Ana Carolina Marques/Opera Mundi |
Ao mesmo tempo em que é julgada como necessária,
fatores como a riqueza natural malinesa são levados em conta por críticos.
O Mali, país localizado na região da costa oeste
africana, está desde o dia 11 de janeiro sob intervenção das Forças Armadas da
França, país de quem foi colônia até 1959. O país enfrenta uma guerra civil
iniciada no ano passado por rebeldes separatistas de origem tuaregue e que,
posteriormente, teve o envolvimento de uma coalizão de milícias de orientação religiosa
que se aproximava rapidamente da capital, Bamako, sudoeste do país.
Oficialmente, a justificativa do presidente francês
François Hollande para a ação militar é que ele recebeu um pedido de emergência
do presidente malinês, Dioncounda Traoré, e que o único objetivo do país
europeu seria assegurar a segurança do país africano, afastando-o do risco de
ser tomado por forças militares terroristas.
Por um lado, a versão oficial é apoiada pela
população francesa, pelo governo do Mali e pelos países vizinhos. No entanto,
os críticos apontam outros motivos (como a riqueza dos recursos naturais
malineses) para que a intervenção seja interpretada como uma nova ofensiva
neocolonialista da França na região. Outro aspecto levado em conta para
criticar a iniciativa é a baixa popularidade de Hollande, que poderá reverter a
tendência de queda livre em caso de sucesso militar.
Especialistas africanos entrevistados pela
reportagem de Opera Mundi afirmam que a medida era necessária,
mas poderá trazer problemas para as tropas francesas caso à ofensiva se
prolongue ou a relação entre as tropas e os civis malineses se deteriore.
Opera Mundi publica um especial em que mostra as origens
do conflito, os prós e os contras da intervenção francesa e quais podem ser
suas possíveis repercussões.
Carlos Latuff/Opera Mundi |
As razões da França e o subsolo do Mali
“Temos um único objetivo: assegurar que, quando
sairmos, ao fim de nossa intervenção, o Mali esteja seguro, com autoridades
legítimas, um processo eleitoral em curso e sem mais terroristas ameaçando seu
território”. Essa declaração é de um dos trechos em que Hollande justifica os
motivos da França ter entrado no conflito.
“O Mali enfrenta uma agressão de elementos
terroristas que vêm do norte [do país] e que todo o mundo conhece pela
brutalidade e pelo fanatismo. Está em jogo a própria existência deste Estado
amigo, a segurança de sua população e a de nossos seis mil cidadãos que estão
lá”, acrescentou o presidente francês.
“A intervenção no Mali é completamente legal e
legítima: acima de tudo, ela pretende combater uma coalizão de grupos
terroristas que tomou o norte do país e impôs a sharia a essa população,
submetendo-os a violações graves dos direitos humanos. As tropas do Mali não
tinham condição alguma de combatê-los, era impossível. Se a França não tivesse
entrado, as forças rebeldes já teriam tomado em Bamako”, afirma o senegalês
Hamidou Anne, especialista em Relações Internacionais e membro do think tank
africano Teranga em entrevista a Opera Mundi.
Ele lembra que, diferentemente de outras ocasiões,
essa ofensiva foi solicitada pelo presidente malinês e teve apoio do Conselho
de Segurança da ONU.
O marfinense Joel le-Tessia, especialista em
Relações Internacionais, lembra também que um dos principais argumentos
justificados por Hollande, a integridade territorial do Mali, “não é
verdadeiro. Tanto que seu antecessor, Nicolas Sarkozy, no início do conflito,
havia orientado o governo malinês a negociar, não com os terroristas, mas com o
MNLA (Movimento Nacional de Libertação de Azawad, grupo separatista secular).
Quando os rebeldes perderam o controle para os islamistas, a situação mudou”.
Le-Tessia lembra que, inicialmente, estava previsto
que a ofensiva seria comandada por países africanos, coordenados pela Cedeao
(Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental), com os franceses
apoiando na logística. “No mês desde outubro (quando o CS da ONU deu o sinal
verde), eles não se mostraram prontos. Acredito que Hollande não tinha o desejo
que a França interviesse, não era interessante para ele que a imagem da França
como estado policial voltasse ao imaginário africano, mas as forças do Mali não
podiam fazer mais nada, nem as africanas ; e os outros países vizinhos estariam
em perigo”.
Manifestantes egípcios protestam contra a ofensiva en frente à embaixada francesa no Cairo. Agência EFE – 18/01 |
No entanto, para o jornalista suíço Gilles
Labarthe, fundador da agência de notícia Datas, as intenções da França passam
longe de termos como “guerra ao terror” e “ajuda humanitária”. Especialista em
colonialismo francês e autor de livros como “L’or africain. Pillages, trafics
& commerce international” (em tradução livre “O ouro africano:
pilhagens, tráfico e comércio internacional”; editora Agone, 2007), ele afirma,
em entrevista ao site espanhol Publico.es, que parece “claro que a
França e o resto dos países implicados no Mali estão se movendo pelo interesse
de assegurarem os recursos minerais da região, como já ocorreu há dois anos na
Líbia”.
O jornalista admite que “é mais difícil identificar
que o lobby industrial está por trás de tudo”, mas ele aponta que importantes
companhias extrativistas como a Aréva possuem o direito de explorar o urânio no
Níger e estão a apenas 200 quilômetros da fronteira com o Mali. A empresa
fechou 2012 com um crescimento de 4% a 6% no faturamento, e há perspectiva de
crescimento em 2013. A França tem a energia nuclear como principal fonte de sua
matriz energética, e seu governo é proprietário de 14,33% da companhia.
Sobre as intenções francesas, Anne lembra uma
frase do general Charles de Gaulle: “Os estados não têm amigos, tem
interesses”. “Ninguém duvida que, caso as forças oficiais vençam, os franceses
terão interesses nesses recursos. Não será surpresa se a França tiver uma maior
presença no setor de extração mineral”, afirmou ele.
“Se o Mali cair nas mãos dos terroristas, estes
terão ao leste a fronteira com o Níger, aberta e completamente vulnerável. Lá
estão situadas minas de urânio, com companhias francesas instaladas por lá.
Claro que esse fator teve uma importância na decisão”, diz Le-Tessia.
Apesar de possuir extensa superfície desértica, o
Mali é uma vasta fonte de recursos minerais, muitos deles ainda não explorados.
As prospecções de urânio no país são animadoras,
principalmente na região de Kidal (leste, zona reivindicada por separatistas e
controlada pela coalizão insurgente islâmica), próximas ao Niger.
O Mali é também o terceiro maior extrator de ouro
na África. No entanto, a maioria das minas de ouro do país está localizada no
sul, próxima à fronteira com o Senegal, não havendo consequência imediata para
o processo de extração.
Além do urânio e ouro, o país também possui
destacadas reservas de cobre, diamante, manganês, ferro, fosfato, bauxita,
zinco, lítio, entre outros metais (ver infográfico acima), além da
possibilidade de se tornar importante exportador de petróleo – com a maioria
das reservas localizadas na região norte.
Tempo indeterminado
Hollande afirmou que a França ficará no Mali “o
tempo que for preciso”. E, nos primeiros dias, os oficiais franceses se
surpreenderam com a organização e os equipamentos das forças rebeldes.
A possibilidade de a operação se prolongar poderá
ser o principal fator, no futuro, a transformar a aprovação inicial da ofensiva
em revés. “Se a França ficar muito tempo, o problema é que inevitavelmente
começaremos a contabilizar muitas vítimas civis. Quando isso começar a ocorrer,
o papel da França será questionado”, diz Le-Tessia.
Apoio interno
Na França, a intervenção francesa no Mali contou
com apoio da população. Uma pesquisa realizada na última terça-feira (15/01)
pelo instituto BVA aponta que 75% dos franceses aprovaram a decisão de Hollande
– 82% entre os eleitores que se declaram de esquerda e 69% dos que se declaram
de direita. No mesmo dia, o Ifop registrou aprovação de 63%.
A maior parte da classe política francesa, em um
primeiro momento, também se manifestou favoravelmente à ação, como fizeram
publicamente a UMP (União por um Movimento Popular), principal rival na
oposição de direita; a Frente Nacional, de extrema-direita; e o centrista
Movimento Democrático. A exceção entre as principais agremiações políticas ficou
com o líder do Partido de Esquerda, Jean-Luc Mélenchon, considerou essa decisão
“discutível” e condenou o fato de a ação não ter sido sequer discutida no
Parlamento.
Os números e o apoio são bem diferentes das
pesquisas de opinião em torno da aprovação do governo durante todo o mês de
2012. De acordo com o Ifop, Hollande fechou o ano com pífios 37% (4 pontos
percentuais a menos que o levantamento de novembro), enquanto o
primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault foi ainda pior: 35% (queda de oito pontos).
Resta saber como serão os primeiro resultados após a intervenção.
Pós-intervenção
Para Le Tessia, a intervenção militar francesa não
irá resolver a disputa política no Mali nem livrar a região do terrorismo. “O
Mali tem um território vasto, a França não tem condições de vigiar e revistar
todas as cidades e vilas.
E os terroristas poderão se esconder na Líbia ou na
Argélia. O problema não é esse, terroristas aparecem o tempo todo. O que se
deve fazer é impedir que eles tenham acesso a a reservas, armas , bases,
munição, abastecimento”, afirma. Ele lembra que também será preciso fazer com
que os malineses reconstruam suas Forças Armadas. “Não puderam fazer antes nem
durante a crise, veremos no futuro, em caso de vitória”.
Leia mais:
- Leia aqui o processo histórico que levou aos conflitos na atual região do Mali
- Conheça aqui os principais atores envolvidos na guerra malinesa
- No Mali, a guerra da França pelo urânio
- Mais da metade de estrangeiros no campo de gás da Argélia foi solta
- Por que a União Europeia ignora o pedido de ajuda francesa em Mali?
Por racismoambiental, 20/01/2013
Fonte: http://racismoambiental.net.br
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