Documentos vazados pelo WikiLeaks mostram que
autoridades do Mato Grosso do Sul desdenharam da demanda dos indígenas; para
EUA, situação é um “desastre”.
Luiza
Bodenmüller e Spensy Pimentel, da A Publica
Despejo paira sobre Laranjeira Nhanderu - Foto: Egon Heck/Cimi |
O drama dos Guarani-Kaiowá, de Mato Grosso
do Sul,chamou a atenção das redes sociais nas últimas semanas, mas não tem
comovido as autoridades do estado, conforme demonstram documentos divulgados
pelo Wikileaks. Um comunicado diplomático de março de 2009 relata uma visita do
então cônsul norte-americano no Brasil, Thomas White, ao estado. Sua comitiva
manteve conversas com o governador André Puccinelli (PMDB) e outras figuras de
peso, como o então presidente do Tribunal de Justiça do estado, Elpídio
Helvécio Chaves Martins.
O telegrama, de 21 de maio de 2009 e endereçado ao
Departamento de Estado dos Estados Unidos pelo Consulado de São Paulo, relata a
visita do cônsul-geral e sua equipe ao Mato Grosso do Sul. Segundo o documento,
durante os quatro dias de visita, houve reuniões com membros do governo federal
e estadual, do setor privado e também com lideranças indígenas. O telegrama revela que a ideia de que os
Guarani-Kaiowá poderão ter mais terras demarcadas é vista com desdém pelas
autoridades locais.“O governador Puccinelli zombou da ideia de que
a terra, num estado como o Mato Grosso do Sul, cuja principal atividade
econômica é a agricultura, poderia ser retirada das mãos dos produtores que
cultivam a terra há décadas para devolvê-la aos grupos indígenas”, lê-se. Além
de Puccinelli, entre os entrevistados estavam o então presidente do TJ-MS,
Elpidio Helvécio Chaves Martins e o presidente da Federação das Indústrias de
Mato Grosso do Sul, Sergio Marcolino Longen.
Do outro lado da disputa, além de
lideranças indígenas (os guarani Otoniel Ricardo, Teodora de Souza, Edil
Benites e Norvaldo Mendes) foram ouvidos representantes de grupos que fazem a
defesa dos direitos indígenas, como o procurador Federal Marco Antonio Delfino
e o advogado do Conselho Indigenista Missionário Rogério Battaglia, entre outros.
O desembargador Chaves Martins, por sua vez, ponderou na conversa com a
delegação norte-americana, que a demarcação de novas terras para os indígenas
poderia ter efeitos negativos – ao contrário do que reivindica o movimento
indígena. “Chaves advertiu que as tendências ao separatismo nas comunidades
indígenas – concentrando os índios em reservas expandidas – só iriam agravar os
seus problemas. Dourados tem uma reserva vizinha, que Chaves previu que se tornará a ‘primeira
favela indígena do Brasil’ se persistir a tendência a isolar e dar tratamento
separado aos povos indígenas”, relata o cônsul.
Segundo defensores dos direitos indígenas, a
reserva de Dourados tem péssimas condições de vida em função da sobrepopulação
ocasionada pela falta de terras: são 11,3 mil pessoas vivendo em 3,5 mil
hectares. O então presidente do Tribunal de Justiça também reclamou de
“calúnias” que as autoridades locais sofrem dos ativistas, sendo acusadas de
“tortura e racismo”, quando estão simplesmente “tentando cumprir a lei”.
Segundo recentes relatórios do
Conselho Indigenista Missionário, há mais assassinatos entre indígenas no Mato
Grosso do Sul, e particularmente entre os Guarani-Kaiowá, do que em todo o resto
do Brasil: entre 2003 e 2011, foram 279 em MS, e 224 no restante do Brasil. O
estado também se destaca pelo número de suicídios entre indígenas e outras
mazelas, como desnutrição infantil.
Índios deviam "aprender a trabalhar"
De modo geral, avalia o comunicado diplomático,
as autoridades locais acreditam que as demandas indígenas pelas demarcações e o
retorno ao estilo de vida tradicional “não têm base”. “Autoridades municipais e
estaduais perguntaram como os índios dali reivindicavam ser índios, se eles
‘usam carros, tênis, drogas’. Eles reclamaram dos subsídios públicos dados aos
índios, afirmando que eles deveriam ‘aprender a trabalhar como qualquer um’”,
relata ainda o telegrama.
O telegrama expressa a conclusão de que não há
“solução fácil” para o conflito em Mato Grosso do Sul. Para os
norte-americanos, apesar de estarem na posse das terras há décadas, somente 30
a 40% dos agricultores devem ter títulos legais no estado – a conclusão é
baseada em uma estimativa do geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, da
Universidade de São Paulo. “Era difícil ver um meio termo potencial no conflito
entre índios e agronegócio em Dourados. Apesar de os índios parecerem menos
radicais do que, por exemplo, o não étnico Movimento dos Sem-Terra (MST), eles
parecem não menos dedicados à sua meta de recuperar suas terras ancestrais, e a
oposição dos proprietários parece igualmente arraigada”, avalia o telegrama.
Para os americanos, a situação das terras indígenas em MS e outras partes
continuará apresentando desafios à democracia brasileira nos próximos anos.
“A
única coisa que fica clara é que, sem uma postura mais proativa do governo
brasileiro, o assunto não vai se resolver por si mesmo”, conclui outro
comunicado de 2008 sobre o tema – intitulado significativamente de “o
desastre guarani-kaiowá”. Nas últimas semanas, uma carta da comunidade guarani-kaiowá de Pyelito
Kue/Mbarakay (Iguatemi-MS) deflagrou uma ampla campanha de solidariedade com
esse povo indígena com base especialmente na internet.
A demanda básica dos
Guarani-Kaiowá é pela demarcação de terras: atualmente esse povo, o segundo
maior do país, soma 43,4 mil pessoas, vivendo em pouco mais de 42 mil hectares.
Na carta, os indígenas afirmam não acreditar mais na Justiça brasileira e,
diante do abandono do Estado e das constantes ameaças de pistoleiros, fazem, em
tom dramático, o pedido para que seja decretada a “morte coletiva” dos 170
Guarani-Kaiowá da comunidade.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/11036
30/10/2012
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