidade: “Dez propriedades foram excluídas do processo sem o nosso consentimento, embora seja um direito nosso determinar qual é o perímetro”, afirma a quilombola Miriam Aprígio Pereira.
O que são quilombolas?
São grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, relações territoriais específicas e ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica. O direito que eles têm às suas terras foi garantido no artigo 68 da Constituição, Ato das Disposições Transitórias.
09/02/2016