Apesar do
avanço em políticas setoriais, criação de assentamentos ficou aquém das
expectativas.
Eduardo
Sales de Lima, da Redação
Completados
dez anos da presença do Partido dos Trabalhadores (PT) no comando do governo
federal ainda existem cerca de 150 mil famílias de trabalhadores rurais
sem-terra acampadas em dezenas de acampamentos Brasil afora, lutando por seu
pedaço de terra. Surpreendentemente, nos oito anos do governo neoliberal de
Fernando Henrique Cardoso foram criados 4.410 assentamentos. Na década de
Lula/Dilma o número foi de 3.711. Os dados são do Dataluta/Unesp – Banco de
dados da Luta pela Terra.Segundo o doutor em sociologia pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR) e docente na Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), César Sanson, o balanço que se faz da administração petista em
relação à reforma agrária é ruim. “O PT no poder não teve a coragem suficiente
para interferir e alterar a estrutura agrária brasileira. Mesmo tendo em mãos
instrumentos que lhe permitiriam radicalizar a distribuição de terras, tratou o
tema de forma conservadora e burocrática. O retrocesso foi exatamente esse, a
falta de ousadia em fazer uma grande, profunda e corajosa reforma agrária no
país”, critica o sociólogo.
Ao menos, o executivo tentou conduzir a sociedade
rumo à descriminalização dos movimentos sociais camponeses. Segundo Alexandre
Conceição, da coordenação nacional do MST, com a chegada do PT ao governo, foi
inaugurada uma nova postura do executivo frente às lutas sociais, distinta de
Collor e FHC, que buscaram destruir o movimento. “Com o PT no poder, a tarefa
[de perseguir e criminalizar os movimentos sociais do campo] coube a outros
poderes que compunham o Estado brasileiro. Neste caso, tivemos uma brutal
criminalização por parte do poder judiciário e do parlamento, inclusive
criando duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) contra o MST e uma
terceira contra todas as ONGs e movimentos sociais”, reforça Alexandre. O
militante sem-terra pondera, contudo, que o PT pouco fez para impedir o
processo de criminalização dos movimentos sociais do campo. Segundo ele,
poucos deputados e senadores do partido têm defendido as organizações sociais,
e quando o fazem, trata-se de uma iniciativa de seus mandatos, não uma
definição partidária.
Pinga-gotas
Alexandre Conceição acredita que
no início da primeira gestão de Lula houve avanços em relação à desapropriação
de terras e, consequentemente, a criação de assentamentos. Em seu primeiro
ano, 2003, foram criados 333 assentamentos (29.723 famílias beneficiadas). Dois
anos depois, o Brasil testemunhou o ápice da criação dos assentamentos na Era
PT, com a criação de 885 assentamentos, com 106.319 famílias adquirindo suas
terras (veja no gráfico abaixo). A partir de 2007, contudo, “puxaram o
freio de mão” nas desapropriações, como afirma Conceição. Foram criados apenas
391 assentamentos no ano. Quatro anos depois, com a desapropriação de terras
num processo de declínio, o primeiro ano do governo Dilma, em 2011,
contabilizou míseros 109 assentamentos (9.079 famílias beneficiadas). “O que se
assistiu [nos últimos dez anos] foram desapropriações a ‘pinga-gotas’ e assim
mesmo por pressão do MST. O avanço se resumiu a não criminalização dos
movimentos sociais e à ampliação de convênios, muito pouco para um governo de
esquerda”, avalia César Sanson. Uma das conclusões de analistas e movimentos
é a de que o Estado brasileiro tem preferido fazer a regularização fundiária
em terras públicas a desapropriar latifúndios no campo brasileiro para fins de
reforma agrária, o que, de fato, ocorreu predominantemente na Amazônia, em
terras ocupadas por posseiros.
A regularização de terras públicas ocupadas tem sido o modo mais viável para o
Executivo agir, tendo em conta que o PMDB – um dos representantes dos
interesses ruralistas no Congresso Nacional – é um forte aliado para a governabilidade,
como o Brasil de Fato constantemente tem reforçado.
Programas
Porém, no processo de desenvolvimento das áreas de
assentamento e de áreas rurais como um todo, os governos de Lula e Dilma
avançaram significativamente. É o que acredita William Clementino, secretário
de Políticas Agrárias da Contag – Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura. “[Lula] Reforçou um novo processo de assistência técnica, de
melhoria da qualidade da produção e acesso a crédito, mas que também é
insuficiente para a demanda dos trabalhadores do campo no Brasil”, afirma. No
período Lula, foram criados outros programas voltados à garantia de
comercialização e preço mínimo para a agricultura familiar, como o Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA). “Com isso foi resgatado o papel da Conab”, avalia
Alexandre Conceição. O programa de compra antecipada pela Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab), por exemplo, tem efeito direto no aumento da produção,
na renda e na segurança. Mas ainda estão limitados os recursos e o número de
famílias atingidas, um universo menor que 10% das famílias assentadas. Outros
dois importantes programas, como o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar
(Pnae) também têm feito diferença na vida dos camponeses. Entretanto, é
preciso dizer que atualmente, segundo informam as organizações sociais
camponesas, menos de 10% das quase 800 mil famílias assentadas têm acesso ao
Pronaf. E quanto ao Pnae, que reserva 30% dos recursos para agricultura
familiar, ainda existe uma forte resistência em algumas prefeituras. Em maio
deste ano, o ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Pepe Vargas, reforçou
que o teto para o crédito de custeio ao agricultor familiar foi ampliado de R$
50 mil para R$ 80 mil.
Dilma
Ao se considerar a reforma agrária como um processo amplo, que não
envolve somente desapropriações e criação de assentamentos, os governos do PT
implementaram uma nova fase em relação às políticas agrárias no país. Mas, de
acordo com César Sanson, a visão tecnocrática que a presidenta Dilma Rousseff
(PT) tem da reforma agrária, como parte um processo desenvolvimentista,
prejudica, justamente, o progresso do país como um todo, principalmente no que
se refere à distribuição de renda no campo. “O foco de Dilma é economia,
emprego e desenvolvimento. E o campo nessa equação entra como uma base
exportadora. Nesse contexto, a presidenta não vê reforma agrária como um
mecanismo efetivo de desenvolvimento nacional, o quanto muito a vincula ao
programa de erradicação da miséria”, avalia. Dados oficiais do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e que divergem dos números
do Dataluta revelam que a presidenta atingiu em 2011 a pior marca dos últimos
dezessete anos, contrariando a expectativa dos movimentos sociais do campo. Em
2011, 22.021 famílias conquistaram lotes em assentamentos, o que representa
61% do resultado de Lula, que em 2003 assentou outras 36.301 famílias.
Mais sobre o assunto:
http://www.brasildefato.com.br/node/11534
11/01/2012
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