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quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

TERRITÓRIOS EM DISPUTA


Estudo traça consequências socioeconômicas da expansão do agronegócio no estado de São Paulo

Aline Scarso, da Redação
 
Tiago Egídio Avanço Cubas
  
Agronegócio e agricultura camponesa. A luta por território vai além do mero conceito material. Ela envolve visões de mundo. Uma “usa os óculos” do capitalismo periférico, em que o monocultivo em larga escala e a concentração de riqueza são vistos como processos naturais; nada há que mudar. A outra visão engloba o modo de produção camponesa, a economia regional diversificada, a soberania alimentar, e que passou a ser sinônimo de resistência ao processo dominante.

Isso porque, nos últimos vinte anos, a divisão territorial se desequilibrou vertiginosamente. Na dissertação de mestrado São Paulo Agrário: representações da disputa territorial entre camponeses e ruralistas de 1988 a 2009, o autor Tiago Egídio Avanço Cubas* percorre a ampliação da violência, concentração de renda e da pobreza na maior parte das cidades analisadas, em decorrência da expansão do agronegócio.

Além do conjunto de mapas que representam a história recente da disputa pela terra no estado de São Paulo, o autor destaca também a ação da mídia corporativista como um braço forte do discurso agronegócio. Segundo Tiago, ela “trabalha unicamente com o território de relações capitalistas, como se fosse uma totalidade, assim reforçando sempre esta visão do mundo e apagando os mundos alternativos representados pelo territórios de relações da economia familiar”.

 Confira abaixo a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato – Cubas, como se dá na prática essa relação entre o desenvolvimento do agronegócio e o aumento da pobreza relativa no estado de São Paulo?

Tiago Egídio Avanço Cubas – Se dá justamente no modo mais agressivo de se expandir física e ideologicamente, que o agronegócio tem como essência. Usualmente o agronegócio é visto como a agricultura “modernizada, progressiva e visionária”, quando, de fato, é um sistema que soma a agricultura, o comércio e a indústria e que reduz o camponês a uma mercadoria que é facilmente descartada com o progresso de uma “tecnifi cação” dos processos. Observarmos ainda que dos 645 municípios paulistas cadastrados para mapeamento – no que tange os 22 anos do estudo (1988-2009) – , apenas 228 municípios conseguiram amenizar a intensidade da pobreza. O restante, ou 417 municípios, praticamente dois terços dos municípios paulistas sofreram com o aumento da intensidade da pobreza.

Brasil de Fato – Em quais áreas do estado e a partir de quais culturas essa relação se dá de forma mais forte?A que você atribui o desenvolvimento da cana-de-açúcar no interior do estado, especialmente na região da Alta Mogiana?

Tiago Egídio Avanço Cubas – A monocultura da cana-de-açúcar é a que transmite os valores atuais do capitalismo agrário paulista através da expansão indiscriminada de todo o aparato que envolve a mesma. Tradicionalmente a produção dessa cultura ocupou a região da Alta Mogiana (com destaque para a mesorregião de Ribeirão Preto) que até o fim da década de 1990 era a base nacional do agronegócio da laranja.

Em relação à cultura da laranja, as famílias camponesas, desde a década de 1980 têm sido descapitalizadas e desterritorializadas da terra e da informação. Elas têm sofrido com o fechamento do território do capital em “condomínios” (formas de controle político e econômico por parte das empresas capitalistas) e grande parte desse território perdido compreende os próprios camponeses citricultores.

Na década de 1990, a implementação da verticalização da produção foi intensificada, diminuindo a participação do campesinato citricultor no processo produtivo. Somente nessa década o número de citricultores caiu em quase dois terços. As políticas públicas a favor da agroindústria de açúcar e etanol foram acompanhadas pelas políticas compensatórias e assistencialistas ao invés de políticas emancipatórias para os camponeses. Assim, os usineiros e fazendeiros de São Paulo conseguiram repassar ao longo do tempo toda responsabilidade relacionada à questão social para o Estado, ao mesmo tempo que apoiaram reformas neoliberais. Antes disso, também por meio do apoio ao golpe militar e da utilização de jagunços, lograram diminuir a capacidade do Estado em funcionar sem seu aval.

Brasil de Fato – O desenvolvimento do agronegócio no interior do estado de São Paulo afeta a economia regional no que se refere ao índice de emprego e a concentração de renda da população?

Tiago Egídio Avanço Cubas – Afeta sim. A renda apropriada pelos 10% mais ricos da população se acirra nas regiões do Pontal do Paranapanema (principalmente em Presidente Prudente e parte de Araçatuba) e da Alta Mogiana (principalmente em Ribeirão Preto e parte de Campinas e Araraquara); mesmas regiões que sofrem com o aumento intenso do agronegócio sucroalcooleiro.

Em 1991, 23% dos municípios do estado tinham a apropriação de 40 a 44% da renda do município para os 10% mais ricos. Esse número chega, em 2000, com a mesma amplitude de concentração (40 a 44% da renda) nos 10% mais ricos para quase 30% dos municípios em 2000.

E não é somente a renda, mas também a concentração fundiária que afeta a fl uidez das relações campo-cidade. No Censo Agropecuário [do IBGE] de 1995, as propriedades acima de 200 hectares contabilizaram 61% (10.659.891 hectares) do total do território, e as propriedades igual ou abaixo de 200 hectares 39% (6.709.313 hectares).

Já no Censo Agropecuário de 2006, as propriedades acima de 200 hectares contabilizaram 71% (14.332.546 hectares) do total, e as propriedades igual ou abaixo de 200 hectares com 29% (5.840.727 hectares). Isso reflete que concentração de renda e terras caminham lado a lado quando estudamos o campo paulista, e isso gera a marginalização das populações mais vulneráveis.

A “equalização por baixo” é mais uma das mazelas, que se desdobra no fetiche do desemprego travestido de “trabalho flexível” ou “trabalho temporário”. Isso remete diretamente aos trabalhadores rurais – camponeses com terra ou sem-terra, desterritorializados de sua terra, mas não da ideia do valor de ter seu próprio território – oprimidos por essa lógica degradante, que infere tanto nas migrações entre estados, nos trabalhadores sazonais, quanto na realidade de um assentado que convive em tempo integral com a especulação opressiva do capitalismo agrário. 

São, então, as assentados que se sentem sem outra opção senão arrendar seu lote para o plantio da cana e sua força de trabalho para a corte nas fazendas controladas pelo agronegócio. O processo de deterioração social também é evidente em muitas pesquisas sobre trabalho análogo a escravidão, e patologias mentais e físicas relacionadas aos homens e mulheres presos na lógica da atividade sucroalcooleira.

Brasil de Fato – Políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera são capazes de impulsionar uma situação emancipatória dos camponeses do estado?

Tiago Egídio Avanço Cubas – Emancipatório, esse é um conceito fundamental para o campesinato brasileiro e paulista hoje; criar possibilidades de políticas públicas emancipatórias que permitam através de um mercado não-capitalista a sua reprodução, e assim a (re)invenção (na luta) do sujeito camponês nos seus territórios.
Essas políticas são alguns passos rumo ao fortalecimento do território imaterial do campesinato perante a sua própria resistência e estabelecimento, e perante o Estado e a sociedade.

Entretanto, vamos começar com a situação do agronegócio. Para 2011/12 serão destinados no Plano Agrícola da Agricultura e da Pecuária R$ 107,21 bilhões. Isso revela um aumento de 7,2% em relação ao plano passado. O que justifica o que dizemos até então é mostrar que segundo o Ministério da Agricultura, essa linha de crédito tem a intenção de renovar os canaviais brasileiros, com destaque para o incentivo a própria cana-de-açúcar, além da laranja e da pecuária. Para esse plano não existe limite de crédito por estado.

Já para o Plano Safra do Agricultor Familiar de 2011/12, que é para o campesinato, muito em assentamentos, temos um investimento total de R$ 16,2 bilhões. O foco desse plano é incentivar a produção de alimentos, os que principalmente fazem parte da alimentação tradicional do brasileiro como arroz, feijão, milho e mandioca. 

Um braço importante do Plano Safra do Agricultor Familiar é o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). É muito pouco quando observamos no “milagre da criatividade do modo de vida camponês” a quantidade de alimentos que esse setor produz: de acordo com o Censo Agropecuário de 2006, são 70% dos alimentos em 24% das terras utilizadas.

Brasil de Fato – O estudo também mostra que nos locais onde o agronegócio se instala cresce a violência contra camponeses?

Tiago Egídio Avanço Cubas – No período de 2000 a 2009, período da alavanca da expansão do agronegócio sucroalcooleiro no estado (CPT, 2010), tivemos uma série oficial de ameaças de morte, tentativas de assassinato e assassinatos por todo o estado, registrado em diversos municípios como: Mirante do Paranapanema (9 tentativas de assassinato e 7 ameaças de morte); Presidente Epitácio (13 tentativas de assassinato e 1 ameaça de morte); Sandovalina (8 tentativas de assassinato e 1 ameaça de morte); e por aí vai.

Isso sem contar as violências dos contratos trabalhistas, violências relacionadas a castigos físicos e psicológicos contra trabalhadores rurais, entre outras. Quanto maior o grau de pobreza e miséria, e mais à míngua a burguesia agrária procura manter os camponeses assentados e sem-terra.

Brasil de Fato – Como você analisa a naturalização da violência contra as ocupações de terra por parte da mídia? E a relação entre a elite agrária e as mídias locais?

Tiago Egídio Avanço Cubas – O Oeste Notícias pertence ao Grupo de Comunicação Paulo Lima, coordenado pelo próprio Paulo Lima, proprietário da TV Fronteira (Filial da Rede Globo) e fi lho de Agripino Lima (ex-prefeito de Presidente Prudente, proprietário da maior universidade particular da região e latifundiário ligado a UDR – União Democrática Ruralista).

O Imparcial tem como seus proprietários atuais, Mário Peretti, Adelmo Vaballi e Deodato Silva, proprietários que fazem parte da elite histórica da cidade. Em nossas análises, esses dois jornais regionais com sede em Presidente Prudente, observamos a íntima ligação entre os proprietários dos jornais e o conteúdo das notícias que revelaram uma memória histórica dos dominadores.

Temos o território de relações capitalistas e os territórios de relações da economia familiar, em que concorrem conceitualmente segurança alimentar versus soberania alimentar, desenvolvimento sustentável versus diversidade produtiva, modo de produção e vida capitalista versus modo de produção e vida camponesa.

A mídia corporativa não utiliza tais termos e trabalha unicamente com o território de relações capitalistas, como se fosse uma totalidade, assim reforçando sempre esta visão do mundo e apagando os mundos alternativos representados pelo territórios de relações da economia familiar.

Como o território capitalista está longe de ser somente uma entidade material, ele penetra nas instituições culturais da sociedade e se reproduz social e culturalmente. Dessa forma, a imprensa passa a ter a funcionalidade de um braço do território capitalista.

http://www.brasildefato.com.br/node/11412
17/12/2012
Tiago Egídio Avanço Cubas pertence ao Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (NERA) da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

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