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Eric John Ernest Hobsbawm |
Neste dia 07 de outubro de 2012 fazemos uma singela homenagem ao homem, ao africano, ao intelectual e historiador Eric Hobsbawm que tanto contribuiu para o debate historiográfico. E que agora descansa em outro plano, com a certeza de ter deixado uma obra grandiosa para aqueles que procura entender e analisar as transformações das categorias e modelos que construímos para compreender nosso cotidiano.
Assim sendo, O historiador egípcio Eric Hobsbawm partiu deste plano no raiar das primeiras horas do inicio do mês de outubro de 2012, aos 95 anos, deixando órfãos nós historiadores e admiradores de suas memoráveis obras, como: "A Era das Revoluções", "A Era do Capital", "A Era dos Impérios", "A Era dos Extremos", "Sobre História" e organizou uma "História do Marxismo"; escreveu também uma "História Social do Jazz", entre outras obras.
Eric Hobsbawm, um marxista ao longo de toda a vida neste plano terreal, cujo legado literário influenciou gerações de historiadores e políticos. Parte, mais deixa um vasto legado cultural para os amantes da História
Hobsbawm nasceu em uma família judaica em Alexandria, no Egito, em 09 de junho de 1917, e cresceu em Viena e Berlim, mudou-se para Londres com sua família em 1933, ano em que Adolf Hitler subiu ao poder na Alemanha. Ele estudou em Marylebone e no Kings College, em Cambridge, e tornou-se professor na Universidade de Birkbeck, em 1947, onde fez carreira e se tornou presidente da universidade. Ele se tornou um membro da Academia Britânica em 1978. Ele foi membro do Partido Comunista e um dos maiores intelectuais marxistas do século 20.
Contudo, ilustrando cada vez mais a nossa homenagem a esse intelectual africano iremos transcrever o artigo intitulado: Um projeto e muitos Hobsbawm publicado pela professora de História Márcia Maria Menendes Motta da UFF/RJ na Revista Caros Amigos dia 04 do mês corrente. Descanse em paz Hobsbawm.
Eis na íntegra o artigo:
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Márcia Maria Menendes Motta |
Um projeto e muitos Hobsbawm
Morreram vários Eric Hobsbawm. O
que uniu este homem de tantas faces que escreveu durante décadas, tendo sido
capaz de se reinventar ao longo de sua extensa trajetória? Certamente foi a
defesa de um “engajamento legítimo”, de um historiador marxista que assumiu sua
filiação teórica, tanto em condições históricas favoráveis, quanto em períodos
em que o marxismo se tornou a “Geni” dos intelectuais. Muitos abandonaram o
barco. Ele preferiu continuar a produzir o que mais sabia fazer: livros de
história. Ao fazer isso, fez História e deixou uma marca indelével do que há de
melhor no marxismo do século XX e XXI. Duvidam? Leiam o seu último trabalho:
Como mudar o Mundo.
"Muitos abandonaram o barco. Ele preferiu
continuar a produzir o que mais sabia fazer: livros de história. Ao fazer
isso, fez História e deixou uma marca indelével do que há de melhor no
marxismo do século XX e XXI"
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Muito se fala sobre a sua
quadrilogia, mas vale a pena explicar que ela não é um todo monolítico. As Era
da Revolução e Era do Capital não têm a mesma leveza que terão os livros
seguintes: Era dos Impérios e Era dos Extremos. Os dois primeiros, escritos
respectivamente em 1962 e 1975, carregam o peso de uma síntese com excesso de
dados factuais, prisioneiros de uma época, onde o acesso à informação ainda era
muito limitado às bibliotecas. Hobsbawm tem ali a ânsia de tudo explicar e às
vezes se perde nos detalhes e pouco explica; principalmente para o leitor não
europeu. Os dois outros livros, Era dos Impérios e Era dos Extremos, escritos
em 1987 e 1994, são marcados por uma renovação de estilo do autor. Ele continua
a nos deixar desconfortáveis (não poderia ser de outra maneira), mas já
encontra uma forma mais sutil para nos dizer “como o gato subiu no telhado”. Em
a Era dos Extremos temos – a meu ver – a melhor síntese já produzida sobre o
século XX. Mesmo o não marxista mais convicto o lê, ainda que de portas
trancadas, num sábado à noite. É sem dúvida, uma lição de história e de
erudição.
Tantos Hobsbawm
Mas há tantos Hobsbawm que não
vale a pena tentar falar de todos. Mas é possível falar de alguns. Em 1959, ele
escreveu um livro intitulado: Rebeldes Primitivos. Nesta obra, traduzida para o
português em 1965, o autor procurou estudar o que chamaria das formas arcaicas
dos movimentos sociais dos séculos XIX e XX e que ele consideraria como
movimentos pré-políticos, como os bandidos, a máfia, os anarquistas, o
comunismo camponês e as seitas operárias. Na ocasião, ele identificou que
aqueles movimentos sociais respondiam à introdução do capitalismo no campo,
criando e fortalecendo laços de parentesco ou solidariedade tribal para
responder à desorganização social provocada pelo processo de
institucionalização do que se convencionou chamar de individualismo agrário.
Banditismo
"A historiografia brasileira e latino-americana deve muito a
estas primeiras abordagens sobre a rebeldia popular. É verdade que muitos
hoje negam a história da história dos estudos sobre os protestos populares e
há muita gente por aí 'reinventando a roda'"
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Alguns anos mais tarde, Hobsbawm
voltaria ao tema, agora mais centrado na questão do banditismo. Em 1969, ele
publica Bandidos, traduzido no Brasil em 1975. Símbolo da resistência e da
rebeldia dos mais pobres em face à riqueza e opressão dos fazendeiros ricos, os
bandidos sociais podem se expressar na consagrada figura de Robin Hood, como um
ladrão nobre que rouba dos ricos para dar aos pobres. Mas é preciso atentar as
diferenças entre o mito que se constrói em seu entorno e a dinâmica de opressão
que o banditismo impõe numa sociedade camponesa. Ao introduzir o tema ainda em
69, com vários exemplos de bandidos presentes na Itália do século XIX, no
México e no Brasil de Lampião, no início do século XX, este autor egípcio traz
à luz um tema praticamente inédito naqueles anos. A historiografia brasileira e
latino-americana deve muito a estas primeiras abordagens sobre a rebeldia
popular. É verdade que muitos hoje negam a história da história dos estudos
sobre os protestos populares e há muita gente por aí “reinventando a roda”, mas
as novas reedições não nos deixam enganar. Como em qualquer obra, elas
respondem às questões de uma época, mas como textos clássicos, elas inauguraram
novas perguntas e inquietações dos historiadores. Logo, é sempre bom relê-las.
Naquele mesmo ano de 1969, Hobsbawm escreveria, juntamente com George Rudé, a
obra Capitão Swing, sobre o protesto camponês na Inglaterra do início do século
XIX; outro exemplo notável de pesquisa histórica.
Invenção das Tradições
Entre tantos Hobsbawm, escolho
mais um, o que organizou, juntamente com Terence Ranger o livro: A Invenção das
Tradições, publicado pela primeira vez em 1983 e traduzido para o português no
ano seguinte. Os não marxistas ficam desconfortáveis com este trabalho, pois
tanto a introdução quanto o último capítulo são de autoria de Hobsbawm e são de
uma erudição desconcertante. É certo que nem sempre ele acertou em seus estudos
sobre o nacionalismo, e reconheceu isso. Quando em 1991, publicou Nações e
Nacionalismo, ele sugeriu, nas últimas linhas deste belíssimo trabalho, que a
fase do apogeu do nacionalismo já havia passado. O livro era o resultado das
conferências que havia feito em Belfast em 1985. Logo depois, os acontecimentos
de fins do século redesenharam – mais uma vez - a complexa relação entre
globalização e nacionalismo. Os jornalistas foram atrás dele e lhe cobraram
explicação. Hobsbawm não se fez de rogado: assumiu a incompletude das
discussões sobre o nacionalismo e deu uma aula de erudição!
Revolução Francesa
Ousado, ele ainda escreveu um
livro sobre historiografia da Revolução Francesa em Ecos da Marselhesa,
publicado em 1990. Ali, ele assumiu não ser nenhum especialista em Revolução
Francesa, mas colocou a maioria dos especialistas “no chinelo”. Atreveu-se a
discutir um tema caro aos franceses e publicamente descortinou o seu
enfrentamento com os historiadores que negavam a importância da Revolução
Francesa para a humanidade. Mais uma lição: desta vez, de análise historiográfica.
Este autor era mesmo genial. Foi
embora, já cansado, mas deixou uma obra simplesmente memorável.
Márcia Maria Menendes Motta é
professora de História Moderna e Contemporânea do Departamento de História da Universidade
Federal Fluminense
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