Estudo traça consequências socioeconômicas da
expansão do agronegócio no estado de São Paulo
Aline
Scarso, da Redação
Tiago Egídio Avanço Cubas |
Agronegócio e agricultura camponesa. A luta por
território vai além do mero conceito material. Ela envolve visões de mundo. Uma
“usa os óculos” do capitalismo periférico, em que o monocultivo em larga escala
e a concentração de riqueza são vistos como processos naturais; nada há que
mudar. A outra visão engloba o modo de produção camponesa, a economia regional diversificada,
a soberania alimentar, e que passou a ser sinônimo de resistência ao processo
dominante.
Isso porque, nos últimos vinte anos, a divisão
territorial se desequilibrou vertiginosamente. Na dissertação de mestrado São
Paulo Agrário: representações da disputa territorial entre camponeses e
ruralistas de 1988 a 2009, o autor Tiago Egídio Avanço Cubas* percorre a
ampliação da violência, concentração de renda e da pobreza na maior parte das
cidades analisadas, em decorrência da expansão do agronegócio.
Além do conjunto de mapas que representam a história recente da disputa pela terra no estado de São Paulo, o autor destaca também a ação da mídia corporativista como um braço forte do discurso agronegócio. Segundo Tiago, ela “trabalha unicamente com o território de relações capitalistas, como se fosse uma totalidade, assim reforçando sempre esta visão do mundo e apagando os mundos alternativos representados pelo territórios de relações da economia familiar”.
Confira abaixo a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato – Cubas, como se dá na prática essa
relação entre o desenvolvimento do agronegócio e o aumento da pobreza
relativa no estado de São Paulo?
Tiago Egídio Avanço Cubas – Se dá justamente no modo mais
agressivo de se expandir física e ideologicamente, que o agronegócio tem como
essência. Usualmente o agronegócio é visto como a agricultura “modernizada,
progressiva e visionária”, quando, de fato, é um sistema que soma a
agricultura, o comércio e a indústria e que reduz o camponês a uma mercadoria
que é facilmente descartada com o progresso de uma “tecnifi cação” dos
processos. Observarmos ainda que dos 645 municípios paulistas cadastrados para
mapeamento – no que tange os 22 anos do estudo (1988-2009) – , apenas 228
municípios conseguiram amenizar a intensidade da pobreza. O restante, ou 417
municípios, praticamente dois terços dos municípios paulistas sofreram com o
aumento da intensidade da pobreza.
Brasil de Fato – Em quais áreas do estado e a
partir de quais culturas essa relação se dá de forma mais forte?A que você
atribui o desenvolvimento da cana-de-açúcar no interior do estado,
especialmente na região da Alta Mogiana?
Tiago Egídio Avanço Cubas – A monocultura da cana-de-açúcar é
a que transmite os valores atuais do capitalismo agrário paulista através da
expansão indiscriminada de todo o aparato que envolve a mesma. Tradicionalmente
a produção dessa cultura ocupou a região da Alta Mogiana (com destaque para a
mesorregião de Ribeirão Preto) que até o fim da década de 1990 era a base
nacional do agronegócio da laranja.
Em relação à cultura da laranja, as famílias
camponesas, desde a década de 1980 têm sido descapitalizadas e
desterritorializadas da terra e da informação. Elas têm sofrido com o
fechamento do território do capital em “condomínios” (formas de controle
político e econômico por parte das empresas capitalistas) e grande parte desse
território perdido compreende os próprios camponeses citricultores.
Na década de 1990, a implementação da
verticalização da produção foi intensificada, diminuindo a participação do
campesinato citricultor no processo produtivo. Somente nessa década o número de
citricultores caiu em quase dois terços. As políticas públicas a favor da
agroindústria de açúcar e etanol foram acompanhadas pelas políticas
compensatórias e assistencialistas ao invés de políticas emancipatórias para os
camponeses. Assim, os usineiros e fazendeiros de São Paulo conseguiram repassar
ao longo do tempo toda responsabilidade relacionada à questão social para o
Estado, ao mesmo tempo que apoiaram reformas neoliberais. Antes disso, também
por meio do apoio ao golpe militar e da utilização de jagunços, lograram
diminuir a capacidade do Estado em funcionar sem seu aval.
Brasil de Fato – O desenvolvimento do agronegócio
no interior do estado de São Paulo afeta a economia regional no que se refere
ao índice de emprego e a concentração de renda da população?
Tiago Egídio Avanço Cubas – Afeta sim. A renda apropriada
pelos 10% mais ricos da população se acirra nas regiões do Pontal do
Paranapanema (principalmente em Presidente Prudente e parte de Araçatuba) e da
Alta Mogiana (principalmente em Ribeirão Preto e parte de Campinas e
Araraquara); mesmas regiões que sofrem com o aumento intenso do agronegócio
sucroalcooleiro.
Em 1991, 23% dos municípios do estado tinham a
apropriação de 40 a 44% da renda do município para os 10% mais ricos. Esse
número chega, em 2000, com a mesma amplitude de concentração (40 a 44% da
renda) nos 10% mais ricos para quase 30% dos municípios em 2000.
E não é somente a renda, mas também a concentração
fundiária que afeta a fl uidez das relações campo-cidade. No Censo Agropecuário
[do IBGE] de 1995, as propriedades acima de 200 hectares contabilizaram 61%
(10.659.891 hectares) do total do território, e as propriedades igual ou abaixo
de 200 hectares 39% (6.709.313 hectares).
Já no Censo Agropecuário de 2006, as propriedades
acima de 200 hectares contabilizaram 71% (14.332.546 hectares) do total, e as
propriedades igual ou abaixo de 200 hectares com 29% (5.840.727 hectares). Isso
reflete que concentração de renda e terras caminham lado a lado quando
estudamos o campo paulista, e isso gera a marginalização das populações mais
vulneráveis.
A “equalização por baixo” é mais uma das mazelas,
que se desdobra no fetiche do desemprego travestido de “trabalho flexível” ou
“trabalho temporário”. Isso remete diretamente aos trabalhadores rurais –
camponeses com terra ou sem-terra, desterritorializados de sua terra, mas não
da ideia do valor de ter seu próprio território – oprimidos por essa lógica degradante,
que infere tanto nas migrações entre estados, nos trabalhadores sazonais,
quanto na realidade de um assentado que convive em tempo integral com a
especulação opressiva do capitalismo agrário.
São, então, as assentados que se
sentem sem outra opção senão arrendar seu lote para o plantio da cana e sua
força de trabalho para a corte nas fazendas controladas pelo agronegócio. O
processo de deterioração social também é evidente em muitas pesquisas sobre
trabalho análogo a escravidão, e patologias mentais e físicas relacionadas aos
homens e mulheres presos na lógica da atividade sucroalcooleira.
Brasil de Fato – Políticas como o Programa de
Aquisição de Alimentos – PAA e o Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária – Pronera são capazes de impulsionar uma situação emancipatória dos
camponeses do estado?
Tiago Egídio Avanço Cubas – Emancipatório, esse é um conceito
fundamental para o campesinato brasileiro e paulista hoje; criar possibilidades
de políticas públicas emancipatórias que permitam através de um mercado
não-capitalista a sua reprodução, e assim a (re)invenção (na luta) do sujeito
camponês nos seus territórios.
Essas políticas são alguns passos rumo ao
fortalecimento do território imaterial do campesinato perante a sua própria
resistência e estabelecimento, e perante o Estado e a sociedade.
Entretanto, vamos começar com a situação do
agronegócio. Para 2011/12 serão destinados no Plano Agrícola da Agricultura e
da Pecuária R$ 107,21 bilhões. Isso revela um aumento de 7,2% em relação ao
plano passado. O que justifica o que dizemos até então é mostrar que segundo o
Ministério da Agricultura, essa linha de crédito tem a intenção de renovar os
canaviais brasileiros, com destaque para o incentivo a própria cana-de-açúcar,
além da laranja e da pecuária. Para esse plano não existe limite de crédito por
estado.
Já para o Plano Safra do Agricultor Familiar de
2011/12, que é para o campesinato, muito em assentamentos, temos um
investimento total de R$ 16,2 bilhões. O foco desse plano é incentivar a produção
de alimentos, os que principalmente fazem parte da alimentação tradicional do
brasileiro como arroz, feijão, milho e mandioca.
Um braço importante do Plano
Safra do Agricultor Familiar é o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf). É muito pouco quando observamos no “milagre da
criatividade do modo de vida camponês” a quantidade de alimentos que esse setor
produz: de acordo com o Censo Agropecuário de 2006, são 70% dos alimentos
em 24% das terras utilizadas.
Brasil de Fato – O estudo também mostra que nos
locais onde o agronegócio se instala cresce a violência contra camponeses?
Tiago Egídio Avanço Cubas – No período de 2000 a 2009,
período da alavanca da expansão do agronegócio sucroalcooleiro no estado (CPT,
2010), tivemos uma série oficial de ameaças de morte, tentativas de
assassinato e assassinatos por todo o estado, registrado em diversos
municípios como: Mirante do Paranapanema (9 tentativas de assassinato e 7
ameaças de morte); Presidente Epitácio (13 tentativas de assassinato e 1 ameaça
de morte); Sandovalina (8 tentativas de assassinato e 1 ameaça de morte); e por
aí vai.
Isso sem contar as violências dos contratos trabalhistas, violências
relacionadas a castigos físicos e psicológicos contra trabalhadores rurais, entre
outras. Quanto maior o grau de pobreza e miséria, e mais à míngua a burguesia
agrária procura manter os camponeses assentados e sem-terra.
Brasil de Fato – Como você analisa a naturalização
da violência contra as ocupações de terra por parte da mídia? E a relação entre
a elite agrária e as mídias locais?
Tiago Egídio Avanço Cubas – O Oeste Notícias pertence
ao Grupo de Comunicação Paulo Lima, coordenado pelo próprio Paulo Lima,
proprietário da TV Fronteira (Filial da Rede Globo) e fi lho de Agripino Lima
(ex-prefeito de Presidente Prudente, proprietário da maior universidade
particular da região e latifundiário ligado a UDR – União Democrática
Ruralista).
O Imparcial tem como seus proprietários
atuais, Mário Peretti, Adelmo Vaballi e Deodato Silva, proprietários que fazem
parte da elite histórica da cidade. Em nossas análises, esses dois jornais
regionais com sede em Presidente Prudente, observamos a íntima ligação entre os
proprietários dos jornais e o conteúdo das notícias que revelaram uma memória histórica
dos dominadores.
Temos o território de relações capitalistas e os
territórios de relações da economia familiar, em que concorrem conceitualmente
segurança alimentar versus soberania alimentar, desenvolvimento
sustentável versus diversidade produtiva, modo de produção e vida
capitalista versus modo de produção e vida camponesa.
A mídia corporativa não utiliza tais termos e
trabalha unicamente com o território de relações capitalistas, como se fosse
uma totalidade, assim reforçando sempre esta visão do mundo e apagando os
mundos alternativos representados pelo territórios de relações da economia
familiar.
Como o território capitalista está longe de ser
somente uma entidade material, ele penetra nas instituições culturais da
sociedade e se reproduz social e culturalmente. Dessa forma, a imprensa passa a
ter a funcionalidade de um braço do território capitalista.
http://www.brasildefato.com.br/node/11412
17/12/2012
Tiago
Egídio Avanço Cubas pertence ao Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária
(NERA) da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Nenhum comentário:
Postar um comentário