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domingo, 15 de março de 2015

DISPUTA COM O EXÉRCITO AMEAÇA CONTINUIDADE DE COMUNIDADE QUILOMBOLAS

Procurador da República descreve impactos sociais e culturais da demora no reconhecimento de territórios. Presença militar impede comunidade de desempenhar atividades tradicionais, como a colheita de castanha.
(4’38” / 1.06 Mb) - Dos 2.480 territórios quilombolas certificados pela Fundação Cultural Palmares, somente 187 receberam o título coletivo. A situação já revela um pouco da luta dessas comunidades para que o direito ao reconhecimento de suas terras seja garantido, mesmo com o amparo legal existente na legislação brasileira.
Nas áreas regularizadas, encontram-se cerca de 12,5 mil famílias. O número representa 5,8% das 214 mil famílias que a Secretaria de Políticas Públicas para a Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR) estima ser a população quilombola no Brasil.
Recentemente ganharam repercussão os casos das comunidades de Forte Príncipe e Santa Fé, em Rondônia. Em janeiro, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com duas ações civis para que a Justiça forçasse o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) a concluir imediatamente o trabalho de titulação das terras. Porém, a Justiça negou os pedidos.
Em entrevista à Radioagência Brasil de Fato, o procurador da República Henrique Felber Heck, responsável pelas ações, contou como a demora na demarcação dos territórios tem causado problemas sociais e culturais aos quilombolas. Ele ainda ressaltou as situações enfrentadas por Forte Príncipe no contato direto com o Exército, que tem impedido a comunidade de desempenhar atividades tradicionais.
Radioagência BdF: Henrique, o que tem travado a demarcação desses territórios?
Henrique Heck: A principal dificuldade aqui de Rondônia é a falta de pessoal no INCRA. Não tem gente suficiente que integre esse setor de demarcação quilombola e que faça os trabalhos de estudos necessários para a atividade específica e para concluir os procedimentos. 
Radioagência BdF: Em alguns casos já se iniciaram a demarcação , mas ocorrem entraves ao longo dos anos. Então, o senhor acredita que possa ter outras questões que impeçam essas demarcações?
HH: Forte Príncipe tem a peculiaridade de dividir o espaço com o Exército. A comunidade fica ao lado de um quartel e também fica ao lado de uma antiga fortificação, que na verdade é patrimônio histórico brasileiro. Então, por dividir espaço com o Exército surgiram vários conflitos entre funcionários do Exército e a comunidade, e em decorrência desses conflitos a situação de demarcação especificamente dessas comunidades é mais difícil.
Radioagência BdF: E quais são os danos sociais e culturais causados por essa demora na titulação das terras?
HH: No caso de Santa Fé, já foi noticiado no Ministério Público que algumas pessoas não confiam mais na atuação estatal, ou seja, não confia que o INCRA o tinha esse procedimento, e tem procurado até vender extraoficialmente, por meio de contrato de gaveta ou até verbalmente suas terras. As pessoas que compram, elas compram de má fé. Ao mesmo tempo isso desintegra a comunidade que tinha laços comuns e dificulta ainda mais o procedimento de demarcação e delimitação das terras.
No caso de Forte Príncipe, uma parte da comunidade se uniu para se defender do Exército, mas também existe uma desconfiança na capacidade do Poder Público de fazer frente ao Exército e também de conseguir legitimar esse processo de demarcação.
Radioagência BdF: Em relação aos problemas com o Exército, quais são os relatos da comunidade?   
HH: Depende muito do comandante que está exercendo as funções lá no batalhão específico. Já aconteceu de terem comandantes que são, digamos assim, mais severos e tiveram uma relação mais difícil ainda com a comunidade. E a comunidade sofreu muito e isso eu digo com base nos depoimentos deles. Tiveram cercas derrubadas, algumas pessoas foram expulsas, e isso gerou uma animosidade muito grande. E também pelo fato do Exército não admitir que se trata de uma comunidade quilombola, apesar da autoindentificação, do autoreconhecimento como comunidade quilombola. E a própria comunidade por causa desse não reconhecimento se sente mais discriminada ainda.
De São Paulo, da Radioagência BdF, Daniele Silveira.
http://www.brasildefato.com.br/
03/02/15
Foto: Reprodução


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