Autora: Cecilia Luedemann
Com Vladimir Maiakovski, poeta de todos nós,
aprendemos a dizer: “Meu Maio”. Caminhando em seus versos, como nas ruas do
mundo, nos encontramos na praça pública no dia 1º de Maio, para ouvir e gritar
as nossas palavras de ordem, para lutar por nossos direitos como se faz há 127
anos:
A todos
que saíram às ruas
de corpo-máquina cansado,
A todos
Que imploram feriado
às costas que a terra extenua –
Primeiro de Maio!
Meu mundo, em primaveras,
derrete a neve com sol gaio.
Sou operário –
este é o meu maio!
Sou camponês - Este é o meu mês.
Sou ferro –
eis o maio que eu quero!
Sou terra –
O maio é minha era!
O ano um do Dia Internacional do Trabalhador, acontece em 1866, nos Estados
Unidos, quando a Federação Americana do Trabalhoe os Cavaleiros do Trabalho,
apresentam a proposta de redução da jornada de trabalho aprovada em assembleia:
A partir de hoje
nenhum operário
deve trabalhar
mais de oito horas por dia.
Oito horas de trabalho!
Oito horas de repouso!
Oito horas de educação!
Depois das oito horas, os operários abandonam as máquinas e saem às ruas, junto
às centenas de milhares de trabalhadores de todo país. Em cada um dos estados,
a luta persiste até chegarem ao acordo por oito horas de trabalho, ou por 10
horas com aumento de salário. Mas, na maioria dos estados, os patrões reagem
com a violência policial ou de grupos de direita armados, como os “Defensores
da Ordem”.
Mas, foi em Chicago que a história do 1º de Maio ficou marcada. Eu estava lá,
vi e ouvi tudo. Você também há de se recordar. Nós estávamos lá, e participamos
da luta de classes, e pelo 1º de Maio na conquista do nosso direito às oito
horas de trabalho.
Em Chicago, coração da indústria norte-americana,
a luta é mais sangrenta. Os operários, muitos deles organizados em partidos e
sindicatos anarquistas e socialistas, decidem eliminar a interminável jornada
de 14 a
16 horas por dia. Os poderosos patrões de Chicago declaram no Chicago
Times a sua opinião sobre a reivindicação operária:
A prisão e o trabalho forçado
são a única solução possível para a questão
social.
O único jeito de curar os trabalhadores do
orgulho
é reduzi-los a máquinas humanas,
e o melhor alimento que os grevistas podem ter é
o chumbo.
Os sindicalistas, August Spies e Albert Parsons,
são marcados.
No jornal Mail, os patrões decidem
acusar publicamente August Spies, anarquista que dirige o jornal Arbeiter
Zeitung para os milhares de trabalhadores de origem alemã e Albert
Parsons, líder sindicalista, fundador da Central Union, e diretor do
jornal operário Alarm:
Circulam livremente nessa cidade
dois perigosos cafajestes,
dois canalhas que querem criar desordens.
Um se chama Spies, o outro Parsons.
Vigiai-os, segui-os;
considerai-os responsáveis
se acontecer alguma coisa.
E se algo suceder, eles que paguem por isso.
O 1º de Maio de Chicago se inicia com uma greve
vitoriosa. Sábado, fábricas, lojas, transportes, tudo está parado. Milhares de
trabalhadores marcham junto com aFederação Americana do Trabalhoe os Cavaleiros
do Trabalho pela avenida Michigan até a praça Haymarkert.
Os imigrantes italianos, irlandeses, alemães,
poloneses e russos, identificam-se por suas roupas tradicionais. Homens,
mulheres, crianças acompanham a manifestação. A Guarda Nacional espalha-se
entre as esquinas e no alto dos edifícios.
Na praça, oradores fazem seus
discursos em diferentes línguas. Parsons também fala, junto com sua esposa e
sua filha Lulu, de sete anos. Se os patrões não cedem, decidem manter a greve.
E todos voltam, unidos, decididos e em silêncio para suas casas.
2 de Maio, domingo a organização da greve se
amplia. O movimento segue forte. Os patrões têm um plano: colocar a polícia nas
ruas para atacar os trabalhadores, prender os grevistas e perseguir os
sindicalistas.
3 de Maio, segunda-feira, a polícia atira contra
os operários em frente à fábrica McCormick Harvester. O resultado da repressão
policial: seis mortos, 50 feridos e centenas são levados para a prisão.
Spies convida os trabalhadores para uma
manifestação contra a repressão, no jornal Arbeiter Zeitung e
denuncia:
A guerra de classes começou.Quem pode negar que
os tigres que nos governam estão ávidos do sangue dos trabalhadores. Melhor a
morte que a miséria.
Parsons defende uma manifestação pacífica na
noite do dia seguinte. Todos devem levar os filhos. Ninguém poderia
imaginar o que iria acontecer...
4 de Maio, terça-feira, 7h30 da noite.
A praça Haymarket está lotada de grevistas em luto. Spies, Parsons e
Sam Fielden falam sobre a necessidade de manter a greve pelas oito horas.
No final da manifestação, todos são surpreendidos
pela violência de 180 policiais que espancaram centenas de trabalhadores.
De repente, uma bomba explode entre os policiais.
60 são feridos e outros morrem logo em seguida. Era o sinal esperado para o
massacre.
A ordem é enviar mais policiais para a repressão em massa. Ninguém
escapa: homens, mulheres e até mesmo crianças. A praça fica ensanguentada.
Nunca se descobriu a quantidade exata de mortos, pois a ordem foi fazer
enterros clandestinos.
É decretado Estado de Sítio. O objetivo dos patrões e do governo: destruir a
liderança e derrotar o movimento pelas oito horas de trabalho.
Inicia-se a caçada aos grevistas. Bandidos são contratados para invadir e
destruir a casa dos trabalhadores, espancar os familiares, ameaçar quem
continuasse a greve. Dedo-duros infiltram-se no movimento grevista e indicam os
lutadores mais aguerridos para serem acusados pelo atentado à bomba.
A farsa tinha sido montada para levar à
julgamento os oito líderes: August Spies, Sam Fielden, Oscar Neeb, Adolph
Fischer, Michel Schwab, Louis Lingg e Georg Engel e Albert Parsons.
21 de junho de 1886. Durante o julgamento, a
farsa é desmontada. As provas e as testemunhas são falsas. Mas, a justiça é
comandada pelos patrões. Os oito líderes do movimento pelas oito horas já
estavam condenados antes de chegar ao tribunal. Um dos jurados dá a sentença:
Que sejam enforcados.
São homens demais desenvolvidos,
demais inteligentes,
demais perigosos
para os nossos privilégios.
9 de outubro de 1886. Sentença final.
Cinco são condenados à morte: Parson, Engel,
Fischer, Lingg e Spies.
Dois são condnados à prisão perpétua: Fielden e
Schwab.
Um é condenado à quinze anos de prisão: Neeb.
Neeb é o primeiro a falar, depois de ouvir a
sentença, e pede para ser condenado à morte, como seus companheiros, pois não
pode ser mais inocente que os outros, já que todos são completamente inocentes:
Cometi um grande crime, excelência. Eu vi os
balconistas desta cidade trabalhar até 9 ou 10 horas da noite. Lancei um apelo
para a organização da categoria e agora eles trabalham até as 7 horas da noite;
aos domingos, estão livres. E isso é um grande crime.
Em seguida, Spies desafia a injustiça dos poderosos:
Se com o nosso enforcamento vocês pensam em
destruir o movimento operário – este movimento do qual milhões de seres
humilhados, que sofrem na pobreza e na miséria, esperam a redenção -, se esta é
sua opinião, enforquem-nos. Aqui terão apagado uma faísca, mas lá e acolá,
atrás e na frente de vocês, em todas as partes, as chamas crescerão. É um fogo
subterrâneo e vocês não podem apagá-lo.
Lingg defende a honra da classe trabalhadora:
Permiti que vos assegure que morro feliz porque
estou certo de que centenas, milhares de pessoas a quem falei recordarão minhas
palavras.
Parsons, grande orador, fala por mais de uma hora sobre os ideais socialistas
para os operários:
Arrebenta a tua necessidade e o teu medo de ser
escravo, o pão é a liberdade, a liberdade é o pão. A propriedade das máquinas
como privilégio de uns poucos é o que combatemos, o monopólio das mesmas, eis
aquilo contra o que lutamos.
Nós desejamos que todas as forças da natureza, que
todas as forças sociais, que essa força gigantesca, produto do trabalho e da
inteligência das gerações passadas, sejam postas à disposição do homem,
submetidas ao homem para sempre. Este e não outro é o objetivo do socialismo.
11 de novembro de 1886. Enforcamento dos líderes
grevistas.
Spies, Engel, Fischer e Parsons são levados para o pátio da prisão para serem
enforcados. Lingg suicidou-se na cadeia. Não se acovardam e nem se deixam
silenciar diante da morte.
Spies desafia:
Adeus, o nosso silêncio será muito mais potente
do que as vozes que vocês estrangulam!
Engel grita:
Viva a anarquia!
Fischer murmura:
Eis o dia mais feliz da minha vida.
Parson é enforcado antes que termine a frase:
Deixem-me falar com o meu povo...
Os operários carregam os restos mortais dos
mártires de Chicago. Manifestações pelas oito horas de trabalho se intensificam
de Chicago para todo o país e dos Estados Unidos para o mundo. Mas, os
trabalhadores nunca se esqueceram da injustiça cometida e exigem a libertação
dos inocentes e a condenação dos responsáveis pelo enforcamento dos
companheiros.
Apenas em 1892, o governador de Illinois
reconhece o assassinato de Estado, anula a sentença, liberta os três
prisioneiros e acusa de infâmia o juiz, os jurados e as falsas testemunhas.
Em 1889, A
Federação Americana do Trabalho propõe que o dia 1º de Maio seja o dia de greve
geral pela redução da jornada de trabalho, em memória à luta dos oito
companheiros de Chicago.
E nesse mesmo ano, um congresso internacional de
trabalhadores, na França, decide transformar o dia 1º de Maio em data fixa para
manifestação internacional de todos os trabalhadores pela redução da jornada de
trabalho para oito horas, dentre outras reivindicações.
Nos Estados Unidos, os oito de Chicago são sempre
lembrados no May Day. Todos nós, que lá estivemos junto com nossos companheiros
do passado, pela herança de suas lutas, e herdamos as suas conquistas,
lembraremos, nas praças, desses 125 anos de luta do 1º de Maio junto com
nossos atuais companheiros e companheiras.
Em homenagem aos 127 anos do 1º de Maio e aos 142
anos da Comuna de Paris, encerramos com o poema de Brecht escrito entre os anos
1948 e 1949 para a peça Os dias da Comuna. Suas lições não perderam a
atualidade...
TODOS OU NINGUÉM
Bertolt Brecht
(Peça teatral Os dias da Comuna-
1948-49)
1
Escravo, quem vai te libertar?
Aqueles que estão no fundo mais fundo,
Camarada, vão te ver.
E ouvirão o teu grito:
Os escravos vão te libertar.
Ninguém ou todos. Tudo ou nada.
Sozinho ninguém pode se salvar.
Fuzis ou correntes.
Ninguém ou todos. Tudo ou nada.
2
Faminto, quem vai te alimentar?
Se quiseres um pedaço de pão
Junta-te a nós, nós que temos fome
Deixe que te mostremos o caminho:
Os que têm fome vão te alimentar.
Ninguém ou todos. Tudo ou nada.
Sozinho ninguém pode se salvar.
Fuzis ou correntes.
Ninguém ou todos. Tudo ou nada.
3
Quem, vencido, quem te vingará?
Tu, que fostes golpeado
Junta-te às fileiras dos feridos
Nós em todas nossas fraquezas,
Camarada, vamos te vingar.
Ninguém ou todos. Tudo ou nada.
Sozinho ninguém pode se salvar.
Fuzis ou correntes.
Ninguém ou todos. Tudo ou nada.
4
Quem, perdido, que se atreverá?Quem sua miséria não mais suporta
Pode, deve se juntar com aqueles
Que por necessidade cuidam
Para que seja hoje e não amanhã.
Ninguém ou todos. Tudo ou nada.
Sozinho ninguém pode se salvar.
Fuzis ou correntes.
Ninguém ou todos. Tudo ou nada.
Fonte: http://editora.expressaopopular.com.br/batalha-das-ideias/127-vezes-maio
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