Jicéli Nahani do Nascimento Kapp¹
No dia 10 de março de 2008 o ex-presidente da república,
Luis Inácio Lula da Silva e Fernando Haddad, na época, Ministro da Educação,
assinaram a Lei Nº 11.645 alterando a Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
estabelecendo assim, a obrigatoriedade de incluir oficialmente no currículo de
ensino a temática “História e Cultura Afro brasileira e Indígena”, certificando
assim, a melhoria dos direitos sociais e demonstrando a necessidade da
implantação e consequentemente a busca de novas estratégias para novas
políticas educacionais, que propõem e reconhecem uma sociedade diversificada.
Elizabeth Maria² (2010) em seu artigo, fomenta que:
A lei enfatiza o estudo da história da África e dos africanos, a luta
dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena
brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional. Resgata assim
as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinente à
história do Brasil. (BORGES, 2010, p. 76).
Tais conteúdos serão trabalhados de forma interdisciplinar,
com o objetivo de conscientizar os alunos sobre diversos pontos que, muitas
vezes não são mencionados nos livros didáticos, pois esses fatos incidem apenas
sobre a cultura europeia, nosso passado escravo e as consequências de leis
impostas como a Lei nº 1, de 14 de janeiro de 1837³, são pouco abordadas, ainda
hoje, há uma certa “negação” da
existência do racismo e é exatamente sobre essa recusa que devemos transformar
a Lei 11.645 do papel em práticas dentro das salas de aula, é através da compreensão
e pesquisa dessa história e do processo de escravidão, que tomamos a
consciência de que nossa sociedade ainda se encontra em dívida em relação às
pessoas negras, uma vez que, ainda carregamos racismo estrutural, essa
discriminação que se manifesta por meio de práticas conscientes ou
inconscientes, seja de forma explicita ou falas “habituais” impregnadas em
nossos “costumes” como exemplo, a palavra Denegrir, muito utilizada em nosso
vocabulário: “DENEGRIR, v.p.d., v.p.r. Tornar(-se) negro ou escuro.”
(d‘Oliveira, 2009, p. 607). Almeida⁴ em seu livro O Que é Racismo Estrutural? (2018) explica que:
Em uma sociedade em que o racismo está
presente na vida cotidiana, às instituições que não tratarem de maneira ativa e
como um problema a desigualdade racial irão facilmente reproduzir as práticas
racistas já tidas como “normais” em toda a sociedade. (ALMEIDA, 2018, p.37)
O racismo não se prende apenas a um ato, mas sim,
em um processo como todo, de vantagens e desvantagens a certos grupos sociais,
tudo pertencente a uma estrutura histórica e política. O racismo estrutural se
funda na injustiça trazida pelos barcos europeus. Um exemplo disso é a
quantidade de negros que vemos ocupando cargos nos parlamentos, empresas,
escolas, faculdades, e o número declina ainda mais quando se trata de mulheres
negras. Os poucos que ocupam tais cargos e frequentam tais lugares, sofrem, na
palavra do autor, “práticas sociais corriqueiras” que nada mais são do que o
racismo escondido atrás de piadas, exclusão e silenciamento.
É dentro de uma escola que necessitamos investir na
mudança e tentar quebrar ou pelo menos expor toda essa estrutura de
preconceitos. A partir da habilidade EM13CHS601⁵ disposta na BNCC, devemos planejar atividades que dialoguem com a
cultura africana, indígena, proporcionar debates conscientes possibilitando
diferentes visões uma vez que, permite o desenvolvimento do senso crítico em
virtude do exercício da cidadania. Trabalhar e expor o verdadeiro sentido da
democratização social, se questionar o porquê ainda nos dias de hoje, casos de
mortes com pessoas negras são tão corriqueiros.
Portanto,
partindo destas colocações se justifica a importância do papel da cultura
afro-brasileira e indígena para a democratização social dentro das escolas, é
relevante ressalvar a importância de trabalhar interdisciplinarmente figuras
negras, atores, pintores, presidentes. É fundamental trazer para os alunos os
locais onde essas pessoas ocupam, incentivar o consumo de músicas, obras de
arte, filmes que retratam a vida dessas pessoas. Como escola, devemos ser a
ponte entre o aluno e a cultura. Como exemplo, as obras de arte da pintora
Afro-Cubana Harmonia Rosales⁶, que podem ser utilizadas como matérias culturais
pelos professores, pois, é um grande incentivo aos alunos, uma vez que, a
autora, de uma forma esplendida, protagoniza os negros em obras de artes já
conhecidas, com a Criação de Deus, pintada por Michelangelo, trazer para dentro das salas artistas com
Harmonia Rosales, é expandir ainda mais a cultura Afro, é cultivar o interesse
dos alunos e mostrar a importância da nossa diversidade cultural.
Em suma, os livros didáticos do sistema educacional
brasileiro, nos trazem muitas vezes uma versão distorcida e europeia da nossa
cultura, esquecem de dizer que nossas raízes são negras, nosso sangue é
indígena, nosso passado é marcado pela escravidão e preconceito. Quando
trabalhamos e apresentamos nossa verdadeira herança, asseguramos diversas
competências em nossos alunos, ensinamos a eles a democracia, lapidamos a
maioridade de Kant, incitamos um futuro cidadão com senso crítico que
compreende o preconceito estrutural trabalhado no texto acima, e
principalmente, nos livra das amarras de ser uma pessoa alienada. A atividade
proposta visa abrir o leque da diversidade, expandir nos horizontes, dar o
primeiro passo para a inclusão.
De fato,
ainda estamos engatinhando no quesito igualdade, ainda hoje, infelizmente,
casos de racismo são notificados, as vezes o crime vem de pessoas
desconhecidas, em outras ocasiões são figuras públicas, entidades políticas que
praticam e excitam dia após dia o racismo. Até o momento presente, ainda nos
deparamos com a injustiça, passeatas e gritos “Black Lives Matter”⁷ ainda ecoam pelo mundo, e realmente devemos fazer
ecoar em nossa sociedade, repercutir em nossa escola, ressoar em nossa sala e
assim reverberar em nossos alunos.
Nota de Rodapé:
§ 2º Os escravos, e os pretos africanos, ainda que
sejão livres ou libertos.
⁴ Doutor em Direito pela Universidade de São
Paulo. Mestre e Bacharel em Direito Político e Econômico pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Professor pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
⁵Relacionar as demandas políticas, sociais e
culturais de indígenas e afrodescendentes no Brasil contemporâneo aos processos
históricos das Américas e ao contexto de exclusão e inclusão precária desses
grupos na ordem social e econômica atual.
⁶Artista afro-cubana americana de Chicago
⁷“Vidas negras importam” (tradução nossa).
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo
estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.
D’ OLIVEIRA, H. Maia. DBI – Dicionário Base
Iracema: Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Iracema: Editora
Prismática, 2009. 2104 p. ISBN 978-85-7411-021-9
BORGE, Elizabeth Maria de Fátima. A inclusão da
História e da Cultura Afro-brasileira e Indígena nos Currículos da Educação
Básica. Olimpíada Nacional em História do Brasil, Vassouras, v. 12, n. 1, p. 71
– 84, jan./jun. 2010.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Educação é a Base. Brasília, MEC/CONSED/UNIME, 2017.
ROSALES, Harmonia. “The Creation of God” …we all are created in “Gods
image. 17 maio. 2017. Instagram: https://www.instagram.com/honeiee/. Disponível
em: https://www.instagram.com/p/BTuPgk3g_RC/. Acesso em: 09
nov.2020.
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, Lei
n. 1, de 1837, e o Decreto nº 15, de 1839, sobre Instrução Primaria no Rio de
Janeiro. Desenvolvido por ASPHE/FaE/UFPel. Pelotas. 2005. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/asphe/article/viewFile/29135/pdf.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
CASA CIVIL SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS
JURÍDICOS. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. LEI Nº 11.645, DE 10
MARÇO DE 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada
pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino
a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
Brasília, 10 mar. 2008.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm.
Acesso em: 09 nov. 2020.
1. 1. Graduanda em Licenciatura
Letras Espanhol pela Universidade Estadual do Centro Oeste (UNICENTRO); Graduanda
em Licenciatura em Pedagogia pela . Universidade Norte do Paraná.
Fonte: https://www.geledes.org.br/
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