No dia 24 de janeiro de 2003 o maestro do Canão
deixava nosso mundo. Ele seria, no dia seguinte, a atração surpresa em uma das
atividades do Fórum Social Mundial, onde nascia o jornal Brasil de Fato
José Francisco Neto e Jorge Américo (Brasil de
Fato) Igor Carvalho (Revista Fórum) da Reportagem
O rapper paulistano Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage. Foto: 13 Produções |
Na altura do número 3.100 da Avenida Água
Espraiada, no Brooklin, zona sul de São Paulo, uma porta de madeira é o elo
entre a imagem projetada pelo poeta e a realidade.
Ali, na apertada, acanhada,
acolhedora e mística favela do Canão, um corredor de aproximadamente 20 metros
é o que liga todas as casas e serve de passagem aos moradores. No final dele,
quatro jovens balançam o corpo ao som de País da fome, um dos sucessos
musicais de Mauro Mateus dos Santos, o Maurinho, ou Sabotage.
O amor de Sabotage a sua comunidade o colocou no
patamar de Alberto Caeiro, pseudônimo de Fernando Pessoa. Se o rio Tejo não é
mais belo que o rio que corre pela aldeia do poeta português, também não há
melhor lugar que a Favela do Canão. Com a força de sua música, Sabotage fez o pequeno
vilarejo onde vivem 18 famílias ser quase tão conhecido quanto a Favela da
Rocinha, com seus 70 mil habitantes.
Considerado uma lenda no movimento Hip Hop,
Sabotage começou a carreira em 1998, fazendo parcerias com o grupo RZO
[Rapaziada da Zona Oeste]. A partir daí, com estilo próprio de cantar e
criatividade nas composições, o músico disparou até chegar às telas do cinema
nacional. Participou do filme O Invasor (2001), de Beto Brant, e também de
Estação Carandiru (2003), de Hector Babenco.
Sabotage ganhou, no final de 2002, o Prêmio Hutus
como revelação do ano e personalidade do movimento Hip Hop. No entanto, a
ascensão meteórica foi interrompida por quatro disparos à queima-roupa há dez
anos. “Eu lembro até hoje o que o repórter falou na televisão: ‘Mauro Mateus
dos Santos, conhecido como Sabotage, foi assassinado hoje por volta das seis da
manhã’, lembra Wanderson Rocha, o Sabotinha, de 20 anos, filho mais velho do
cantor.
Wanderson Rocha (Sabotinha) e Tamires Rocha, filhos de Sabotage.
Foto: Douglas Pereira Gomes
|
A filha do meio, Tamires Rocha, embora tivesse oito
anos de idade, ainda recorda com detalhes aquela manhã do dia 24 de janeiro de
2003. Ela conta que estava junto de seu irmão se arrumando para ir à escola.
“Foi aí que um vizinho nosso, o Diego, bateu na porta da nossa casa e disse que
minha mãe tinha ligado e que era pra gente não sair. Foi quando, na televisão,
falou ‘Sabotage’. O pai do Diego desligou a TV e falou pra gente subir para o
quarto. Só que a televisão do quarto estava ligada, aí ouvimos a notícia. Meu
pai tinha sido baleado”, lamenta Tamires.
Na data em que sofreu o atentado, Sabotage viajaria
para Porto Alegre (RS), onde, no dia seguinte, seria atração surpresa em uma
das atividades do Fórum Social Mundial.
Coincidência ou não, no dia 25 de
janeiro, em meio aos anseios dos povos por transformações estruturais na
sociedade, nascia o jornal Brasil de Fato.
Exemplo
Chamado Maestro do Canão, Sabotage colecionou
afetos no lugar onde viveu. “Nossa comunidade passou a ser reconhecida depois
das músicas dele. Ele falava nossa realidade”, relata Tatiane Cristina, 32,
moradora do Canão e amiga do rapper desde a infância. “Ele nunca mudou o jeito
dele. Sempre foi humilde”, conta Lucilene Santos Almeida, que cuida do único
comércio do local, um boteco. “Eu vi ele escrevendo a música Respeito é pra
quem tem. Nossa, Maurinho era foda, chega até a arrepiar”, diz emocionada Vilma
Maria, 33, que diz se sentir privilegiada pelo legado que Sabotage deixou à
comunidade. “As crianças hoje em dia levam como exemplo as músicas dele. A
gente também mudou bastante. A gente leva o que ele deixou no coração como
exemplo, e vamos passando para as nossas crianças”, diz.
Maria Dalva, viúva do rapper, faz papel dobrado na
educação dos filhos. Preocupada com o futuro de Wanderson, Tamires e Larissa,
ela enaltece a importância do exemplo deixado pelo marido. “Sempre tem alguém
oferecendo um caminho errado, e nessas coisas de rua e de crime o pai sempre é
mais ouvido do que a mãe. Então eu não sabia, muitas vezes, como resolver isso.
Mas graças a Deus nunca aconteceu nada. A maior herança que ele deixou para os
filhos é a imagem dele”, desabafa.
Sabota Versátil
O cabelo espetado – inspirado no rapper americano
Coolie –, o flow (estilo melódico) peculiar, a paquera com o cinema e o
linguajar típico da malandragem transformaram Sabotage em uma personalidade
insubstituível no rap. Mas o que mais chamou atenção em seu trabalho foi a
versatilidade e a capacidade de dialogar com outros ritmos musicais.
Tais qualidades são destacadas pelo documentarista
Ivan Vale Ferreira, que vem trabalhando no documentário Sabotage, o maestro do
Canão, que retrata a vida e carreira do rapper.
Ferreira compara a morte de Sabotage com a de
renomados artistas. Para ele, Maurinho, como era conhecido entre os amigos,
tinha muito a doar para a música brasileira. “Pra mim é como se ele fosse
Cássia Eller, Chico Science, pessoas que morreram no auge da carreira. Essa
talvez seja a maior falta que ele faz, por ter pensado muito em fazer coisas
diferentes e não ter tido tempo sufi ciente para realizar. A música nacional
foi quem mais perdeu”, ressalta.
O documentário, que sairá pela 13 Produções,
tem previsão de ser lançado ainda neste semestre e trará depoimentos de
diversos músicos e pessoas ligadas a ele. O objetivo, segundo Ferreira, é
demonstrar “a importância desse artista que misturou estilos e se tornou uma
lenda após sua morte."
Mais sobre o assunto:
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/11720
24/01/2013
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