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domingo, 13 de março de 2016

PARA DIREITA SOLUÇÃO PARA CONFLITOS SOCIAIS É REPRESSÃO: AFIRMOU LÍDER CAMPONÊS SOBRE VIOLÊNCIA NA AMÉRICA LATINA

Coordenador do Comitê de Unidade Campesina da Guatemala, Carlos Barrientos, comenta o assassinato da liderança hondurenha Berta Cáceres.
Por Júlia Dolce, Da Redação

O assassinato da ativista camponesa de Honduras, Berta Cáceres mobilizou movimentos populares de toda a América Latina e do mundo. O contexto de violência no qual se insere a tragédia foi de indignação e preocupação, não só em Honduras, mas em toda a região, como aponta Carlos Barrientos, do Comitê de Unidade Campesina (CUC) da Guatemala, que atuava junto com Berta na América Central.
“Não é casual que nos países onde a direita está no governo ocorram ações de criminalização e militarização. Para a direita, a solução para os conflitos sociais é a repressão”, afirmou o também líder camponês. Para ele, o modelo extrativista mineral e energético imposto por governos e transnacionais tem agravado essa situação.
“O assassinato da irmã Berta Cáceres é um golpe que nos concerne e tem nos indignado profundamente. Por um lado nos prova que os governos e empresas transnacionais estão dispostas a chegar até o assassinato para impor seus interesses”, disse.
Berta, de 45 anos, foi assassinada no último dia 2 de março, quando dois homens armados entraram em sua casa e atiraram em sua direção. Ela era líder indígena e camponesa do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (Copinh) e, em 2015, ganhou o Prêmio Goldman – considerado o Nobel do Meio Ambiente.
“Aqueles que a assassinaram acreditavam que com as balas acabariam com um problema, mas se equivocaram, Berta está e continuará presente em nossas lutas. Berta volta em milhares de seres humanos que resistem e lutam por seus direitos”, afirmou Barrientos.

Confira a entrevista do dirigente da CUC Guatemala, Carlos Barrientos, ao Brasil de Fato:



Brasil de Fato: O que explica a situação de violência contra os movimentos populares e de camponeses da América Central?
Carlos Barrientos: Existem fatores históricos, estruturais e conjunturais. Na América Central - e em particular no México, Guatemala, Honduras e Panamá -, tem ocorrido, em maior ou menor medida, um histórico de violações aos direitos humanos. As forças e setores que, em alguma medida, estiveram por trás dessas violações ainda se encontram atuantes em nossos países e têm alguma quota de poder, seja porque são formados por ex-funcionários dos governos com vínculos com os aparatos estatais, ou por empresários que dominam esses aparatos governamentais.
Conjunturalmente, não é casual que nesses países onde a direita está no governo ocorram ações de criminalização e militarização. Para a direita, a solução para os conflitos sociais é a repressão. Não existe na direita uma tradição de diálogo ou abordagem de problemáticas sociais. Nós que protestamos somos, para eles, subversivos, terroristas, comunistas, etc. A visão conservadora e primitiva predomina nesses partidos de direita que estão em governos.
Entretanto, a situação tem se agravado pela imposição de um modelo extrativista mineral/energético. Este modelo que busca extrair os recursos da natureza, seja através dos impulsos das mineradoras – que têm consequências devastadoras – ou pela apropriação da energia por meio de grandes hidrelétricas, ou até mesmo pela semeadura de monocultivos para agrocombustíveis; nunca beneficia aqueles que são afetados, pois estão sendo realizados em áreas ancestralmente habitadas por comunidades indígenas e camponesas.
Este modelo imposto por parte dos governos e das empresas transnacionais, causa necessariamente uma reação de resistência em tais comunidades, sobretudo porque o Convênio 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre Povos Indígenas reconhecem que os povos originários têm o direito sobre a terra, os recursos naturais e o território. Porém, empresas e governos reagem violentamente, buscando prevalecer os interesses do capital nacional e internacional.
Brasil de Fato: Você pode comentar a situação política de Honduras que conduziu ao assassinato de Berta Cáceres?
Carlos Barrientos: Temos que ter em conta que Honduras, depois do golpe de estado contra Zelaya, apoiado pelos Estados Unidos [em junho de 2009], teve uma profunda regressão conservadora e de direita, que por meio da repressão e militarização, causou, entre outros efeitos, segundo o Comitê de Familiares Desaparecidos de Honduras (COFADEH), a criminalização de 3.064 pessoas entre 2010 e 2015, por meio do uso indevido do direito penal para amedrontar os defensores e defensoras dos direitos humanos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu informe sobre a situação dos direitos humanos em Honduras, reportou 22 assassinatos dos defensores dos direitos humanos, dois desaparecimentos, 15 sequestros, 88 casos de roubos de informação e 53 sabotagens de veículos nos quais eram transportados os defensores dos direitos humanos.
Nesse contexto de impunidade, tiveram presença várias empresas transnacionais para o impulso de diversos projetos, entre eles o Projeto Hidroelétrico Água Zarca, localizado sobre o Rio Gualcarque, no território Lenca.
Era contra esse projeto, precisamente, que Berta Cáceres levantou sua voz, também as filhas, filho e mãe da liderança do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras, que se expressaram em nota dizendo: “que sejam esclarecidas as responsabilidades da empresa DESA, os organismos financeiros internacionais que apoiam o projeto da hidrelétrica, o banco holandês FMO, Finn Fund, BCIE, Ficohsa, e as empresas envolvidas CASTOR, grupo empresarial ATALA pela perseguição, criminalização, estigmatização e constantes ameaças de morte contra sua pessoa”.
Os familiares também sinalizaram que responsabilizam o Estado hondurenho [governado pelo presidente Juan Orlando Hernández], por ter dificultado em grande medida a proteção de Berta.
Brasil de Fato: O que a morte de Berta simboliza para os movimentos do campo do continente americano?
Carlos Barrientos: O assassinato da irmã Berta Cáceres é um golpe que nos concerne e tem nos indignado profundamente. Por um lado nos prova que os governos e empresas transnacionais estão dispostas a chegar até o assassinato para impor seus interesses. Mas também nos mostra a valentia daqueles que, como Berta, estão dispostas e dispostos a defender seus direitos e resistir às empresas e governos.
Temos dito que o exemplo de Berta florescerá em muitas pessoas que seguem e seguirão defendendo o território e a vida. Aqueles que a assassinaram acreditavam que com as balas acabariam com um problema, mas se equivocaram Berta está e continuará presente em nossas lutas. Berta volta em milhares de seres humanos que resistem e lutam por seus direitos.
Brasil de Fato: Quais são as propostas dos movimentos populares para denunciar e julgar a perseguição e assassinato de lideranças camponesas?
Carlos Barrientos: Basicamente, apoiar a petição feita pelas filhas e filho de Berta: “que se configure uma comissão internacional imparcial para a investigação desse crime, entre a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, organismos internacionais de direitos humanos e os estamentos governamentais pertinentes”.
Além disso, consideramos que temos que solicitar às Nações Unidas a nomeação de um Relator Especial para Honduras, dado as contínuas e graves violações de direitos humanos que são cometidas nesse país.
Também nos somamos à exigência realizada por suas filhas, filho e mãe, para que seja “cancelada a concessão de DESA sobre o Río Gualcarque, para que o rio corra livre”.
Brasil de Fato: Você pode fazer um paralelo entre a violência contra os camponeses da América Central e da América do Sul?
Carlos Barrientos: Com certeza, basta fazer uma busca que tenha a ver com mineração, hidrelétricas, apropriação de água, monoculturas, megaprojetos ao serviço do capital, e vai perceber uma constante presença de transnacionais e violência contra as comunidades indígenas e camponesas, inclusive comunidades urbanas.
A apropriação de bens naturais, a presença de empresas transnacionais, os governos entreguistas, a violência contra as populações camponesas e indígenas são uma constante equação consequente da imposição do modelo extrativista minero/energético ao qual fiz referência. E a isso, somam-se outras constantes: resistência, defesa do território e luta pela vida das comunidades e das pessoas atingidas.

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/
09/03/2016



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