Coordenador
do Comitê de Unidade Campesina da Guatemala, Carlos Barrientos, comenta o
assassinato da liderança hondurenha Berta Cáceres.
Por Júlia Dolce, Da
Redação
O
assassinato da ativista camponesa de Honduras, Berta Cáceres mobilizou
movimentos populares de toda a América Latina e do mundo. O contexto de
violência no qual se insere a tragédia foi de indignação e preocupação, não só
em Honduras, mas em toda a região, como aponta Carlos Barrientos, do Comitê de
Unidade Campesina (CUC) da Guatemala, que atuava junto com Berta na América
Central.
“Não é
casual que nos países onde a direita está no governo ocorram ações de
criminalização e militarização. Para a direita, a solução para os conflitos
sociais é a repressão”, afirmou o também líder camponês. Para ele, o modelo
extrativista mineral e energético imposto por governos e transnacionais tem
agravado essa situação.
“O
assassinato da irmã Berta Cáceres é um golpe que nos concerne e tem nos
indignado profundamente. Por um lado nos prova que os governos e empresas
transnacionais estão dispostas a chegar até o assassinato para impor seus
interesses”, disse.
Berta, de
45 anos, foi assassinada no último dia 2 de março, quando dois homens armados
entraram em sua casa e atiraram em sua direção. Ela era líder indígena e
camponesa do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras
(Copinh) e, em 2015, ganhou o Prêmio Goldman – considerado o Nobel do Meio
Ambiente.
“Aqueles
que a assassinaram acreditavam que com as balas acabariam com um problema, mas
se equivocaram, Berta está e continuará presente em nossas lutas. Berta volta
em milhares de seres humanos que resistem e lutam por seus direitos”, afirmou
Barrientos.
Confira a
entrevista do dirigente da CUC Guatemala, Carlos Barrientos, ao Brasil de Fato:
Brasil de Fato: O que
explica a situação de violência contra os movimentos populares e de camponeses
da América Central?
Carlos Barrientos: Existem
fatores históricos, estruturais e conjunturais. Na América Central - e em
particular no México, Guatemala, Honduras e Panamá -, tem ocorrido, em maior ou
menor medida, um histórico de violações aos direitos humanos. As forças e
setores que, em alguma medida, estiveram por trás dessas violações ainda se
encontram atuantes em nossos países e têm alguma quota de poder, seja porque
são formados por ex-funcionários dos governos com vínculos com os aparatos
estatais, ou por empresários que dominam esses aparatos governamentais.
Conjunturalmente,
não é casual que nesses países onde a direita está no governo ocorram ações de
criminalização e militarização. Para a direita, a solução para os conflitos
sociais é a repressão. Não existe na direita uma tradição de diálogo ou
abordagem de problemáticas sociais. Nós que protestamos somos, para eles,
subversivos, terroristas, comunistas, etc. A visão conservadora e primitiva
predomina nesses partidos de direita que estão em governos.
Entretanto,
a situação tem se agravado pela imposição de um modelo extrativista
mineral/energético. Este modelo que busca extrair os recursos da natureza, seja
através dos impulsos das mineradoras – que têm consequências devastadoras – ou
pela apropriação da energia por meio de grandes hidrelétricas, ou até mesmo
pela semeadura de monocultivos para agrocombustíveis; nunca beneficia aqueles
que são afetados, pois estão sendo realizados em áreas ancestralmente habitadas
por comunidades indígenas e camponesas.
Este modelo imposto por parte dos governos e das
empresas transnacionais, causa necessariamente uma reação de resistência em
tais comunidades, sobretudo porque o Convênio 169, da Organização Internacional
do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre Povos Indígenas
reconhecem que os povos originários têm o direito sobre a terra, os recursos
naturais e o território. Porém, empresas e governos reagem violentamente,
buscando prevalecer os interesses do capital nacional e internacional.
Brasil de Fato: Você pode comentar a situação
política de Honduras que conduziu ao assassinato de Berta Cáceres?
Carlos Barrientos: Temos
que ter em conta que Honduras, depois do golpe de estado contra Zelaya, apoiado
pelos Estados Unidos [em junho de 2009], teve uma profunda regressão
conservadora e de direita, que por meio da repressão e militarização, causou,
entre outros efeitos, segundo o Comitê de Familiares Desaparecidos de Honduras
(COFADEH), a criminalização de 3.064 pessoas entre 2010 e 2015, por meio do uso
indevido do direito penal para amedrontar os defensores e defensoras dos
direitos humanos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em
seu informe sobre a situação dos direitos humanos em Honduras, reportou 22
assassinatos dos defensores dos direitos humanos, dois desaparecimentos, 15
sequestros, 88 casos de roubos de informação e 53 sabotagens de veículos nos
quais eram transportados os defensores dos direitos humanos.
Nesse contexto de impunidade, tiveram presença
várias empresas transnacionais para o impulso de diversos projetos, entre eles
o Projeto Hidroelétrico Água Zarca, localizado sobre o Rio Gualcarque, no
território Lenca.
Era
contra esse projeto, precisamente, que Berta Cáceres levantou sua voz, também
as filhas, filho e mãe da liderança do Conselho Cívico de Organizações
Populares e Indígenas de Honduras, que se expressaram em nota dizendo: “que
sejam esclarecidas as responsabilidades da empresa DESA, os organismos
financeiros internacionais que apoiam o projeto da hidrelétrica, o banco
holandês FMO, Finn Fund, BCIE, Ficohsa, e as empresas envolvidas CASTOR, grupo
empresarial ATALA pela perseguição, criminalização, estigmatização e constantes
ameaças de morte contra sua pessoa”.
Os
familiares também sinalizaram que responsabilizam o Estado hondurenho
[governado pelo presidente Juan Orlando Hernández], por ter
dificultado em grande medida a proteção de Berta.
Brasil de Fato: O que a
morte de Berta simboliza para os movimentos do campo do continente americano?
Carlos Barrientos: O
assassinato da irmã Berta Cáceres é um golpe que nos concerne e tem nos
indignado profundamente. Por um lado nos prova que os governos e empresas
transnacionais estão dispostas a chegar até o assassinato para impor seus
interesses. Mas também nos mostra a valentia daqueles que, como Berta, estão
dispostas e dispostos a defender seus direitos e resistir às empresas e
governos.
Temos dito que o exemplo de Berta florescerá em
muitas pessoas que seguem e seguirão defendendo o território e a vida. Aqueles
que a assassinaram acreditavam que com as balas acabariam com um problema, mas
se equivocaram Berta está e continuará presente em nossas lutas. Berta volta em
milhares de seres humanos que resistem e lutam por seus direitos.
Brasil de Fato: Quais são as propostas dos
movimentos populares para denunciar e julgar a perseguição e assassinato de
lideranças camponesas?
Carlos Barrientos: Basicamente, apoiar a petição
feita pelas filhas e filho de Berta: “que se configure uma comissão
internacional imparcial para a investigação desse crime, entre a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, organismos internacionais de direitos
humanos e os estamentos governamentais pertinentes”.
Além disso, consideramos que temos que solicitar às
Nações Unidas a nomeação de um Relator Especial para Honduras, dado as
contínuas e graves violações de direitos humanos que são cometidas nesse país.
Também nos somamos à exigência realizada por suas
filhas, filho e mãe, para que seja “cancelada a concessão de DESA sobre o Río
Gualcarque, para que o rio corra livre”.
Brasil de Fato: Você pode fazer um paralelo entre
a violência contra os camponeses da América Central e da América do Sul?
Carlos Barrientos: Com certeza, basta fazer uma
busca que tenha a ver com mineração, hidrelétricas, apropriação de água,
monoculturas, megaprojetos ao serviço do capital, e vai perceber uma constante
presença de transnacionais e violência contra as comunidades indígenas e
camponesas, inclusive comunidades urbanas.
A
apropriação de bens naturais, a presença de empresas transnacionais, os
governos entreguistas, a violência contra as populações camponesas e indígenas
são uma constante equação consequente da imposição do modelo extrativista
minero/energético ao qual fiz referência. E a isso, somam-se outras constantes:
resistência, defesa do território e luta pela vida das comunidades e das
pessoas atingidas.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/
09/03/2016
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