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domingo, 12 de maio de 2013

OS CAMINHOS DA ESQUERDA NA CULTURA



A jornalista Vera Gertel contextualiza a efervescência do teatro brasileiro antes e depois do golpe de 1964, fala das contradições políticas de Getúlio, e descreve porque optou em enfrentar a ditadura.
 
Eduardo Campos Lima, de São Paulo (SP)

 
Eles Não Usam Black-tie, com Lélia Abramo, em montagem de 1958
Foto: Arquivo Vera Gertel
O livro Um gosto amargo de bala, autobiografia da atriz, jornalista e militante Vera Gertel, narra uma parte importante da história da esquerda brasileira entre os anos 1930 e 1970. Filha de militantes do Partido Comunista, desde a juventude Vera atuou na esfera cultural, fundando com os companheiros do Partido Comunista Brasileiro (PCB) Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Vianna Filho – com quem foi casada – o Teatro Paulista do Estudante (TPE), ainda nos anos 1950.

Capa do livro de Vera Gertel - Foto: Divulgação
 
Trabalhou como atriz no Teatro de Arena de São Paulo, com o qual o TPE se fundiu, e juntou-se ao Centro Popular de Cultura (CPC), iniciativa de radicalização política impulsionada por artistas e intelectuais comunistas, no começo dos anos de 1960. Após o golpe de 1964, aproximou-se da luta armada, dando apoio à ação de antigos companheiros como Joaquim Câmara Ferreira, seu padrinho, e Carlos Marighella. Nessa fase, iniciou sua carreira de jornalista e deixou de atuar nos palcos.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Vera Gertel faz uma análise dos caminhos da esquerda, na cultura e na política, antes e depois do golpe de 1964.

Brasil de Fato – A Ditadura Vargas inspira, muitas vezes, visões ambíguas na esquerda, já que foi um período em que houve alguns avanços importantes na área trabalhista e, ao mesmo tempo, um forte anticomunismo. Que balanço você faz da relação do PCB com Getúlio Vargas?

Vera Gertel Não é uma pergunta fácil de responder. Primeiro, porque eu era muito menina, sequer militava. Segundo, só a distância no tempo nos permite uma análise política mais condizente com a realidade vivida na época.
Getúlio se inspirava no fascista italiano Mussolini para implantar um nacional socialismo de direita e, portanto, nada democrático, com controle sobre sindicatos pelegos. Ao mesmo tempo, os comunistas exigiam, sob a sigla da Aliança Nacional Libertadora (ANL), um programa bem mais amplo, como anulação das dívidas das nações, nacionalização das empresas públicas, distribuição de terras latifundiárias para os camponeses e proteção ao pequeno e médio proprietário. A ANL era uma frente ampla e para que tudo isso existisse seria necessário um grande apoio popular, do qual Getúlio tinha medo, por receio ao comunismo.
Do meu ponto de vista, que não sou historiadora, ele acabou metendo os comunistas na cadeia para poder seguir sozinho sua linha de caudilho. Afinal, sempre foi um deles. Donde a relação de Getúlio com o PCB ter sido sempre ambígua. De um lado, Getúlio ditador, pondo partidos e líderes populares na cadeia. De outro, os comunistas, com uma orientação dita internacionalista mas, que na verdade, seguia diretrizes de Moscou. E em outros momentos, em que Getúlio não só precisava como merecia o apoio dos comunistas, estes, por erro histórico, apoiaram sua renúncia, que resultou em seu suicídio.

Brasil de Fato – Desde muito jovem, sua militância foi ligada ao comitê cultural do PCB. Quais eram as perspectivas de trabalho dos comunistas para a área da cultura, na década de 1950? Havia uma linha clara?

Vera Gertel Não. O PCB não tinha uma linha clara para a cultura. Acontecia de haver comunistas dentro da cultura e das artes brasileiras. E, portanto, uma visão mais revolucionária. Foi o que aconteceu com nossa célula cultural, da qual fazíamos parte eu, Oduvaldo Vianna Filho e Gianfrancesco Guarnieri, que passou a ter a atenção do Partido a partir do momento em que fomos atuar no teatro. Não chegou a ser uma diretriz do Partido, mas era um campo em que nós, comunistas, atuamos.

Brasil de Fato – O que liam e debatiam os jovens artistas e militantes do Teatro Paulista do Estudante, em um tempo de influxo, no Brasil, de teóricos marxistas fundamentais?

Vera Gertel O que nós líamos e debatíamos naquele processo de aprendizado sobre como atuar politicamente dentro do teatro era uma mistura impressionante. De Marx a Lukács, Brecht e Piscator, todos os mestres do chamado teatro atuante e popular. O teatro feito para pensar, sem perder de vista seu entretenimento. Quer dizer, ninguém vai ao teatro só para pensar. É preciso fazer o espectador pensar enquanto ele se delicia com o que se passa num palco ou numa arena.
Jean Paul Sartre também foi um grande complicador, porque sua filosofia, em termos grosseiros, privilegiava o indivíduo mais que o coletivo. Mas ao mesmo tempo ele era um tremendo intelectual atuante, que comparecia aos protestos e desfilava pelas ruas com estudantes, etc.
 
 
Eles Não Usam Black-tie, com Lélia Abramo, em montagem de 1958
Foto: Arquivo Vera Gertel
  
Brasil de Fato – A fusão com o Teatro de Arena de São Paulo determinou que tipo de transformações no trabalho e nas perspectivas do TPE? 

Vera Gertel De início, a fusão não implicou em nada que tivesse a ver com nossa visão de teatro político e popular. Fazíamos peças, comédias, bem aburguesadas, apenas para distrair o público e fazer render uma bilheteria da qual sobrevivíamos, ganhando um salário mínimo. Isso na década de 1950. O que não impedia que autores como Guarnieri e Vianna começassem a escrever peças mais condizentes com o que pensavam que devia ser denunciado. Assim, com a montagem de Eles não usam black-tie, do Guarnieri, em que o protagonista é um fura-greve que mora na favela, pela primeira vez no teatro brasileiro estávamos falando do povo e não das elites.
 

 
Brasil de Fato – Como se dava a relação entre os integrantes do Teatro de Arena, do CPC e do MCP? Qual avaliação você faz, hoje, das formulações e da prática dessas três propostas da esquerda cultural do início dos anos 1960?

Vera Gertel O Teatro de Arena de São Paulo nada teve a ver com a formação dos Centros Populares de Cultura (CPCs), a não ser o fato de alguns de seus membros, como Oduvaldo Vianna Filho e Chico de Assis, serem oriundos do Arena e fundarem no Rio de Janeiro o primeiro CPC, ligado à UNE.
Apesar de o Teatro de Arena viajar por todo o Brasil, levando teatro a seus nichos mais recônditos, a lugares em que sequer tinham visto um circo, Vianna considerava que ele era muito pequeno para ser popular. Restou saber o que fosse verdadeiramente um teatro popular. A fim de atingir um público mais popular, iam fazer teatro nas favelas em cima de um caminhão, mas na verdade não conseguiam conscientizar ninguém.
Mas não havia só teatro nos CPCs, havia o CPC volante, que saiu pelo Brasil fundando outros CPCs estudantis. Havia coleções de livros populares sobre nossos maiores problemas nacionais, cinema politizante e muito mais. Quando veio o golpe de 1964 eu, por exemplo, ensaiava no teatro que a UNE estava construindo, em sua famosa sede da Praia do Flamengo, uma peça do Vianna sobre reforma agrária, chamada Os Azeredo mais os Benevides, sob a direção de Nelson Xavier, outro oriundo do Teatro de Arena de São Paulo.

Brasil de Fato – Você relata que o PCB estabeleceu como reação ao golpe de 1964 a tática de recuo organizado. Os artistas e intelectuais que passaram a se manifestar em termos de claro recuo revisionista, a partir dali, o fizeram motivados pela determinação do Partido?

Vera Gertel Os comunistas pertencentes ao Partido sempre obedeceram suas ordens. Nunca esta premissa me pareceu tão verdadeira quanto a obediência a um partido. Mas não deixava de haver descontentamento, porque todos os seus militantes acreditaram nas palavras do Comitê Central de que o Jango tinha um esquema militar suficiente para impedir qualquer golpe de Estado. Não tinha. Àquela altura, a direita era mais forte e apoiada pela política de segurança do continente latino-americano exigida pelos EUA, dentro do contexto da Guerra Fria.

Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/12843
08/05/2013

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