Quilombos sofrem
com perda de território e demora no processo de regularização fundiária
Por Wallace
Oliveira, De Belo Horizonte
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“O reconhecimento significa o início de uma liberdade tardia” | Foto: Noronha Rosa |
No limite entre
Belo Horizonte e Santa Luzia (MG), habita um povo que surgiu antes que a cidade
existisse. A comunidade quilombola Mangueiras é formada por 35 famílias que
descendem de Maria Bárbara, trabalhadora negra que nasceu por volta de 1863.
Vivem há mais de 150 anos na Mata do Izidoro, área coberta por vegetação
nativa, fauna e nascentes, que os moradores têm preservado desde que lá
chegaram.
No dia 14 de
janeiro, foi dado um grande passo na proteção do território dessa comunidade.
Uma portaria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
publicada no Diário Oficial da União (DOU), reconheceu as terras do quilombo.
“É uma conquista
importante, mas não significa que a comunidade já tenha o título das terras
porque, a partir de agora, começa um longo processo de desintrusão. Se tiver
alguém de outra área, tem que tirar, pagar indenizações, e isso podem demorar”,
explica Lilian Gomes, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais.
“Para nós,
quilombolas, o reconhecimento de nossas terras significa o fim da segunda
escravidão e o início de uma liberdade tardia. Dizem que a escravidão terminou
em 1888, mas a libertação foi assinada a lápis. Com a conquista da terra, ela
começará a ser escrita a caneta”, comenta o presidente da Associação do
Quilombo de Mangueiras, Maurício Moreira.
Perda de território
O território
original do Quilombo Mangueiras era de 387 mil metros quadrados, mas, ao longo
do tempo, foi reduzido a 18,6 mil, área reconhecida pelo INCRA. A perda de
terras começou na década de 1920, com a construção da MG-20 e de uma estrada
que levava a um sanatório. Entre 1928 e 1932, outra porção foi dividia,
passando às mãos da família Werneck. Já nos anos 50, a edificação de conjuntos
habitacionais provocou nova diminuição das terras da comunidade.
A partir de 2006,
com a duplicação da rodovia e a construção da Linha Verde, aumentou a pressão
da especulação imobiliária. A Operação Urbana do Izidoro, conduzida pela
Prefeitura de Belo Horizonte, prevê a ocupação verticalizada da região, com a
construção de apartamentos financiados principalmente pelo programa Minha Casa
Minha Vida.
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Em MG existem mais de 500 comunidades quilombolas | Foto: Reprodução/Incra |
Quilombos em MG
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De acordo com o
Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes), só em Minas Gerais,
existem mais de 500 comunidades quilombolas. Apenas o quilombo de Porto Corís,
no Vale do Jequitinhonha, recebeu o título de suas terras, mas o território foi
inundado pela Barragem de Irapé.
Em BH, além de Mangueiras,
há outros dois quilombos urbanos: Manzo Ngunzo Kaiango, que fica no alto do
bairro Santa Efigênia, e Luíses, no Grajaú. Neste último, a comunidade possuía
o documento de compra, mas o território foi tomado pela Prefeitura e por
grandes empreendimentos imobiliários. Os quilombolas aguardam o processo
de titulação que, segundo eles, é lento e não tem levado em conta as
reivindicações da comunidade: “Dez propriedades foram excluídas do processo sem
o nosso consentimento, embora seja um direito nosso determinar qual é o
perímetro”, afirma a quilombola Miriam Aprígio Pereira.
O que são
quilombolas?
São grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com
trajetória histórica própria, relações territoriais específicas e
ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica. O
direito que eles têm às suas terras foi garantido no artigo 68 da Constituição,
Ato das Disposições Transitórias.
09/02/2016
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