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sábado, 26 de dezembro de 2015

CINEMA NEGRO NO BRASIL É PROTAGONIZADO POR MULHERES, DIZ PESQUISADORA


Janaína Oliveira
Por Isabela Vieira, repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro - Historiadora e coordenadora do Fórum Itinerante de Cinema Negro (Ficine) Janaína Oliveira (Fernando Frazão / Agência Brasil)
 Com quatro sessões lotadas no prestigiado Cinema Odeon – incluindo a primeira lotação para 600 pessoas após reforma da casa, no centro do Rio de Janeiro –, o filme Kbela, de Yasmin Thainá, é um dos mais importantes representantes de uma leva de produções feitas por realizadoras negras que ganharam o mundo em 2015. São narrativas que contam com mulheres negras na direção, na produção e como protagonistas, em um terreno onde elas costumam ser estereotipadas.
Levantamento da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), feito em 2014, já apontava para a sub-representação da mulher negra no cinema nacional. Para a professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e doutora em história, Janaína Oliveira, Kbela rompeu essa lógica em 2015.
Coordenadora do Fórum Itinerante de Cinema Negro (Ficine), um espaço de formação e reflexão sobre a produção de realizadores negros, Janaína afirma que Kbela não está sozinho.
Segundo a pesquisadora, que em 2015 circulou por festivais em países como Burkina Fasso, Cabo Verde e Cuba discutindo e divulgando essas produções, os filmes das realizadoras negras brasileiras alcançaram qualidade internacional e já é uma referência, embora pouco conhecidos no próprio país.
A professora, que é curadora do Festival Panafricano de Cinema e Televisão de Ouagadougou (Fespaco), o maior de todo o continente, recebeu a Agência Brasil em seu apartamento, em Santa Teresa, para conversar sobre a repercussão dessas produções brasileiras. Para ela, o cinema negro é um campo político, de luta por representação e desconstrução de estereótipos.  
Leia os principais trechos da entrevista:
Agência Brasil: O que é o cinema negro?
Janaína Oliveira: O que eu venho dizendo, e as pessoas ficam chateadas, é que não dá para definir cinema negro. É um campo político, de luta por representação, de desconstrução de estereótipos, de tornar as representações mais complexas, de ampliação de representações nos espaços mais diversos. Há quem defina, eu não defini. Definir é limitar. O cinema negro tem toda uma história, que começa nos Estados Unidos, passa pela diáspora negra, caminha por vários lugares. Por exemplo, hoje, além do samba, carnaval e futebol, temos o estereótipo da violência na favela presente. [O filme] Cidade de Deus [ambientado em uma favela e com protagonistas negros] claramente não é cinema negro. A questão é: dá para fazer imagens contra-hegemônicas, que desconstroem o estereótipo dentro de um grande estúdio de cinema ou de uma grande rede de televisão? É difícil.
Agência Brasil: Qual foi sua primeira experiência com esse formato?
Janaína: Sempre gostei de cinema e muito de cinema africano. O primeiro filme africano que vi foi no festival de Cinema do Rio [de Janeiro], o Vida sobre a Terra, de Abderrahmane Sissako [diretor, escritor e cineasta da Mautiânia, autor de Timbuktu, longa-metragem que concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2014 e a prêmio no Festival de Cannes no mesmo ano].
 Agência Brasil: Quem está produzindo cinema negro hoje no Brasil?
Janaína: Antes é importante esclarecer que estamos falando de curta-metragens, falar de longa-metragem é outra coisa, são pouquíssimos os negros que fizeram filmes de longa-metragem de ficção na nova geração, aliás, fica a provocação. Nesse universo, onde as pessoas efetivamente produzem – seja com ajuda de editais, seja nas universidades –, o que temos, de filmes de expressão, que atingiram patamar de técnica e de qualidade são os filmes feitos por mulheres negras. E são várias.
Agência Brasil: Quais?
Janaína: São as produções de Renata Martins, que fez Aquém das Nuvens e agora está fazendo uma websérie fenomenal, a Empoderadas, que só fala de mulheres negras, tem a Juliana Vicente, que fez o Cores e Botas e o Minas do Rap e está produzindo um filme sobre os Racionais MCs. Tem a Viviane Ferreira, que fez o Dia de Jerusa, que foi para [o Festival de] Cannes. Tem uma menina que está nos Estados Unidos, Eliciana Nascimento, autora de O Tempo dos Orixás, tem Everlaine Morais, de Sergipe, que fez dois curtas muito bons e vai estudar cinema em Cuba. E do Tela Preta [coletivo de realizadoras negras ligado à Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)], a Larissa Fulana de Tal, que fez o Lápis de Cor e acabou de lançar o Cinzas. No Rio, o nome da vez é Yasmin Thayná, que está bombando com o Kbela. Um filmaço, no sentido da técnica e das referências. Quer mais?
Cena do curta-metragem Kbla, de Yasmin Thayná (Divulgação)
Agência Brasil: Então há mais filmes com estética e cultura negra nos últimos anos?
Janaína: Nos últimos dez anos nos acostumamos a ver mais negros nas telas fazendo alguma coisa. Mas é pontualmente, fazendo algumas coisas. Ainda estamos presos a um universo de estereótipo. Que não é só o do bandido, o do cafetão, mas o da falta de complexidade das personagens. Os relacionamentos amorosos, os dilemas da vida, onde estão essas coisas? Não estão nas telas.
Agência Brasil: Qual a novidade nas produções brasileiras que você tem levado aos festivais?
Janaína: Uma coisa bacana é que nessa conexão com o continente africano, estamos redespertando debates. Em Moçambique, por exemplo, temos o retorno de que os vídeos sobre transição capilar (do cabelo alisado para o cabelo crespo, natural) tem ajudado mulheres e meninas de lá. Esses produtos, principalmente filmes disponíveis no Youtube, são feitos por meninas negras brasileiras. É quase uma rede de solidariedade. O audiovisual tem a capacidade de fazer isso.
Agência Brasil: E como aumentar a demanda por esse conteúdo no Brasil?
Janaína: A formação de público é uma questão central. Os filmes precisam ser vistos. Mas mostrar os filmes [em salas de cinema ou televisão] não é suficiente, se fosse, o problema estava resolvido. As pessoas não veem porque elas não gostam e mudar o gosto leva muito tempo. Enquanto você tem uma novela premiada como a Lado a Lado, da Rede Globo [que recebeu o Emmy Internacional em 2013], passando às 18h, em 50 anos da principal emissora de TV do país, você tem uma série como o Sexo e as Negas, em horário nobre com forte divulgação comercial e circulação.
Agência Brasil: Mas é preciso começar a estimular, não?
Janaína: Ainda vivemos em um contexto de imagens que precisamos desconstruir. O cinema é uma indústria, uma indústria de dinheiro que constrói imagens que querem ser vistas. Temos um padrão de cinema de Hollywood, daquilo que você espera ver. E esse padrão repete as estruturas de um universo eurocêntrico onde muito claramente está dividido o lugar das pessoas negras e brancas. Então, o que você vê, em geral é negros  e negras em situação de subserviência, nunca em destaque, sempre com atributos negativos. Isso está no universo da colonização da cultura, do gosto, da estética. É a mesma razão para a gente falar: a coisa está preta quando a situação é negativa, por que denegrir é uma coisa ruim? Por que usar “a coisa fica preta” é ruim? A gente não inventou isso, a gente reproduz isso e isso está nas telas. O cinema que existe é um cinema eurocêntrico que determina padrões estéticos, narrativos, rítmicos e musicais. Se não é isso, pessoas não gostam. Os filmes brasileiros de sucesso, como Tropa de Elite, seguem esse padrão.
Agência Brasil: E o que é preciso fazer?
Janaína: Formar redes de distribuição desses filmes. Se possível, junto com debates. É ir além da exibição. As novas imagens têm que chegar às salas de aula, criar aderência. Além de mais editais, mais parcerias e a presença do Estado, que facilita a produção e a circulação.
26 de dezembro de 2015


sábado, 28 de novembro de 2015

POVOS DAS FLORESTAS SÃO ALIADOS NA LUTA CONTRA A MUDANÇA CLIMÁTICA, REFORÇA DOCUMENTÁRIO.



Importância das florestas para a estabilidade do clima, o papel dos povos indígenas e suas reivindicações pelo território e pelo fim da violência contra seus líderes ganham visibilidade e apoio nas vésperas da COP-21.

Hoje, em média, um indígena morre a cada semana por lutar por seus direitos, revela o documentário “If not us then who?” – “Se não formos nós, então quem será?” – lançado em Paris, na semana passada. O filme foi lançado com a participação de lideranças indígenas, às vésperas do início da Conferência do Clima de Paris (COP 21), nesta segunda (30/11), reforçando o chamado à conservação das florestas e à solidariedade aos povos indígenas, atores fundamentais da proteção ao meio ambiente e, ao mesmo tempo, alvo dos impactos das mudanças climáticas.

“If not us then who?” foi feito pela Handcrafted films e dirigido por Paul Redman durante dois anos e meio e faz parte da campanha internacional com o mesmo nome e cujo objetivo é o reconhecimento da contribuição dos indígenas para a conservação das florestas e para o equilíbrio do clima. Histórias emblemáticas de lideranças indígenas na Indonésia, Peru, Brasil, Costa Rica, Honduras e em outros países são contadas pelos próprios indígenas no filme. As diversas histórias em formato de curta-metragem estão acessíveis no site da campanha, também em língua portuguesa (veja aqui).
“Nós não devemos idealizar a vida dos povos indígenas, mas nós devemos aprender com a sua sabedoria e sua sobriedade, algo que falta nos dias de hoje em nossa sociedade. Os índios estão na linha de frente da luta contra o desmatamento. O combate deles é nossa luta”, afirmou Nicolat Hulot, ambientalista francês, enviado especial do presidente da França para a proteção do planeta, no lançamento.
“Minha mensagem para os povos indígenas brasileiros é que a sua dor e a sua luta são compartilhadas no mundo todo por outras comunidades indígenas, na Indonésia, no Peru, no Congo e eles devem reunir forças com seus irmãos e irmãs que lutam da mesma maneira”, disse Redman.
Apenas em 2014, teriam sido mortos, no mundo, pelo menos 46 indígenas por combaterem a destruição do meio ambiente, segundo o relatório "How many more?", publicado pela ONG Global Witness, em 2015. O documento sugere que o número de vítimas deve ser bem maior, visto que os assassinatos nem sempre são devidamente contabilizados por ocorrerem no meio das florestas e em locais isolados.
A Handcraft lançou também o documentário “Liberdade”, que conta a história de conquista de direitos à terra de duas comunidades quilombolas no Brasil (veja o vídeo).
O papel questionável dos governos
A ação dos governos nem sempre corresponde ao seu discurso no âmbito internacional sobre o papel dos indígenas em relação à mudança do clima. Por exemplo, o governo do Peru tem se mostrado favorável à defesa das florestas e das populações indígenas desde a organização da COP 20, em Lima. Junto com o governo francês, o Peru patrocina um diálogo entre os negociadores dos países e as lideranças indígenas na Convenção do Clima da ONU para ouvir suas demandas em relação ao futuro acordo do clima (saiba mais).
Lideranças indígenas contestam, entretanto, as políticas da administração peruana dentro do País. “Nada mudou no Peru. O governo segue dando prioridade às concessões madeireiras e mineiras em detrimento da titulação dos territórios indígenas”, denuncia Diana Ríos. Ela é filha do líder indígena Jorge Ríos, assassinado no Peru, perto da fronteira com o Brasil, em 2014, por defender as florestas de sua comunidade do Alto Tamaya-Saweto, na região de Ucayali, contra madeireiros ilegais e narcotraficantes.
No Peru, foram aprovadas 35.658 concessões mineiras, entre 2007 e 2015, enquanto apenas 50 comunidades indígenas receberam o título oficial de seus territórios no mesmo período, segundo o relatório “Peru na encruzilhada climática”, da Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (AIDESEP) e da Rainforest Foundation-US, de 2015.
O relatório também mostra que, atualmente, são necessários 27 passos administrativos, que podem levar entre 10 e 25 anos, para que comunidades indígenas e tradicionais tenham seus territórios reconhecidos no Peru, enquanto apenas três passos administrativos são exigidos para a obtenção de concessões de exploração florestal e sete para concessões mineiras.
Em toda Bacia Amazônica, calcula-se que existam 100 milhões de hectares de terras indígenas ainda sem demarcar, o que deixa muitos povos sem garantias legais sobre os seus territórios. As áreas que carecem de reconhecimento oficial contêm 22,2% do carbono florestal da região, segundo o Woods Hole Research Center.
Na Bacia Amazônica, terras indígenas e áreas protegidas habitadas por povos indígenas contêm 32,8% dos estoques de carbono florestal na região – 28.247 milhões de toneladas de carbono (leia mais).
“Os povos indígenas não são contra o desenvolvimento. Eles são a favor de um desenvolvimento que respeite os territórios, os recursos naturais e as relações saudáveis entre as pessoas”, afirmou Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, no documentário “If not us then who?”. Tauli-Corpuz também afirmou que o individualismo é um dos grandes problemas do mundo hoje e que os valores de solidariedade e da coletividade dos povos indígenas deveriam ser aprendidos pelas pessoas.
O filme mostra diversos exemplos de manejo florestal comunitário feito por populações indígenas. Na Indonésia, por exemplo, indígenas da comunidade de Setulang estão usando a tecnologia de drones para o monitoramento dos territórios e florestas. Na Costa Rica, indígenas realizam o manejo sustentável das florestas, constroem escolas e postos de saúde com recursos recebidos do Estado sobre impostos sobre combustíveis fósseis.
(veja documentário; legendas em português).
O documentário mostra ainda as conquistas realizadas pelas quebradeiras de coco babaçu, uma luta liderada por mulheres que conseguiram a demarcação de algumas reservas e o apoio à sua atividade tradicional e comunitária (veja o vídeo; legendas em português).
“Os governos também devem incluir a contribuição dos Povos indígenas nas INDCs [contribuições nacionalmente determinas, que compõem as metas dos países para a redução de emissões de gases de efeito estufa na Convenção da ONU]. Porque nós [os povos indígenas] também temos uma contribuição a dar pelo clima e isso deve ser contabilizado”, afirmou Mina Setra, liderança indígena do West Kalimantan, Indonésia. “Os povos indígenas dão exemplos ao mundo todo sobre estilos de vida de baixa emissão de carbono. Nossa grande tarefa é transmitir a mensagem de que há esperança. Essa esperança é trazer a vocês nossa experiência, nossa vida e nossa conexão com as florestas”, afirmou Setra.


FONTE: http://www.socioambiental.org

POVO MUNDURUKU RECEBERÁ PRÊMIO NA COP 21 EM PARIS

A 21ª Conferência do Clima (COP 21) será realizada em dezembro de 2015, em Paris, e terá como principal objetivo costurar um novo acordo entre os países para diminuir a emissão de gases de efeito estufa, diminuindo o aquecimento global e em consequência limitar o aumento da temperatura global em 2ºC até 2100.

Os Munduruku iniciaram o processo de autodemarcação no território após anos sem resposta da FUNAI.
Por Camila Nobrega, De Berlim, Alemanha

Os Munduruku, do Médio Tapajós, estão entre os 21 vencedores do Prêmio Equador (Divulgação)
Enquanto lideranças de vários países se preparam para debater acordos sobre projetos de mitigação do aquecimento global que afetam diretamente áreas de floresta – como a Amazônia brasileira – povos tradicionais silenciados neste processo lutam para garantir autonomia nesses territórios. É o caso do povo Munduruku, da região do Médio Tapajós, que receberá um prêmio pelo projeto de autodemarcação do próprio território em uma das programações paralelas à conferência, que começa na próxima segunda-feira, 30 de novembro, em Paris. 
Os Munduruku estão entre os 21 vencedores do Prêmio Equador, cujo objetivo é ressaltar alternativas locais que combinam soluções para pessoas e a natureza. A cerimônia de entrega do prêmio, organizado pela ONU, será no dia 7 de dezembro. O povo Munduruku iniciou o processo de autodemarcação no território, após anos de espera sem ações por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai). Como a terra indígena está na reta de interesses econômicos, como a previsão da construção da usina hidrelétrica de São Luis do Tapajós, a demarcação oficial da terra indígena Daje Kapap Eypi está paralisada. O território reivindicado, e há gerações ocupadas pelo povo indígena, está localizado nos municípios de Itaituba e Trairão oeste do Pará.  O local fica a poucos quilômetros da área prevista para a construção da usina de São Luiz do Tapajós, de 8.040 megawatts.
Marquinho Mota, representante do Fórum da Amazônia Oriental, esteve presente esta semana em um debate sobre “Floresta, Direitos, Emissões – Povos tradicionais da Amazônia e a política climática internacional”, em Berlim, e questionou:
- Aí dizem que energia hidrelétrica é energia limpa. Uma energia que começa desse jeito pode ser chamada de limpa? - perguntou Marquinho durante o debate no Instituto Ibero-americano, no centro de Berlim, capital alemã, no último dia 24 de novembro.
Autodemarcação começou em 2014
Linhas fronteiriças podem parecer apenas abstrações de um território real, vivido no dia a dia, mas há situações em que elas podem gritar sobrevivência e se tornar instrumento de autonomia. E é exatamente por sua importância que elas são constantemente negadas e invisibilizadas, tornando-se motivo de conflitos Brasil afora. Foi percebendo isso que o povo Munduruku resolveu, há pouco mais de um ano, começar um processo árduo e bastante ousado de autodemarcação do próprio território. Facões e GPS em punho (sim, porque a tecnologia também pode auxiliar o conhecimento tradicional), mais de 60 indígenas Munduruku se voluntariaram a se embrenhar na mata na região do Médio tapajó para iniciar a tarefa em conjunto. Nesse processo, homens e mulheres dividiram tarefas. As Guerreiras Munduruku, grupo de mulheres da etnia que vivem e lutam na região, têm protagonismo no processo e na documentação da autodemarcação.
O Movimento Munduruku Ipereg Ayu vive sob tensão com medo de que parte das terras onde habitam sejam inundadas para a construção de, pelo menos, nove barragens na bacia do Tapajós. Algumas comunidades da região possuem terras demarcadas, mas existem outros grupos em aldeias como a Sawre Muybu ao longo do médio curso do Tapajós próximo ao município de Itaituba, que não possuem o título da terra. Estes territórios são os mais ameaçados. Sem regularizar a situação, o governo brasileiro e os poderes econômicos locais, como o agronegócio em aliança com grupos internacionais, se tornam coniventes com as ameaças de violência e diversas violações de direitos às quais os indígenas estão submetidos atualmente. 
Frente a uma plateia composta majoritariamente por europeus, Marquinho foi aplaudido ao explicar o processo de autodemarcação e a negativa dada pelo povo Munduruku a outras iniciativas de ajuda financeira, como o projeto de REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), que seria feito com uma obscura empresa irlandesa denominada Celestial Green Ventures. Por US$ 4 milhões divididos ao longo de 30 anos a empresa teria os direitos de comercializar créditos de carbono daquela área da floresta.
“Esses projetos de REDD (mecanismos que mais uma vez será debatido na COP-15) violam direitos dos povos tradicionais. A ideia é a floresta ficar preservada, mas o caboclo e o índio, por exemplo, perdem o direito de tirar uma palha para construir casa. Não queremos perder nosso direito à floresta para empresas internacionais poderem poluir livremente na Índia ou sei lá aonde”, afirmou Marquinho Mota.
Quilombos lutam por visibilidade na luta por justiça ambiental
Assim como os povos indígenas, movimentos quilombolas estarão presentes em Paris, na tentativa de construir uma resistência às propostas de preservação ambiental que atropelam direitos das comunidades tradicionais. Ana Cláudia Mumbuca, quilombola da região do Jalapão, no Tocantins, também esteve presente no debate em Berlim e ressaltou o momento difícil que o Brasil vive, em uma luta diária contra retrocessos no Congresso: “Não podemos deixar que tirem os direitos dos povos tradicionais em nome do que chamam de preservação ambiental. Se o nosso território está preservado não foi apenas porque a natureza se manteve, mas porque existe trabalho humano ali, diário e integrado ao meio ambiente.”
Ana fez uma comparação com o trabalho das abelhas, que foi preservado ali. “Nós também somos as abelhas que polinizam a floresta e isso não é levado em consideração”
São as abelhas que dão inclusive nome à região. Mumbuca é referência a uma abelha azul muito comum naquela localidade do Jalapão. O lugar se tornou famoso em textos sobre turismo na região do Tocantins e artesanato feito por mulheres com o capim dourado. Mas pouco se fala sobre os conflitos de terra a que as quilombolas e os quilombolas Mumbuca estão expostos nesse território, a cerca de 30 quilômetros do município de Mateiros, numa área próxima à rodovia TO-110. Junto com outros povos do Cerrado, eles lutam para dar visibilidade à degradação desse bioma, especialmente devido ao agronegócio que ocupa grandes faixas da região, criticando mudanças propostas na legislação, como a polêmica PEC 215. 
Lutando contra a falta de espaço no debate público e na mídia, quilombolas e indígenas do Tocantins também iniciaram processos autônomos, por meio de instrumentos como a cartografia social. O objetivo é dar espaço à narrativa da população local. 
Durante o debate, Ana mencionou a Marcha das Mulheres Negras que ocorreu pela primeira vez em Brasília, no dia 18 de novembro, reunindo mais de 20 mil mulheres. Ela contou sobre as ofensivas contra a marcha, por parte de grupos políticos conservadores do país e a repressão enfrentada pela ação da Polícia Militar. Recebeu o apoio direto de uma companheira do movimento negro de Camarões e foi aplaudida longamente pela plateia. Ana Mumbuca e Marquinho Mota participam de uma extensa agenda na Alemanha e seguem para a Áustria.
27/11/2015

FONTE: http://www.brasildefato.com.br/

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

GUARANIS KAIOWÁ CANTAM SUA REALIDADE NAS RIMAS DO RAP

Bastou que as lideranças da aldeia ouvissem calmamente as rimas que falavam sobre os desafios e lutas do povo do Mato Grosso do Sul para que aprovassem e abençoassem a iniciativa.
Por Cibele Tenório,Da EBC

Em 2008, quando quatro jovens da etnia Guarani Kaiowá criaram o Bro MC, grupo de rap, a inciativa não foi vista com bons olhos pelos demais. Mas bastou que as lideranças da aldeia ouvissem calmamente as rimas que falavam sobre os desafios e lutas do povo do Mato Grosso do Sul para que aprovassem e abençoassem a iniciativa.
 Desde o início, a decisão foi a de escrever rimas em português e em guarani. “A gente fez essa escolha justamente para mostrar que não deixamos de lado a nossa cultura”. Os indígenas começaram a se arriscar nas primeiras rimas depois de ouvir rap num programa de rádio. Gravavam tudo numa fita e iam repassando para os demais jovens da aldeia até que alguém teve a ideia de criar um grupo.
As canções falam sobre as reivindicações e os conflitos da comunidade nativa da maior reserva urbana do Brasil, que é vítima constante de violência na disputa pela demarcação de terras no Mato Grosso do Sul. “O rap é nossa ferramenta para denunciar o que acontece e também serve para nos defender e para mostrar a realidade do povo no Mato Grosso do Sul e de outros estados”.
Ouça aqui uma das músicas dos Bro MC's:


PEC 215
O grupo de rap participou nesta quarta-feira (28) de uma mesa sobre produção cultural nos Jogos Mundiais Indígnas (JMPI) em Palmas (TO) e comentou a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00, que altera as regras para a demarcação de terras indígenas, de remanescentes de comunidades quilombolas e de reservas.”A gente ficou muito triste. Eles (os deputados que votaram pela aprovação) acham que nós estamos atrapalhando. A gente não quer tomar a terra do outro, a gente só quer a posse da terra onde nossos antepassados morreram”, fala Bruno.
Apesar de divulgarem suas canções online, em um canal do YouTube, o grupo ficou surpreso com a recepção calorosa que recebeu nos JMPI. Durante a apresentação dos Bro MC’s, muitos parantes, como são chamados os indígenas de outra etnia, cantaram as rimas em coro. “A gente não tem dimensão de até onde nossa música tem chegado e foi muito gratificante estar aqui ouvir as pessoas e poder mostrar nosso som. Mostrar que a gente também é capaz e não vamos ficar só dentro de uma oca, segurando uma flechinha”.  
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/
30/10/2015


sábado, 17 de outubro de 2015

QUILOMBOS DE BH SÃO RETRATADOS EM DOCUMENTÁRIO

Filme mostra resistência de comunidades “engolidas” pela metrópole mineira.
Da Redação De Belo Horizonte (BH)
Existência do quilombo está registrado desde o séc. 19 | Foto: Daniel Cruz

“Não fomos nós que viemos pra cá. A cidade é que veio”, conta Maria Luzia Sindônio, do quilombo urbano dos Luízes. Este e outros depoimentos de quilombolas foram reunidos no documentário “Vozes da Resistência”, que será lançado na quinta-feira (8), no cine Humberto Mauro.
O filme conta a história de três comunidades de Belo Horizonte, o Luízes, Mangueiras e Manzo Ngunzo Kaiango, áreas consideradas quilombos urbanos. Apesar de se originarem de ex-escravos, as comunidades foram “engolidas” pela cidade, causando uma série de infrações a direitos.
A Defensoria Pública da União, produtora do filme, reuniu pela primeira vez a história e reivindicações destes quilombolas sobre a regularização fundiária. A direção é da servidora da Defensoria Pública da União em Belo Horizonte Zuleide Filgueiras e o argumento é do defensor Estêvão Ferreira Couto.
Seminário da resistência
Nos dias 6 e 7 de outubro, a Defensoria realiza o seminário “Vozes da Resistência – em defesa dos direitos dos quilombolas” para divulgar os direitos dos cidadãos que tenham se originado de quilombos. A atividade serve também para tornar públicos os trabalhos feitos com quilombolas nos últimos anos.
Os debates contarão com a presença de defensores, juristas, professores universitários, quilombolas e representantes do governo de Minas Gerais e de Belo Horizonte. O evento acontece na terça e quarta-feira, de 9h às 17h, no Museu Histórico Abílio Barreto (Avenida Prudente de Morais, 202, Cidade Jardim).

Lançamento de “Vozes da Resistência – os quilombos urbanos de Belo Horizonte”
Quando: quinta-feira (8), às 19h
Onde: Cine Humberto Mauro, Palácio das Artes
Fonte:http://www.brasildefato.com.br/                                                                                                                                  

06/10/2015

terça-feira, 6 de outubro de 2015

OS CATIVOS DO DAOMÉ

Carta do Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa, revela empenho de rei africano em reunir escravos para vender à Coroa Portuguesa.

Imagem: Fundação Biblioteca Nacional

Em uma caixa em que são reunidas comunicações entre São Tomé e Portugal, no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), em Lisboa, uma correspondência chama atenção para o comércio de escravos entre um reino africano e a Coroa Portuguesa. Trata-se da carta do rei do Daomé (hoje República do Benin), para o príncipe regente Dom João, escrita em 20 de novembro de 1804.
Fundado no século XVII, o reino do Daomé se dedicava a captura e venda de escravos para os europeus, o que também colaborava para influenciar sua estrutura política e social. O local era conhecido pelos portugueses como Costa da Mina, localizado na África Ocidental. Nesta época, o rei do Daomé era Adandozan, que não é de todo desconhecido na historiografia. O próprio etnólogo Pierre Verger (1902-1996) o mencionara em alguns de seus textos, como o livro Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo do Benin e a Bahia de todos os Santos, dos séculos XVII a XIX.
As comunicações do rei africano com reinos europeus, principalmente o português, são conhecidas também por outros autores, como Luís Nicolau Parês que, em texto publicado na Revista Afro-Asia, chega a montar uma tabela com 14 cartas remetidas do Daomé à autoridades da governança portuguesa.
Uma vez no governo, Adandozan se apresentava nesta carta a Dom João como um parceiro comercial interessado em enviar emissários a Portugal, mas conta que carecia de pessoas capazes de fazê-lo. Contudo, no dia 7 de setembro sua sorte mudou, Adandozan mantinha um exército cuja estratégia era fazer pilhagens aos inimigos da região em terra e aos estrangeiros que não se colocassem sob sua tutela ao mar. Naquele dia, ordenou que se fizesse guerra em Porto Novo, próximo de onde os portugueses haviam erguido a fortaleza de São João Baptista de Ajudá. Na carta, o rei conta que colocou dez mil homens no butim, tomou um navio e prendeu vários portugueses que estavam a bordo. Após serem capturados, os portugueses foram levados por trezentos soldados armados para Abomei (Verger leu três mil soldados nesta mesma carta, o que não se confirma), capital do Daomé, onde foram presos e interrogados por Adandozan.
Não foram os primeiros, o português João Tathe econtrava-se cativo no Daomé desde 1781 e servia como escrivão ao rei africano - daí esta carta ter sido escrita contando todo o evento acima. Mas ia além: apresentava boas possibilidades em um vasto comércio, inclusive com a abertura aos portugueses de “secretas minas de ouro” (que jamais foram encontradas), algo que o escrivão não teve condições de desmentir por temer por sua vida. A carta fora enviada por outro português, Inocêncio Marques Santana. Tathe continuo cativo de Adandozan.
Chamando carinhosamente o príncipe Regente Dom João de “meu mano”, Adandozan pedia alguns presentes como sinal de que os reis concluíam um pacto: “peças, espingardas, pólvora e o mais que consta os preparos” de guerra, além de “obuses para metralha”, arma capaz de disparar explosivos. Requeria também, ajuda material para que, com essa aliança, tornasse seu reino mais próspero e angariasse mais poder para si e para os seus. Além disso, o rei também se oferecia “para tudo quanto (...) determinar, e assim tudo quanto me falta nesta que mandei fazer pelo meu escrivão [João Tathe] adverti ao seu bom vassalo [Inocêncio Marques Santana]”.
Para selar as negociações Adandozan pedia também alguns mimos, que, como ensinou John Thornton, não seriam portados apenas como meros objetos de luxo, mas como símbolos de prestígio que diferenciaria seus portadores do restante da própria nobreza e da sociedade. Artigos como “oito espingardas de prata para caçar” e “30 chapéus finos, grandes, de várias cores, com suas plumas grandes”; assim como “20 peças de seda das antigas.”
Adandozan envia então alguns panos de linho de presente a Dom João, se desculpa dizendo que não o fazia mais, pois estava em guerra e, por isso, “não consta comigo senão apetrechos de guerras, porém, em sinal de um bom irmão que tem lhe mando um dos meus linhos para firmeza de nossa amizade”.
No final do documento, uma surpresa. O escrivão português, que se encontrava preso havia 23 anos naquele reino, se arrisca e faz um suplício ao Príncipe Regente:
Vossa Real majestade me queira perdoar o meu grande atrevimento, como me mandam escrever esta à força, a fiz por não ter outro remédio, pois quem poderá expressar o que viu é este que vai por nome Innocencio. Como eu há 23 anos ainda não achei outro cristão como este, ele fará aviso do que viu e o que padeceu e como tratam os pobres portugueses nesta terra. Eu faço este pequeno aviso porque todos quantos assistem na vista desta não sabem ler, e não me estendo mais por não causar desconfiança. Meu senhor Jesus Cristo queira se lembrar de todos quantos aqui estão penando [...] Deus dê todas as felicidades a Vossa Majestade como quem deseja que sou humilde vassalo João Tathe, português.
 A história do tráfico uniu diversas sociedades e etnias e representou a transformação de muitas culturas na América, na Europa e na África. Muitos homens sobreviveram a ele ao longo dos séculos. Nem sempre o africano encontrou-se em situação desvantajosa em relação aos europeus. Estes, certamente, utilizaram seu poder bélico e a posse de mercadorias valiosas para conseguir acesso a governante em regiões da África que por sua vez converteram esses bens em mais poder e prestígio para sua linhagem dentro da sociedade africana, em suma, em riquezas materiais e imateriais que colaborava para sua manutenção no poder. A carta de Adandozan é importante para que se superem versões equivocadas sobre a história da África, do tráfico Atlântico de escravos e dos africanos.


1/10/2014
Rodrigo Amaral é Professor da Universidade Cândido Mendes; Coordenador Geral dos Cursos de História, Letras e Pedagogia da Universidade Cândido Mendes; Coordenador de Pesquisa da Faculdade Simonsen; Autor da Tese: Concessão ou Conquista?, UFRJ, 2010.


domingo, 4 de outubro de 2015

JOVENS, NEGROS E EUROPEUS: WEBSÉRIES ABORDAM VIVÊNCIAS DE FILHOS DA DIÁSPORA AFRICANA NA EUROPA

Britânica de origem jamaicana, Cecile Emeke traz em seus trabalhos as vozes da juventude negra no Reino Unido e na França, enquanto a alemã de origem ruandesa Amelia Umuhire conta histórias de afro-europeus em Berlim
Carmen López | El Diario |De Londres (Inglaterra)

Olivia e Rachel (Michelle Tiwo e Vanessa Babirye), "Ackee & Saltfish" | Divulgação

O trabalho da cineasta e escritora londrina Cecile Emeke ficou conhecido entre o público europeu e norte-americano há alguns meses, graças à sua websérie “Ackee & Saltfish”. Gravada em 2014, seria um curta-metragem, mas a diretora decidiu postá-lo no YouTube por capítulos, prendendo assim a audiência e deixando aberta a possibilidade de continuar a história.
A trama é simples: Olivia e Rachel, interpretadas por Michelle Tiwo e Vanessa Babirye, são duas amigas jovens e negras que nasceram e foram criadas em Londres. Com diálogos velozes cheios de referências à cultura pop, as protagonistas refletem sobre o estado da sociedade e, principalmente, sobre a gentrificação por que passa a capital britânica, tema que de fato a diretora quer abordar.
Em entrevista ao jornal norte-americano The New York Times, Emeke explica que o roteiro está baseado em suas experiências pessoais. “Um dia meu companheiro e eu entramos em um bar cujos funcionários eram todos ingleses brancos e onde se serviam versões culturalmente apropriadas de pratos tipicamente caribenhos, vendidos a preços exorbitantes. Para piorar, o rosto de Bob Marley estava pregado em todas as paredes, e o design do local imitava um quiosque na areia da praia. Claro que acabamos indo embora”, contou a cineasta.
Não é casual que as protagonistas da série sejam duas mulheres jovens e negras. Britânica de origem jamaicana, Emeke explora em seus trabalhos a realidade dos filhos da diáspora negra na Europa. Seja através da ficção ou dos depoimentos de pessoas dessa comunidade, ela busca se distanciar dos estereótipos e abordar questões que possivelmente os europeus de outras etnias jamais tenham chegado a pensar.


Emeke traz essas questões também em “Strolling” e “Flâner”, duas séries de entrevistas curtas com pessoas negras nascidas na Europa – a primeira no Reino Unido, a segunda na França. A diretora se reúne com os protagonistas em algum ponto de Londres ou de Paris e caminha com eles pelos arredores (a tradução dos títulos é “passear”, em francês com um matiz mais relaxado). Com música e sons da rua como trilha sonora, os entrevistados falam sobre suas experiências de vida.
A discriminação de gênero é um dos temas mais abordados nas conversas, e em todas se chega à mesma conclusão: ser uma mulher negra é ainda mais complicado do que ser uma mulher branca. Elas não apenas enfrentam o sistema heteropatriarcal instaurado na sociedade ocidental, mas também têm de lidar com a discriminação resultante da interação entre racismo e machismo.

Gaëlle e Christelle são as primeiras entrevistadas de Paris e falam amplamente da competitividade entre mulheres afro-francesas, incutida desde a infância; da pouca solidariedade por parte dos homens negros e de certa aversão que chega ao racismo (ideias como “não saia com uma mulher negra, elas são sujas”); da imagem incorreta que se tem sobre elas em filmes como “Bande de Filles” (“Garotas”), dirigido por Céline Sciamma, sucesso internacional do cinema francês em 2014.
“Você se sente mal representada [as protagonistas de ‘Bande de Filles’ são jovens de classe baixa e problemáticas que moram na periferia de Paris]. Eu existo e tenho muitas amigas negras e nós não somos assim. Por que continuar falando desse tipo de garotas quando elas são uma minoria? Assisti ao filme e foi uma decepção.  Não tanto pela má interpretação, mas porque foi como se uma feminista branca tivesse tentado objetivar a feminilidade negra (...) O filme todo foi incômodo, com muitos clichês, simplista. Imaginou-se que seria revolucionário, porém foi absolutamente tudo menos isso”, sustenta Christelle.
Outro assunto recorrente é o de sentimento de comunidade. Enquanto as entrevistadas e entrevistados franceses afirmam que no Reino Unido as pessoas negras têm mais visibilidade, os britânicos olham em direção aos Estados Unidos. É no que acredita Johny, originário de Sheffield e atualmente morando em Londres: “Os afro-americanos tiveram o movimento pelos direitos civis, uniram-se para consegui-lo de maneira muito forte. Ser afro-americano é muito diferente de outras formas de ser negro em outros lugares”.
A religião, os relacionamentos interpessoais e, é claro, o colonialismo também são temas bastante presentes. Este último, especialmente nos depoimentos britânicos. Como explica Abraham Popoola, parte da equipe que gravou “Ackee & Saltfish” entrevistado por Emeke em “Strolling”: “Imagine que alguém entra na tua casa, te rouba tudo, te escraviza, vai embora e, depois de tudo isso, você ainda lhe deve dinheiro. É exatamente o que a Grã-Bretanha fez com a Nigéria”. Para o britânico Kevin Morosky, “é como uma puta festa para a qual você não foi convidado e que está sendo festejada há mais de 500 anos”.

Enquanto Emeke menciona o diretor e produtor afro-americano Terence Nance como referência, a cineasta Amelia Umuhire cita Emeke como uma de suas inspiradoras. Alemã com origens ruandesas, Umuhire é a realizadora da websérie “Polyglot”. No primeiro episódio a protagonista é Babiche Papaya, uma poeta/atriz/rapper afro-europeia que tenta encontrar seu lugar em uma cidade povoada por cidadãos berlinenses procedentes de diferentes lugares (daí o título que faz referência à multiplicidade de idiomas), enquanto tenta confrontar sua identidade jovem negra de origem africana na Europa.
Sem compartilhar o caráter humorístico da série de Emeke, “Polyglot” alinha-se com a obra da britânica na tentativa de oferecer ao público uma visão da sociedade a partir de uma ótica diferente da predominante nas ficções ocidentais, em que os criadores negros (e especialmente as criadoras) têm pouca representação. Como afirma Emeke, citando a escritora afro-americana Toni Morrison: “Se há um livro que você quer ler, mas ele ainda não foi escrito, então você tem de escrevê-lo”.
Fonte:http://www.brasildefato.com.br/
28/08/2015
Matéria original publicada no site do jornal espanhol El Diario. Tradução: Mari-Jô Zilveti