Localizada no
Pará, a Vila da Barca sofre com falta de água potável, esgoto sanitário e
condições dignas de vida.
Catarina Barbosa
Brasil de Fato | Belém (PA) | 19
de Julho de 2020
A vila fica
próxima a um dos bairros mais ricos da capital paraense, que conta com
apartamentos que atingem o valor de mais de R$ 1 milhão.
Na Vila da Barca, a população vive cotidianamente com o lixo /
Catarina Barbosa/Brasil de Fato.
A comunidade sofre com o descaso das autoridades públicas. Cenas inconcebíveis como crianças andando em meio ao lixo, falta de água nas torneiras, esgoto sanitário a céu aberto e ausência de energia elétrica fazem parte da rotina das pessoas.
:: Sem água, 10% dos brasileiros terão dificuldades na fase mais crítica
da pandemia ::
O Brasil de Fato esteve na Vila da Barca e foi recebido pela líder da Associação de
Moradores, Inez Medeiros. Ela denuncia o abandono a que estão submetidos
os moradores do local e que o problema da falta de moradia digna se
intensificou com a pandemia.
"A falta
de água, a inexistência do esgotamento sanitário, (...) muitas casas não
têm água na torneira e muitas vezes os moradores tentam sanar isso e não
conseguem. Nesse
período de
isolamento social, ficou ainda mais acentuado esse problema, visto que muitos
precisam, pelo menos, do mínimo para se manter", afirma.
A Vila da
Barca faz parte de um projeto da Prefeitura de Belém que visa acabar com
as palafitas e construir um conjunto habitacional com casas de alvenaria no
local. Porém, a obra está parada há cerca de 15 anos, segundo
Medeiros. Ela afirma ainda que ao abandono se
somam outras questões para a comunidade, como a concentração de
dependentes químicos e pessoas em situação de rua.
Para além das
disparidades sociais gritantes entre pessoas que moram tão próximo, o local
onde foram construídos os prédios está em área de preservação
permanente e terrenos da Marinha, por lei, inalienáveis.
:: Condições precárias de moradia dificultam isolamento vertical nas
periferias ::
Em nota, a Secretaria Municipal de Habitação (Sehab)
disse que as obras do projeto Vila da Barca estão em andamento. "Ele se
divide em três etapas, onde já foram entregues 168 unidades habitacionais da
Etapa I, 12 unidades da Etapa II e oito unidades da Etapa III, restando para
serem executadas 78 unidades da Etapa II e 120 da Etapa III, que já possuem
empresas contratadas e estão em andamento", afirma o órgão.
A equipe do Brasil de Fato visitou o local às 11h da última segunda-feira (13) e não
constatou as obras em andamento.
A equipe do Brasil de Fato esteve no
local na última segunda-feira (13) e não constatou trabalhadores na
obra / Catarina Barbosa/Brasil de Fato
Saneamento e covid-19
Na última quarta-feira (15), o presidente Jair
Bolsonaro sancionou o novo marco legal do saneamento básico. A lei tem por
objetivo ampliar a presença do setor privado na área. Atualmente, o saneamento
é prestado, majoritariamente, por empresas públicas estaduais.
Apesar de
parecer uma boa ideia, o Pará tem como exemplo a privatização da energia
elétrica. A concessionária foi vendida em 1988 e, desde então, o aumento na
conta paga pelo cidadão paraense chega a 500%.
Segundo dados do último censo divulgado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), o Pará tem mais de 8 milhões de habitantes.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), por sua vez, também realizada pelo IBGE,
aponta que apenas 27,4% das casas da região Norte do Brasil possuem
acesso à rede geral de esgotos. No Pará, esse número chega somente a 4,7%
dos domicílios com esgotamento sanitário do tipo rede coletora de esgoto,
que trata o material coletado.
Se hábitos
básicos de higiene, como lavar as mãos com água limpa, contribuem para evitar o
contágio, uma população privada de água de qualidade consequentemente estaria à
mercê da doença.
Rosana dos
Santos, de 24 anos, nasceu na Vila da Barca e vive na pele essa realidade.
Ela mora em uma pequena casa de quatro cômodos onde mora com a mãe, o pai, três
filhos, um sobrinho e mais um primo.
Apesar da
gravidade da pandemia, os problemas na comunidade são tantos que parece não
haver espaço para se preocupar com um vírus letal. Questionada sobre o
isolamento social ou as medidas de proteção, ela foi categórica em responder
que não houve prevenção.
Sua mãe, que
é empregada doméstica, por sua vez, foi infectada pelo novo coronavírus, porque
apesar de ser do grupo de risco, não foi liberada pela sua empregadora, que
mora em Ananindeua, um município da Região Metropolitana de Belém, distante
cerca de uma hora e meia de ônibus de onde ela mora.
"Ela
passou bastante tempo 'arriada' e com muita dor. Às vezes ela nem encostava
perto dos meninos. Eles ficavam dentro do quarto, mas, mesmo assim, ela ia
trabalhar", disse.
Curso popular formará, gratuitamente, agentes de saúde na prevenção do coronavírus ::
Comunidade da Vila da Barca em época de
maré alta. / Lucas Weber/Arquivo
O Pará é atualmente um dos estados brasileiros com mais infectados e mortos pela covid-19. Segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), são quase 137 mil casos confirmados e mais de 5,4 mil, contabilizados até este domingo (19).
Proteção que vem do rio
Para muitos
povos, o rio é sagrado, pois representa fartura e abundância. Os moradores da
Baía do Guajará, apesar de viveram com uma série de privações, também são
gratos ao rio, porque na falta de água limpa é a baía que eles usam.
A
presidenta da Associação, Inez Medeiros, detalha a contradição de que
quanto mais perto do rio, maiores os problemas de abastecimento de água para os
moradores.
"Engraçado,
porque tem uma controvérsia aí, as pessoas que estão mais próximas do rio aqui
na Vila da Barca são as que mais sofrem com a falta de água potável e, com
isso, eles acabam tendo que buscar uma forma de conseguir essa água e como vai
ser? Através do rio. E eles acabam tendo contato com a baía, que é contaminada,
cheia de dejetos, porque como as casas das palafitas não têm esgotamento
sanitário, então, todo os dejetos despejados pelas residências entram em
contato com esse rio e, com isso, acumulam sujeira, coliformes fecais,
todos esses problemas que até de maneira leiga conseguimos identificar que são
sérios", diz ela.
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Moradora da
comunidade há 10 anos, Tatiana Beltrão, de 29 anos, tem quatro filhos. Ela
conta que as gestões municipais mudam, mas os problemas permanecem e a água é
um dos mais difíceis de administrar.
Apesar de ter
uma linda vista da Baía do Guajará e bomba d'água em casa, Tatiana sofre com o
abastecimento de água potável e reconhece que nem todos têm condições de
comprar uma bomba e que a solução acaba sendo puxar água de um cano com balde.
Desempregada, ela cuida da casa enquanto o marido, que é
soldador, recebe como salário o necessário para que eles possam sobreviver.
Tatiana recebeu a equipe da reportagem do Brasil de Fato em sua casa de madeira e foi se
desculpando pelo excesso de louça na pia. Isso porque, no dia anterior, a
água não havia chegado na torneira. Quando isso ocorre, o jeito é usar a água
da maré. Durante a pandemia essa foi, quase sempre, a solução encontrada.
"A gente chega, lava a mão, mas guarda também a água da maré e
aproveita para nos mantemos asseados", resume.
Inez Medeiros, presidenta da
Associação de Moradores da Vila da Barca, às margens da baia do Guajará. Ao fundo, casas de palafita / Catarina Barbosa/Brasil de
Fato
Questionada se a água do rio faz mal para a sua família, ela diz que todos já se acostumaram. “Eles tomam banho constantemente com a água do rio, então, acabaram se adaptando. Eu falo que são anticorpos. Eles têm bastante anticorpos da água”, diz ela.
Angélica
Lopes, 44 anos, outra moradora da comunidade, também utiliza a água do
rio para realizar as atividades do dia a dia.
Próximo à
casa dela, há um cano por onde ela puxa a água através de um balde. Na entrada
da casa, em uma espécie de pátio, uma máquina de lavar que não funciona mais e
diversos baldes servem de recipiente para armazenar água limpa.
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contaminados, Brasil registra 28.796 novos casos
Angélica explica
que há toda uma mecânica para poder usar a água da maré: é
preciso esperar o rio encher para somente assim poder puxar a água.
"A
dificuldade é essa, não dá água na torneira aqui, só se for com bomba, e quando
não tem água e a maré está enchendo, a gente espera a maré encher para a gente
poder pegar água para fazer as coisas, menos para lavar roupa e lavar louça”,
explica.
O cuidado de
esperar a maré encher ou vazar é necessário, porque quando a maré sobe, ela
traz a água do rio, mas quando ela desce, ela leva todo tipo de lixo e dejetos
humanos inviabilizando o seu uso pelos moradores.
Apesar de
tanta dificuldade e privações de direitos, Angélica admite que não
pensa em trocar seu lar na beira do rio. Ao lado dos seus recipientes
cheios de água, usada para lavar louça, roupa e cozinhar, ela afirma que
gostaria, apenas, que as autoridades reconhecessem que os moradores da Vila da
Barca têm tanto direito quando quem mora em um apartamento de R$ 1 milhão.
Edição: Mauro
Ramos e Vivian Fernandes
Brasil de
Fato | Belém (PA) | 19 de Julho de 2020
Fonte: https://www.brasildefato.com.br/
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