Bloco
espera mais de 20 mil pessoas para o desfile deste ano. Escritora negra
Carolina Maria de Jesus será homenageada
Por
José Coutinho Júnior Da Página do MST
“Eu vi mulheres no
cativeiro/Lavando as escadas do Bonfim/Eu vi os tambores do rei/Eu vi Ilú Obá
De Min/Essas mulheres do cativeiro/Cansadas dos maus tratos do senhor/Tiraram
seus tambores da senzala/Levaram para avenida/E cantaram pra Xangô”.
Organizadas em
filas, 230 mulheres tocam baterias e cantam a plenos pulmões no meio da rua.
Homens e mulheres, alguns se equilibrando em pernas de pau, todos vestidos de
forma a homenagear os orixás, dançam freneticamente.
Um círculo se abre para a
apresentação de um homem que cospe fogo. Acompanhando toda a apresentação,
estão mais de 15 mil pessoas.
Assim é o desfile
do Ilú Obá de Min, bloco afro de carnaval de São Paulo, característico pelo
protagonismo das mulheres. Ilú Obá de Min significa “as mãos femininas que
tocam pra Xangô”. Apenas as mulheres tocam a bateria, e os temas de todo ano
prestam homenagem a mulheres negras ou à cultura negra em si.
O bloco irá se apresentar nos dias 13 e 15 de fevereiro. Segundo Beth Beli, uma das coordenadoras e fundadoras do Ilú, a criação do bloco se deu por três motivos. “Eu vi o quanto você fica empoderada ao tocar o tambor.
O bloco irá se apresentar nos dias 13 e 15 de fevereiro. Segundo Beth Beli, uma das coordenadoras e fundadoras do Ilú, a criação do bloco se deu por três motivos. “Eu vi o quanto você fica empoderada ao tocar o tambor.
E daí surge a
ideia de criar um bloco onde as mulheres toquem. Também queríamos trabalhar o
ritmo dos orixás, dos terreiros africanos, já que a maioria das nossas músicas
tem raízes africanas, e desmistificar o preconceito que existe na sociedade com
o ritmo do candomblé”.
Após 10 anos de existência, O Ilú cresceu e é mais que um bloco de carnaval e se tornou um ponto de cultura.
Após 10 anos de existência, O Ilú cresceu e é mais que um bloco de carnaval e se tornou um ponto de cultura.
Entre projetos e parcerias, estão oficinas de
percussão para mulheres, a Tenda Lúdica, que consiste em aulas de percussão
para crianças, contação de histórias, jogos africanos, confecção de bonecas
pretas e biblioteca com literatura infantil que valoriza a diversidade
étnico-racial.
Além disso, o Ilú
está presente na periferia graças às pessoas que compõem o coletivo. “Várias
mulheres vem das periferias participar do Ilú, e muitas delas nos convidam a ir
nas comunidades falar e fazer trabalhos de formação”, afirma Beth.
Financiamento
Para o desfile
deste ano, o bloco prevê mais de 20 mil pessoas na rua. Como parte do desfile,
o coletivo contratou dois trios elétricos, para que as pessoas possam
acompanhar o espetáculo. Para pagar isso, o Ilú está realizando uma campanha de
financiamento coletivo.
“Temos um público e
não temos financiamento, como as escolas de samba e alguns blocos tem.
O Ilu
andou sozinho, sem apoios. Sempre fomos um coletivo, nos sustentando por conta
própria. São muitas mulheres que trabalham em várias frentes, de várias formas,
para sustentar o Ilu. E financiamento coletivo tem a ver com isso”, afirma
Beth.
Para contribuir com
o financiamento do bloco, clique aqui.
A mulher que
retratou a favela
Este ano, o Ilú irá
homenagear a escritora negra Carolina Maria de Jesus. Mineira, Carolina se
mudou para São Paulo em 1947, onde vivia na favela do Canindé.
Registrava em
contos seu cotidiano e o dia a dia da favela. Seu livro mais conhecido se
chama Quarto de despejo.“Eu denomino que a favela é o quarto de
despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos.”
Após escolher a
pessoa homenageada, o Ilú inicia a preparação do bloco. “A gente fez todo um
estudo da vida e obras dela, e a partir daí, as mulheres da bateria e da dança
começam a compor.
O que é interessante é que a maioria das mulheres não
trabalham com música: são engenheiras, mulheres de movimentos sociais, de rua,
mas é um trabalho que fica incrível e incentiva elas”, diz Beth.
O coletivo conta
também com uma figurinista, que a partir da vida de Carolina, prepara as roupas
do bloco. Segundo Beth, “Carolina se sustentava como catadora de lixo.
Catava
latinhas, e a partir do que vê, começa a escrever, com uma visão política e
critica profunda, da favela, do governo Vargas, da favela como ‘quarto de
despejo’. Então a maioria das roupas, dos panos dos orixás, são feitos com materiais
recicláveis”.
O objetivo principal do Ilú é mostrar não apenas a mulher, mas a escritora. “Uma das pessoas vai se transformar na Carolina, e a roupa dela é toda feita de livros. Queremos enfatizar a importância dela como uma figura literária, que produziu mais de 70 livros, e não só a mulher”, conclui Beth.
O objetivo principal do Ilú é mostrar não apenas a mulher, mas a escritora. “Uma das pessoas vai se transformar na Carolina, e a roupa dela é toda feita de livros. Queremos enfatizar a importância dela como uma figura literária, que produziu mais de 70 livros, e não só a mulher”, conclui Beth.
Carnaval Popular
Quando questionada
sobre a importância dos blocos de rua para o carnaval brasileiro, cujas maiores
escolas de samba recebem quantias milionárias para realizar o desfile, Beth
acredita que há uma grande contradição na festa hoje em dia.
“Eu sou da época que o carnaval não era mercadológico. Ele virou um negócio. As rainhas da bateria costumavam ser meninas negras da comunidade.
Hoje são
atrizes da globo. É uma festa importante, tem trabalhos muitos bonitos, mas não
é o povo que é protagonista. Fica sempre no espetáculo. E a ideia do carnaval é
estar junto, fazer a festa junto.
Hoje um gringo compra roupas via internet,
chega no país e sai na escola. Então quem dá mais pode sair na escola. Isso é
contraditório, porque o samba, os cordões, vem do povo. Até muitos dos temas
são comprados”.
Segundo ela, o carnaval popular, principalmente em uma cidade repressora
como São Paulo, é um momento onde as pessoas podem se reunir, criar suas
fantasias e se divertir. “O Ilu já foi convidado muitas vezes para o
sambódromo, mas não é isso que queremos. Queremos levar 15 mil pessoas pela
rua”, conclui Beth.
09/02/2015
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