Diretora paulistana narra à
trajetória de Antonieta de Barros e reacende o debate sobre representatividade.
Rute Pina Redação
Antonieta (3ª pessoa sentada, da esq. para a dir.) durante a posse, em 1935 / Reprodução |
É pelo túnel Antonieta de Barros, em
Florianópolis (SC), que milhares de pessoas trafegam diariamente entre o centro
e a região Sul da cidade. Mas poucas delas sabem contar quem foi a mulher que
dá nome à via. Ela, que também é homenageada em escolas e logradouros, foi a
primeira deputada estadual negra do país e a primeira mulher a assumir o posto
na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc). Em pouco mais de 50 anos
de vida, a filha de uma ex-escrava ainda foi professora, escritora e jornalista
nos principais jornais do Estado. Mas quem conhece sua história?
"Estudei na escola Antonieta de
Barros por cinco anos, mas não a conhecia" é um dos relatos que chegaram à
cineasta Flávia Person, que dirigiu o documentário Antonieta, lançado no início
deste ano em casas de cultura da capital catarinense. "Está mais do que na
hora de divulgar a trajetória de Antonieta de Barros", afirmou a diretora.
Por isso, ela iniciou no mês passado uma campanha de crowdfundingpara fazer mil cópias
do filme, com opções de acessibilidade e legendas em português, inglês e
espanhol, para serem distribuídas em escolas, universidades e centros culturais
de todo o país.
“Eu acredito que ela é um símbolo de
resistência e uma figura para nós, mulheres brancas e negras, nos espelharmos.
É uma força para a gente continuar caminhando para um mundo mais igualitário
entre gênero e raça”, idealiza.
Flávia é paulistana mas mora em
Florianópolis desde 2008. Ela conta que o interesse na personagem se deu a partir
de um questionamento sobre a memória dos negros da cidade. "Eu tinha
curiosidade porque descobri muito sobre a cultura açoriana, que é bem forte
aqui, e sobre a cultura alemã, mas não encontrava nada a respeito da história
dos negros", disse. Foi na Casa da Memória, centro de documentação da vida
social e cultural que fica no centro do município, que alguém lhe propôs contar
a história de Antonieta.
Ela descobriu que, depois da
pioneira, apenas 11 mulheres estiveram na Alesc, todas brancas. “A representatividade
feminina nos poderes ainda é bem pequena. Eu fico imaginando o que não deve ter
sido para Antonieta de Barros, negra e em 1934".
O desconhecimento sobre a história de
Antonieta, que dedicou toda sua vida à esfera pública, não é uma exceção. É o
que defende a militante do Coletivo Manifesto Crespo, Anna Carolina Vieira. “A
história dos negros é apagada do contexto brasileiro desde sempre. Os povos
africanos chegaram aqui tendo uma cultura delimitada, para absorver outros
ideais, os do homem branco”, afirma. Para ela, “recuperar os elos” entre as
mulheres negras é um passo importante que se dá para aumentar sua
representatividade nos espaços de poder e decisão.
Representatividade
Até hoje, mulheres como a deputada
federal Benedita da Silva (PT-RJ) e a deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP)
são raridades na política institucional. A bancada do Congresso eleita em 2014
é composta por 80% de homens brancos. Há somente 44 deputadas entre os 513
representantes da Câmara dos Deputados e, entre as mulheres, as pardas
representam 1,6% e as pretas, 0,6%.
No Plenário, por sua vez, são apenas
13 senadoras mulheres de um total de 81 escolhidos para o cargo. Essa estrutura
se repete nas instâncias municipais: as mulheres ocupam apenas 13,5% dos cargos
nas câmaras municipais e 12% das prefeituras de todo o país, segundo um
levantamento da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM).
Esse cenário não representa a
população que, conforme o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), era composta por metade de mulheres. Em relação à
autodeclaração de raça, 43% dos brasileiros se definiram pardos e 7,6%, pretos
naquele mesmo ano.
"O Brasil é um país de negros,
mas sua vida política é decidida por brancos e, majoritariamente, por homens.
Por isso, resgatar figuras como Antonieta é tarefa política”, analisa o
jornalista e coordenador de Comunicação do Coletivo Afreaka, Kauê Vieira. Ele
acredita que a alteração do cenário institucional só começará com a memória do
trabalho de antecessores. "Quanto mais mostrarmos o número de mulheres que
conseguiram entrar na política, mais vamos debater a presença do negro e da
mulher negra dentro do meio e inspirar outras pessoas a fazer o mesmo".
Kauê defende também que a educação é
um ponto-chave para que surjam novas Antonietas. "Precisamos que o nosso
ensino não seja eurocentrado e colonizado. É preciso que a gente mostre a
cultura negra do Brasil para os alunos”, argumentou.
Políticas públicas
Em 2003, o Governo aprovou a lei nº
10.639, que obriga a temática "História e Cultura Afro-Brasileira"
nas escolas. "Mesmo assim, estamos muito presos a uma visão colonialista
de tratar o negro. Tratamos a figura do homem e da mulher negra como
passivo", comentou Vieira. Para o jornalista, os efeitos de séculos de
escravidão ainda têm impacto na estrutura da sociedade do Brasil e, por isso, a
história dos negros tem que ser lembrada sob novas perspectivas e olhares, seja
nos materiais didáticos ou nos meios de comunicação.
Ele acredita que a democratização da
comunicação é a outra ponta desse processo de resgate da memória, no qual
filmes como o de Flávia Person estão inseridos. “É um contexto de
"efervescência" no que diz respeito à negritude e à crítica ao racismo.
Muitas pessoas, principalmente os jovens e as mulheres negras, estão tomando a
frente das discussões, ocupando as universidades, criando coletivos de mídia,
de cultura, propondo festivais”, analisa Kauê.
A militante Anna Carolina também
avalia que esse movimento é transformador. “A partir do momento em que falamos
em primeira pessoa, registramos nossas histórias, escrevemos nossos livros,
somos retratados em documentários, a gente se apropria do nosso passado e faz
com que isso permaneça. A falta de registros que afeta nossa memória”, afirma.
Um pouco da
história de Antonieta
Antonieta de Barros nasceu em 11 de
julho de 1901, em Florianópolis (SC). Foi filha de Catarina de Barros,
ex-escrava liberta que passou a ser lavadeira e doméstica, e que trabalhou na
casa da família Ramos, uma das mais poderosas do Estado, da qual fazia parte
Nereu Ramos, que assumiu a Presidência da República por dois meses, entre 1955
e 1956.
Toda sua carreira foi dedicada ao
magistério. Em 1921, com a ajuda da família Ramos, ela se formou normalista,
como eram chamadas as mulheres, em geral de classe média, que se graduavam no
Curso Normal, o equivalente à atual graduação em Pedagogia.
Já no ano seguinte, fundou o curso
“Antonieta de Barros”, com o objetivo de combater o analfabetismo que impedia
“gente ser gente”, como costumava dizer. “Até hoje, quando conversamos com
algumas famílias importantes de Santa Catarina e muitas pessoas ainda se
lembram dela como professora", conta Flávia.
Barros enveredou também pelos
caminhos da literatura e do jornalismo. Sob o pseudônimo de Maria da Ilha,
trabalhou nos principais jornais do Estado. Em 1922, fundou o jornal A Semana,
que dirigiu até 1927. Também foi diretora da revista quinzenal Vida Ilhoa, em
1930, e escreveu artigos para os jornais O Estado, República e o livro de
crônicas Farrapos de Ideias (1937).
O ano de 1931 marcou o início de sua
militância na política, espaço encontrado para debater o racismo, o
analfabetismo e a participação das mulheres na sociedade. Seis anos depois,
ela venceria sua primeira e histórica eleição para o cargo de deputada
estadual, pelo Partido Liberal Catarinense. Antonieta faleceu no dia 28 de
março de 1952.
Fonte:www.brasildefato.com.br
12 de Abril de 2016
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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