Britânica de origem
jamaicana, Cecile Emeke traz em seus trabalhos as vozes da juventude negra no
Reino Unido e na França, enquanto a alemã de origem ruandesa Amelia Umuhire
conta histórias de afro-europeus em Berlim
Carmen López
| El Diario |De Londres (Inglaterra)
![]() |
Olivia e Rachel (Michelle Tiwo e Vanessa Babirye), "Ackee & Saltfish" | Divulgação |
O trabalho da
cineasta e escritora londrina Cecile Emeke ficou conhecido entre o público europeu e
norte-americano há alguns meses, graças à sua websérie “Ackee & Saltfish”.
Gravada em 2014, seria um curta-metragem, mas a diretora decidiu postá-lo no
YouTube por capítulos, prendendo assim a audiência e deixando aberta a
possibilidade de continuar a história.
A trama é simples:
Olivia e Rachel, interpretadas por Michelle Tiwo e Vanessa Babirye, são duas
amigas jovens e negras que nasceram e foram criadas em Londres. Com diálogos
velozes cheios de referências à cultura pop, as protagonistas refletem sobre o
estado da sociedade e, principalmente, sobre a gentrificação por que passa a
capital britânica, tema que de fato a diretora quer abordar.
Em entrevista ao
jornal norte-americano The New York Times, Emeke explica que o
roteiro está baseado em suas experiências pessoais. “Um dia meu companheiro e
eu entramos em um bar cujos funcionários eram todos ingleses brancos e onde se
serviam versões culturalmente apropriadas de pratos tipicamente caribenhos,
vendidos a preços exorbitantes. Para piorar, o rosto de Bob Marley estava
pregado em todas as paredes, e o design do local imitava um quiosque na areia
da praia. Claro que acabamos indo embora”, contou a cineasta.
Não é casual que as protagonistas da série sejam duas mulheres jovens e
negras. Britânica de origem jamaicana, Emeke explora em seus trabalhos a
realidade dos filhos da diáspora negra na Europa. Seja através da ficção ou dos
depoimentos de pessoas dessa comunidade, ela busca se distanciar dos
estereótipos e abordar questões que possivelmente os europeus de outras etnias
jamais tenham chegado a pensar.
|
|
|
Emeke traz essas
questões também em “Strolling” e “Flâner”, duas séries de entrevistas curtas
com pessoas negras nascidas na Europa – a primeira no Reino Unido, a segunda na
França. A diretora se reúne com os protagonistas em algum ponto de Londres ou
de Paris e caminha com eles pelos arredores (a tradução dos títulos é
“passear”, em francês com um matiz mais relaxado). Com música e sons da rua
como trilha sonora, os entrevistados falam sobre suas experiências de vida.
|
A discriminação de
gênero é um dos temas mais abordados nas conversas, e em todas se chega à mesma
conclusão: ser uma mulher negra é ainda mais complicado do que ser uma mulher
branca. Elas não apenas enfrentam o sistema heteropatriarcal instaurado na
sociedade ocidental, mas também têm de lidar com a discriminação resultante da
interação entre racismo e machismo.
Gaëlle e Christelle
são as primeiras entrevistadas de Paris e falam amplamente da competitividade
entre mulheres afro-francesas, incutida desde a infância; da pouca
solidariedade por parte dos homens negros e de certa aversão que chega ao
racismo (ideias como “não saia com uma mulher negra, elas são sujas”); da
imagem incorreta que se tem sobre elas em filmes como “Bande de Filles”
(“Garotas”), dirigido por Céline Sciamma, sucesso internacional do cinema
francês em 2014.
“Você se sente mal
representada [as protagonistas de ‘Bande de Filles’ são jovens de classe baixa
e problemáticas que moram na periferia de Paris]. Eu existo e tenho muitas
amigas negras e nós não somos assim. Por que continuar falando desse tipo de
garotas quando elas são uma minoria? Assisti ao filme e foi uma decepção.
Não tanto pela má interpretação, mas porque foi como se uma feminista branca
tivesse tentado objetivar a feminilidade negra (...) O filme todo foi incômodo,
com muitos clichês, simplista. Imaginou-se que seria revolucionário, porém foi
absolutamente tudo menos isso”, sustenta Christelle.
Outro assunto
recorrente é o de sentimento de comunidade. Enquanto as entrevistadas e
entrevistados franceses afirmam que no Reino Unido as pessoas negras têm mais
visibilidade, os britânicos olham em direção aos Estados Unidos. É no que
acredita Johny, originário de Sheffield e atualmente morando em Londres: “Os
afro-americanos tiveram o movimento pelos direitos civis, uniram-se para
consegui-lo de maneira muito forte. Ser afro-americano é muito diferente de
outras formas de ser negro em outros lugares”.
A religião, os relacionamentos interpessoais e, é claro, o colonialismo
também são temas bastante presentes. Este último, especialmente nos depoimentos
britânicos. Como explica Abraham Popoola, parte da equipe que gravou “Ackee
& Saltfish” entrevistado por Emeke em “Strolling”: “Imagine que alguém
entra na tua casa, te rouba tudo, te escraviza, vai embora e, depois de tudo
isso, você ainda lhe deve dinheiro. É exatamente o que a Grã-Bretanha fez com a
Nigéria”. Para o britânico Kevin Morosky, “é como uma puta festa para a qual
você não foi convidado e que está sendo festejada há mais de 500 anos”.
Enquanto Emeke
menciona o diretor e produtor afro-americano Terence Nance como referência, a
cineasta Amelia Umuhire cita Emeke como uma de suas inspiradoras. Alemã com
origens ruandesas, Umuhire é a realizadora da websérie “Polyglot”.
No primeiro episódio a protagonista é Babiche Papaya, uma poeta/atriz/rapper
afro-europeia que tenta encontrar seu lugar em uma cidade povoada por cidadãos
berlinenses procedentes de diferentes lugares (daí o título que faz referência
à multiplicidade de idiomas), enquanto tenta confrontar sua identidade jovem
negra de origem africana na Europa.
Sem compartilhar o
caráter humorístico da série de Emeke, “Polyglot” alinha-se com a obra da
britânica na tentativa de oferecer ao público uma visão da sociedade a partir
de uma ótica diferente da predominante nas ficções ocidentais, em que os
criadores negros (e especialmente as criadoras) têm pouca representação. Como
afirma Emeke, citando a escritora afro-americana Toni Morrison: “Se há um livro
que você quer ler, mas ele ainda não foi escrito, então você tem de
escrevê-lo”.
Fonte:http://www.brasildefato.com.br/
28/08/2015
Matéria original publicada no site do
jornal espanhol El Diario. Tradução: Mari-Jô Zilveti
Nenhum comentário:
Postar um comentário