A história do Uirapuru é uma história de amor, como seu canto é um canto de amor. Amor não correspondido, que é o que dói mais.
O jovem
guerreiro era um bravo, um herói do seu povo. Não bastasse a fama conquistada
na guerra, era um homem de grande beleza e arte.
Tinha
uma flauta de osso de onça que trazia amarrada à cintura. Tocava flauta como ninguém,
e até os bichos da floresta, embevecidos, silenciavam para ouvir sua música.
Era
abertamente desejado por todas as moças solteiras da aldeia, e desejado às
escondidas pelas que eram casadas.
Apenas
uma mulher parecia não se interessar por ele justamente aquela por quem ele
loucamente se apaixonou. Era a mulher do cacique, que a trouxera de longe,
roubada de outro povo.
Quando
ela chegou à aldeia, o jovem guerreiro sabia que seu destino tinha acabado de
mudar. A partir daquele dia, tocaria sua flauta somente para ela. E tocava cada
vez melhor, cada vez mais alto, cada vez mais perto.
Ela não
dava sinais de ouvi-lo. Até parecia que a moça era surda.
A
mulher do cacique ouvia muito bem, mas não falava a língua do guerreiro e não
podia conversar com ninguém, nem mesmo com o marido.
Também
não compreendia os gestos e sinais daquela gente e tinha medo de entender tudo
errado e sofrer castigos e humilhações.
Passava
a maior parte do dia na maloca, entretida com as tarefas destinadas às mulheres
casadas. Não ia com as outras ao rio para se divertir na água. Não se
interessava pelas fofocas dos mais velhos nem se distraia com as trapalhadas
das crianças.
Tudo
que ela entendia era música da flauta do guerreiro. Amava a música da flauta e
amava o flautista. Mas não dava sinais de seus sentimentos, tinha medo de ser
mal interpretada.
O
cerco do flautista a sua amada acabou por levantar suspeitas, e o cacique,
sentindo-se ultrajado, expulsou o guerreiro para a floresta. Na floresta, ele
continuou a tocar, e o vento se encarregava de levar sua música para a aldeia.
O
cacique passou a ter um ciúme doentio da mulher estrangeira e a prendeu em
casa. A música da flauta entrava na casa.
A
mulher nada dizia, não reagia, nem quando o marido batia nela. Mesmo assim, ele
tinha certeza de que era o flautista que sua mulher amava.
Não
suportando mais a situação, o cacique saiu em busca do guerreiro na floresta para
flechar seu coração. Encontrou o jovem apaixonado sentado num tronco caído
tocando seu instrumento. Estirou o arco, mirou o coração do rival e lançou a
flecha.
Algum
deus que a tudo observava, admirador sincero da música da flauta, transformou o
guerreiro num pássaro que voou no exato instante em que a flecha se aproximava
de seu coração.
A flecha
encontrou o vazio onde antes estava o moço e se cravou no tronco.
Na volta
à aldeia o cacique foi atacado por uma fera e morreu.
Sua mulher
foi devolvida à aldeia de seus pais e nunca mais se soube dela.
O pássaro,
que foi chamado Uirapuru, canta hoje aquela mesma música. Quem já teve um amor
não correspondido sente que seu canto é de dor. Não há na floresta canto mais
bonito.
As notas
soam claras e metálicas, como se moduladas por um instrumento musical.
Quando
o Uirapuru canta, os outros pássaros ficam mudos.E os humanos sentem o amor palpitar
no coração.
Ter
em casa um Uirapuru empalhado é garantia de sorte no amor. E também de bons
negócios.
Talvez
fosse melhor tê-lo vivo, mas quem é que consegue pegar um Uirapuru, a não ser que
o mate? Aliás, quem quiser comprar um Uirapuru morto que tome cuidado.
O
que se encontra à venda por aí, por preços nada baratos, é pura falsificação:
Uirapuru de verdade não morre nunca, apenas canta.
Fonte: PRANDI, Reginaldo. Contos e Lendas
da Amazônia. Curitiba: A Página, 2012.Pag.105
23/03/2015
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