O Ebola já nos ensinou: tudo passa, mas os reflexos para o povo pobre não vão embora com tanta rapidez.
*Leonardo Paes Niero
A passagem do ebola por África, para além de uma série de outras problemáticas, deixou seus jovens sem escola. Cenário pode se repetir no Brasil e na América Latina - Marcello Casal Jr/Agência Brasil.
Como ficariam
Libéria, Guiné e Serra Leoa após passarem por uma epidemia de um vírus com 90%
de letalidade?
Quem se lembra do ebola? Talvez
algumas poucas lembranças nos sobrem na memória. Aquelas lembranças de um povo
pobre, submetido a mais um dos desmandos do mundo. A epidemia do ebola teve
início em 2014, principalmente na África Ocidental e foi responsável pela
contaminação de mais de 28 mil pessoas e 11 mil mortes. O contágio, não se dá
por vias aéreas, as pessoas infectam-se a partir do contato com secreções como
urina, fezes, sangue ou saliva.
Fechem as
fronteiras! Os países citados no início do texto têm um crescente de
desemprego, violência, contágios e mortes. Mas talvez isso não fosse tão
relevante para os donos do mundo. Mandaram meia dúzia de cestas básicas, com o
título: ajuda humanitária.
Como estudar nesse cenário? Aliás, como viver?
África vive o
drama de seu passado de exploração brutal da vida, dos minérios e até das
almas. A passagem do ebola por África, para além de uma série de outras
problemáticas, deixou seus jovens sem escola.
Os anos entre
2014 e 2016, com altas taxas de contaminação, foram catastróficos para a
educação. Mais de cinco milhões de crianças e jovens ficaram sem suas
escolas. Cresceram as agressões físicas e os abusos sexuais, principalmente
entre as meninas e mulheres. São elas que mais ficaram de fora do retorno às
aulas.
Serra Leoa,
em plena pandemia, no ano de 2015, chega a implementar uma lei que não permitia
meninas grávidas nas escolas. Essa lei só foi retirada no ano de 2020.
Como pensar o direito à educação, durante a pandemia da covid-19,
sem tratarmos do direito ao isolamento social, à proteção do trabalho e à
saúde? Como estudar em meio a situações desumanas, sem acesso aos direitos
humanos básicos para viver?
Leia também: Continente africano tem mais de 600 mil casos e 13 mil mortes por
covid-19
África e
América Latina se olham através da distância de um oceano que as separa. Aqui
temos seus filhos e filhas. Lá vivem da exploração europeia. Aqui, o
imperialismo estadunidense não nos deixa em paz. Nossas trajetórias históricas
são diferentes, mas nos unimos pela busca da soberania das nações e a
construção de um mundo mais igualitário e em paz.
Para educadores e educadoras comprometidas com o futuro de nosso povo é
necessário refletir sobre os efeitos do coronavírus em nosso país. Com as
escolas fechadas e a ânsia desenfreada de nossos
governantes pelo retorno às atividades escolares, nos colocaram
garganta abaixo um sistema de aulas virtuais.
Quem está
acompanhando as aulas? Secretarias Estaduais de Educação afirmam que 20% de
crianças e jovens, aproximadamente, não estão acompanhando as aulas online.
Pelo diálogo
com professores e professoras das redes públicas de educação e nossa
experiência nesse período de ensino remoto durante à pandemia, é possível
identificar a inveracidade dessa afirmação, a taxa é muito maior. Mesmo se
verdadeira fosse, estaríamos falando de um número aproximado de 9,5 milhões de
crianças, jovens e adultos.
O que a experiência do ebola na África tem a nos ensinar sobre as
perspectivas e desafios da educação no Brasil?
A pesquisa
“Juventudes e a pandemia do Coronavírus”, realizada pela Unesco com mais de 33
mil jovens no Brasil, revela que 70% desses jovens tiveram uma piora no estado
emocional; 27% pararam de trabalhar; 28% pensaram em abandonar o ambiente
escolar; e 91% acreditam que as relações humanas e a solidariedade serão mais
valorizadas.
É preciso
muito trabalho neste momento! É preciso solidariedade para que a educação
continue sendo um direito, para que o estudo e o processo de escolarização seja
uma perspectiva para as famílias de trabalhadores.
O fechamento
das escolas e a privação da educação em África, fruto da necessidade de
diminuição do contágio do ebola, trouxe um cenário de evasão escolar (com
pouquíssimos estudos que trazem a perspectiva em números reais) e crescente de
violência doméstica. Talvez essas sejam contradições importantes de serem
refletidas para nosso momento e como faremos a defesa da educação brasileira.
O controle
sanitário da pandemia colocará desafios para a educação do povo brasileiro. Não
podemos enxergar a retomada das aulas e dos estudantes às escolas sem o
trabalho dos movimentos populares, sindicatos, trabalhadoras e trabalhadores da
educação.
O retorno às
aulas não pode deixar ninguém de fora e deve ser condicionado à preservação da
saúde e da vida do povo. O ebola já nos ensinou: tudo passa, mas os reflexos
para o povo pobre não vão embora com tanta rapidez. E hoje é de grande
centralidade nossa luta em defesa da escola pública, do direito à educação e à
vida.
Fonte: https://www.brasildefato.com.br/
Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 20 de
Agosto de 2020
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