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sexta-feira, 31 de maio de 2013

POVO TERENA REALIZA NOVA RETOMADA NO MS; ÁREA É VIZINHA À TERRA ONDE INDÍGENA FOI MORTO


Nesta madrugada, 31, 3 mil hectares de um total de 12 mil da Fazenda Esperança, no município de Aquidauana, foram ocupados; "as retomadas são nosso último recurso para que as leis e nossos direitos sejam garantidos”, afirma Lindomar Terena. 

Renato Santana de Brasília (DF)


Povos Terena retomam (seu) espaço em Aquidauana (MS) Lindomar Terena. (à dir, na foto)
   
Depois da morte de Oziel Gabriel durante reintegração de posse de fazenda na Terra Indígena Buriti na última quinta-feira, 30, as retomadas de terra por parte dos Terena continuam no Mato Grosso do Sul. Na madrugada desta sexta-feira, 31, indígenas ocuparam 3 mil hectares de um total de 12 mil da Fazenda Esperança, município de Aquidauana, a 140 quilômetros da capital Campo Grande.


A área faz parte da Terra Indígena Taunay/Ypeg, vizinha à Terra Indígena Buriti, reivindicada pelos Terena e já identificada com 33 mil hectares de terra de ocupação tradicional. A fazenda estava vazia e até o momento não há notícias de conflitos.


“Essas ações das comunidades (Terena) se devem ao fato de que o governo brasileiro não tem interesse de resolver a questão indígena. As retomadas são nosso último recurso para que as leis e nossos direitos sejam garantidos”, afirma Lindomar Terena.
 

 
Quase 7 mil indígenas da Taunay/Ypeg vivem atualmente nos 6 mil hectares de uma reserva demarcada pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), na primeira metade do século XX, depois de serem retirados de território em que os 12 mil hectares da Fazenda Esperança incidem.


“A fazenda possui quatro partes: Esperança um, dois, três e quatro. Cada um possui 3 mil hectares. O proprietário faleceu e as terras ficaram para a filha, uma empresária. Fomos retirados desse território numa época em que isso era tudo Mato Grosso e o Estado distribuía títulos de propriedade para os colonos que por aqui decidissem ficar”, explica o Terena.


No Brasil, das 1.043 terras indígenas, 40 delas – 3,83% - são reservadas, ou seja, demarcadas como reservas indígenas, caso da Taunay/Ypeg, ou dominiais, em situações onde os próprios indígenas compraram suas terras tradicionais. Depois da Constituição de 1988, os indígenas passaram a ter o direito de questionar juridicamente a demarcação de tais reservas.


Conforme a liderança indígena, existem cemitérios e áreas sagradas dos Terena dentro das terras da Fazenda Esperança. No Museu do Índio, no Rio de Janeiro, há um documento, usado nos estudos antropológicos, que atesta a existência de uma aldeia no lugar do que é hoje a Fazenda Esperança.


Sem monocultivos ou criação de gado na fazenda, os Terena preparam a terra para plantações. Lindomar aponta que até o momento a dificuldade de alimentos era grande, na medida em que 7 mil indígenas vivem em 6 mil hectares.






“Queremos mostrar que o povo indígena está com um pensamento só. Estamos tristes e revoltados com a morte de Oziel. A Justiça passa a ser injustiça, na prática. Os povos indígenas estão sendo massacrados sem que o Estado assuma o compromisso assumido em leis, como a Constituição e a Convenção 169 da OIT”, finaliza.

Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/13082
31/05/2013

quarta-feira, 29 de maio de 2013

MEGAEVENTOS E “UMA LIMPEZA URBANA INJUSTIFICADA’’



Em entrevista, a cientista política Sônia Fleury diz que os processos das remoções no Rio de Janeiro têm tido um impacto muito grande nas relações sociais.
A reestruturação urbana do Rio de Janeiro irá remover “cerca de 30 mil pessoas, dando prioridade para investimentos empresariais e negócios”, disse Sônia Fleury à IHU On-Line. Para ela, “trata-se de um processo decisório, autoritário, fechado, não transparente e simbolicamente muito violento”.

Ao comentar os dados do documento Megaeventos e violação dos direitos humanos no Rio de Janeiro, publicado recentemente, Sônia assinala que haver uma “concentração das obras do PAC em certas áreas da cidade, que não são exatamente nas quais as pessoas estão morando. 

De certa forma, há um deslocamento dessa população pobre para essas áreas mais longínquas das cidades, o que representa perda em termos de transporte, horas e gastos para essa população chegar aos locais de trabalho”.

Para a realização dessa reestruturação, assegura na entrevista realizada por telefone, foi criado um “projeto de segurança pública e de investimento nas favelas, especialmente nessas que têm uma interface maior com a zona onde irá haver os eventos da Copa: as UPPs”. A cientista política acompanha a ocupação militar nas favelas e enfatiza que ela não está “acompanhada de um avanço nos serviços e nos direitos de cidadania”.

E esclarece: “A suposta integração da população à cidade, na medida em que ela é marginalizada e favelada, está acontecendo através do comércio, ou seja, entra o BOPE e, em seguida, entram os serviços formalizados”.

Sônia Fleury é graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, e doutora em Ciência Política pela mesma universidade. Atualmente coordena o Programa de Estudos da Esfera Pública, da Fundação Getúlio Vargas – FGV.

Confira a entrevista.
 
Sônia Fleury
IHU On-Line – Quais são as novidades apontadas no documento "Megaeventos e violação dos direitos humanos no Rio de Janeiro"? 

Sônia Fleury - A importância do documento é agregar várias informações que a cidade não está tendo conhecimento, porque elas não têm sido discutidas na mídia, a prefeitura não presta contas, e porque não há um processo transparente e participativo. Então, a grande importância desse relatório é mostrar como estão sendo feitas essas remoções e como esse tipo de processo de reurbanização tem violado os direitos dos moradores e direitos em geral, tais como os de participação, de informação e de propriedade.

IHU On-Line – Os dados do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas revelam que o número de atingidos chega próximo de 30 mil pessoas. Como está acontecendo o processo de remoção? Em que regiões há mais remoção e para onde as pessoas foram removidas?

Sônia Fleury - Estão para ser removidas cerca de 30 mil pessoas, sempre dando prioridade para investimentos empresariais, negócios, com prejuízo para os próprios atletas, que estão tendo de deixar o país porque foi fechada a Oficina do Delamari. Então, não se trata de uma lógica que beneficia o esporte, a cidadania; é muito na esteira dos grandes empreendimentos imobiliários.

Há todo um circuito que vai nessa linha do BRT, do transporte rápido para a zona oeste, na Barra da Tijuca, e que tem envolvido várias comunidades. Há contralaudos: as pessoas têm tentado resistir apresentando outros laudos técnicos que a prefeitura não necessariamente aceita. É um processo muito autoritário.

O que chama a atenção é a falta de discussão com a população. Trata-se de um processo decisório, autoritário, fechado, não transparente e simbolicamente, muito violento. Os técnicos marcam com as iniciais da Secretaria Municipal de Habitação as casas que terão de ser removidas. Os órgãos públicos assim como alguns vereadores e o Ministério Público têm tentado defender as populações de situações mais arbitrárias, mas não têm sido muito efetivos.

IHU On-Line – A senhora mencionou recentemente haver um desrespeito ao Plano Diretor da cidade do Rio de Janeiro por conta dos interesses imobiliários. Pode nos explicar em que sentido este Plano Diretor é alterado? Como são planejadas as reestruturações urbanas e como as remoções impactam no planejamento urbano das cidades?

Sônia Fleury - A Constituição havia previsto os direitos à moradia, nos itens dos Capítulo 182 e 183. Mais tarde, o Estatuto da Cidade, de 2001, reforçou esses itens, tomando o Plano Diretor como sendo o principal instrumento de um planejamento participativo da cidade, o que não está acontecendo. Ou seja, as decisões estão sendo tomadas sem nenhuma participação da sociedade, como estava previsto na composição de Planos Diretores. A ideia era de que a sociedade fosse ouvida, que fossem discutidas alternativas.

Há várias manifestações de institutos de arquitetos e de engenharia discutindo quais são as soluções não necessariamente para as remoções, mas, por exemplo, se se decide fazer um píer em “Y”, vários urbanistas, arquitetos e institutos mostraram que isso será muito prejudicial para a cidade, porque os transatlânticos que vão aportar aí nesse local vão aportar a vista da baía. Eles apresentaram uma proposta alternativa, mas ela não foi levada em consideração. Não há um processo a ser seguido e não estou falando só das remoções, mas de todas as decisões da cidade.

IHU On-Line – Nesse processo de reestruturação da cidade, há a possibilidade de se criar novas favelas?

Sônia Fleury - O dossiê mostra que há uma concentração das obras do PAC em certas áreas da cidade que não são exatamente nas quais as pessoas estão morando. De certa forma, há um deslocamento dessa população pobre para essas áreas mais longínquas das cidades, o que representa perda em termos de transporte, horas e gastos para essa população chegar aos locais de trabalho.

Em alguns lugares estão sendo feitas obras do PAC dentro das próprias comunidades, mas na zona oeste há um deslocamento de populações para áreas mais longínquas. Está ocorrendo uma limpeza urbana, às vezes de forma totalmente injustificada. Por exemplo, no Morro da Providência, onde tem o projeto do Porto Maravilha, algumas famílias foram removidas para um teleférico, mas outras foram removidas para áreas que têm casas sólidas, áreas que não possuem nenhum risco.

IHU On-Line – Como acontece a distribuição dos recursos? Existe algum critério? Em que regiões do Rio de Janeiro se concentram os maiores investimentos da Copa do Mundo?

Sônia Fleury - Tanto na zona oeste como na área do porto. Nesta última, há investimentos de alto vulto que melhoram a cidade em vários aspectos, tal como a área central, que era deteriorada. Não há a menor dúvida de que é a recuperação de uma área importante. Agora, que tipo de recuperação está se discutindo? 

Ali é uma área que tem história. Vai se preservar essa história? Por exemplo, ali há a Pedra do Sal, onde surgiu o samba. Vamos cortar essa história como foi feito com a urbanização na reparação do porto na cidade de Buenos Aires, que não tem nenhuma conexão com o resto da cidade e se criou um bairro de milionários?

A nossa ideia era de que, se se pudesse ter uma reurbanização, então que se preservasse essa característica. Não parece que isso vai acontecer. A área de terras públicas, como mostra o dossiê, será ocupada com grandes apartamentos, enquanto poderia ter sido usada para reassentar populações de favelas que vivem em áreas de risco. Mas, ao contrário, é uma área pública que está sendo cedida para investimentos empresariais. Grande parte daquelas terras do centro, das áreas onde irão ser construídos investimentos imobiliários, são áreas que o governo federal repassou para a prefeitura e agora serão vendidas.

IHU On-Line – Além dos problemas de habitação, quais são os principais impactos sociais das obras da Copa para as cidades que sediarão os jogos?

Sônia Fleury - Para a realização disso, criou-se um projeto de segurança pública e de investimento nas favelas, especialmente nessas que têm uma interface maior com a zona onde irá haver os eventos da Copa: as UPPs. Estou acompanhando esse processo em algumas favelas e o que se vê é que há um projeto de tomada do território pela Polícia Militar, mas isso não vem acompanhado de um avanço nos serviços e nos direitos de cidadania.

Então, a suposta integração da população à cidade, na medida em que ela é marginalizada e favelada, está acontecendo através do comércio, ou seja, entra o BOPE e, em seguida, entram os serviços formalizados.

A população não está sendo preservada, ela não pagava quase nada por esse serviço, porque usavam “gatos” e, de repente, tem acesso a esses serviços sem ter os direitos correspondentes. O saneamento é precário, as escolas e os serviços de saúde são precários e não há um projeto social correspondente ao mesmo investimento que está tendo no projeto de segurança.

Esses processos das remoções têm tido um impacto muito grande nas relações sociais. Por exemplo, ao tratar cada problema de realocação de famílias ou de qualquer outro tipo como um problema individual de cada morador, esses órgãos, de certa forma, estão desmontando o que foi o capital social dessas comunidades, ou seja, a capacidade delas em se organizar e resistir ao clientelismo, às remoções anteriores, ao tráfico.

Não sei se irão resistir a esse processo que está acontecendo agora, porque ele está minando o principal capital dessas comunidades, ou seja, a organização comunitária. De certa forma, o governo está desmontando isso.


Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/13048
28/05/2013

terça-feira, 28 de maio de 2013

OS RUMOS DE CUBA SEGUNDO OS CUBANOS



Estudantes, agricultores, artistas. Cubanos falam de suas perspectivas em relação ao processo de abertura econômica sob o marco do socialismo.

Eduardo Sales de Lima, enviado a Havana, Matanzas, Playa Girón e Varadero (Cuba)


A ilha de Fidel resiste a tirania capitalista

Os cubanos vivem as maiores mudanças no país desde a vitória da revolução comandada por Fidel Castro em 1959. Todo o processo de abertura econômica está funcionando como uma prova à certeza socialista do povo cubano e à capacidade de controle do governo. 
 
Havana se destaca pelo estilo Art Déco
Em abril de 2011, para reverter o processo de estagnação econômica da ilha, os dirigentes do Partido Comunista Cubano (PCC), o único do país, realizaram o VI Congresso, com o objetivo de “atualizar” o modelo. Por sinal, boa parte das decisões tomadas levaram em consideração a opinião da população por meio dos conselhos. 

Além do embargo econômico estadunidense, que permaneceu na gestão de Barack Obama, Cuba ainda sente os efeitos da crise econômica  mundial. Para vencer a estagnação econômica e diminuir o caráter paternalista do Estado, o governo cubano vem enxugando a burocracia estatal (demitindo de forma paulatina funcionários) e emitindo milhares de licenças para ampliar o trabalho privado e cooperativista, como pequenos negócios como salões de cabeleleiros, restaurantes e serviços de táxi. 

O ministro do Turismo de Cuba, Manuel Marrero
“O turismo não-estatal já está presente nos restaurantes privados”, lembra o ministro do Turismo de Cuba, Manuel Marrero, destacando um dos setores que tende a ganhar mais impulso com as mudanças econômicas. 

O embaixador brasileiro em Cuba, José Felício Martín, está no país há dois anos e meio e afirma testemunhar uma pujança econômica na Ilha, com a abertura de muitos pequenos negócios. 

Como exemplo, ele cita que antes do processo de atualização do modelo, todo o material de construção era controlado pelo governo. Isso porque, agora, a propriedade privada urbana está liberada para ser comercializada, enquanto que a rural ainda não. 

Em relação ao abastecimento de produtos nos supermercados, as mudanças também são sensíveis. “Antes, apenas determinados produtos ocupavam prateleiras inteiras. Hoje, pode-se notar uma diversidade de produtos, vindos sobretudo do Brasil, México e Espanha”, reforça. 

Turistas

A convite do Ministério do Turismo de Cuba, a reportagem do Brasil de Fato visitou quatro cidades cubanas: Havana, Varadero, Matanzas e Playa Girón. 

Repleta de construções ao estilo art decó do início do século, as ruas em Havana se destacam pela limpeza. À noite, embora sejam mal-iluminadas, as famílias sentam-se nas calçadas, e violões remetem ao modo de vida das pequenas cidades do interior do Brasil. Os cubanos gostam de falar, com orgulho, do baixíssimo índice de criminalidade vigente no país. 

Caminhando pelo centro histórico da capital cubana, conhecido como Havana Velha, em pleno calor de 35º graus de uma segunda-feira de maio, Manuel e Joandry, que trabalham com charretes, chamam a atenção. 
 
 Manuel, primeiro à esquerda, viveu dois anos na capital paulista
Manuel, quando nota a presença de brasileiros, não se faz de rogado e passa a cantar “Manuel”, do cantor Ed Motta. Ele viveu dois anos em São Paulo (SP), no início dos anos 2000. “O Brasil é um país capitalista, irmão! Tem gente com muito dinheiro e outros com pouco. Lá há muitas drogas. Aqui existe muito controle, as leis são muito mais pesadas”, afirma. 

Cuba tem salários relativamente baixos, porém, as garantias e subsídios que o Estado dá aos cidadãos colocam o debate em outro patamar. Manuel lembra que a maior parte das pessoas que conhece vive com muito pouco. Somente quem trabalha com turismo consegue ganhar mais que a média da população. 

“Há pessoas que se matam no escritório para poder comprar um par de sapatos. Com os turistas sempre é possível ganhar mais 20, 30 pesos a mais, seja no táxi ou na charrete.” 

Todos os cubanos, empregados ou não, têm acesso aos produtos da cesta básica. O que se ouviu com frequência de guias turísticos, todos funcionários de agências estatais, é que alguns pedintes, a maior parte crianças e velhos, agem assim não para suprir suas necessidades básicas, mas para adquirir outros bens, como o par de sapatos citado por Manuel. 

Ainda em Havana, o taxista Geovani critica o paternalismo estatal. Primeiro, ele diz que “90% das pessoas não trabalham em Havana”, mas se corrige, afirmando que boa parte dos cidadãos começa sua jornada de trabalho somente após as 10h da manhã. Contudo, ele elogia as mudanças econômicas e as consequências diretas em seu trabalho. 

“Agora, além de transportar cubanos, posso transportar turistas e até mesmo abrigá-los, cobrando-lhes aluguel”, afirma Geovani. 

“Olha pra mim!”
 
O agricultor e vendedor Pedro, 67 anos
Na cidade Matanzas, a 105 km de Havana, o agricultor e vendedor Pedro, 67, revelou ao Brasil de Fato estar agradecido ao governo revolucionário por ajudá-lo, há décadas, em sua produção de tomate, banana e mandioca. Ele cultiva os alimentos em 6 hectares. 

Pedro cita, contudo, que desde o início dos anos 1990, com o fim da ex-URSS, os agricultores tiveram menos acesso a máquinas, o que prejudicou a produção e forçou muitos camponeses a residirem nos centros urbanos. “Meus filhos tiveram que ir morar na cidade; eles são torneiros mecânicos”, revela. 

Roberto critica as mudanças tardias na área econômica
Em Cuba, somente metade da área agricultável é utilizada e pelo menos 70% dos alimentos consumidos no país são importados. Ainda em Matanzas, do outro lado da rua, pedalando numa bicicleta, estava o indignado Roberto, 57.

“Demoro demais para haver mudanças. Olha pra mim! Minha irmã também é velha, que oportunidades tivemos?”, questionava. 

Roberto trabalhou por muito anos numa fábrica de pisos de cerâmica, mas a partir de 1991 decidiu trabalhar por conta própria, fazendo bicos. Ressentido com o regime, que segundo ele não lhe deu condições de ter uma vida melhor, afirma que “há muito tempo os negócios teriam que ser assim, pagando impostos, como ocorre em outros países”. 
 
Miguel se emociona em lembrar da Batalha da Baía dos Porcos
Da cidade Matanzas à Playa Girón, ao sul do Província de Matanzas. Diferentemente de Roberto, Miguel Pérez, 60, está otimista e também se diz agradecido à revolução. Assim como o taxista Geovani, ele comemora a permissão de receber turistas em sua casa, sendo apenas necessário informar ao setor de imigração. “E isso tem aumentado a renda da população”, conta. 

Miguel trabalha como vigia no Museu Girón. Tinha apenas 8 anos de idade quando ocorreu a Batalha da Baía dos Porcos (tentativa frustrada de invasão do sul de Cuba por forças de exilados cubanos anticastristas capitaneada pelos Estados Unidos). 

Miguel se emociona ao lembrar a Batalha da Baía dos Porcos, em 1961, e agradece a coragem que tiveram seus heróis. “Graças à revolução e a essas pessoas, tivemos as condições de viver bem, com boa saúde e educação para nossas famílias”. 

O vigia fala, com orgulho, ter uma filha enfermeira. Na época, ele e sua família cultivavam cana-de-açúcar, arroz e feijão, em Sancti Spírictus, a 200 km de Girón. Compreende- se, daí, sua pele curtida pelo sol. Para ele, como o “pouco” que ganha de salário, ainda é difícil ter um celular, mas gostaria de tê-lo para poder se comunicar com a família. 

“Não me afetou” 
 
A paradisíaca Varadero atrai principalmente europeus e canadenses
Enquanto a reportagem do Brasil de Fato passava na paradisíaca Varadero, pôde conhecer Antônio Calderón. Ele é representante em Cuba de uma empresa siderúrgica espanhola chamada Plecosan. 

Como boa parte dos cubanos, possui uma retórica notável. Casado com uma mulher de cerca de 30 anos (ele tem 62), adepta da cultura iorubá, brincava, dizendo que ela não é sua filha. “Como os brasileiros, os cubanos prezam muito a cultura iorubá”. 

Esse foi o primeiro assunto que lançou mão para se aproximar da reportagem. Apesar de gozar de uma vida com acesso a bens de luxo e conforto, afirma ser totalmente a favor do governo cubano. 

Mesmo trabalhando para uma empresa espanhola, não tem do que se queixar em relação aos negócios da siderúrgica em Cuba.“A crise econômica não afetou meu trabalho”, conta. O país busca retomar e ampliar a exportação de níquel e tabaco. 

Amor à humanidade 

O entregador do Granma, Alfredo, brada com fervor: "Viva el comandante Fidel"
Não é incomum presenciar cenas que denotam o orgulho do povo. De volta a Havana, Alfredo, um senhor de quase 70 anos se aproxima da reportagem bradando palavras de ordem como “Viva el Comandante Fidel” e “Pátria o Muerte”. Ele entrega o Granma, periódico oficial do governo. 
 
A cantora Flor defende a cubanía, ou cubanidade, no famoso Havana Club
A cantora Flor, que se apresenta com seu grupo no Havana Club, enfatiza que o mais importante é que a “cubanía”, o amor à pátria, nunca saia dos corações dos cubanos. “As mudanças politicoeconômicas, sobretudo para nós, artistas, têm sido muito positivas”, afirma. 
Arledes e Mailin querem ajudar as pessoas e seguir a revolução
Seria cubanía sinônimo de solidariedade? Na praça central da cidade de Matanzas, Arledes, Mailin, Gieji e Aelana, todas com 16 anos, aproveitam a hora do almoço no colégio para conversar. Mailin, quando questionada de que forma os jovens podem auxiliar na continuação da revolução, lembra que basta que os jovens que têm a mesma faixa etária dela tenham o sentimento de solidariedade. “Penso em fazer faculdade porque quero ajudar”, reforça. 

Entram na escola pelas 9h da manhã, têm duas horas de almoço, e permanecem até as 16h. Além das aulas normais, praticam esportes, música e preparação militar. Uma vez por semana ou a cada 15 dias, os estudantes trocam as salas de aula por aulas em espaços históricos, como praças ou museus. 

Todas as quatro meninas fazem questão de dizer que gostam muito de ir a festas e teatro. Aliás, como conta Betsy Olivares Bitencourt, guia de turismo desde 1988 em Cuba, o acesso à cultura não é caro. Segundo ela, desde cedo os cubanos são estimulados a participar, como artistas ou plateia, de encontros de dança e de teatro. 

Também questionado como se faz para manter a revolução viva nos corações cubanos, o ministro do Turismo de Cuba, Manuel Marrero, reforça a idéia de que “a pátria é a humanidade”. 

“Nosso processo revolucionário, entre muitas coisas, tem se sustentado pela solidariedade e pelo internacionalismo, e sempre defendemos a ideia de que Cuba compartilha não o que lhe sobra, mas o que possui, e assim será”, atesta.

Cuba quer atrair brasileiros 

Há um processo de abertura que também se passa no turismo cubano. O setor do turismo responde por 20% do PIB cubano. Como comparação, Cuba (de 11 milhões de habitantes) foi visitada, ano passado, por 2,8 milhões de turistas; o Brasil recebeu 5 milhões. 

De acordo com o que disse o ministro do Turismo de Cuba, Manuel Marrero, por ocasião da 33ª Feira Internacional de Turismo de Cuba (FitCuba), entre os lineamentos aprovados pela nova política econômica, existem 14 pontos voltados ao turismo que, segundo ele, permitirão impulsionar o setor. 

Desenvolver algumas áreas, como a tecnologia, é muito difícil tendo em vista o bloqueio dos Estados Unidos, mas, para Marrero, é necessário que o próprio país desenvolva novas possibilidades a partir da própria indústria cubana e do Ministério de Comunicação, impulsionando redes wi-finos hotéis e divulgando o turismo em Cuba por meio de redes sociais. 

No ano passado foram inaugurados 8 hotéis no país. Houve 16 mil turistas brasileiros. Questionado de que forma o Brasil pode contribuir economicamente com Cuba, Marrero foi enfático: “Como o Brasil pode nos ajudar? Nos mandando turistas!” (Colaboraram Ana Gusmão, Bruno Pilon, Freddy Charlson, Suzanne Durães e Vanessa Galassi). 


(Fotos: Eduardo Sales de Lima)
Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/13040
27/05/2013

domingo, 26 de maio de 2013

AS ÚLTIMAS DA FLOR DO LÁCIO



A professora Walnice Nogueira Galvão discute a evolução das línguas e também projetos que buscam protegê-las através de leis. 

 


Autora: Walnice Nogueira Galvão 




 
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, é rude e deloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: “Meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

 ( Língua portuguesa, de Olavo Bilac)

Os jesuítas que catequizaram os índios distinguiam entre “língua travada”, vigente em zona circunscrita, a exemplo do bororo ou do kiriri, e “língua geral”, de trânsito livre por todo o território, privilégio da koiné que foi o tupi. Nestes tempos em que o inglês se tornou a língua geral do planeta, confirma-se que o português carrega nos ombros um destino de língua travada, com autores de mérito fora do cânone da literatura ocidental por culpa da língua em que escrevem, essa desconhecida. Olavo Bilac já se insurgira contra tal sina, observando no soneto Língua portuguesa que nosso idioma é uma mescla de “esplendor e sepultura”, ouro em latência nasprofundezas da terra. 

O projeto de lei recentemente proposto que cuida de proibir o uso de palavras estrangeiras em eventos públicos, meios de comunicação, estabelecimentos e produtos, vem reacender uma velha polêmica, até hoje indecidível. Poucos poderiam ser a favor de uma lei de escopo tão totalitário, ecoando um não tão remoto expurgo de vocábulos “não-arianos” da língua alemã. Alicerce nem sempre visível da identidade pessoal e étnica, a língua materna desperta as mais obscuras emoções. E ninguém se lembra de que, como mostra Sérgio Buarque de Holanda [1], falava-se tupi em São Paulo até meados do século XVIII. 

Os paulistas, sem acesso ao litoral e sem produtos que a Europa cobiçasse, amamelucaram-se de modo cabal, levando cerca de duzentos anos para voltar a falar português, para o que concorreu tanto a extinção do gentio quanto a chegada de levas fresquinhas de reinóis. Entregue a si mesmo, nada garante que o falante  mantenha o casticismo; e bem pode, como foi o caso de São Paulo, dar-se o contrário. Em princípio, todos nós somos contra proibir. Mas talvez as coisas não sejam tão singelas quanto parecem à primeira vista, se pensarmos no vandalismo lingüístico universal que é obra do inglês “de computador”. Nosso alfabeto, o latino, tem apenas 26 letras, e já se defronta com o problema. 

Os chineses, ás voltas com seus 2.000 ideogramas do mandarim simplificado, adaptaram um sistema fonético que comanda o computador, dando-lhe as quatro alternativas dos quatro tons da língua chinesa, que ele “traduz” para o código digital. Os franceses, de firmes convicções democráticas fincadas na história, e há séculos dedicados à “défense et illustration de la langue française”, mantêm, por incrível que pareça, uma Comissão de Terminologia, adida ao Primeiro Ministro, para a naturalização do léxico estrangeiro, que examina e decide caso por caso. Não deu para impedir que parking e week-end fossem enxertados, sem adaptação e sem similar. Mas conseguiram, com rara originalidade, impor o nome de “ordinateur” para o computador, tornando seu idioma um dos poucos que têm um termo próprio não derivado daquele. Não utilizam software mas sim “logiciel”.

Criaram “courriel” para e-mail, mas estão aceitando a versão mel, como aliás pronunciam. No Brasil, a virada de século, que assistiu a assomos de frivolidade, também viu os beletristas proporem formas sucedâneas para os mais comuns galicismos, decompondo-os e substituindo-os mediante um retorno às raízes greco-latinas.

 Honrosa tarefa, e fadada ao fracasso. Ludopédio (jogo+pé) ou futebol (pé+bola)? Lucivelo (luz+velar) ou abajur (quebrar+luz)? Tetéia ou bibelô? Paredro, cartola ou mandachuva? Cá entre nós, cinesíforo (movimento+portador), em vez de chofer, era intragável – e hoje todo mundo já deixou cair o chofer em favor do motorista. Mas cardápio pegou, ao substituir o francês menu, embora em Portugal seja usual ementa. Nessa voga, até o anglicismo piquenique vacilou perante convescote. Outra criadora de neologismos é Emília, de Monteiro Lobato. Emília pratica, e teoriza sobre, o neologismo – portanto fornece argumentos contra esta lei. Jamais temeu o estrangeirismo, de que se apossa sem cerimônia, com notável graça.

Assim, por exemplo, apropriou-se de uma palavra inglesa legítima, passando a dispor dela a toda hora: os bilongues, para designar seus pertences. Nas páginas de Emília no país da gramática, que transforma o idioma numa cidade imaginária, vamos encontrar o léxico rotineiro sediado no centro urbano, enquanto neologismos e arcaísmos se localizam na periferia: metaforicamente, ainda não adquiriram ou já perderam o direito de cidade. Os arcaísmos vivem no Bairro do Refugo, onde se encontram personificadas palavras como Bofé e Ogano.

Numa das margens de um braço de mar fica Portugália, a cidade velha, e na outra Brasilina, a cidade nova, filhote daquela mas de vocabulário em expansão. Escreve Monteiro Lobato, em veia de oráculo: “No começo isto por aqui não passava dum bairro humilde e mal visto na cidade velha; mas com o tempo foi crescendo e ainda há de acabar uma cidade maior que a outra”.

Num arrabalde maltratado, brincam moleques maltrapilhos, que constituem a Gíria. Entre eles Otário, vivo atualmente, e Cuera ou valentão, que Mário de Andrade tanto empregou e que desapareceu. Vizinho deles fica Bobo, e este unicamente na acepção de “relógio”, assim alcunhado em jargão de gatuno porque trabalha de graça. As palavras da Gíria, como Cuera, têm uma reflexão bem articulada, que assim se manifesta: “Ajudo os homens a exprimirem as suas idéias, exatamente como fazem todas as palavras desta cidade. Sem nós, palavras, os homens seriam mudos como peixes, e incapazes de dizer o que pensam. Eu sirvo para exprimir valentia.

Quando um malandro de bairro dá uma surra num polícia, todos os moleques da zona utilizam-se de mim para definir o valentão. `Fulano é um cuera!`, dizem. Mas como a gente educada não me emprega, tenho que viver nestes subúrbios, sem me atrever a pôr o pé lá em cima”. Não longe da Gíria moram os imigrantes, conhecidos como Barbarismos ou Estrangeirismos. 

Emília, que às vezes é meio pedestre (logo indagou se Dona Benta e Tia Nastácia eram arcaísmos), ponderou que essas palavras assim se chamavam por dizerem barbaridades. Mas o Visconde esclarece que não, e, defendendo-os, ataca os gramáticos, a quem chama de “policiais da língua”, porque consideram criminosos os Estrangeirismos e “tratam os coitados como se fossem leprosos.” Mais ou menos o que a nova lei se propõe como programa. Entre os Barbarismos, representam a divisão nacional francesa os galicismos, exemplificados com Desolado e Elite, de há muito perfeitamente aclimatados, e Soirée, que caiu em desuso. 

Ou melhor, diria Monteiro Lobato, transferiu-se para o Bairro do Refugo – isto, se fosse uma palavra de boa cepa portuguesa, o que não é o caso. Por coincidência, sendo Soirée chamada para figurar numa frase proferida no centro urbano, está colocando em torno de si um par de aspas, “como se fossem asinhas”, enquanto Bouquet é obrigada a usar grifo.

Narizinho protesta, dizendo que se este país recebe oriundos de todas as plagas, deveria coerentemente acolher quaisquer palavras, sem estigmatizá-las com grifos ou aspas. E afirma que, se fosse ditadora, abriria as portas a todas as línguas. O rinoceronte Quindim, um sábio gramático, afirma: “... muitas palavras estrangeiras vão entrando e com o correr do tempo acabam naturalizando-se. 

Para isso basta que mudem a roupa com que vieram de fora  e sigam os figurinos desta cidade. Bouquet, por exemplo, se trocar essa sua roupinha francesa e vestir um terno feito aqui, pode andar livremente pela cidade. Basta que vire buquê”. E foi o que aconteceu, porque, quem ainda usa o sinônimo castiço ramalhete? Já os neologismos são submetidos a provações e, “se não morrerem de sarampo ou coqueluche e se os homens virem que eles prestam bons serviços”, serão absorvidos pelo centro. Nesse grupo figuram Chutar, Encrenca, e Bilontra, que desapareceu.

Emília, favorável à simplificação ortográfica, arremete contra os ph e th, as consoantes duplas, etc., afirmando que o uso elimina a complicação, como regra em qualquer língua – o que não é exato. Se é verdade para muitas das línguas latinas, inclusive a nossa, já o alemão e o inglês resistem, continuando a respeitar grafemas mudos e inúteis. Deve-se a esse fator a atenção dada nas escolas norte-americanas ao  “Spelling”, em que os alunos usualmente soçobram. Guimarães Rosa foi recuperador de arcaísmos e cunhador de neologismos. Como Emília, não só praticava como doutrinava a respeito, o que fez especialmente nos quatro prefácios de Tutaméia – Terceiras estórias. Ali, em particular no prefácio para o qual forjou o título de “Hipotrélico”, o escritor examina, zombando de ambos, os dois eixos que resumem as hipóteses de renovação autônoma das línguas: a autoria anônima ou a autoria individual submetida ao crivo coletivo.

Admirador, como é, da verve lingüística e da gíria (nesse mesmo prefácio, elogia gamado e aloprado),  mostra como seria ingenuidade, senão ignorância, acreditar que o povo é a fonte de toda criação. Faz questão de assinalar que muitas das palavras mais indispensáveis e familiares foram invenções com autor e data: “ao modo como Cícero fez qualidade (“qualitas”), Comte altruísmo, Stendhal egotismo, Guyau amoral,  Bentham internacional,Turguêniev niilista, Fracastor sífilis, Paracelso gnomo, Voltaire embaixatriz (“ambassadrice”), Van Helmont gás, Coelho Neto paredro, Rui Barbosa egolatria, Alfredo Taunay necrotério”. 

Acrescente-se morfologia, que devemos a Goethe. O escritor certamente apreciaria o sabor de certas aclimações  felizes, como o esplêndido Xburger – pois o nome da letra xis não é homófono do vocábulo cheese? -, bem como a difusão demótica do genitivo inglês, estampado por todo o território nacional, nos inúmeráveis estabelecimentos chamados Chico’s, Dito’s, Mucama’s, Iracema’s, etc.Luís Fernando Veríssimo diz que um dia quer ter um bar com o letreiro Apóstrofo’s.

Completando os argumentos de Guimarães Rosa, é bom lembrar que a cada ampliação do campo do conhecimento ou avanço tecnológico, mostra-se necessário fabricar, de propósito e o mais artificialmente possível, ou seja, sem nenhuma espontaneidade popular, um novo léxico específico, em geral buscando étimos e afixos nas próprias fontes grecolatinas. Medicina, Botânica, Zoologia, Física, Química, assim procedem usualmente. Os astrônomos nisso são contumazes há séculos, e a eles somos gratos por invadirem o nosso imaginário com as galas da mitologia grega. Quem não sente desatar-se a fantasia ao ver  que as luas de Marte se chamam Deinos e Fobos, ou o Horror e o Medo, do nome dos dois cavalos que puxavam o carro do deus?

Ou que, afora os anéis, Saturno possua vinte satélites, dos quais o maior é Titã? Embora se trate do mesmo procedimento artificial de recurso às raízes castiças, e nada tenha a ver com o estro inconsciente, já nem nos sobressaltamos quando falamos em eletricidade, automóvel, telegrama, ônibus, geladeira, rádio, fax, táxi, avião, aeroplano, aeroporto, pára-quedas, míssil, submarino, átomo, bicicleta e motocicleta, astronauta, etc. Ninguém estranha nem protesta. Dentre os idiomas europeus, o alemão foge ao padrão, traduzindo o grecolatino para raízes germânicas e adaptando componente por componente, com resultados como Fernsehen (longe+ver), para televisão. E todos sabem que foi assim que o consumo moderno entrou na língua japonesa, através de terebi (televisão), bira (cerveja), biro (fatura), etc.

De qualquer modo, a linguagem do computador já mandou para o Bairro do Refugo alguns sinônimos, mesmo sem necessidade. Foi o que ocorreu com o verbo deletar, que suplantou apagar, delir, obliterar. O barbarismo é injustificado; mas já virou vernáculo, está nos dicionários e em todas as bocas. Talvez cause estranheza por ser recente, pois ninguém mais se lembra de que o nobre esporte bretão foi um foco infeccioso de anglicismos, desde seu próprio nome de futebol até esporte, gol, goleiro, beque, chutar, chuteira, time, escrete, driblar, finta, pênalti, etc. Entre nós, há precedente no afã de confecção lexical nas brilhantíssimas traduções oitocentistas do maranhense Odorico Mendes, que passou para nosso idioma nada menos que a Ilíada, a Odisséia e aEneida. 

Topando o desafio do verso, quando tantos preferem a solução mais fácil da prosa, encarniçou-se em dar conta da índole sintetizadora de línguas declináveis como o grego e o latim, esforçando-se para que em português coubessem na medida original. Viu-se a braços com os epítetos homéricos - formulares, portanto convencionais e mil vezes repetidos ao longo do texto –, os quais, devido ao cunho analítico das línguas vernáculas, enfraqueciam a conferição de atributos, tornando-se extensos, enquanto no original não ultrapassam os limites de um único vocábulo.Tratou então de permutar os étimos gregos pelos latinos, menos rebarbativos aos ouvidos da lusofonia.

Ao enfrentar Eos rododactylos não teve dúvida, ou se teve, superou-a: em vez de anotar “Aurora, a dos dedos de rosa”, arriscou Dedirrósea Aurora. Não é uma beleza? A esposa de Zeus, Hera ou Juno, “a que se assenta num trono de ouro” e “a dos olhos de vaca” de tantas versões ao pé da letra, tornou-se Auritrônia e Olhitáurea. Nessa craveira, Minerva ou Palas Atena é Olhicerúlea, a mesma que, em páginas alheias, ostenta olhos glaucos ou azuis. Um chuço de cinco pontas é “quinquedentado”; a ilha natal de Ulisses, Ítaca, é “circunflua”, ou cercada pelas ondas; e assim por diante, sempre a bem de um encolhimento que não desmereça a concisão original e caiba no verso.

O que se perde em nitidez ganha-se em opulência de significantes. Ao expressar seu apreço pelas traduções de Píndaro feitas por Hölderlin, Walter Benjamin observaria que, em vez de germanizarem o grego, elas helenizam o alemão. E poderíamos acrescentar que, se veio a ser fabricado um triciclo infantil  usurpador de um epíteto homérico, tornado substantivo, foi uma infelicidade, e Odorico Mendes não pode ser responsabilizado pela degradação do Velocípede Aquiles, maneira que encontrou de sintetizar o atributo “o dos pés velozes” que qualifica o maior dos heróis gregos.

Outro maranhense, Sousândrade, exerceu a poliglossia muito à vontade em seu  volumoso poema em 13 cantos, O Guesa. Ali, o poeta utiliza várias línguas, as quais eventualmente até faz rimar. Em certos casos, como no Canto 10o, que contém o episódio do Inferno de Wall Street, a dicção é  recheada de termos ingleses: “- Por que, Grant, à penitenciária/ Amigos vos vão um por um?/ Forgeries, rings, wrongs;/ Ira’s songs/ Cantar vim no circo Barnum!”, diz D. Pedro II ao Presidente Grant.

 O Canto 2º , no episódio do Tatuturema, apela para o tupi: ”- Sonhos, flores e frutos, / Chamas do urucari! / Já se fez cáe-á-ré, / Jacaré!/ Viva Jurupari!” E não deixou de homenagear Odorico Mendes, a quem envia uma farpa no Canto 12º, ao versificar: “Odorico, é pai rococó”. Um dos mais férteis períodos para a renovação da língua literária no Brasil foi o Modernismo, quando a incorporação do coloquial e do regional se alçou a missão artística, erigindo-se em virtude o anti-academicismo do discurso.

Esse é um mote que percorre de começo a fim a monumental correspondência entre Mário de Andrade e Manuel Bandeira [2], perpétuo motivo de discussão apaixonada entre duas das figuras de proa do movimento. Foi então que Mário de Andrade idealizou umaGramatiquinha da fala brasileira, para brandir contra os adversários. Pouco vem à memória das pessoas – ao contrário da confiança no aleatório plebeu para criar a língua - que os escritores são notáveis neologistas, e o papel que Camões e Shakespeare tiveram no enriquecimento tanto vocabular quanto sintático de seus idiomas deveria ser mais enfatizado. E homenagem mesmo é a que James Joyce recebeu postumamente, quando cientistas cultos transformaram em termo da Física o belo nome de quark, por ele cunhado numa frase do Finnegans wake: “Three quarks for Muster Mark”. Como os quarks da teoria dos quanta se apresentam sempre em tríades, não se discute a pertinência do batismo.

Em suma: tudo indica que nos encaminhamos para uma nova koiné. A época helenística conheceu a koiné propriamente dita, um grego de passe com vocabulário mínimo e sintaxe tosca servindo de língua internacional, ou segunda língua para os falantes, que não abdicavam da sua. Mais tarde, o latim reinaria em seu lugar durante séculos. Em nosso país, nos tempos da colônia, a chamada língua geral derivada do tupi desempenhava esse papel. A contragosto, talvez sejamos obrigados a admitir que tenha chegado a vez do inglês, uma espécie de inglês básico e primário, globalizado e reconhecido em todas as outras línguas, decorrente dos códigos do computador.

E não seria uma lei desastrada que conseguiria deter o processo. Ainda mais quando constatamos que os caminhos da evolução das línguas se apresentam bem mais diversificados e cheios de meandros do que se pensa, com a balança pendendo ora para o espontâneo ora para o fabricado. O conhecido fenômeno de que no Brasil há leis que não pegam poderia se verificar neste caso. E, a exemplo da pretensa troca de galicismos por termos impronunciáveis, obra vã dos beletristas da virada de século, restará só o travo do vexame.




[1] Sérgio Buarque de Holanda, Caminhos e fronteiras, São Paulo, Companhia das Letras, 1995, 3ª ed.
[2] Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira, Marcos Antonio de Moraes (Org.), São Paulo, Edusp, 2000.

Fonte:http://editora.expressaopopular.com.br/batalha-das-ideias/%C3%BAltimas-da-flor-do-l%C3%A1cio

sexta-feira, 24 de maio de 2013

ENCONTRO CULTURAL DEBATE OS 125 ANOS DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA NO BRASIL



Debate a respeito dos cento e vinte ecinco anos da abolição da escravatura no Brasil que será realizado neste domingo (26) no Centro Cultural São Paulo, na sala Adoniram Barbosa, contará com atrações musicais, rodas de conversa e performance de poesias.
Da Redação

Cento e vinte e cinco anos de Abolição -Foto divulgação
O Instituto Feira Preta promoverá, no próximo domingo (26), um encontro para debater os 125 anos da abolição da escravatura no Brasil e as consequências que ela trouxe para o país. Com atrações musicais, rodas de conversa e performance de poesias, a atividade terá como tema “Passados 125 anos de Abolição. 

E agora, o que somos?” e será realizada no Centro Cultural São Paulo. O encontro, que faz parte do projeto Pílulas de Cultura Feira Preta, contará com a participação do grupo musical Meninos do Barro Vermelho e da escritora e representante da Fundação Cultural Palmares em São Paulo, Cidinha da Silva. Também irão marcar presença o rapper manu Réu, idealizador do Coletivo Literatura Suburbana, e a subsecretária adjunta da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do município de São Paulo, Matilde Ribeiro. 

O instituto realiza esses encontros mensais sempre com atrações musicais e rodas de conversa que discutem o espaço da cultura negra no Brasil. O local do evento, que iniciará às 16h, será a sala Adoniran Barbosa, no Centro Cultural São Paulo, no bairro do Paraíso, centro de São Paulo.   


Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/13025
24/05/2013

quinta-feira, 23 de maio de 2013

CANA-DE-AÇÚCAR NA AMAZÔNIA LEGAL: “O CICLO SE REPETE COM NOVOS DESMATAMENTOS”



O PL 626/2001 "poderá desencadear ou reforçar um mecanismo semelhante ao do desmatamento ilegal realizado pela indústria madeireira”, diz o geógrafo João Camelini.


Desmatamento na Amazônia Legal para atender a agro-indústria açucareira-
Foto: Daniel/CC
  
A aprovação do Projeto de Lei 626/2001 pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor, Fiscalização e Controle do Senado, que revê o Zoneamento Agroecológico – ZAE da cana-de-açúcar e autoriza seu plantio em áreas alteradas e nos biomas Cerrado e Campos Gerais na Amazônia Legal, “é um fato lamentável, que demonstra o comprometimento com agentes econômicos, sustentado por um discurso totalmente equivocado”, diz João Humberto Camelini à IHU On-Line. Segundo ele, “é possível alcançar o desenvolvimento de uma região por meio de um planejamento integrado, que envolva, entre outros fatores, a instalação de usinas de açúcar e etanol, mas a ideia que se propaga erroneamente é que a mera presença de uma usina conduz ao desenvolvimento”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o geógrafo esclarece que as questões em discussão são muito mais “complexas do que sugere a abordagem apresentada no Projeto de Lei”. Ele explica: “Quando uma cultura regulamentada como a cana-de-açúcar recebe autorização formal e incentivos para ocupação, isto implica no uso exclusivo de grandes porções de terras no entorno das usinas, dentro de um raio aproximado de 40 a 50 quilômetros, o que leva à rápida e agressiva substituição das atividades existentes, deslocando-as para áreas inalteradas”.

O Projeto de Lei, acentua, tem como objetivo expandir a produção de etanol para suprir a demanda externa, “que atualmente é potencial, mas que pode tornar-se real se o etanol passar a se comportar formalmente como uma commodity. Na verdade é uma aposta, pois a atual relação custo/benefício para produção de açúcar é muito melhor que a do etanol, mas este pode dar acesso a um mercado promissor no futuro. Hoje sua função é atender o mercado interno e equilibrar o preço da gasolina. A impressão geral dos produtores é que ele foi colocado em segundo plano após a descoberta do Pré-sal”.

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CONFIRA A ENTREVISTA.


João Camelini



IHU On-Line – Como o senhor vê a aprovação do Projeto de Lei 626/2011 pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor, Fiscalização e Controle do Senado, que revê o Zoneamento Agroecológico – ZAE da cana-de-açúcar e autoriza seu plantio em áreas alteradas e nos biomas Cerrado e Campos Gerais na Amazônia Legal? O que esta expansão significa e demonstra sobre a agenda ambiental brasileira?


João CameliniA meu ver, esta aprovação é um fato lamentável que demonstra o comprometimento com agentes econômicos, sustentado por um discurso totalmente equivocado. É possível alcançar o desenvolvimento de uma região por meio de um planejamento integrado que envolva, entre outros fatores, a instalação de usinas de açúcar e etanol. Porém, a ideia que se propaga erroneamente é que a mera presença de uma usina conduz ao desenvolvimento.


A questão é muito mais complexa do que sugere a abordagem apresentada neste Projeto de Lei. Não devemos apenas pensar na ocupação direta das áreas como a causa dos desmatamentos; este processo é muito mais sutil e gradual do que pode perceber o senso comum.


Quando uma cultura regulamentada como a cana-de-açúcar recebe autorização formal e incentivos para ocupação, isso implica o uso exclusivo de grandes porções de terras no entorno das usinas, dentro de um raio aproximado de 40 a 50 quilômetros, o que leva à rápida e agressiva substituição das atividades existentes, deslocando-as para áreas inalteradas. Isso gera grandes pressões por desmatamentos clandestinos e de difícil fiscalização.


É um mecanismo semelhante ao do desmatamento ilegal realizado pela indústria madeireira, que abre espaço para a criação de gado, que, por sua vez, dá lugar à soja e esta à cana-de-açúcar. O ciclo se repete com novos desmatamentos, mas a sua relação com as etapas finais é de difícil percepção.



IHU On-Line – A crítica à aprovação do Projeto de Lei refere-se especialmente à plantação de cana-de-açúcar na Amazônia Legal, porque o zoneamento ecológico da Embrapa não prevê o plantio de cana na região. Quais as implicações em expandir a produção de cana-de-açúcar para essa região? Como essa produção modifica a geografia da Amazônia?


João CameliniNo caso da ocupação da Amazônia, é necessário compreender que haverá grandes implicações associadas à logística, conceito que a geografia reinterpreta e utiliza para captar a essência de grande parte das movimentações políticas e corporativas. 

Por exemplo, será necessário estabelecer conexões entre a Amazônia e outras regiões para que a produção tenha fluidez e isso poderá conduzir ao surgimento de uma rede de transportes corporativa financiada com dinheiro público para servir a clusters de usinas. Muitos grupos usineiros têm participação de empresas multinacionais. Então, há o risco de este processo se destinar essencialmente à transferência de lucro para estes agentes.


A produção sucroenergética demanda especialização produtiva, ela promove o “alisamento” das áreas ocupadas, eliminando a diversidade das atividades. Nesse sentido, sua inserção na Amazônia pode ser algo extremamente perigoso, dando início a um processo de descaracterização da região.

Além das questões ambientais e econômicas, há também os aspectos culturais, que não podem ser ignorados. O Projeto de Lei se refere à presença de mão de obra barata como um atributo de competitividade. Trata-se de um ensaio do discurso que prega o ingresso da região amazônica no leilão, que é a disputa por investimentos dos grupos usineiros. O próximo passo será conceder benefícios fiscais e reproduzir a ideia de que a usina é igual a desenvolvimento. Triste fim para uma região de potencial tão elevado.



IHU On-Line – Um dos argumentos utilizados para a aprovação do Projeto de Lei é o de que o plantio de cana-de-açúcar no Cerrado e na Amazônia Legal irá estimular a produção de biocombustíveis no país. Qual a atual situação da produção de biocombustível no país? Quais os objetivos de aumentá-la?


João CameliniO principal objetivo de expandir a produção de etanol é suprir a demanda externa, que atualmente é potencial, mas que pode tornar-se real se o etanol passar a se comportar formalmente como uma commodity. Na verdade, isso é uma aposta, pois a atual relação custo/benefício para produção de açúcar é muito melhor que a do etanol, mas este pode dar acesso a um mercado promissor no futuro. Hoje sua função é atender o mercado interno e equilibrar o preço da gasolina. A impressão geral dos produtores é que ele foi colocado em segundo plano após a descoberta do pré-sal.


Eu não acredito que o plantio de cana-de-açúcar no Cerrado e na Amazônia seja necessário para estimular a produção de biocombustíveis, porque existem várias alternativas que podem ser exploradas antes de se iniciar (ou intensificar, no caso do Cerrado) a ocupação destas regiões. Com a crescente adoção da chamada agricultura de precisão, a produtividade das áreas atualmente ocupadas pode aumentar significativamente, bem como o raio de influência das usinas, que poderão buscar matéria-prima em locais mais distantes devido à diminuição do tempo e custos envolvidos no corte, carregamento e transporte da cana. 

O desenvolvimento de novas variedades, muito mais produtivas, associadas à diminuição do pisoteio pelo uso racional da irrigação em lugar da circulação de veículos para aplicar corretivos no solo, poderá resultar em talhões com ciclos de vida muito mais longos, reduzindo sensivelmente o investimento em reformas.


Além disso, é possível utilizar técnicas e equipamentos para recuperação de solos degradados e implementos de sulcação profunda, elementos estes que permitem melhor retenção da água e aproveitamento dos nutrientes, viabilizando a eliminação de terraços e novos traçados das linhas de cana, aumentando o rendimento por hectare plantado. Desse modo, áreas mal aproveitadas e próximas às existentes serão ativadas e o financiamento destinado à fluidez da produção poderá ser bem inferior, reduzindo a ociosidade das estruturas produtivas e de transporte.



IHU On-Line – Para quais regiões do país a cana-de-açúcar está sendo expandida nos últimos anos?


João CameliniCom a saturação das terras no estado de São Paulo, o processo de desconcentração espacial direcionou a expansão da produção de cana-de-açúcar para o Centro-Oeste do país, especialmente para Goiás e Mato Grosso do Sul. Também há vetores de ocupação em direção ao Triângulo Mineiro e norte do Paraná. Isso se deve principalmente à proximidade com o grande mercado consumidor paulista, para o qual as bases de distribuição foram inicialmente posicionadas, mas também tem relação com o grande potencial de exportação do etanol. Esta expectativa pela consolidação de um mercado externo vem atraindo investimentos em infraestruturas para possibilitar a fluidez da produção até os portos.



IHU On-Line – Quais são as alternativas econômicas e produtivas mais adequadas e adaptadas à Amazônia e ao Cerrado?


João CameliniAo contrário do que se pode imaginar, estas regiões possuem enorme potencial econômico e podem ser aproveitadas de forma bastante lucrativa, beneficiando a sociedade sem que isso represente grandes impactos sobre o meio ambiente. O caminho para isso não tem necessariamente que passar pelo modelo agrícola uniforme adotado no restante do país. Isso porque é preciso respeitar as particularidades destas áreas preservadas. Acho que é fundamental a elaboração de políticas públicas que estimulem a pesquisa da biodiversidade, o que poderia resultar em muitas inovações de grande vulto.

Para isso, é preciso que sejam oferecidas condições para assegurar e desburocratizar o direito à propriedade intelectual, privilegiando investidores brasileiros. Isso é fundamental porque nestas regiões há grandes oportunidades para a obtenção de produtos com alto valor agregado, como fármacos inovadores, cosméticos e outros itens diferenciados com selos de indicações geográficas. Estes poderiam ser exportados por via aérea e o investimento nesse modal resultaria em melhores condições para expandir e profissionalizar o turismo. Estas medidas poderiam trazer a sinergia necessária para inibir práticas ilegais, já que a fiscalização pública destas regiões é inviável devido às suas dimensões.



IHU On-Line – Como a produção de biocombustíveis a partir da produção de cana-de-açúcar é abordada no Plano Nacional de Energia – PNE para 2030?


João CameliniEspera-se que a participação da cana-de-açúcar e derivados na matriz energética brasileira chegue a 19%, ficando somente atrás do petróleo. Fica evidente a intenção de dimensionar o potencial produtivo para alcançar excedentes destinados à exportação de etanol, que está qualificado como alternativa aos combustíveis fósseis, especialmente após o surgimento dos veículos flex fuel. Gostaria de salientar o aumento da importância da bioeletricidade como produto, que pode justificar a formação de clusters de usinas e viabilizar sua conexão com redes de distribuição. Também é importante ressaltar a preocupação do documento com as rotas de abastecimento, já que as condições logísticas são determinantes para a competitividade do etanol.


O PNE apresenta alguns benefícios estratégicos, sociais e ambientais do aumento da produção de etanol, mas é preciso lembrar que o modelo de ocupação com cana-de-açúcar pode expor os municípios, especialmente os pequenos, a condições de vulnerabilidade territorial. Por exemplo, recentemente os municípios de Santa Helena-GO e Espírito Santo do Turvo-SP passaram por grandes dificuldades quando suas respectivas usinas faliram. Não pretendo afirmar que a cana-de-açúcar é necessariamente um mal, pelo contrário, ela pode colaborar para o fortalecimento econômico regional, mas é preciso harmonizar a instalação de novas usinas a um planejamento mais amplo. É preciso ter um plano B.



* João Humberto Camelini é mestre em Geografia com dissertação intitulada Regiões competitivas do etanol e vulnerabilidade territorial no Brasil: o caso emblemático de Quirinópolis-GO, apresentada no Instituto de Geociências – IG, da Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é doutorando na mesma área de concentração, atua como Coordenador Técnico para Geotecnologias e Infraestruturas na Tecgraf Tecnologia em Computação Gráfica e como Professor Assistente na Faculdade Politécnica de Campinas e Faculdade de Jaguariúna.




Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/12999

22/05/2013