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sexta-feira, 27 de maio de 2016

AFROFLIX REÚNE 100 FILMES QUE ROMPEM NARRATIVA ESTEREOTIPADA SOBRE POPULAÇÃO NEGRA

Seis mulheres selecionam audiovisuais em que pelo menos um afrodescendente participe da direção, roteiro ou atuação.
Gisele Brito São Paulo (SP)

Cena do documentário Mwany, do alagoano Nivaldo Vasconcelos. Site conta com filmes de dez estados / Reprodução


Cerca de 100 filmes de dez estados que contam com a participação de negros em pelo menos uma área técnica da produção estão disponíveis no Afroflix, plataforma de pesquisa online lançada na última quarta-feira (17). Os filmes são enviados por seus autores e passam por uma curadoria da equipe do projeto, composta por seis mulheres afrodescendentes.
Apesar do nome, o site tem muitas diferenças em relação ao Netflix. Uma delas é que, enquanto a plataforma internacional disponibiliza filmes viastreaming, esta iniciativa não armazena os vídeos, mas os linka para sua fonte original (seja o YouTube, o Vimeo ou o site do filme, por exemplo). A plataforma reúne filmes que já estão na internet, organizados de forma a facilitar a busca de referências.
"A gente não baixa o vídeo. Não gera visualizações para nós. Todo play que é dado vai para o próprio realizador. E já estamos recebendo retornos de que as visualizações aumentaram. Tem sido bem legal", afirma a cineasta Yasmin Thayná, idealizadora do projeto e diretora e roteirista de Kbela - O Filme, lançado em 2015.
O site também indica vlogs, programas, séries e videoclipes e não conta com nenhum tipo de financiamento. Todo ele foi produzido por meio da cooperação das participantes do coletivo. "É uma ideia para o futuro, um sonho nosso para que possamos ter conteúdos originais. Séries originais, filmes. A ideia é trabalhar no campo da produção, difusão e formação. Mas para isso precisamos de investimento", pondera Yasmin. 
Para assistir ou disponibilizar obras, acesse http://www.afroflix.com.br/.
Origem da ideia
Outras diferenças em relação ao Netflix são a gratuidade e a vontade de enegrecer as narrativas contadas no país. "Tem uma pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro que aponta que entre o ano 2002 e 2012, ou seja, em dez anos de cinema nacional, não teve nenhum filme dirigido por mulheres negras, nenhum filme escrito por mulheres negras e apenas 2% dos filmes produzidos no país são protagonizados por pessoas negras. Devem sair 100 filmes por ano, então multiplica isso por dez. É um número assustador", afirma Yasmin Thayná. "Muitos desses filmes são feitos com dinheiro público. Isso significa que o grupo que representa a maior parcela da população não está recebendo recursos", destaca.
Foi justamente durante os debates ocorridos após as exibições de Kbela,filme que trata da transição capilar de mulheres negras, que Yasmin teve a ideia inicial para criar o Afroflix. "Nos debates surgiam muitas perguntas sobre novas formas de divulgação de cinema, de novas formas de tornar as produções com foco em protagonismo negro mais visíveis no Brasil, já que tínhamos um número bastantes expressivo delas", explica Yasmin.
Novas narrativas
A cineasta enfatiza que a ideia não é apenas para negros, por isso basta que haja um em pelo menos uma das áreas de produção do filme. Mas pondera que o principal critério para que o filme seja incluído na curadoria do site é a criação de novas narrativas.
"Tem gente disputando esse campo da imagem que media nossas relações. A imagem é muito poderosa. É o que faz você acreditar nas coisas, dita o seu gosto. Então, é muito importante produzir narrativas alternativas àquelas que colocam o negro o tempo todo como bandido ou empregada doméstica. Essas produções do Afroflix tentam produzir outros sentidos. As características principais das produções é a desconstrução da narrativa clássica, da visão que se tem sobre o negro".
Edição: Camila Rodrigues da Silva

Fonte: www.brasildefato.com.br
20 de Maio de 2016

segunda-feira, 16 de maio de 2016

PRETO COSME: TUTOR & IMPERADOR DA LIBERDADE

PRETO COSME: TUTOR & IMPERADOR DA LIBERDADE




LUIZ CLÁUDIO


LUIZ CLÁUDIO nasceu em Macau/RN. É filho de Francisco Germano Sobrinho (falecido) e Maria do Rosário Costa da Silva. É Membro da Academia de Trovas do Rio Grande do Norte (ATRN); É Membro Fundador da Associação Potiguar de Literatura de Cordel (APLC). É poeta Parnasiano, Realista, Lírico, Romântico, Modernista, Trovador, Glosador, Resenhista, Professor Competente da Rede Oficial de Ensino, Integrante de diversas Antologias Literárias. Têm vários Trabalhos publicados em Revistas e Jornais bem como em Mídias Digitais. 


CORDEL

PRETO COSME: TUTOR & IMPERADOR DA LIBERDADE  

Autor: Luiz Cláudio


I
Preste atenção camarada,
Em toda sociedade
Tem uma classe dominante,
Que só planeja maldade
Ela não admite ascensão
De gente com lealdade!
II
Porém, com essa toada,
Convoco os trabalhadores
P´ra levantar a bandeira,
Cantar hinos e louvores,
Pelos cantos do Brasil
Que somos os construtores!
III
Nós lutamos todo dia,
Contra opressão e o preconceito,
Dessa elite vil e ordeira,
Temos caráter, respeito,
Disposição e dignidade,
Guarde bem esse conceito!
IV
Falando em luta do povo,
Digam-se, nós brasileiros,
Mistura de índios e negros
Seremos sempre guerreiros,
Mas, a história oficial,
Nos taxa de desordeiros!
V
Não temos nenhuma importância,
Somos caso de polícia,
Difamação e maus tratos,
Repare quanta malícia
Recai sobre nossa gente,
Nunca tivemos carícia!
VI
Sempre fomos castigados,
Várias formas de torturas,
Aqui foram aplicadas
Estão nas literaturas,
Nossas negras estupradas
Com sofrimentos e agruras!
VII
Com tantas perversidades
Na época regencial
Teve revoltas escravas
Pois, isto escondia o jornal,
As repressões eram feitas
De forma muito brutal!
VIII
Porém, isto não inibiu,
Que Cosme Bento das Chagas,
Chamado de Preto Cosme,
Por pares daquelas plagas
Tivesse o nome lembrado
Nas histórias e nas sagas...
IX
De intelectuais orgânicos,
Que com arte e sapiência
Fizeram a diferença,
Usaram bem a ciência
P´ra o benefício do povo
Guarde isto, na consciência!
X
O Preto Cosme, meu irmão,
Negro sabido e valente,
Dizem que nasceu em Sobral,
Uma terra muito quente,
Província do Ceará,
Era tutor eloquente...
XI
Foi fruto da escravidão,
Mas, depois alforriado,
Levado p´ra o Maranhão,
Porém, foi logo enturmado:
Itapecuru-Mirim,
Nessa comarca foi arranchado!
XII
Mil oitocentos e trinta (1830)
Ele foi preso e acusado
De cometer homicídio,
P´ra São Luís foi enviado,
Porém, conseguiu fugir,
O negro era muito ousado!
XIII
Então nove anos (09) depois,
Em meio às insurreições
Escravas, que aconteciam,
Por aquelas regiões
Reuniu sob seu comando
Três mil (3000) negros valentões...
XIV
A sede do movimento,
Fora uma grande fazenda
De nome Lagoa Amarela,
Lá teve muita contenda,
Cosme p´ra ensinar os pares
Construiu uma grande tenda...
XV
Transformando-a numa escola,
Então, a popularidade,
Do Preto Cosme crescia
Em toda comunidade,
Diziam que era feiticeiro,
Pregava a fraternidade!
XVI
E também se intitulava,
O Tutor e Imperador
Da incessante Liberdade,
Esse negro lutador
Obrigou muitos senhores
Sob coação e também dor...
XVII
A dar cartas de alforrias
Aos negros escravizados
Em Itapecuru-Mirim,
Tornando-os alforriados,
Cosme como bom político
Procurou uns aliados...
XVIII
Pois, durante a Balaiada,
Muitas cartas escreveu
Aos líderes Bem-Te-Vis
Porém, não os convenceu,
Os Bem-Te-Vis e os Balaios
Não acreditaram no ‘Orfeu’...
XIX
Com o Duque de Caxias
Fizeram negociatas,
Em troca de anistias,
Esqueceram as chibatas
Das elites dominantes
Se tornando suas castas!
XX
Os Bem-Te-Vis e Balaios,
Alguns homens fraquejaram
Aliaram-se ao governo,
E os irmãos apedrejaram
Pois, é importante lembrar...
Os humildes que almejaram...
XXI
Esse país transformar,
Ao lado da burguesia,
E desse coronelismo
Vigente na freguesia,
Sempre foram humilhados
Isto, vovó me dizia...
XXII
Mesmo assim, o Preto Cosme,
Sem a nossa Balaiada
Como uma sustentação,
P´ra sua árdua caminhada
De libertar os escravos
Dessa gente desalmada!
XXIII
Continuou firme e forte,
Com o seu grande objetivo,
Logo veio a repressão,
Caxias foi taxativo,
Enforquem o Preto Cosme,
Não quero esse negro vivo...
XXIV
Não devemos esquecer,
 Que o Preto Cosme atuava
Com vigor e intensidade,
Num espaço que contava,
Com muitos negros escravos,
Isto o povo comentava!
XXV
Portanto, desde os meados,
Lá do século dezoito (XVIII)
Tinha lá muitos quilombos,
O Preto Cosme foi afoito,
Nas plantações de algodão,
Libertou negro do coito...
XXVI
Nesse período a Inglaterra
Mandava na região
Mas, o Cosme articulou,
Os quilombolas então,
Planejou muitos levantes
P´ra abolir a escravidão!
XXVII
Um assunto que os líderes
Bem-Te-Vis não concordavam,
Queriam a escravidão,
Em seu jornal publicavam
Artigos de opinião,
Estes sempre enfatizavam...
XXVIII
Os grandes escravocratas,
Homens latifundiários,
Que obtinham bastantes lucros,
Nos afazeres diários,
A custa da escravidão
E dos servos operários!
XXIX
Nesse período também
Manuel Congo, os Malês,
E Carrancas se levantam
Esquece o que é cortês:
Gritam contra a escravidão,
Ouvi isso lá no pedrês...
XXX
Carrancas, Minas Gerais,
Seu líder Ventura Mina
Um negro que nasceu na África
Mas tinha uma grande sina
Não aceitava humilhação,
Tinha áurea forte e divina!
XXXI
Já os Malês na Bahia
Africanos muçulmanos,
Reivindicavam direitos,
Queriam respeitos humanos
Melhorias p´ra suas vidas,
Isto estava nos seus planos!


XXXII
Porém, no Rio de Janeiro,
Manuel Congo, sagaz,
E habilidoso africano,
Teve força, e foi capaz,
De fazer grande quilombo,
Ele queria sempre a paz...
XXXIII
Reuniu no seu quilombo
Mais de duzentos (200) cativos,
Que eram de donos diversos,
Os milicos bem ativos,
Sob ordens da monarquia
Foram bastante nocivos...
XXXIV
Destruíram o quilombo,
Seu líder foi enforcado:
O negro Manuel Congo,
Alguns foram condenados
A receber chibatadas,
Outros foram humilhados...
 XXXV
A andar nas ruas com gonzos
Pendurados no pescoço
Por um tempo de três anos,
Preste bem atenção moço,
Nossa História do Brasil,
É um verdadeiro poço...
XXXVI
Quanto mais, vamos descendo,
As verdades vão surgindo,
Aparecem os esquecidos,
E as máscaras vão caindo,
Deixando grande lição:
Meu leitor seja bem vindo!





































PRESO POLÍTICO QUE SOBREVIVEU À TORTURA É TEMA DE FILME DE EMÍLIA SILVEIRA

O documentário da diretora Emília Silveira volta ao passado para falar do presente
Isabela Vieira Agência Brasil,

Documentário Galeria F, da diretora Emília Silveira, mostra a história de preso político que sobreviveu à tortura
 A tortura e a prisão nos porões da ditadura, que voltaram ao debate com a declaração polêmica do deputado Jair Bolsonaro (PP) em homenagem ao general Carlos Alberto Brilhante Ustra, é tema do Galeria F. O documentário da diretora Emília Silveira, que estreou no festival É Tudo Verdade, volta ao passado para falar do presente. Em estilo road movie (filme de estrada) mostra, com passagens bem-humoradas e poucas imagens de arquivo, a história de um preso político que sobreviveu à tortura e à prisão no regime militar, como a própria diretora, ex-presa política.

“Não busco imagem de arquivo para ilustrar o que as pessoas estão dizendo. Acho que o que elas dizem é forte o suficiente. O arquivo entra para reverberar o que o personagem tem a dizer e não para ilustrar”, explicou Emília, que usou, em determinado momento, trecho de entrevista do líder político baiano Antônio Carlos Magalhães para revelar o autoritarismo da época, que levou Theodomiro Romeiro dos Santos, personagem principal do Galeria F, a fugir da cadeia.

Com cenas do interior da Bahia e depoimentos não lineares que descortinam, pouco a pouco, a história de Theo para o público, o documentário refaz a inusitada fuga do ativista, desta vez ao lado do filho Guga, estabelecendo conexão com um passado que não foi expurgado. Era véspera da publicação da Lei de Anistia, que excluiu do perdão militantes condenados por atos terroristas, assassinatos e militares que praticaram todas as formas de tortura.
Reconstruindo o cotidiano de Theo na prisão, a primeira cena do filme logo revela como a família encarou e registrou o momento em que ele, um ativista no auge da juventude, aos 18 anos, foi condenado à morte, ao reagir à  prisão e matar um militar que perseguia outro companheiro. A foto desse dia, da condenação, ilustra um álbum de família, com muitas outras fotos de filhos e da esposa de Theo na prisão onde ele passou nove anos, antes de fugir, depois de ser ameaçado.
Por meio dos diálogos com o personagem, a própria diretora é obrigada a encarar suas vivências na ditadura. “Emília, você sabe, o desejo de todo preso é fugir”, comenta Theo, hoje anistiado, na cela onde ficou preso na Penitenciária Lemos de Brito, em Salvador.
“Fiz 20 anos de análise e achava que estava tudo ali arrumado (dentro de mim)”, contou Emília, que também dirigiu o filme 70 (2013), sobre os ativistas trocados no sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, grupo com quem conviveu. “Mas a vivência de fazer os filmes foi uma nova análise”, completou ela, que após a prisão, atuou como jornalista nos principais veículos do país.

Emília Silveira

À Agência Brasil, Emília Silveira fez um paralelo entre o golpe militar de 1964, o momento político atual no Brasil e o Galeria F – que estreia no circuito comercial no final deste ano. Em maio, está prevista, no Rio de Janeiro, uma sessão especial.
Leia a íntegra da entrevista:
Agência Brasil: em um dos seus discretos diálogos com o Theo, ele fala da ideia fixa do preso, que é escapar. Você tinha essa ideia fixa também quando ficou detida no Rio de Janeiro?

Emília Silveira: realmente, você tem essa ideia fixa. Fui presa com 20 anos e fiquei dois anos. E quando você é jovem, quer liberdade, mesmo que essa liberdade seja uma coisa do plano imaterial. Eu tive dois momentos. O primeiro, é quando você sai da prisão provisória, da tortura, que você pensa que vai sobreviver, vai aguentar, vai sair dessa. Você só pensa nisso. Quando você vai para o presídio, convive com dois sentimentos conflitantes: a busca da liberdade e a adaptação ao novo cotidiano – que é o que tento passar nos meus filmes, tudo vira cotidiano. Então, você pode rir de uma situação difícil, você pode contar uma piada, que aquilo já fez parte de sua vida. Por um lado, você busca liberdade e busca aprofundar suas causas - 'estou nessa merda porque tem uma razão para estar aqui e não estou sozinha'' -, mas existe a rotina. A prisão tem uma rotina militar e eu me lembro que fazia um suéter de tricô, pensando que estava acostumada àquela vida e que se tivesse que passar mais 20 anos nela, eu passaria.

Agência Brasil: como foi a escolha do Theodomiro como personagem?

Emília Silveira: olha, quando eu fiz o 70, voltado para essa temática da ditadura militar – que era mais um filme sobre pessoas, sobre almas, sobre seres humanos que passaram por essas experiências-limite – em uma das sessões a jornalista Margarida Autran me procurou dizendo que tinha uma história para contar. Na hora em que ela me contou, eu disse: essa história dá um filme. Nessa época, a Sandra Moreyra (parceira e roteirista do 70) estava viva (a jornalista morreu em novembro de 2015) e, naquele mesmo dia, a gente decidiu fazer o filme. Isso tem dois anos.


Agência Brasil: sendo um documentário, por que tem poucas imagens de arquivo?

Emília Silveira: não busco imagem de arquivo para ilustrar o que as pessoas estão dizendo. Acho que o que elas dizem é forte o suficiente. As imagens de arquivo entram para reverberar o que o personagem tem a dizer e não para ilustrar. A televisão já tem um monopólio da imagem e da fala. Faz tudo de maneira que não deixe espaço para a imaginação do espectador e eu quis me libertar dessa escola, fazendo um cinema em que as imagens entram como complemento de um pensamento e não como ilustração. O próprio [Claude] Lanzmann – um dos meus ídolos do documentário, junto com Eduardo Coutinho – diz que ele, ao fazer Shoah, sobre o nazismo, não tinha imagens, porque era o holocausto, não tinha imagem dos fornos, nem nada. Na ditadura é um pouco parecido, não tenho imagem das pessoas sendo torturadas, da ditadura prendendo as pessoas nas casas. Por incrível que pareça, nesse filme tenho imagens de dentro da prisão porque eles [personagens] que ficaram nove anos lá foram fazendo. Abrimos, com isso, com a foto do Theo, depois de ter sido condenado à morte – o que é a coisa mais louca, para mim, do filme, que começa com um álbum de fotografia – essas coisas estão em álbuns de família. Agora, as imagens, da ditadura mesmo, elas não existem. O que fazer, então? Acreditar na força do seu personagem.



Agência Brasil: e como foi começar a filmar no dia do suicídio do Marcão Maranhão (ativista político, um dos personagens do filme 70 e amigo pessoal da diretora)?


Emília Silveira: Marcão morreu no primeiro dia de filmagem do Galeria F. Ele se matou [assim como outros dos ativistas trocados no embaixador, como Frei Tito e Maria Auxiliadora Lara Barcelos]. Eu estava na Bahia. O que eu fiz? Tomei dois comprimidos de frontal (remédio) e fui filmar. Muito louco. Temos que encontrar algum canal [para essas angústias].

Agência Brasil: aquela cena do Theo andando na cela, de um lado para outro, era você também?


Emília Silveira: aquela cena estava na minha cabeça antes de começar a fazer o filme. Conversando com a montadora, comentei: 'acho que o Theo nunca foi solto'. Porque ele é aquela pessoa rígida, que não aceita o erro do outro. E aí decidimos terminar o filme como ele na cela [no presídio Lemos Brito]. No dia em que a gente gravou, fomos eu, o câmera e o menino do áudio. Entrei na cela – porque o filme só mostra a cela na última cena – no canto, e não falei nada. Não perguntei nada, não fiz nada, fiquei quieta. E aí, ele não é bobo, não sabia o que fazer, fez o que ele fazia sempre: começou a andar, andar, andar, andar. Não colocamos um trecho no filme porque o áudio não ficou bom, mas ele diz: aqui, dentro dessa cela, eu andei quilômetros.

Agência Brasil: você sugeriu que foi torturada, pode compartilhar essa experiência?

Emília Silveira: não, nem pensar. Porque não adianta descrever tortura. É a mesma coisa que descrever o ato sexual, descrever certas coisas que eu não conseguiria.


Agência Brasil: mas você ainda se lembra disso?


Emília Silveira: Fiz 20 anos de análise e achei que tinha superado. Acho que levo uma vida completamente normal desde 1972, quando saí da prisão e fui trabalhar no Jornal O Globo. Eu sou daquela cota de terroristas e comunistas perigosos que o Roberto Marinho empregava. A imprensa mudou muito. Fiquei um ano no Globo, depois fui para o Jornal do Brasil e, dois anos depois, tive meus [dois] filhos. Sou uma pessoa sequelada, como qualquer pessoa da minha geração que passou por isso. Mas sou como qualquer outra.

Agência Brasil: fazer os filmes que mexem com esse passado ajuda a superar isso?

Emília Silveira: então, estava tudo ali arrumado (dentro de mim). A questão principal que eu tive, até profissionalmente, era não saber lidar com a questão do poder. De não saber mandar nos filhos, de não saber ser chefe, embora eu tenha sido chefe de tudo, daí para a frente. Fui diretora-geral de programa na Globo, editora-chefe de jornal durante 20 anos. Quando tive filho, decidi que minha militância ia ser profissional, eu não ia sacanear os outros, não ia fazer coisas com as quais não concordasse. Mas queria dizer que a vivência de fazer o filme foi uma nova análise.


Agência Brasil: para você, que passou por tudo isso, como foi ouvir o deputado Jair Bolsonaro, na votação do impeachment, saudar um militar declarado torturador pela Justiça?

Emília Silveira: eu vi isso grudada na TV, sozinha, passando mal. Achei muito grave. Os golpes não são, necessariamente, golpes dos militares. O golpe ocorre toda vez que você breca uma realidade institucional para atender a interesses de pequenos grupos. A liberdade é tão importante para a democracia que temos de estar sempre atentos para não perdê-las. É patético ver que o Brasil está passando por isso em 2016, e os jornais internacionais estão denunciando. O Bolsonaro, ele é o que há de pior na sociedade, defende valores contra a humanidade. Mas a sociedade, não é reacionária, embora a vanguarda política hoje também seja minoria.



Fonte: www.brasildefato.com.br