Nesta publicação especial do mês de janeiro de 2013 que denominamos “O Universo
Afro-Indigenista”, na qual consiste numa coletânea textos que, apontam para
alguns elementos que contribuirá para repensarmos a história e a cultura dos
índios e dos negros sem preconceitos e saberes baseados em formulações
etnocêntricas.
Pois, os referidos povos contribuíram de forma potencial para a construção do Brasil; e assim sendo, não podemos admitir que se fragmente ou generalize as memórias deste povos, pelo contrário é preciso que ao se discutir a história e a cultura deles sejamos conhecedor e sensível para que possamos construir conhecimentos sólidos e desmistificadores. E partir de então, sejamos capazes de abominar manuais que privilegiam uma memória totalizante em que o homem branco tem papel fundamental, cabendo às chamadas minorias raciais, a saber, índios, negros, ciganos, asiáticos, etc., visões estereotipadas, voltadas para a manutenção de seus papéis sociais.
Porém, o material que disponibilizaremos uns tem caráter meramente informativo, portanto, não se constitui em referencial teórico acadêmico. Mas, dentre tantos textos, existem também os que primam e tem uma conotação acadêmica. Acreditamos piamente, estar instigando o leitor a repensar as relações étnico-raciais e ver o outro com respeito e dignidade. E, sobretudo, dando-lhe munição para rebater modelos de ensino-aprendizagem ultrapassados, além de propostas e metodologias que apontam a existência de culturas superiores e inferiores.
Enfim, a todos os povos do mundo inteiro que ao longo de 2012, estiveram na companhia deste incansável escriba através do BLOG CECHAIB-MACAU, desejamos um ano de 2013 de muitas consquistas e felicidades, e que continuemos juntos difundindo essa ideia mundo afora. E assim sendo, devemos sempre acreditar que, para vivermos em comunhão e sintonia com o outro é preciso respeitar, ser tolerante e entender melhor as diferenças culturais, os grupos sociais, e sobretudo, ter a alma limpa e pura, e não esquecer nunca que, a história, a arte e a vida é parte de cada um de nós.
TEXTO 01
Pois, os referidos povos contribuíram de forma potencial para a construção do Brasil; e assim sendo, não podemos admitir que se fragmente ou generalize as memórias deste povos, pelo contrário é preciso que ao se discutir a história e a cultura deles sejamos conhecedor e sensível para que possamos construir conhecimentos sólidos e desmistificadores. E partir de então, sejamos capazes de abominar manuais que privilegiam uma memória totalizante em que o homem branco tem papel fundamental, cabendo às chamadas minorias raciais, a saber, índios, negros, ciganos, asiáticos, etc., visões estereotipadas, voltadas para a manutenção de seus papéis sociais.
Porém, o material que disponibilizaremos uns tem caráter meramente informativo, portanto, não se constitui em referencial teórico acadêmico. Mas, dentre tantos textos, existem também os que primam e tem uma conotação acadêmica. Acreditamos piamente, estar instigando o leitor a repensar as relações étnico-raciais e ver o outro com respeito e dignidade. E, sobretudo, dando-lhe munição para rebater modelos de ensino-aprendizagem ultrapassados, além de propostas e metodologias que apontam a existência de culturas superiores e inferiores.
Enfim, a todos os povos do mundo inteiro que ao longo de 2012, estiveram na companhia deste incansável escriba através do BLOG CECHAIB-MACAU, desejamos um ano de 2013 de muitas consquistas e felicidades, e que continuemos juntos difundindo essa ideia mundo afora. E assim sendo, devemos sempre acreditar que, para vivermos em comunhão e sintonia com o outro é preciso respeitar, ser tolerante e entender melhor as diferenças culturais, os grupos sociais, e sobretudo, ter a alma limpa e pura, e não esquecer nunca que, a história, a arte e a vida é parte de cada um de nós.
POVOS E CULTURAS INDÍGENAS NO BRASIL: Superar desinformações, equívocos e preconceitos.[1]
Edson Silva[2]
O que sabemos sobre os índios no Brasil? A dúvida
ou a resposta negativa a essa pergunta é ouvida da imensa maioria da população,
na escola e até mesmo na universidade. Porém, estima - se que no Brasil existem
225 povos indígenas que falam 180 línguas distintas, contabilizando uma
população com 550.438 indivíduos (Prezia e Hoornaert, 2000), que habitam todas
as regiões do Brasil. Essa totalização inclui, segundo dados do IBGE/99, cerca
de 900 indígenas que são pertencentes a povos não contactados habitantes
principalmente em algumas localidades da Região Norte.
O desconhecimento sobre a situação atual dos povos indígenas está associado basicamente à imagem do índio que é tradicionalmente veiculada pela mídia: um índio genérico com um biotipo formado por características correspondentes aos indivíduos de povos nativos habitantes na Região Amazônica e no Xingu, com cabelos lisos, pinturas corporais e abundantes adereços de penas, nus, moradores das florestas, de culturas exóticas etc. Ou também imortalizados pela literatura romântica produzida no Século XIX, como nos livros de José de Alencar, onde são apresentados índios belos e ingênuos, ou valentes guerreiros e ameaçadores canibais, ou seja, “bárbaros, bons selvagens e heróis” (Silva, 1994).
O desconhecimento sobre a situação atual dos povos indígenas está associado basicamente à imagem do índio que é tradicionalmente veiculada pela mídia: um índio genérico com um biotipo formado por características correspondentes aos indivíduos de povos nativos habitantes na Região Amazônica e no Xingu, com cabelos lisos, pinturas corporais e abundantes adereços de penas, nus, moradores das florestas, de culturas exóticas etc. Ou também imortalizados pela literatura romântica produzida no Século XIX, como nos livros de José de Alencar, onde são apresentados índios belos e ingênuos, ou valentes guerreiros e ameaçadores canibais, ou seja, “bárbaros, bons selvagens e heróis” (Silva, 1994).
Já na Escola, de um modo geral, o índio é lembrado,
afora o primeiro momento do “Descobrimento” em 1500, no início da Colonização e
no rosário das datas comemorativas no “Dia do Índio”, quando comumente as
crianças das primeiras séries do Ensino Fundamental, são enfeitadas a
semelhança de indígenas que habitam os Estados Unidos, e estimuladas a
reproduzirem seus gritos de guerra! Até recentemente nos estudos da História do
Brasil, o lugar do índio era na “formação” da chamada nacionalidade brasileira.
Depois de desaparecer nos textos dos livros didáticos, o índio voltaria a ser lembrado nos estudos da Literatura da época do Romantismo no Brasil. O índio até bem pouco tempo estudado na História do Brasil ou em Estudos Sociais era único, “Tupi Guarani” em todas as “tribos”, morava em “ocas” e “tabas”, era antropófago, preguiçoso e existente apenas no Xingu ou em remotas regiões do Norte do país. A desinformação, os equívocos e os pré-conceitos que motivam a violência cultural contra os povos indígenas, resultam das ideias eurocêntricas de “civilização”, do etnocentrismo cultural e da concepção evolucionista da História, onde, no presente, os indígenas são classificados como “primitivos”, possuidores de expressões culturais exóticas ou folclóricas ainda preservadas, mas que determinadas a serem engolidas pelo “progresso” da nossa sociedade capitalista.
Depois de desaparecer nos textos dos livros didáticos, o índio voltaria a ser lembrado nos estudos da Literatura da época do Romantismo no Brasil. O índio até bem pouco tempo estudado na História do Brasil ou em Estudos Sociais era único, “Tupi Guarani” em todas as “tribos”, morava em “ocas” e “tabas”, era antropófago, preguiçoso e existente apenas no Xingu ou em remotas regiões do Norte do país. A desinformação, os equívocos e os pré-conceitos que motivam a violência cultural contra os povos indígenas, resultam das ideias eurocêntricas de “civilização”, do etnocentrismo cultural e da concepção evolucionista da História, onde, no presente, os indígenas são classificados como “primitivos”, possuidores de expressões culturais exóticas ou folclóricas ainda preservadas, mas que determinadas a serem engolidas pelo “progresso” da nossa sociedade capitalista.
500 anos, outras histórias: a história
indígena.
Como nos
últimos anos os estudos históricos têm passado por uma ampla renovação, o lugar
dos povos indígenas na História também está sendo revisto. O “Descobrimento”
passou a ser discutido como resultado do processo de expansionismo europeu no
século XVI, através da Colonização do chamado “Novo Mundo”, onde os muitos
diferentes povos e culturas das consideradas “terras descobertas”, se
confrontaram com o violento processo das invasões dos seus territórios e da
imposição cultural do colonizador. Os atuais estudos sobre os povos indígenas
têm revelado, além da antiguidade da presença desses povos, a grande
diversidade e pluralidade das sociedades nativas encontradas pelos
colonizadores.
Tendo sido superado o etnocentrismo que condicionava as informações e referências anteriores, as pesquisas atuais vêm descobrindo a complexidade e a especificidade dos povos indígenas, seus projetos políticos, as relações decorrentes com a Colonização, as estratégias da resistência indígena etc..
Tendo sido superado o etnocentrismo que condicionava as informações e referências anteriores, as pesquisas atuais vêm descobrindo a complexidade e a especificidade dos povos indígenas, seus projetos políticos, as relações decorrentes com a Colonização, as estratégias da resistência indígena etc..
A Colonização deixou de ser vista como um movimento
único, linear, de puro e simplesmente extermínio dos povos considerados
passivos, submissos, impotentes, mas sim como um complexo jogo de relações,
embates, negociações e conflitos, desde a chegada dos primeiros europeus no
século XVI até os dias atuais, onde povos foram exterminados brutalmente, e
outros elaboraram diferentes estratégias para sobreviverem até os dias de hoje.
O “desaparecimento” dos povos indígenas
No século XIX, nas regiões mais antigas da
colonização portuguesa a exemplo do Nordeste, agravam-se os conflitos entre as
Câmaras Municipais, onde encastelavam-se os vereadores latifundiários e
fazendeiros contra os indígenas. O Estado Brasileiro favoreceu esses grandes
proprietários, chefes políticos locais, que passaram a negar a presença
indígena em terras dos antigos aldeamentos, com argumentos da ausência da
pureza racial, afirmando que os índios estavam “confundidos com a massa da
população” (Silva, 1996), solicitando a extinção dos aldeamentos como forma de
resolver os tradicionais conflitos com as invasões dos territórios indígenas.
Assumindo o discurso dos grandes proprietários, entre 1860-1880, o Governo
Imperial decreta oficialmente a extinção dos aldeamentos em várias regiões do
país.
Pela legislação da época, as terras dos aldeamentos deveriam ser medidas, demarcadas e loteadas em tamanhos diferentes, destinados à parte das famílias indígenas existentes no local. Nesse processo, além de serem reconhecidas as posses em domínio dos grandes proprietários invasores, a lei previa ainda a remoção de famílias indígenas que ficassem fora da partilha dos lotes, para outras aldeias. No caso de Pernambuco, a semelhança de outros lugares, na documentação da época encontram-se diversos registros de indígenas reclamando que não receberam seus lotes a que tinham direito, ou que a medição favorecia o latifundiário invasor das terras dos aldeamentos.
Denúncias de violências, pressões e espancamentos contra os índios, multiplicaram-se em documentos da época. Muitas famílias se dispersaram, sem terras, fugindo às perseguições, vagavam nas estradas ou eram empregadas como trabalhadoras nas fazendas e engenhos. Outras deslocaram-se para locais de difícil acesso, onde sobreviveram e mantiveram vivas a consciência étnica e suas tradições. Oficialmente, eram tidos como “caboclos”, ou “remanescentes” de indígenas que tinham “desaparecido”, como referiam-se os livros e foi incorporado pelo senso comum.
Pela legislação da época, as terras dos aldeamentos deveriam ser medidas, demarcadas e loteadas em tamanhos diferentes, destinados à parte das famílias indígenas existentes no local. Nesse processo, além de serem reconhecidas as posses em domínio dos grandes proprietários invasores, a lei previa ainda a remoção de famílias indígenas que ficassem fora da partilha dos lotes, para outras aldeias. No caso de Pernambuco, a semelhança de outros lugares, na documentação da época encontram-se diversos registros de indígenas reclamando que não receberam seus lotes a que tinham direito, ou que a medição favorecia o latifundiário invasor das terras dos aldeamentos.
Denúncias de violências, pressões e espancamentos contra os índios, multiplicaram-se em documentos da época. Muitas famílias se dispersaram, sem terras, fugindo às perseguições, vagavam nas estradas ou eram empregadas como trabalhadoras nas fazendas e engenhos. Outras deslocaram-se para locais de difícil acesso, onde sobreviveram e mantiveram vivas a consciência étnica e suas tradições. Oficialmente, eram tidos como “caboclos”, ou “remanescentes” de indígenas que tinham “desaparecido”, como referiam-se os livros e foi incorporado pelo senso comum.
O ressurgimento dos povos indígenas
No início do
século XX, esses povos que oficialmente eram considerados “extintos”, mas que
de fato existiam e resistiam, iniciam a mobilização contemporânea pelo
reconhecimento étnico oficial e garantia mínima de terras para sobreviverem
diante das constantes perseguições dos latifundiários. No Nordeste foram
reconhecidos os Xukuru Kariri em Alagoas, e em Pernambuco os Fulniô, os
Pankararu, os Xukuru, com a instalação de postos do Serviço de Proteção ao
Índio – SPI, entre os anos de 1920 – 1950, em suas áreas indígenas.
Com o “milagre brasileiro” na década de 1970 e o
avanço dos projetos agroindustriais, as pressões sobre as terras indígenas
aumentaram, tanto as dos grupos reconhecidos oficialmente como as dos grupos
ainda não reconhecidos. Os povos indígenas no Nordeste pressionam a FUNAI para
obterem a garantia de seus direitos históricos, como está registrado por toda a
partir da década de 1980 com o ressurgimento dos grupos étnicos como os Pitaguary,
os Jenipapo Canindé, os Tabajara no Ceará; os Pipipã em
Pernambuco, os Kalancó e os Karuazu em Alagoas; os Tumbalalá e
os Tupinambá na Bahia. Fenômeno que vem ocorrendo também na Região Norte
e chamado de etnogênese pela reflexão antropológica atual.
A participação nas mobilizações e na vitoriosa
campanha da Constituinte e para a elaboração da Constituição Federal aprovada
em 1988, onde pela primeira vez na História do Brasil o Estado brasileiro
reconheceu os povos indígenas com seus costumes, tradições e a demarcação e
garantia de suas terras, por um lado, fortaleceu as lutas e reivindicações dos
direitos históricos desses povos, acirrando por outro lado, os antigos
conflitos, as violências e mortes provocadas pelos invasores das áreas
indígenas.
Resistência indígena nos 500 anos das
violências das coloniais
Diante das reações indígenas às invasões de suas
terras, as imposições coloniais, as diversas formas de violência contra os
povos indígenas, são marcas nesses 500 anos de Colonização. Ao longo da
História do Brasil, foram cometidas diversas formas de violências contra os
povos indígenas. Desde guerras, doenças transmitidas pelos colonizadores que
exterminaram aldeias inteiras, a escravidão, ameaças e perseguições, os
preconceitos, a violência cultural etc.
Ainda que pese a falta de um maior número de informações,
em virtude de muitas aldeias indígenas estarem localizadas em regiões de
difíceis comunicações, no período de janeiro a setembro de 2001, foram
contabilizados vários casos de agressões físicas, com invasões de domicílios,
abuso de autoridade, detenções ilegais, enfim diversas formas de violações dos
direitos dos povos indígenas.
Além disso, foram registradas 09 ameaças de morte, contra comunidades inteiras ou a indígenas, totalizando mais de três mil vítimas. Nesse período o CIMI registrou ainda nove casos de assassinatos de indígenas, totalizando 10 vítimas, onde pelo menos em dois casos (Xukuru/PE e Guarani-Kaiowá/ MS), as mortes estão estritamente relacionadas a conflitos de terras. Nesses crimes estão envolvidos além de policiais militares, jagunços a mando de fazendeiros e até autoridades municipais como um vice prefeito[3].
Além disso, foram registradas 09 ameaças de morte, contra comunidades inteiras ou a indígenas, totalizando mais de três mil vítimas. Nesse período o CIMI registrou ainda nove casos de assassinatos de indígenas, totalizando 10 vítimas, onde pelo menos em dois casos (Xukuru/PE e Guarani-Kaiowá/ MS), as mortes estão estritamente relacionadas a conflitos de terras. Nesses crimes estão envolvidos além de policiais militares, jagunços a mando de fazendeiros e até autoridades municipais como um vice prefeito[3].
Nas áreas mais antigas da Colonização, como é o
caso do Nordeste, nos conflitos provocados pelas invasões às terras das
aldeias, nos últimos anos, vários índios foram 5 Lacerda, 2001:133-141
assassinados, na “guerra” movida pelos
grandes latifundiários para manterem seus privilégios no campo. Em muitas
localidades, apesar dos povos indígenas serem reconhecidos pelo Estado, as
terras indígenas sequer estão demarcadas ou ainda não totalmente regularizadas,
e em todas elas ocorrem conflitos por causa de invasões por terceiros. Em todas
as áreas indígenas predomina o clima de tensão, em umas mais que em outras, os
conflitos fundiários são mais violentos onde já ocorreram mortes indígenas.
Além disso, a grande maioria da população indígena, tanto no Nordeste como em
outras áreas mais antigas da colonização, vive em estado de miséria.
As precárias condições de vida em razão de boa parte das terras mais férteis estarem invadidas por fazendeiros são agravadas em épocas de longas estiagens quando a seca, que provoca a migração de contingentes indígenas para os grandes centros humanos como São Paulo, onde vão em busca de melhores oportunidades de vida, passando a habitarem em favelas das periferias, sujeitos a violências urbanas. Recebendo a assistência governamental de forma deficiente, constata-se entre os povos indígenas no Nordeste, casos de tuberculose e doenças de chagas em adultos. A desidratação e a desnutrição são as principais causas da mortalidade infantil em Pernambuco[4]. No ano de 1997, o Brasil ficou marcado pelo cruel assassinato do índio Galdino Pataxó, morto queimado, enquanto dormia em um banco numa parada de ônibus, no “Dia do Índio”, em Brasília, onde tinha ido cobrar das autoridades providências para a demarcação das terras do seu povo no Sul da Bahia.
Vítima de “uma brincadeira” de 4 adolescentes da classe média do Distrito Federal que jogaram combustível e atearam fogo no corpo de Galdino. O ato brutal de violência colocou outra vez em debate as questões dos direitos, os preconceitos e as omissões da política indigenista do Governo diante das agressões contra os povos indígenas no país. Se o país escandalizou-se com a crueldade do assassinato de Galdino Pataxó, outro assassinato em tempos mais recentes provocou grandes repercussões no Brasil e no exterior. Em 20 de maio de 1998, Francisco de Assis Araújo, o Cacique Xicão foi assassinado em Pesqueira, com 6 tiros por um desconhecido que fugiu. Xicão tornara-se, nos últimos anos, uma expressiva liderança do povo Xukuru nas exigências para demarcação das terras do seu povo, nas lutas pelas conquistas e garantias dos direitos indígenas.
Reconhecido também pela liderança na organização dos povos indígenas no Nordeste e no movimento indígena no Brasil. Xicão, há mais de 10 anos, recebia ameaças de morte, denunciadas às autoridades públicas, tendo escapado de diversas emboscadas e tentativas de assassinato, cujos suspeitos são os fazendeiros invasores na área indígena, contrários à demarcação das terras Xukuru. Até o momento, apesar das investigações policiais, das pressões dos Xukuru e da sociedade civil organizada sobre as autoridades, nada de concreto foi apurado sobre o assassinato do Cacique Xicão. A impunidade dos mandantes e executores dos crimes favorece as continuadas violências contra os povos indígenas. As omissões do Governo Brasileiro em garantir, como prevista em lei, a proteção aos indígenas e ao seu patrimônio, a vagareza nas apurações e condenações da Justiça que, quando consegue concluir um processo, o julgamento de um acusado demora anos, sendo ele comumente absolvido. Uma realidade inconcebível confrontada com o marketing dos discursos políticos oficiais sobre soluções para a questão indígena no país. O Brasil comemorou no final de 1998, os 50 Anos da Declaração Universal Direitos Humanos da qual o país é signatário.
Além disso, os governantes patrocinaram os festejos triunfalistas dos 500 anos da Colonização em abril/2000, quando em Porto Seguro na Bahia, a polícia reprimiu com vigor onde muitos ficaram feridos – o que foi mostrado pelos meios de comunicação – uma pacífica manifestação dos povos indígenas contrários às comemorações oficiais. Cabe então a pergunta que debatiam teólogos e juristas espanhóis no início da Colonização, no século XVI: e os índios são humanos? Nos últimos anos, os povos indígenas no Nordeste, assim como em todo o Brasil fortaleceram suas organizações, intensificaram as mobilizações pelo reconhecimento étnico enquanto povos diferenciados, pela demarcação e retirada dos invasores de suas terras, pelas conquistas e garantia dos seus direitos a uma assistência de saúde e educação diferenciadas, ocupando um inegável lugar no cenário político, obrigando-nos a rever a História, superar equívocos, preconceitos e omissões e a tradicional idéia errônea de uma homogeneidade cultural no Brasil.
As precárias condições de vida em razão de boa parte das terras mais férteis estarem invadidas por fazendeiros são agravadas em épocas de longas estiagens quando a seca, que provoca a migração de contingentes indígenas para os grandes centros humanos como São Paulo, onde vão em busca de melhores oportunidades de vida, passando a habitarem em favelas das periferias, sujeitos a violências urbanas. Recebendo a assistência governamental de forma deficiente, constata-se entre os povos indígenas no Nordeste, casos de tuberculose e doenças de chagas em adultos. A desidratação e a desnutrição são as principais causas da mortalidade infantil em Pernambuco[4]. No ano de 1997, o Brasil ficou marcado pelo cruel assassinato do índio Galdino Pataxó, morto queimado, enquanto dormia em um banco numa parada de ônibus, no “Dia do Índio”, em Brasília, onde tinha ido cobrar das autoridades providências para a demarcação das terras do seu povo no Sul da Bahia.
Vítima de “uma brincadeira” de 4 adolescentes da classe média do Distrito Federal que jogaram combustível e atearam fogo no corpo de Galdino. O ato brutal de violência colocou outra vez em debate as questões dos direitos, os preconceitos e as omissões da política indigenista do Governo diante das agressões contra os povos indígenas no país. Se o país escandalizou-se com a crueldade do assassinato de Galdino Pataxó, outro assassinato em tempos mais recentes provocou grandes repercussões no Brasil e no exterior. Em 20 de maio de 1998, Francisco de Assis Araújo, o Cacique Xicão foi assassinado em Pesqueira, com 6 tiros por um desconhecido que fugiu. Xicão tornara-se, nos últimos anos, uma expressiva liderança do povo Xukuru nas exigências para demarcação das terras do seu povo, nas lutas pelas conquistas e garantias dos direitos indígenas.
Reconhecido também pela liderança na organização dos povos indígenas no Nordeste e no movimento indígena no Brasil. Xicão, há mais de 10 anos, recebia ameaças de morte, denunciadas às autoridades públicas, tendo escapado de diversas emboscadas e tentativas de assassinato, cujos suspeitos são os fazendeiros invasores na área indígena, contrários à demarcação das terras Xukuru. Até o momento, apesar das investigações policiais, das pressões dos Xukuru e da sociedade civil organizada sobre as autoridades, nada de concreto foi apurado sobre o assassinato do Cacique Xicão. A impunidade dos mandantes e executores dos crimes favorece as continuadas violências contra os povos indígenas. As omissões do Governo Brasileiro em garantir, como prevista em lei, a proteção aos indígenas e ao seu patrimônio, a vagareza nas apurações e condenações da Justiça que, quando consegue concluir um processo, o julgamento de um acusado demora anos, sendo ele comumente absolvido. Uma realidade inconcebível confrontada com o marketing dos discursos políticos oficiais sobre soluções para a questão indígena no país. O Brasil comemorou no final de 1998, os 50 Anos da Declaração Universal Direitos Humanos da qual o país é signatário.
Além disso, os governantes patrocinaram os festejos triunfalistas dos 500 anos da Colonização em abril/2000, quando em Porto Seguro na Bahia, a polícia reprimiu com vigor onde muitos ficaram feridos – o que foi mostrado pelos meios de comunicação – uma pacífica manifestação dos povos indígenas contrários às comemorações oficiais. Cabe então a pergunta que debatiam teólogos e juristas espanhóis no início da Colonização, no século XVI: e os índios são humanos? Nos últimos anos, os povos indígenas no Nordeste, assim como em todo o Brasil fortaleceram suas organizações, intensificaram as mobilizações pelo reconhecimento étnico enquanto povos diferenciados, pela demarcação e retirada dos invasores de suas terras, pelas conquistas e garantia dos seus direitos a uma assistência de saúde e educação diferenciadas, ocupando um inegável lugar no cenário político, obrigando-nos a rever a História, superar equívocos, preconceitos e omissões e a tradicional idéia errônea de uma homogeneidade cultural no Brasil.
Superando equívocos, preconceitos e
desinformações: fortalecendo a nossa solidariedade com povos indígenas.
Sem dúvidas que a campanha da Fraternidade
2002, é uma grande oportunidade para conhecer, discutir e agir em solidariedade
aos povos indígenas. A seguir estão elencadas sugestões a serem discutidas e
implementadas no sentido de contribuir de forma efetiva com o fim dos
equívocos, preconceitos e omissões em relação aos indígenas. Essas propostas
devem estar baseadas antes de tudo nos esforços do conhecimento da situação em
que vivem e a superação de toda e qualquer forma de discriminações contra os
povos indígenas, bem como e pelo reconhecimento de seus direitos históricos:
Ø Estimular o conhecimento sobre os povos
indígenas, através de cursos, seminários, encontros de estudos específicos e
interdisciplinares a ser abordados na perspectiva da pluralidade cultural
historicamente existente no Brasil e na sociedade em que vivemos;
Ø Produção, com assessoria de
pesquisadores/as especialistas, de vídeos, cartilhas, subsídios didáticos sobre
os povos indígenas para serem discutidos nas comunidades e se possível
utilizados nas escolas próximas;
Ø Promover encontros de estudos
específicos destinados as público jovem (crianças e adolescentes) para que
possam melhor conhecer e respeitar os indígenas no Brasil, particularmente nos
municípios onde atualmente habitam populações indígenas;
Ø Estimular e apoiar professores/as da
comunidade que manifestem interesses em aprofundar os estudos sobre os povos
indígenas;
Ø Promover momentos de intercâmbios entre
os povos indígenas e às comunidades e/ou grupos pastorais, através de visitas previamente
preparadas às aldeias, bem como de indígenas às comunidades.
IMPORTANTE: ação a ser desenvolvida principalmente
nos municípios onde atualmente moram os povos indígenas, como forma de buscar a
superação dos preconceitos e as discriminações;
Ø Ampliar o “Dia do Índio” para uma
“Semana dos Povos Indígenas” a ser promovida nas comunidades com exposições de
pesquisas, exibição de vídeos, fotografias, debates com a participação de
indígenas, especialistas, instituições indigenistas, etc., como forma de
proporcionar maior conhecimento sobre a situação e diversidade sociocultural
dos povos indígenas;
Ø Proporcionar o acesso a publicações:
livros, periódicos, vídeos, etc., como fontes de informação e pesquisa sobre os
povos indígenas;
Ø Discutir e propor através de
manifestações coletivas nas comunidades, paróquias, setores pastorais, grupos
de estudos, etc., o apoio às campanhas de demarcação das terras e garantia dos
direitos dos povos indígenas, com a realização de abaixo assinados, cartas às
autoridades com denúncias e exigências de providências para as violências
contra os povos indígenas, assassinatos de suas lideranças, etc. Enfim,
promover ações pautadas na perspectiva da diversidade cultural e dos direitos
dos povos indígenas, bem como do reconhecimento de que o Brasil é um país pluriétnico.
BIBLIOGRAFIA
ATLAS DAS TERRAS INDÍGENAS DO NORDESTE. Rio de Janeiro: PETI, PPGAS/Museu
Nacional/UFRJ, 1993.
LACERDA, Rosane F. Mais pedras no caminho
dos povos indígenas para outros 500. In, DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
2001/Relatório da Rede Social de Justiça e Diretos Humanos em parceria com
Global Exchange. São Paulo, dezembro de 2001, pp.129-141.
INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Povos indígenas no Brasil:
1961-2000. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2000.
PREZIA, Bendito; HOORNAERT, Eduardo. Brasil indígena: 500 anos de resistência.
São Paulo: FTD, 2000.
SILVA, Edson. “Bárbaros, bons selvagens, heróis: imagens
de índios no Brasil”. In, CLIO – Revista de Pesquisa Histórica da
Universidade Federal de Pernambuco (Série História do Nordeste n.º 15).
Recife: Editora Universitária, 1994, pp.53-71.
_____. “Povos indígenas, violência e educação”. In Cadernos
da Extensão nº 2, jun../99. Recife: Pró – Reitoria de Extensão da
UFPE, 1999, pp.111-117.
SILVA, Edson. “Resistência indígena nos 500 anos de
Colonização”. In, BRANDÃO, Silvana. (Org.). Brasil 500 anos: reflexões. Recife:
Editora Universitária da UFPE, 2000, pp.99-129.
Sugestões de Leituras
Livros
CIMI (Conselho Indigenista Missionário). Outros
500: construindo uma nova história. São Paulo: Salesiana, 2001.
GRUPIONI, Luís Donizete Benzi. (Org.). Índios no
Brasil. Brasília: MEC,1994. (existe outra edição por uma editora
comercial).
HECK, Egon; PREZIA, Bendito. Povos indígenas:
terra é vida. São Paulo: Atual, 1998.
MELATTI, Júlio César. Índios do Brasil. 7a
ed. São Paulo: Hucitec, 1987.
PREZIA, Bendito; HOORNAERT, Eduardo. Brasil
indígena: 500 anos de resistência. São Paulo: FTD, 2000.
RICARDO, Carlos Alberto. (Ed.). Povos indígenas
no Brasil 1996-2000. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2001.
SILVA, Aracy Lopes da; GRUPIONI, Luís Donizete
Benzi. (Orgs.). A temática indígena na escola: novos subsídios para
professores de 1º e 2º graus.
Brasília: Mari/Unicef/Unesco,1995. (a venda em livrarias).
Sugestões de filmes
Ø Ameríndia (70 minutos)/Verbo Filmes/Paulinas
Ø Avaeté, semente de vingança (90
minutos)/locadoras
Ø Brincando nos campos do senhor (180
minutos)/locadoras
Ø Povos indígenas no Brasil: 500 anos de
resistência (24 minutos)/CIMI
Ø República Guarani (100
minutos)/locadoras
Ø Xingu (90 minutos)/locadoras
Ø A missão (100 minutos)/locadoras
OBS.: vê na página do CIMI www.cimi.org.br outros
endereços na Internet com subsídios sobre os povos indígenas.
TEXTO 02
NOVAS BASES PARA O ENSINO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA NO
BRASIL*(1)
Carlos Moore (2)
Introdução (3)
A obrigatoriedade (4) do ensino da história da África nas redes de
ensino no Brasil confronta o universo docente brasileiro com o desafio de
disseminar, para o conjunto da sua população, num curto espaço de tempo, uma
gama de conhecimentos multidisciplinares sobre o mundo africano.
A generalização do ensino da história da África apresenta problemas
específicos. Neste texto assinalamos, de maneira sumária e a título indicativo,
alguns dentre os quais deverão ser levados em conta na formação inicial e
continuada das/os professoras/es das redes de ensino, incumbidos/as dessa
missão. (...)
1.
SINGULARIDADES AFRICANAS
No contexto da história geral da humanidade, a África apresenta, em
planos diversos, um conjunto impressionante de singularidades que remetem a
interpretações conflituosas e, muitas vezes, contraditórias. É provável que
nenhuma das regiões habitadas do planeta apresente uma problemática de
abordagem histórica tão complexa quanto a África, e isto se deve a muitos
fatores, dentre os quais podemos destacar:
• a sua extensão territorial (30.343.551 km2, o que corresponde a 22% da
superfície sólida da Terra), que vai desde a região do Polo Sul até o
Mediterrâneo e do oceano Atlântico ao oceano Índico, apresentando uma grande
variedade climática (5);
• uma topografia extremamente variada: grandes savanas, vastas regiões
desérticas ou semidesérticas (Sahel), altiplanos, planícies, regiões
montanhosas e imensas florestas;
• a existência e interação de mais de 2.000 povos com diferentes modos
de organização socioeconômica e de expressão tecnológica;
• a mais longa ocupação humana de que se tem conhecimento (2 a 3 milhões
de anos até o presente) e, consequentemente, uma maior complexidade dos fluxos
e refluxos migratórios populacionais.
1.1. Berço da
humanidade
A mais marcante das singularidades africanas é o fato de seus povos
autóctones terem sido os progenitores de todas as populações humanas do
planeta, o que faz do continente africano o berço único da espécie humana. Os
dados científicos que corroboram tanto as análises do DNA mitocondrial (6)
quanto os achados paleoantropológicos apontam constantemente nesse sentido.
O continente africano, palco exclusivo dos processos interligados de hominização e de sapienização, é o único lugar do mundo onde se encontram, em perfeita sequencia geológica, e acompanhados pelas indústrias líticas ou metalúrgicas correspondentes, todos os indícios da evolução da nossa espécie a partir dos primeiros ancestrais hominídeos. A humanidade, antiga e moderna, desenvolveu-se primeiro na África e logo, progressivamente e por levas sucessivas, foi povoando o planeta inteiro (7). Portanto, as atuais diferenças morfo-fenotípicas entre populações humanas – as chamadas “raças” – são um fenômeno recente na história da humanidade (presumivelmente do final do paleolítico superior, 25.00010.000).
E a ciência já descartou como anticientífica a idéia de que o morfo-fenótipo possa incidir de algum modo nos processos intelectuais de socialização ou de aquisição/aprimoramento de conhecimentos (8). Esta tradição, eurocêntrica e hegemônica, costuma alinhar o fato histórico com a aparição, recente, da expressão escrita, criando os infelizes conceitos de povos “com história” e de povos “sem história” que, eventualmente, o etnólogo Lucien LEVYBRUHL iria transformar em “povos lógicos” e “povos pré-lógicos” (9).
Mas a história propriamente dita é a interação consciente entre a humanidade e a natureza, por uma parte, e dos seres humanos entre si, por outra. Por conseguinte, a aparição da humanidade como espécie diferenciada no reino animal, abre o período histórico. O termo “pré-história”, tão abusivamente utilizado pelos especialistas das disciplinas humanas, é uma dessas criações que doravante deverá ser utilizada com maior circunspeção.
O continente africano, palco exclusivo dos processos interligados de hominização e de sapienização, é o único lugar do mundo onde se encontram, em perfeita sequencia geológica, e acompanhados pelas indústrias líticas ou metalúrgicas correspondentes, todos os indícios da evolução da nossa espécie a partir dos primeiros ancestrais hominídeos. A humanidade, antiga e moderna, desenvolveu-se primeiro na África e logo, progressivamente e por levas sucessivas, foi povoando o planeta inteiro (7). Portanto, as atuais diferenças morfo-fenotípicas entre populações humanas – as chamadas “raças” – são um fenômeno recente na história da humanidade (presumivelmente do final do paleolítico superior, 25.00010.000).
E a ciência já descartou como anticientífica a idéia de que o morfo-fenótipo possa incidir de algum modo nos processos intelectuais de socialização ou de aquisição/aprimoramento de conhecimentos (8). Esta tradição, eurocêntrica e hegemônica, costuma alinhar o fato histórico com a aparição, recente, da expressão escrita, criando os infelizes conceitos de povos “com história” e de povos “sem história” que, eventualmente, o etnólogo Lucien LEVYBRUHL iria transformar em “povos lógicos” e “povos pré-lógicos” (9).
Mas a história propriamente dita é a interação consciente entre a humanidade e a natureza, por uma parte, e dos seres humanos entre si, por outra. Por conseguinte, a aparição da humanidade como espécie diferenciada no reino animal, abre o período histórico. O termo “pré-história”, tão abusivamente utilizado pelos especialistas das disciplinas humanas, é uma dessas criações que doravante deverá ser utilizada com maior circunspeção.
1.2. Berço
das primeiras civilizações mundiais
Uma das singularidades da África decorre do fato de esse continente ter
sido o precursor mundial das sociedades agro-sedentárias e dos primeiros
Estados burocráticos, particularmente ao longo do rio Nilo (Egito, Kerma e
Kush). Ao longo dos séculos, as riquezas destes Estados, assim como as riquezas
do império de Axum, na parte oriental do continente, e do império de Cartago,
situado na porção setentrional, aguçaram a cobiça de inúmeros povos vizinhos,
desde o Mediterrâneo europeu (gregos e romanos) e o Oriente Médio semita
(hicsos, assírios, persas, turcos, árabes), até o sudeste asiático
(indonésios).
1.3. Alvo da
escravidão racial e dos tráficos negreiros transoceânicos
A singularidade do continente africano, que teve a maior repercussão
negativa sobre o seu destino, determinando o que é a África de hoje, foi a de
ter sido o primeiro e único lugar do planeta onde seres humanos foram submetidos
às experiências sistemáticas de escravidão racial e de tráfico humano
transoceânico em grande escala. O chamado “continente negro” – como é designado
o continente africano, ainda que nenhum historiador tenha se referido à Europa
como continente “branco” ou à Ásia como o continente “amarelo” – foi
transformado, durante um período de um milênio, num verdadeiro terreno de caça
humana e de carnificina.
O impacto negativo cumulativo dessa realidade sobre o desenvolvimento econômico, tecnológico, político, demográfico, cultural e psicológico dos povos africanos está ainda por ser determinado. Mas as complexas interconexões existentes entre as singularidades apresentadas e a visão depreciativa que permeia tudo o que se refere à herança histórica e cultural dos povos africanos já começam a aparecer.
O impacto negativo cumulativo dessa realidade sobre o desenvolvimento econômico, tecnológico, político, demográfico, cultural e psicológico dos povos africanos está ainda por ser determinado. Mas as complexas interconexões existentes entre as singularidades apresentadas e a visão depreciativa que permeia tudo o que se refere à herança histórica e cultural dos povos africanos já começam a aparecer.
1.4. Alvo dos
mitos raciológicos
Às singularidades próprias do continente se agrega outra, de construção
totalmente externa: uma mitologia preconceituosa erigida por seus sucessivos
conquistadores (hicsos, assírios, gregos, romanos, persas, turcos, árabes,
indonésios e europeus), que sobrevive atualmente na maioria das obras eruditas
produzidas pelos africanistas de todos os continentes, e pelos historiadores em
particular.
O ensino da história da África apresenta, pois, problemas específicos de
interpretação com os quais o pesquisador nunca se defrontará ao percorrer a
história dos outros povos do planeta; povos cuja inteligência, dinamismo,
capacidade de empreender, aprender e de adaptar-se às condições e meios diversos
jamais foram questionadas. No caso da África, chegou-se a afirmar que a
civilização do Egito faraônico tivesse sido “trazida de fora” por misteriosos
povos “de pele branca”, supostamente vindos do Oriente Médio.
Numídia e Cartago sofreram desde então a mesma sorte, e a África foi ideologicamente dividida entre uma “África negra” e uma “África branca”, para marcar a coincidência entre o conceito de raça e o conceito de civilização. Os povos africanos ao sul do Saara foram apresentados, durante longo tempo, como gente “sem história”, “sem escrita”, “sem estados”, e “sem moeda”, ou seja, sociedades desprovidas de coerência orgânica. Sabe-se que na ótica materialista, hegemônica e linear do Ocidente e do Oriente Médio, a expressão “escrita”, a organização em “estados” e a utilização de “moeda” são sinônimos de inteligência, superioridade e civilização. A racialização de tudo tocante à África é uma prática tão universalmente insidiosa, que os próprios historiadores nem a percebem mais como um elemento de violenta desumanização do ser humano africano.
Numídia e Cartago sofreram desde então a mesma sorte, e a África foi ideologicamente dividida entre uma “África negra” e uma “África branca”, para marcar a coincidência entre o conceito de raça e o conceito de civilização. Os povos africanos ao sul do Saara foram apresentados, durante longo tempo, como gente “sem história”, “sem escrita”, “sem estados”, e “sem moeda”, ou seja, sociedades desprovidas de coerência orgânica. Sabe-se que na ótica materialista, hegemônica e linear do Ocidente e do Oriente Médio, a expressão “escrita”, a organização em “estados” e a utilização de “moeda” são sinônimos de inteligência, superioridade e civilização. A racialização de tudo tocante à África é uma prática tão universalmente insidiosa, que os próprios historiadores nem a percebem mais como um elemento de violenta desumanização do ser humano africano.
Ainda hoje, a visão raciológica continua a afetar boa parte das obras
consagradas ao continente africano, tanto na Europa e nos Estados Unidos, como
também no Oriente Médio e na América Latina onde, de modo geral, os incipientes
estudos africanistas são meras prolongações dos conceitos e preconceitos
urdidos pela academia europeia e norte-americana. (...)
2. PARA UMA NOVA PERIODIZAÇÃO
AFRICANA (ANTIGA E MODERNA)
A periodização é um padrão conceitual que facilita a apreensão de uma
longínqua trama histórica ou pré-histórica, tornando-a inteligível para nós. Se
descartarmos definitivamente o conceito de “pré-história” no que diz respeito à
África posterior há 2,5 milhões de anos, o ciclo histórico de qualquer periodização
se iniciaria nesse continente com a aparição da primeira humanidade arcaica
como espécie diferenciada dentro da família dos hominídeos.
No estado atual de nossos conhecimentos, esse evento aconteceu efetivamente pelo menos há 2,5 milhões de anos. Somente uma periodização de longa duração poderia refletir esses fatos históricos, que a ciência moderna legitima, e refletir aquelas singularidades que são próprias à historiografia africana.
Por conseguinte, há várias formas de abordagem para potencializar a inteligibilidade desses grandes períodos de uma história de tal extensão. Aquela que propomos consiste num padrão de periodização que levaria em conta tanto a produção das ideias filosóficas, religiosas e morais, como a produção do conhecimento científico e tecnológico pelas distintas sociedades:
No estado atual de nossos conhecimentos, esse evento aconteceu efetivamente pelo menos há 2,5 milhões de anos. Somente uma periodização de longa duração poderia refletir esses fatos históricos, que a ciência moderna legitima, e refletir aquelas singularidades que são próprias à historiografia africana.
Por conseguinte, há várias formas de abordagem para potencializar a inteligibilidade desses grandes períodos de uma história de tal extensão. Aquela que propomos consiste num padrão de periodização que levaria em conta tanto a produção das ideias filosóficas, religiosas e morais, como a produção do conhecimento científico e tecnológico pelas distintas sociedades:
• o processo de hominização;
• o povoamento do continente africano pela humanidade arcaica;
• os êxodos do continente e o subseqüente povoamento do planeta;
• os processos de migração intra-africana, sedentarização e assentamento
agrícola;
• o processo da construção dos primeiros Estados agro-burocráticos da
história;
• as lutas e rivalidades políticas entre povos e nações africanas, os
expansionismos intra-africanos desde a antiguidade núbio-egípcia até a contemporaneidade;
• as invasões do exterior;
• a conquista e colonização árabe da África setentrional;
• os tráficos negreiros intracontinentais e transoceânicos;
• os processos de desintegração de espaços sócio-históricos
constituídos;
• a conquista e colonização europeia de todo o continente africano;
• as lutas de libertação e a descolonização da África;
• as lutas da pós-independência.
Essa abordagem apresenta a vantagem de um enfoque panorâmico que, sem
desnaturar ou desfigurar a experiência histórica dos povos africanos, coloca-os
numa posição de maior inteligibilidade para o estudo por parte daqueles que
inclusive não possuem, de início, uma grande familiaridade com essas questões.
2.1. O marco referencial antigo
Antiguidade Pré-histórica (7.000.000 – 2.500.000 anos) o processo de
hominização e a aparição de várias espécies de Hominídeos.
Antiguidade Remota I (2.500.000 – 1.000.000 de anos) surgimento,
sucessivamente, de dois troncos prototípicos da família humana arcaica (Homo
Habilis, Homo Erectus) e primeiras migrações fora da África (Oriente Médio,
Ásia).
Antiguidade Remota II (1.000.000 – 200.000 anos) surgimento da família
humana proto-moderna (Homo Sapiens Neandertalensis) e migrações para o Oriente
Médio e a Europa.
Antiguidade Remota III (200.000 – 10.000 anos) surgimento da família
humana anatomicamente moderna (Homo Sapiens Sapiens); povoamento definitivo do
planeta por levas sucessivas a partir da África; aparição de novos “troncos
fenotípicos” na Eurásia (proto-europóides e proto-sino-nipônico-mongóis);
migrações dos povos leucodermes europóides; migrações dos povos leucodermes
sino-nipônico-mongóis.
2.2. O marco referencial formador
O Neolítico se apresenta como o momento em que os ancestrais imediatos
das famílias linguísticas correspondentes aos povos e sociedades que conhecemos
atualmente chegaram ao habitat que ocupam hoje. Embora ainda não tenhamos um
desenho geral concreto sobre esse período, com a abrangência e a meticulosidade
que se requer, sabe-se que “os ecossistemas atuais do continente africano se
constituíram entre 12.000 e 3.000 anos a.C., dando ao continente essa
configuração ambiental que explica o desenvolvimento das práticas agrícolas”
(M’BOKOLO, 2003, p. 51).
Por isso, privilegiamos o Neolítico como o ponto de referência para determinar aquelas configurações histórico-demográfico-culturais que designamos como “espaços civilizatórios”. Atentos ao fenômeno de longa continuidade na ocupação do solo e das complexas dinâmicas migratórias intracontinentais, parece-nos apropriado utilizar o período que vai desde o início do Neolítico (10.000 a.C.)(10) até meados do século XIX, como o grande marco histórico referencial para uma periodização suficientemente flexível. Atendendo a essas considerações, a historiografia africana dos últimos dez milênios pode conceber-se no interior de cinco grandes períodos, respectivamente denominados como “clássico”, “neoclássico”, “ressurgente”, “colonial” e “contemporâneo”.
Por isso, privilegiamos o Neolítico como o ponto de referência para determinar aquelas configurações histórico-demográfico-culturais que designamos como “espaços civilizatórios”. Atentos ao fenômeno de longa continuidade na ocupação do solo e das complexas dinâmicas migratórias intracontinentais, parece-nos apropriado utilizar o período que vai desde o início do Neolítico (10.000 a.C.)(10) até meados do século XIX, como o grande marco histórico referencial para uma periodização suficientemente flexível. Atendendo a essas considerações, a historiografia africana dos últimos dez milênios pode conceber-se no interior de cinco grandes períodos, respectivamente denominados como “clássico”, “neoclássico”, “ressurgente”, “colonial” e “contemporâneo”.
Antiguidade Próxima (10.000 a.C. – 5.000 a.C.) aparição das primeiras
sociedades sedentárias agrícolas nos diferentes espaços civilizatórios.
Antiguidade Clássica (5.000 a.C.200 d.C.) aparição, apogeu e declínio
das primeiras civilizações agro-burocráticas clássicas: Egito, Kerma, Kush,
Cartago, Axum (primeiras potências africanas), atendendo:
• à organização social; à extensão imperial; às rivalidades políticas
interafricanas; às invasões pelos povos europeu-mediterrâneos (“povos do mar”);
às invasões pelos povos semitas (hicsos); à rivalidade com o mundo semita
emergente (hititas, assírios, persas); às confrontações com o mundo
Greco-romano.
Antiguidade Neoclássica (200 d.C. 1.500 d.C.) aparição, apogeu e
declínio dos Estados agro-burocráticos neoclássicos nos diferentes espaços
civilizatórios (Ghana, Kanem-Bornu, Mali, Mwenemotapa, Songoi...).
O império árabe e os tráficos escravistas pelo Saara, pelo Oceano Índico
e pelo Mar Vermelho (séculos VIII-XVI).
2.3. O marco referencial moderno
Período Ressurgente (1500 – 1870) aparição, apogeu e declínio dos
Estados agro-burocráticos ressurgentes nos diferentes espaços civilizatórios
(Kongo, Oyo, Walo, Tekrur, Macina, Segu, Kayor, Diolof, KwaZulu, Buganda,
Bunyoro...).
A dominação imperial européia e o tráfico escravista transoceânico pelo
Atlântico (séculos XVXIX).
Período Colonial (1870 – 1960) a destruição pela Europa dos Estados
agro-burocráticos ressurgentes e a colonização do continente africano.
O processo de subdesenvolvimento do continente africano pela Europa e o
surgimento da supremacia planetária do mundo ocidental.
As lutas dos povos africanos pela descolonização do continente e o
surgimento da ideologia panafricanista (11) na África e nas diásporas africanas
(12).
Período Contemporâneo (a partir de 1960) do sonho libertacionista ao
pesadelo neocolonialista.
As independências políticas africanas: a decapitação política da África
e a implantação do neocolonialismo ocidental.
A África em crise I: as elites vassalas.
A África em crise II: os conflitos entre nações.
O futuro da África: globalização neoliberal, ou invenção de uma via
alternativa africana?
3. COMO CATALOGAR AS ESTRUTURAS
SOCIAIS AFRICANAS
3.1. As formações sociais, ou modos de produção Diversos e complexas
estruturas socioeconômicas, chamadas de “modos de produção” ou “formações
sociais”, marcaram a vida social dos diferentes povos africanos através dos
tempos.
Por diversas razões, as quais nem todas nos são conhecidas, essas
sociedades se encontram hoje em diferentes situações de adaptação
socioeconômica e tecnológica.
Um momento único de desenvolvimento humano, em que mais de 2.000 povos
estivessem no mesmo patamar socioeconômico e tecnológico nunca existiu na
África, como não se deu também nas outras regiões do mundo. Portanto, a maneira
mais racional e dinâmica de se abordar o problema parece-nos ser a de
considerar cada povo e as instituições por ele produzidas ao longo do tempo no
contexto da sua própria inscrição histórica.
O primeiro pressuposto a descartar é, sem dúvida, uma ótica unilinear e
universal, como a que surgiu do dogmatismo marxista, a partir dos desacertos da
própria metodologia de Karl Marx (13).
Nem dentro nem fora da África houve um modo de desenvolvimento histórico
universalmente linear. A história da humanidade, felizmente, é bem mais
complexa do que isso, como o demonstrou o cientista senegalês Cheikh Anta Diop
(14).
3.2. As categoriais servis
Apesar da enorme produção analítica sobre a escravidão no mundo inteiro
(15), não se chegou até hoje a uma teoria geral sobre a escravidão que seja
suficientemente abrangente e flexível para permitir o desmembramento tipológico
desse sistema particular de trabalho opressor atendendo às especificidades de
épocas e de sociedades.
A África, no seu percurso de estruturação de diferentes formas de
relações sociais, conheceu diversos modelos de relações de trabalho e de
produção baseados no trabalho servil escravo (16). A questão que continua sendo
o problema é: de que tipo de escravatura se trata? Como conceber uma
tipologização de formas especificamente africanas de trabalho servil à base de
escravos?
A escravatura existente na África, principalmente no período
pré-islâmico e pré-colonial, continua a desafiar as tentativas de
tipologização, sendo motivo das mais divergentes e contraditórias análises
(17). Todo o assunto gira em torno da questão: houve escravatura sem sistema
escravista que englobasse a totalidade da sociedade na África?
Com base nas pesquisas cada vez mais precisas que estão sendo realizadas pelos especialistas africanos, começa a emergir uma visão que remete a uma complexidade maior do que se pensava. As formas de regime de trabalho escravo na África foram tão variadas quanto complexas envolvendo, na sua maioria, o trabalho escravo serviçal, sem se chegar nunca a uma situação de escravidão econômica generalizada e, muito menos, de escravidão racial como aquela que predominou nas plantations do Oriente Médio e, mais tarde, das Américas.
Não parece haver surgido em parte alguma do continente, em qualquer época que se considere, um modo de produção dominante – sobre o qual tivesse repousado o conjunto da sociedade, como foi o caso na Europa greco-romana, no Oriente Médio, e nas Américas – baseado no trabalho escravo.
Com base nas pesquisas cada vez mais precisas que estão sendo realizadas pelos especialistas africanos, começa a emergir uma visão que remete a uma complexidade maior do que se pensava. As formas de regime de trabalho escravo na África foram tão variadas quanto complexas envolvendo, na sua maioria, o trabalho escravo serviçal, sem se chegar nunca a uma situação de escravidão econômica generalizada e, muito menos, de escravidão racial como aquela que predominou nas plantations do Oriente Médio e, mais tarde, das Américas.
Não parece haver surgido em parte alguma do continente, em qualquer época que se considere, um modo de produção dominante – sobre o qual tivesse repousado o conjunto da sociedade, como foi o caso na Europa greco-romana, no Oriente Médio, e nas Américas – baseado no trabalho escravo.
4. A QUESTÃO DIDÁTICA
4.1. As fontes de ensino
É possível antecipar que a implantação do ensino da história da África
no Brasil apresentará problemas que também tiveram que ser enfrentados e
resolvidos no continente africano. Considerando a visão negativa sobre a África
que predominou na sociedade brasileira durante tanto tempo, o primeiro desses
problemas e, talvez, o de maior significado, tem a ver com o pesado legado de
fontes bibliográficas eruditas “poluídas”.
Trata-se aqui do problema de “retroalimentação”, ou seja, da
reintrodução no ensino contemporâneo de teorias desacreditadas pelos estudos
científicos. Ora legitimadas por novos argumentos, ora envoltas nestas
latitudes numa nova roupagem acadêmica, não é inconcebível que a maioria das
obras sobre a África estejam sutilmente imbuídas de tenazes e profundos
preconceitos contra os povos e as civilizações africanas.
4.2. A avaliação das fontes de
ensino
Há em toda a América Latina uma carência de material didático sobre a
África, em línguas portuguesa e espanhola. Esta questão não será resolvida tão
cedo, considerando que a tradução e publicação das obras estão submetidas a
considerações de mercado e da política das grandes editoras. Corre-se o grande
risco de que se privilegiem para a tradução em língua portuguesa, precisamente,
obras preconceituosas ou desatualizadas, situação com a qual haverá que
coexistir durante um longo tempo.
4.3. Obras dos cientistas
africanos
Até os anos sessenta do século XX, a produção sobre a história da África
esteve inquestionavelmente monopolizada por africanistas europeus, americanos e
árabes, majoritariamente imbuídos de uma visão fundamentalmente essencialista e
raciológica. Essa tendência tem diminuído em parte, mas não desaparecido, com o
crescimento exponencial de especialistas e cientistas africanos dedicados ao
estudo do passado de seu próprio continente. Trata-se de especialistas que
conhecem a África a partir de dentro, através das mentalidades, cosmogonias,
línguas e estruturas que moldaram aquelas sociedades ao longo da mais extensa
história do planeta.
CONCLUSÃO
(...)
O avanço constante do conhecimento científico sobre a África, em
especial nos campos da paleontologia e da antropobiologia, não cessam de
confirmar que esse continente foi o lugar privilegiado onde surgiu a
consciência humana e onde se elaboraram as experimentações que conduziram à vida
em sociedade. Contudo, a lentidão da assimilação/integração desses dados
revolucionários, pelo meio acadêmico, continua sendo um problema, razão pela
qual a reatualização dos conhecimentos deverá constituir peça importante do
processo didático.
À primeira vista, uma das formas eficientes de alcançar esses objetivos seria a organização de oficinas de formação para agentes multiplicadores selecionados, preferencialmente, entre os docentes das disciplinas humanas, e não somente na disciplina histórica. A sensibilidade do docente determinará, em muitos casos, a predisposição à aceitação, ou à rejeição, das teses raciológicas e das manipulações legitimadoras que, inevitavelmente, vestirão a roupagem “acadêmica”.
O docente incumbido do ensino da matéria africana deverá cultivar sua sensibilidade em relação aos povos e culturas oriundos deste continente. Num país como o Brasil, onde as tradições e culturas africanas nutrem de maneira tão vigorosa a personalidade do povo brasileiro, a empatia para com a África apareceria como algo natural, mas ela não é apesar de todos os brasileiros serem herdeiros das tradições e cosmovisões desse continente.
À primeira vista, uma das formas eficientes de alcançar esses objetivos seria a organização de oficinas de formação para agentes multiplicadores selecionados, preferencialmente, entre os docentes das disciplinas humanas, e não somente na disciplina histórica. A sensibilidade do docente determinará, em muitos casos, a predisposição à aceitação, ou à rejeição, das teses raciológicas e das manipulações legitimadoras que, inevitavelmente, vestirão a roupagem “acadêmica”.
O docente incumbido do ensino da matéria africana deverá cultivar sua sensibilidade em relação aos povos e culturas oriundos deste continente. Num país como o Brasil, onde as tradições e culturas africanas nutrem de maneira tão vigorosa a personalidade do povo brasileiro, a empatia para com a África apareceria como algo natural, mas ela não é apesar de todos os brasileiros serem herdeiros das tradições e cosmovisões desse continente.
Os novos
desafios
A/O professor/a incumbido/a da missão do ensino da matéria africana se
verá obrigado/a durante longo tempo a demolir os estereótipos e preconceitos
que povoam as abordagens sobre essa matéria (18). Estamos diante de novas
tentativas de banalização dos efeitos do racismo e das agressões imperialistas
por parte de verdadeiros soldados ideológicos da visão e das estruturas
hegemônicas que tomaram conta do planeta.
Os estudos sobre a historia da África, especificamente no Brasil,
deverão ser conduzidos na conjunção de três fatores essenciais: uma alta
sensibilidade empática para com a experiência histórica dos povos africanos;
uma constante preocupação pela atualização e renovação do conhecimento baseado
nas novas descobertas científicas; e uma interdisciplinaridade capaz de entrecruzar os dados mais variados dos diferentes horizontes do
conhecimento atual para se chegar a conclusões que sejam rigorosamente
compatíveis com a verdade.
Esses três pré-requisitos estão vinculados ao problema mais geral que se
radica na necessidade de chegar-se a um maior grau de compreensão das
diferenças e da alteridade, como fatores estruturantes da convivência humana. O
conhecimento do Outro, de sua identidade étnica, cultural, sexual ou racial, do
seu percurso humano, de sua verdadeira inscrição histórica, possibilita a
convivência confortável, se não feliz, com as diferenças fundamentais.
A/O professor/a incumbida/o da missão do ensino da historia dos povos e
das civilizações da África – que, como já vimos não é uma história qualquer –
dificilmente poderá permanecer insensível a todas essas considerações. Pensamos
que, pelo contrário, a sua eficácia pedagógica terá uma maior repercussão e
abrangência na medida em que a sua sensibilidade empática para a matéria e para
o seu entorno social seja elevado.
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CISSOKO, Sekene Mody. Histoire de l Á frique occidentale. Moyen Age et Temps Modernes
(VIIè siècle1850).
Paris: Présence Africaine, 1966; Tombouctou et l ́Émpire Songhay. Dakar:
Nouvelles Editions Africaines (NEA), 1975.
Notas:
1. Sinopse retirada ao artigo publicado no livro Educação
antirracista – caminhos abertos pela Lei Federal no 10.639/03. MEC/SECAD, 2005.
2. Etnólogo e historiador. Doutor em Etnologia e doutor em Ciências
Humanas pela Universidade de ParisVII (França). Especialista em Relações
Raciais (África, América Latina, Caribe, Pacífico).
3. Nota da edição do Boletim do Salto para o Futuro: A partir da
sinopse do artigo citado, fizemos uma edição do texto focalizando alguns pontos
essenciais para o debate. O texto pode ser conhecido na íntegra em Educação
antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal n. 10. 639/03.Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Brasília, Ministério da
Educação, 2005. (Coleção Educação para todos).
4. A Lei no 10.639, de 09 de janeiro de 2003, altera a Lei no
9.394, de 20 de dezembro de 1996, das Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana. O Parecer CNE/CP 003/2004 e a Resolução CNE/CP 001/2004
regulamentam esta lei.
5. No interior do continente as distâncias são imensas – os 7.000
quilômetros que separam o Cabo da Boa Esperança, ao sul, do Cairo, ao norte,
são aproximadamente a mesma distância entre Dacar, a oeste, e a extremidade do
Chifre da África, a leste.
6. DNA mitocondrial humano é um pequeno DNA circular presente nas
mitocôndrias (as usinas energéticas da célula) no citoplasma. Este DNA tem uma
série de características genéticas peculiares, destacando-se o fato de ter
herança puramente materna. Em outras palavras, todo o DNA mitocondrial de um
indivíduo vem de sua mãe apenas, sem nenhuma contribuição paterna.
7. Grupos de humanos anatomicamente modernos deixaram o continente
africano pela primeira vez há aproximadamente 100.000 anos. Essa população
humana ancestral, que tinha apenas dois mil indivíduos, migrou progressivamente
para os outros continentes, atingindo a Ásia e a Austrália há 40 mil anos, a
Europa há 3035 mil anos, e, finalmente chegando ao continente americano há pelo
menos 18 mil anos.
8. Convém esclarecer um ponto: o fato de que a noção de “raça” não
traduz uma realidade biológica não quer dizer que “raça” não exista como
construção histórica. Neste caso, ela corresponde não a uma realidade
genotípica (biológica), mas sim a um fato sócio-histórico baseado numa
realidade morfo-fenotípica concreta à qual se deu uma interpretação ideológica
e política. A ficção é a de se pretender que “raça” seja unicamente um fato que
deve ser enquadrado na biologia. Infelizmente, raça não é uma ficção. Ela é uma
realidade sociológica e política bem ancorada na história e que regula as
interações entre os povos desde a Antiguidade. Desde há séculos, os povos
africanos e afrodescendentes têm de se defrontar no cotidiano com essa
concretude da raça.
9. Ver: LEVYBRUHL,
Lucien, La mentalité primitive. Paris: Presses Universitaires de France, 1947.
10. Convencionalmente, o período entre 10.000 e 4.000 a.C. está dividido
em Mesolítico (de 10.000 a 8.000 a.C.) e Neolítico (de 8.000 à 4.000 a.C.).
Privilegiamos a unificação destes, para constituir um só período abrangente:
Neolítico (de 10.000 à 4.000 a.C.).
11. Pan-africanismo: ideologia política elaborada no século XIX, logo após
a abolição da escravatura, por pensadores afrodescendentes nas Américas, dos
quais os mais proeminentes são, Edward Wilmot Blyden, Sylvester Williams, W. E.
B. DuBois, Marcus Garvey, Caseley Hayford, George Padmore, C. L. R. James.
Centra-se na ação política e econômica sustentada, em prol da descolonização do
continente africano e ao estabelecimento de nações soberanas.
12. Diáspora Africana: conjunto de comunidades de afrodescendentes em
diferentes continentes.
13. Ver: BAECHLER, Jean, Les
origines du capitalisme. Paris: Gallimard, 1971.
14. DIOP, Cheikh Anta, L’Unité
Culturelle de l’Afrique Noire. Paris: Présence Africaine, 1959.
15. Com relação à escravidão em geral, ver: VERLINDEN, Charles, L’Esclavage dans l’Europe Médiévale. Bruges: De
Tempel, 1955. Ver também: DAVIS,
David Brion, O Problema da Escravidão na Cultura Ocidental. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001; FINLEY,
Moses I., Escravidão Antiga e Ideologia Moderna. Rio de Janeiro: GRAAL Editora, 1991; BAKIR, Abd el-Mohsen, Slavery in
Pharaonic Egypt. Cairo, 1952; CHANANA,
Dev Raj, Slavery in Ancient Índia: as Depicted in Pali and Sanskrit Texts. New
Delhi, 1960; MENDELSOHN, Isaac,
Slavery in the Ancient Near East: a Comparative Study of Slavery in Babylonia,
Assyria, and Palestine, from the Middle of the Third Millennium to the End of
the First Millennium. New York: Oxford University Press, 1949; WESTERMANN, William L., The Slave.
Systems of Greek and Roman Antiquity. Philadelphia: American Philosophical
Society, 1974. Sobre a Ásia, ver: WILBUR,
C. Martin, Slavery in China during the Former han Dynasty, 206B.C.A. D. 25.
Chicago: Field Museum of Natural History, 1943; WATSON, James (org.), Asian and African Systems of Slavery, New
York: Oxford Press, 1980.
16. Sobre a escravatura africana, ver o excelente trabalho: MEILLASSOUX, Claude, Antropologia da
escravidão: o ventre de ferro e dinheiro. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995.
17. Ver: MEILLASSOUX, Claude, L
esclavage en Afrique précoloniale. ́ Paris: Maspéro, 1975; BARRY, Boubakar, Le royaume du Wallo, Paris: Karthala, 1985; Le
Senegal avant la conquête. Paris: Karthala, 1985; e CISSOKO, Sekene Mody, Tombouctou et l ́Émpire Songhay. Dakar:
Nouvelles Editions Africaines (NEA), 1975.
18. Ver, a esse respeito: OBENGA,
Theophile, Le sens de la lutte contre l á fricanisme eurocentriste. Paris: L H́ armattan e
Khepera, 2001; TEMU, A., SWAI, B., Historians and Africanist
History: A Critique. PostColonial
Historiography Examined. Londres: Zed Press, 1981.
19. Nota da edição do Boletim: O autor relaciona uma extensa Bibliografia,
da qual selecionamos as obras editadas em Português. Para conhecer a
Bibliografia completa, consultar a obra citada (ver nota de rodapé n. 3).
20. O volume 1 foi publicado em português: M’BOKOLO, Elikia, África negra. História e civilizações, tomo I até
o século XVIII. Lisboa: Editora Vulgata, 2003.
SUGESTÕES DE LEITURAS
Textos:
“Brasil indígena: 500 anos de
resistência”. In: PREZIA, Bendito; HOORNAERT, Eduardo. São Paulo: FTD, 2000.
Coleção “História da África” para download
disponível em: UNESCO. História da África. Coleção em português. Disponível
em: http://www.unesco.org/new/pt/ brasilia/general_history_of_africa _collection_in_portuguese1/.
A História da África nos bancos
escolares. Representações e imprecisões na literatura didática. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/eaa/v25n3/a03v25n3.pdf.
“Diversidade e diferença” – Muniz
Sodré. Tese.
“Povo negro – quilombos e revoltas
escravas no Brasil” – João José Reis. In: Revista USP, São Paulo (28): 1439
dezembro/fevereiro 95/96.
“As religiões afro-brasileiras e seus
seguidores” Reginaldo Prandi.
“Um Terreiro de Candomblé” – Muniz
Sodré.
Desenvolvimento humano da população
negra do Brasil: um enfoque comparativo com os países africanos – Marcelo
Paixão.
SUGESTÕES DE FILMES
·
“Brava
Gente Brasileira”. Globofilmes.
- Documentário: “Racismo: uma história. Parte 2. Impactos fatais” da BBC de Londres, 2007.
- “Mojubá”. Documentário da série “Da cor da cultura”. Coletânea de DVD’s da Cor da Cultura, 2004.
- Terras de quilombo: uma dívida histórica. Direção: Murilo Santos. Fundação FORD, 2004.
- Cobaias. 1997. 118min. Alfre Woodard (Teoria cientifica de superioridade racional).
- KiriKu e a feiticeira .1998. 71min. Michel O celot (versão de uma aldeia africana Inspirado em contos africanos). França, Bélgica, Cult Filmes.
- Narciso, Rap. 2004 15 min. Jéferson de (São Paulo Conta a história de dais meninos que encontraram um a lâmpada mágica o menino negro quer ser branco e rico, e o menino branco que cantar rap como os negros). Prefeitura de São Paulo/ Secretaria Municipal de Educação/ projetovida.
- O contador de História, 2000. 50min. Roberto Carlos. Ed. Leitura (Seguemos para trabalha “A oportunidade”).
- Sonho americano. 1996. 118min. David Knoller (Várias histórias Sugerimos para trabalhar com os alunos do fundamental a história do menino que desenhou o cristo negro).
- Tudo aos Domingos. 1998. 05min. George Tillman (Tradições africanas na vida das pessoas).
- Um grito de liberdade. 1987. 157min. Richard. Attenbaraugh (Visão do Apartheid na África do sul. Luta contra o racismo).
- Uma onda no ar. 2002. 92min.Helvécio Ratton (conta à história de Jorge, o idealizado de um rádio na favela, e a luta, resistência cultural e político contra o racismo e a exclusão social em que a população da favela encontra uma importante arma: a comunicação).
- Vista minha pele. 2003. 50 min. Joelzito Araújo.CEERT. São Paulo, casa de criação. (Orientações e ações para educação das relações étnicoraciais, 2006, p.186).
- A negação do Brasil. Direção: Joel Zito de Araújo, casa de Criação, 2001.
- Assalto ao trem pagador. Direção: Roberto Farias. Brasília, Funarte/ Decine, 1962.
- Atlântico negro na rota dos orixás. Direção; Renato Barbeiri. São Paulo, Itaú Cultural, 1998.
- Filhas do vento. Direção Joel Zito. Rio de Janeiro, Asa Cinema e vídeo/ Casa de criação, 2005.
- Marcha Zumbi dos Palmares contra o racismo, pela cidadania e a vida (16951995). Direção e roteiro: Edna Cristina. Brasília, 1995.
- Minoria absoluta. Direção: Artur Autran. São Paulo, Eca, 1994.
- O catedrático do Samba. Direção: Noel Carvalho. Campinas CPCUMES e Departamento de Multimeios Jenicamp, 1999.
- Paixão e guerra no Sutão de canudos. Direção: António Olavo. Salvador, portfolium, 1994.
- Preto contra branco. Direção: Vagner Marales. Coprodução: Wagner Perez Morales Junior/ Polo de Imagem/ Fundação Padre Anchieta TV cultural, 1973.
- Quando crioulo dança? Direção: Dilma Lóes. Brasília, Redeh/ Unesco/ Cedm/Caces/MEC/ Secretaria de Educação Fundamental, 1999.
- Retrato em preto e branco. Roteiro e direção: Joel Zito Araújo.São Paulo, Itaperé Cinema e Vídeo/ CEERI, 1992.
- Rompendo o silêncio Desconstruindo racismo e Violência na escola. Coordenação geral; Elza Berquó. Brasília, Guela. 2003.
- Visões de liberdade. São Paulo, TV cultura, 1988.
- Xica da Silva. Direção: Cacá Diegues. Rio de Janeiro, Globo Filmes, 1977.
SITES PARA PESQUISA
- http://www.culturabrasil.pro.br/brasilcolonia.htm
- http://www.africaeafricanidades.com
- http://www.unesco.org.
- www.scielo.br
- www.acordacultura.org.br
SUGESTÕES DE MÚSICAS
- “Hey Joe”. O Rappa
- “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro” – O Rappa
- “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro” – O Rappa.
- “Hey Joe” – O Rappa.
- “Um passeio pelo mundo livre” – Nação Zumbi.
- “Eu vi mamãe Oxum na cachoeira” – Zeca Baleiro.
- “Canto das três raças” – Clara Nunes.
- “Lavagem Cerebral” – Grabriel, o Pensador.
- “Haiti” Caetano Veloso e Gilberto Gil.
- “Kizomba, Festa da Raça” Luis Carlos da Vila.
- “Mão de limpeza” Gilberto Gil.
- “Pelo telefone” Ernesto – Racionais – MC’s
FONTES:
Filme:
- “Racismo: uma História”. Disponível em: http://www.youtube.com/watch? v=_o_kq5iFsZw&feature=related. Acesso: 24 de Março de 2011.
- Vídeo “As caravelas passam”. Disponíve em: http://www.youtube.com/watch? v=i6uKfwd93hk. Acesso: 20 de Março de 2011.
- Vídeo: “Pisa ligeiro”. Disponível em: http://www.youtube.com/watch? v=pA3FsWwPZGY. Acesso: 20 de Março de 2011.
- Vídeo: “A Construção da Igualdade”. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=yBcajWhOis8&feature=related. Acesso: 20 de Março de 2011.
- Vídeo: UNICF “Por uma infância sem racismo”. Disponível em: www.youtube.com.br. Acesso: 20 de março de 2011.
- Vídeo: “África: um elo perdido na história”. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=YxBwWHLF694&feature=related. Acesso: 21 de Março de 2011.
- Vídeo: “África 02”. Disponível em: http://www.youtube.com/watch? v=xp25K6orpk8&feature=related. Acesso: 21 de Março de 2011.
- "Racismo no Brasil: a história de uma foto". Fonte: http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2011/03/07/racismonobrasilahistoriadeumafoto .Acesso: 08 de Março de 2011.
BIBLIOGRAFIA
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Março de 2011.
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações\Étnico-Raciais e para o Ensino\de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana. Disponível em: http://www.uel.br/projetos/leafro/pages/arquivos/DCNs%20% 20Educacao%20das%20Relacoes
%20EtnicoRaciais. pdf.
CEERT. Políticas de promoção da Igualdade Racial na Educação: Exercitando a
definição de conteúdos metodológicos. São Paulo: Centro de Estudos das
Relações de trabalho e Desigualdades. Site: www.ceert.org.br
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afrodescendentes: história africana e afrodescendente na cultura brasileira”.
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no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
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novo nível de reflexão para história social do Brasil. 3 ed. São Paulo:
Editora Anita, 1995.
SILVA, Wallace Rodolfo Pereira da. Multiculturalismo e minorias negras: uma
reflexão necessária para a educação. Revista da África Africanidades. Ano
III – n. 12 – ISSN 19832354. www.africanidades.com
UNESCO. História da África. Coleção
em português. Disponível em: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/aboutthisoffice/
singleview/news/general_history_of_africa_ collection_in_portuguese1/. Acesso: 10 de Março de 2011.
TEXTO 03
IMAGENS CONTRADITÓRIAS E
FRAGMENTADAS: SOBRE O LUGAR DOS ÍNDIOS NOS LIVROS DIDÁTICOS*
Luis Donisete Benzi Grupioni
Universidade de São Paulo (USP)
Introdução
Entre
varias conclusões algumas surpreendentes, outras estarrecedoras - apresentadas,
em março de 1994, pelo grupo de trabalho instituído pelo Ministério da Educação
e do Desporto11 para analisar os livros didáticos mais solicitados pelos
professores das primeiras séries escolares, uma chamou-me especialmente a
atenção.
12 Ao analisar as indicações constantes em 60 livros didáticos de Estudos Sociais, de 1a a 4a serie, para as comemorações cívicas na escola, ao longo do ano letivo, os avaliadores encontraram 957 citações, distribuídas em 39 datas diferentes.
O Dia do índio, 19 de abril, foi citado em 51 dos 60 livros analisados, ocupando um lugar de destaque no calendário cívico proposto nesses livros didáticos. Diante deste dado, caberia perguntarmos: qual a imagem do índio veiculado nestes manuais escolares? Em que momentos os índios aparecem na historia do Brasil? De que forma são tratados? Essas são algumas das questões que procurarei enfrentar aqui. Antes, todavia, gostaria de comentar um pouco mais o trabalho realizado pelo MEC. Alem do Dia do índio, o Dia do Descobrimento do Brasil, da Bandeira e do Trabalho também aparecem citados em 51 livros, ficando atrás do Dia da Independência, que teve o maior numero de citações: 59 livros. A lista de efemérides prossegue com datas curiosas, quer as observemos pela quantidade de livros em que aparecem, quer pelos inusitados critérios de pertinência provavelmente utilizados pelos autores desses manuais para darem destaques a elas: o Dia da Arvore e citado em 47 livros, o Dia do Soldado em 44, o Dia de Monteiro Lobato em 35 e o Dia Panamericano em 22.
Com menos destaque, a Semana do Transito e citada em seis livros, o Dia das Aves em três e o Dia da Poesia em um. Embora não caiba fazer aqui uma analise do que estas datas representam em termos de como os livros didáticos das primeiras séries estão organizados, "reforçando a mitificação de personagens e datas/marcos da política institucional", parece-me que elas são extremamente indicativas do que os avaliadores encontraram ao analisar os dez livros mais solicitados em 1991, para as primeiras series escolares e que correspondem a cerca de 94% das aquisições realizadas pelo governo naquele ano.
Não cabe aqui, também, fazer um resumo das conclusões deste grupo, mas e importante deixar o registro de que os livros didáticos continuam se mostrando deficientes, empobrecedores, generalizantes, muitas vezes desatualizados e marcados por erros conceituais, estereótipos e preconceitos. O grupo de trabalho do MEC elegeu um conjunto de critérios e procedeu a uma analise dos livros mais solicitados em 1991. Em meio a esse quadro geral de deficiência do livro didático, os avaliadores perceberam o surgimento de algumas novidades e denunciaram em seu documento: "as mudanças são tópicas, superficiais e visam, na maioria das vezes, atrair o publico consumidor, utilizando-se de estratégias muitas vezes enganosas. (...)" (FAE, 1994, p.69). Segundo, ainda, os avaliadores, "as obras analisadas não possibilitam que, ao final das quatro series, os alunos se situem no espaço e no tempo em que vivemos, conheçam e analisem os aspectos básicos da realidade social brasileira, indispensáveis para a formação da cidadania. Alem disso, nem despertam e nem preparam adequadamente os alunos para prosseguirem os estudos na área das Humanidades a partir da 5a serie da escola fundamental" (FAE, 1994, p.66). Pois bem. Tendo esse pano de fundo, proponho, aqui, retomar algumas analises de um tema pontual e apresentar uma reflexão sobre a forma pela qual os manuais didáticos usados na escola ajudam a formar uma visão equivocada e distorcida sobre os grupos indígenas brasileiros. Para tanto, empreenderei uma critica aos livros didáticos em uso, apontando algumas de suas deficiências mais recorrentes.
O ponto de partida e que, apesar da produção e da acumulação de um conhecimento considerável sobre as sociedades indígenas brasileiras, tal conhecimento "ainda não logrou ultrapassar os muros da academia e o circulo restrito dos especialistas. Nas escolas, a questão das sociedades indígenas, frequentemente ignorada nos programas curriculares, tem sido sistematicamente mal trabalhada. Dentro da sala de aula, os professores revelam-se mal informados sobre o assunto, e os livros didáticos, com poucas exceções, são deficientes no tratamento da diversidade étnica e cultural existente no Brasil (...).
As organizações não-governamentais, que tem elaborado campanhas de apoio aos índios e produzido material informativo sobre eles, tem atingido uma parcela muito reduzida da sociedade" (Grupioni, 1992, p. 13). Assim, apesar da ampliação, nos últimos anos, do numero daqueles que escrevem sobre os índios e de algumas tentativas de produção de materiais de divulgação, constatamos que o conhecimento produzido não tem tido o impacto que poderia ter: os índios continuam sendo pouco conhecidos, e muitos estereótipos sobre eles continuam sendo veiculados. A imagem de um índio genérico, estereotipado, que vive nu na mata, mora em ocas e tabas, cultua Tupã e Jaci e que fala tupi permanece predominante, tanto na escola como nos meios de comunicação. Os próprios índios tem se dado conta desta situação e começam a reivindicar uma nova forma de relacionamento com o Estado e com segmentos da sociedade envolvente com os quais estão em contato. Nos encontros de professores indígenas, que tem acontecido em todo o território nacional, estes, alem de discutirem a situação de suas escolas, tem também se pronunciado sobre este tema. No documento final do I Encontro Estadual de Educação Indígena do Mato Grosso, realizado em maio de 1989, os professores indígenas daquele estado registraram como uma de suas conclusões que "a sociedade envolvente deve ser educada no sentido de abolir a discriminação histórica manifestada constantemente nas suas relações com os povos indígenas."
Os professores indígenas de Rondônia, também reunidos por ocasião de seu I Encontro em 1990, no documento que encaminharam aos Senadores da Republica, solicitaram a colaboração destes "para que se respeitem os índios e suas culturas nas escolas não-indígenas e nos livros didáticos". Na Declaração de Princípios dos Povos Indígenas do Amazonas, Roraima e Acre, escrita em julho de 1991 pelos professores indígenas e reafirmada em outubro de 1994, e dado como principio que "nas escolas dos não-índios, será corretamente tratada e veiculada a historia e a cultura dos povos indígenas brasileiros, a fim de acabar com os preconceitos e o racismo".
12 Ao analisar as indicações constantes em 60 livros didáticos de Estudos Sociais, de 1a a 4a serie, para as comemorações cívicas na escola, ao longo do ano letivo, os avaliadores encontraram 957 citações, distribuídas em 39 datas diferentes.
O Dia do índio, 19 de abril, foi citado em 51 dos 60 livros analisados, ocupando um lugar de destaque no calendário cívico proposto nesses livros didáticos. Diante deste dado, caberia perguntarmos: qual a imagem do índio veiculado nestes manuais escolares? Em que momentos os índios aparecem na historia do Brasil? De que forma são tratados? Essas são algumas das questões que procurarei enfrentar aqui. Antes, todavia, gostaria de comentar um pouco mais o trabalho realizado pelo MEC. Alem do Dia do índio, o Dia do Descobrimento do Brasil, da Bandeira e do Trabalho também aparecem citados em 51 livros, ficando atrás do Dia da Independência, que teve o maior numero de citações: 59 livros. A lista de efemérides prossegue com datas curiosas, quer as observemos pela quantidade de livros em que aparecem, quer pelos inusitados critérios de pertinência provavelmente utilizados pelos autores desses manuais para darem destaques a elas: o Dia da Arvore e citado em 47 livros, o Dia do Soldado em 44, o Dia de Monteiro Lobato em 35 e o Dia Panamericano em 22.
Com menos destaque, a Semana do Transito e citada em seis livros, o Dia das Aves em três e o Dia da Poesia em um. Embora não caiba fazer aqui uma analise do que estas datas representam em termos de como os livros didáticos das primeiras séries estão organizados, "reforçando a mitificação de personagens e datas/marcos da política institucional", parece-me que elas são extremamente indicativas do que os avaliadores encontraram ao analisar os dez livros mais solicitados em 1991, para as primeiras series escolares e que correspondem a cerca de 94% das aquisições realizadas pelo governo naquele ano.
Não cabe aqui, também, fazer um resumo das conclusões deste grupo, mas e importante deixar o registro de que os livros didáticos continuam se mostrando deficientes, empobrecedores, generalizantes, muitas vezes desatualizados e marcados por erros conceituais, estereótipos e preconceitos. O grupo de trabalho do MEC elegeu um conjunto de critérios e procedeu a uma analise dos livros mais solicitados em 1991. Em meio a esse quadro geral de deficiência do livro didático, os avaliadores perceberam o surgimento de algumas novidades e denunciaram em seu documento: "as mudanças são tópicas, superficiais e visam, na maioria das vezes, atrair o publico consumidor, utilizando-se de estratégias muitas vezes enganosas. (...)" (FAE, 1994, p.69). Segundo, ainda, os avaliadores, "as obras analisadas não possibilitam que, ao final das quatro series, os alunos se situem no espaço e no tempo em que vivemos, conheçam e analisem os aspectos básicos da realidade social brasileira, indispensáveis para a formação da cidadania. Alem disso, nem despertam e nem preparam adequadamente os alunos para prosseguirem os estudos na área das Humanidades a partir da 5a serie da escola fundamental" (FAE, 1994, p.66). Pois bem. Tendo esse pano de fundo, proponho, aqui, retomar algumas analises de um tema pontual e apresentar uma reflexão sobre a forma pela qual os manuais didáticos usados na escola ajudam a formar uma visão equivocada e distorcida sobre os grupos indígenas brasileiros. Para tanto, empreenderei uma critica aos livros didáticos em uso, apontando algumas de suas deficiências mais recorrentes.
O ponto de partida e que, apesar da produção e da acumulação de um conhecimento considerável sobre as sociedades indígenas brasileiras, tal conhecimento "ainda não logrou ultrapassar os muros da academia e o circulo restrito dos especialistas. Nas escolas, a questão das sociedades indígenas, frequentemente ignorada nos programas curriculares, tem sido sistematicamente mal trabalhada. Dentro da sala de aula, os professores revelam-se mal informados sobre o assunto, e os livros didáticos, com poucas exceções, são deficientes no tratamento da diversidade étnica e cultural existente no Brasil (...).
As organizações não-governamentais, que tem elaborado campanhas de apoio aos índios e produzido material informativo sobre eles, tem atingido uma parcela muito reduzida da sociedade" (Grupioni, 1992, p. 13). Assim, apesar da ampliação, nos últimos anos, do numero daqueles que escrevem sobre os índios e de algumas tentativas de produção de materiais de divulgação, constatamos que o conhecimento produzido não tem tido o impacto que poderia ter: os índios continuam sendo pouco conhecidos, e muitos estereótipos sobre eles continuam sendo veiculados. A imagem de um índio genérico, estereotipado, que vive nu na mata, mora em ocas e tabas, cultua Tupã e Jaci e que fala tupi permanece predominante, tanto na escola como nos meios de comunicação. Os próprios índios tem se dado conta desta situação e começam a reivindicar uma nova forma de relacionamento com o Estado e com segmentos da sociedade envolvente com os quais estão em contato. Nos encontros de professores indígenas, que tem acontecido em todo o território nacional, estes, alem de discutirem a situação de suas escolas, tem também se pronunciado sobre este tema. No documento final do I Encontro Estadual de Educação Indígena do Mato Grosso, realizado em maio de 1989, os professores indígenas daquele estado registraram como uma de suas conclusões que "a sociedade envolvente deve ser educada no sentido de abolir a discriminação histórica manifestada constantemente nas suas relações com os povos indígenas."
Os professores indígenas de Rondônia, também reunidos por ocasião de seu I Encontro em 1990, no documento que encaminharam aos Senadores da Republica, solicitaram a colaboração destes "para que se respeitem os índios e suas culturas nas escolas não-indígenas e nos livros didáticos". Na Declaração de Princípios dos Povos Indígenas do Amazonas, Roraima e Acre, escrita em julho de 1991 pelos professores indígenas e reafirmada em outubro de 1994, e dado como principio que "nas escolas dos não-índios, será corretamente tratada e veiculada a historia e a cultura dos povos indígenas brasileiros, a fim de acabar com os preconceitos e o racismo".
Sobre o
livro didático
Sabemos da
importância da escola, e do espaço ocupado pelo livro didático, no processo de
formação dos referenciais básicos das crianças da nossa sociedade. A
historiadora Norma Telles mostra que e na infância e na adolescência, portanto,
durante o período em que se frequenta a escola, que se recebe uma serie de
informações sobre outras culturas e sobre outros povos. Poucos terão, após essa
fase, a oportunidade de aprofundar e de enriquecer seus conhecimentos sobre os
outros, seja através de viagens, romances, mostras de filmes internacionais,
seja prosseguindo seus estudos. Neste contexto, o livro didático e uma fonte
importante, quando não a única, na formação da imagem que temos do Outro.
Alie-se a isto o fato de o livro didático constituir-se uma autoridade, tanto
em sala de aula quanto no universo letrado do aluno.
E o livro didático que mostra com textos e imagens como a sociedade chegou a ser o que e, como ela se constituiu e se transformou ate chegar nos dias atuais (cf. Telles, 1987). Cabe enfatizar que o livro didático e, muitas vezes, o único material impresso disponível para os alunos, cristalizando para ele, e também muitas vezes, por que não dizer, para o professor, parte do conhecimento a que eles têm acesso (cf. Pinto, Myazaki, 1985, p.165). Cabe, então, perguntar como o livro didático trata a temática indígena. Qual e a imagem do índio nos livros didáticos? Como o livro didático transmite informações sobre outras culturas e sobre outros povos? Apresento, a seguir, as principais conclusões que historiadores, pedagogos e antropólogos chegaram em suas pesquisas. Para tanto, farei uso de algumas analises de materiais didáticos empreendidas por historiadores e antropólogos nos últimos anos, principalmente as conclusões de Rocha (1984), Pinto e Myazaki (1985), Almeida (1987) e Telles (1987).
E o livro didático que mostra com textos e imagens como a sociedade chegou a ser o que e, como ela se constituiu e se transformou ate chegar nos dias atuais (cf. Telles, 1987). Cabe enfatizar que o livro didático e, muitas vezes, o único material impresso disponível para os alunos, cristalizando para ele, e também muitas vezes, por que não dizer, para o professor, parte do conhecimento a que eles têm acesso (cf. Pinto, Myazaki, 1985, p.165). Cabe, então, perguntar como o livro didático trata a temática indígena. Qual e a imagem do índio nos livros didáticos? Como o livro didático transmite informações sobre outras culturas e sobre outros povos? Apresento, a seguir, as principais conclusões que historiadores, pedagogos e antropólogos chegaram em suas pesquisas. Para tanto, farei uso de algumas analises de materiais didáticos empreendidas por historiadores e antropólogos nos últimos anos, principalmente as conclusões de Rocha (1984), Pinto e Myazaki (1985), Almeida (1987) e Telles (1987).
Os índios
no livro didático: principais críticas
Um primeiro
comentário se impõe: não é difícil encontrar nos livros didáticos afirmações,
algumas vezes contundentes e fortes, contra o racismo e o preconceito e,
portanto, encorajando os alunos a terem uma visão de "respeito e
tolerância com relação aos grupos etnicamente diversos". Ha, em quase
todos, uma valorização de "uma nacionalidade que surge da
diversidade". A congruência de três raças - brancos, negros e índios - na
formação do povo brasileiro e sempre lembrada. Mas uma leitura mais atenta desses
manuais mostra as dificuldades em lidar com a existência de diferenças étnicas
e sociais na sociedade brasileira atual. O que normalmente fazem e recalca-la
para o passado (cf. Almeida, 1987, p.14). Chega-se, assim, a primeira critica
ao livro didático: índios e negros são quase sempre enfocados no passado. Falar
em índios e falar do passado, e faze-lo de uma forma secundaria: o índio
aparece em função do colonizador. Mas que passado e esse? E aqui a segunda
critica: não se trata de uma historia em progresso, que acumula e que
transforma. E uma historia estanque, marcada por eventos, eventos
significativos de uma historiografia basicamente euro- peia (cf. Telles, 1987).
Vejamos
dois exemplos: poucos livros mencionam a questão da origem dos povos indígenas
no continente americano. Para a maioria dos manuais, "a presença do
'índio' neste continente não é problematizada, e um fato consumado"
(Pinto, Myazaki, 1985, p.170). Esses manuais privilegiam os feitos e a
historiografia das potências europeias, silenciando ou ignorando os feitos e a
vivência dos povos que aqui viviam. Isto resulta no fato de o índio aparecer
como coadjuvante na história e não como sujeito histórico, o que revela o viés
etnocêntrico e estereotipado da historiografia em uso (cf. Telles, 1987). Como
entender, e aqui apresentamos o segundo exemplo, a data de 1492 ou 1500 como
uma descoberta?
O continente americano havia sido descoberto e habitado ha milhares de anos atrás, quando as primeiras levas de homens saíram da Eurásia, passando pelo estreito de Bering e adentrando o continente americano pelo Norte. De la, esses grupos migraram e ocuparam todo o continente. Assim, quando os europeus aqui chegaram, o continente americano vivia uma dinâmica própria, que foi substancialmente alterada com sua chegada. Mas não havia um mundo a ser criado ou a espera de seu descobridor. O conceito de descoberta só faz sentido se o entendermos dentro da perspectiva da historiografia europeia. Como conceito, sua preocupação básica era o que ocorria na Europa, ignorando a historia do continente americano (cf. Telles, 1987). Ao desconsiderar a historia do continente, os manuais didáticos erram pela omissão, redução e simplificação, ao não considerar como relevante todo o processo histórico em curso no continente.
Chegamos, assim, a uma terceira critica a forma como os livros didáticos tratam os índios: Como isto se da? Primeiramente, pela forma como essas sociedades são tratadas - geralmente pela negação de traços culturais considerados significativos: falta de escrita, falta de governo, falta de tecnologia para lidar com metais, nomadismo etc. Um segundo modo de operação deste mecanismo de simplificação e a apresentação isolada e descontextualizada de documentos históricos que falam sobre os índios. Assim, cartas, alvarás, relatos de cronistas e viajantes são fragmentados, recortados e, por que não dizer, adulterados e apresentados como evidencias, como relatos do passado, sem que sejam fornecidos ao aluno instrumentos para que ele possa filtrar aquelas informações e reconhecê-las dentro do contexto no qual elas foram geradas.
E assim que fatos etnográficos retirados do seu contexto, bem como iconografias da época, são apresentados, criando um quadro de exotismo, de detalhes incompreensíveis, de uma diferença impossível de ser compreendida e, portanto, aceita. E significativo, neste sentido, o fato de muitos livros didáticos usarem, basicamente, informações sobre os índios produzidas nos primeiros séculos da colonização, escritas por cronistas, viajantes e missionários europeus (cf. Rocha, 1984, p.29). Isto pode levar os alunos a concluírem pela não-contemporaneidade dos índios, uma vez que estes são quase sempre apresentados no passado e pensados a partir do paradigma evolucionista, onde os índios estariam entre os representantes da origem da humanidade, numa escala temporal que colocava a sociedade europeia no ápice do desenvolvimento humano e a "comunidade primitiva" em sua origem.
Pode levar também a concluírem pela inferioridade dessas sociedades: a achar que a contribuição dos índios para nossa cultura resumir-se-ia a uma lista de vocábulos e a transmissão de algumas técnicas e conhecimentos da floresta. Mas se e forte a apresentação dos índios no passado e como pertencentes a um tempo pretérito, fato e que a imagem do índio no livro didático não e una. Há diferentes imagens, contraditórias entre si, e fragmentadas. Assim como também são fragmentados os momentos históricos nos quais os índios aparecem.
Os livros didáticos produzem a mágica de fazer aparecer e desaparecer os índios na historia do Brasil. O que parece mais grave neste procedimento e que, ao jogar os índios no passado, os livros didáticos não preparam os alunos para entenderem a presença dos índios no presente e no futuro. E isto acontece, muito embora as crianças sejam cotidianamente bombardeadas pelos meios de comunicação com informações sobre os índios hoje. Deste modo, elas não são preparadas para enfrentar uma sociedade pluriétnica, onde os índios, parte de nosso presente e também de nosso futuro, enfrentam problemas que são vivenciados por outras parcelas da sociedade brasileira (cf. Pinto, Myazaki, 1985). Não obstante essa multiplicidade de imagens, e interessante notar a recorrência e a redundância de informações presentes nos livros didáticos: "Praticamente todos os livros informam coisas semelhantes e privilegiam os mesmos aspectos da sociedade tribal. Assim, todos os que lerem aqueles livros saberão que os índios fazem canoas, andam nus, gostam de se enfeitar e comem mandioca, mas, por outro lado, ninguém aprendera nada sobre a complexidade de sua vida ritual, as relações entre esta e sua concepção do mundo ou da riqueza de seu sistema de parentesco e descendência" (Rocha, 1984, p.27).
Chegamos, assim, a mais uma critica aos manuais didáticos: eles operam com a noção de índio genérico, ignorando a diversidade que sempre existiu nessas sociedades. Eles são "tratados como se formassem um todo homogêneo e como se a generalização fosse a maneira correta de estuda-los" (Rocha, 1984, p.32). E evidente que as sociedades indígenas compartilham um conjunto de características comuns e que são estas características que as diferenciam da nossa sociedade e de outros tipos de sociedades.
Mas as sociedades indígenas são extremamente diversificadas entre si: cada uma tem uma lógica própria e uma historia especifica, habitam diversas áreas ecológicas e experimentaram situações particulares de contato e troca com outros grupos humanos. Tem, portanto, identidades próprias: "cada sociedade indígena se pensa e se vê como um todo homogêneo e coerente e procura manter suas especificidades, apesar dos efeitos destrutivos do contato. Um Guarani ou um Yanomami, apesar de índios, vão continuar se pensando como um Guarani e como um Yanomami" (Grupioni,1992, p. 18). Essa verdade - a de uma rica diversidade sociocultural indígena - não aparece nos livros didáticos.
O continente americano havia sido descoberto e habitado ha milhares de anos atrás, quando as primeiras levas de homens saíram da Eurásia, passando pelo estreito de Bering e adentrando o continente americano pelo Norte. De la, esses grupos migraram e ocuparam todo o continente. Assim, quando os europeus aqui chegaram, o continente americano vivia uma dinâmica própria, que foi substancialmente alterada com sua chegada. Mas não havia um mundo a ser criado ou a espera de seu descobridor. O conceito de descoberta só faz sentido se o entendermos dentro da perspectiva da historiografia europeia. Como conceito, sua preocupação básica era o que ocorria na Europa, ignorando a historia do continente americano (cf. Telles, 1987). Ao desconsiderar a historia do continente, os manuais didáticos erram pela omissão, redução e simplificação, ao não considerar como relevante todo o processo histórico em curso no continente.
Chegamos, assim, a uma terceira critica a forma como os livros didáticos tratam os índios: Como isto se da? Primeiramente, pela forma como essas sociedades são tratadas - geralmente pela negação de traços culturais considerados significativos: falta de escrita, falta de governo, falta de tecnologia para lidar com metais, nomadismo etc. Um segundo modo de operação deste mecanismo de simplificação e a apresentação isolada e descontextualizada de documentos históricos que falam sobre os índios. Assim, cartas, alvarás, relatos de cronistas e viajantes são fragmentados, recortados e, por que não dizer, adulterados e apresentados como evidencias, como relatos do passado, sem que sejam fornecidos ao aluno instrumentos para que ele possa filtrar aquelas informações e reconhecê-las dentro do contexto no qual elas foram geradas.
E assim que fatos etnográficos retirados do seu contexto, bem como iconografias da época, são apresentados, criando um quadro de exotismo, de detalhes incompreensíveis, de uma diferença impossível de ser compreendida e, portanto, aceita. E significativo, neste sentido, o fato de muitos livros didáticos usarem, basicamente, informações sobre os índios produzidas nos primeiros séculos da colonização, escritas por cronistas, viajantes e missionários europeus (cf. Rocha, 1984, p.29). Isto pode levar os alunos a concluírem pela não-contemporaneidade dos índios, uma vez que estes são quase sempre apresentados no passado e pensados a partir do paradigma evolucionista, onde os índios estariam entre os representantes da origem da humanidade, numa escala temporal que colocava a sociedade europeia no ápice do desenvolvimento humano e a "comunidade primitiva" em sua origem.
Pode levar também a concluírem pela inferioridade dessas sociedades: a achar que a contribuição dos índios para nossa cultura resumir-se-ia a uma lista de vocábulos e a transmissão de algumas técnicas e conhecimentos da floresta. Mas se e forte a apresentação dos índios no passado e como pertencentes a um tempo pretérito, fato e que a imagem do índio no livro didático não e una. Há diferentes imagens, contraditórias entre si, e fragmentadas. Assim como também são fragmentados os momentos históricos nos quais os índios aparecem.
Os livros didáticos produzem a mágica de fazer aparecer e desaparecer os índios na historia do Brasil. O que parece mais grave neste procedimento e que, ao jogar os índios no passado, os livros didáticos não preparam os alunos para entenderem a presença dos índios no presente e no futuro. E isto acontece, muito embora as crianças sejam cotidianamente bombardeadas pelos meios de comunicação com informações sobre os índios hoje. Deste modo, elas não são preparadas para enfrentar uma sociedade pluriétnica, onde os índios, parte de nosso presente e também de nosso futuro, enfrentam problemas que são vivenciados por outras parcelas da sociedade brasileira (cf. Pinto, Myazaki, 1985). Não obstante essa multiplicidade de imagens, e interessante notar a recorrência e a redundância de informações presentes nos livros didáticos: "Praticamente todos os livros informam coisas semelhantes e privilegiam os mesmos aspectos da sociedade tribal. Assim, todos os que lerem aqueles livros saberão que os índios fazem canoas, andam nus, gostam de se enfeitar e comem mandioca, mas, por outro lado, ninguém aprendera nada sobre a complexidade de sua vida ritual, as relações entre esta e sua concepção do mundo ou da riqueza de seu sistema de parentesco e descendência" (Rocha, 1984, p.27).
Chegamos, assim, a mais uma critica aos manuais didáticos: eles operam com a noção de índio genérico, ignorando a diversidade que sempre existiu nessas sociedades. Eles são "tratados como se formassem um todo homogêneo e como se a generalização fosse a maneira correta de estuda-los" (Rocha, 1984, p.32). E evidente que as sociedades indígenas compartilham um conjunto de características comuns e que são estas características que as diferenciam da nossa sociedade e de outros tipos de sociedades.
Mas as sociedades indígenas são extremamente diversificadas entre si: cada uma tem uma lógica própria e uma historia especifica, habitam diversas áreas ecológicas e experimentaram situações particulares de contato e troca com outros grupos humanos. Tem, portanto, identidades próprias: "cada sociedade indígena se pensa e se vê como um todo homogêneo e coerente e procura manter suas especificidades, apesar dos efeitos destrutivos do contato. Um Guarani ou um Yanomami, apesar de índios, vão continuar se pensando como um Guarani e como um Yanomami" (Grupioni,1992, p. 18). Essa verdade - a de uma rica diversidade sociocultural indígena - não aparece nos livros didáticos.
O índio na
história do Brasil, segundo os livros didáticos.
Voltemos às
imagens contraditórias e fragmentadas, manipuladas pelos livros didáticos, para
dar conta da presença do índio na nossa historia (cf. Almeida, 1987, p.40-70).
Recapitulemos, ainda que rapidamente, essas principais imagens. Num primeiro
momento da nossa historia, que, de acordo com os livros didáticos, começa com a
chegada dos europeus, os índios da colônia são cordiais e amigáveis: carregam o
pau-brasil em troca de bugigangas e miçangas, ajudam os portugueses a construir
fortes e casas que dão origem as primeiras povoações e ensinam os brancos a
sobreviver e a conhecer a nova terra.
Logo em seguida, entretanto, os índios começam a atrapalhar a colonização. São os Tamoios que se aliam aos franceses e promovem ataques aos núcleos dos brancos. O brasileiro e o português neste momento, os franceses são estrangeiros e os índios os aliados, ora do estrangeiro, ora do brasileiro (cf. Almeida, 1987, p.45). De cordiais, os índios passam a ser traiçoeiros. A colonização exige, por sua vez, trabalho, e o índio e mão - de - obra utilizada em toda a colônia. Nesse momento, a figura do índio aparece ligada a do bandeirante, que expande o território e resolve o problema da mão-de-obra, escravizando índios e depois recapturando negros fugidos (Almeida, 1987, p.47). Mas a escravidão negra só se inicia porque, como explicam vários manuais, o índio não era afeto ao trabalho: "eram preguiçosos" e sua índole para a liberdade não permitia que ele vivesse sob o jugo da escravidão. E nesse momento também que apareceu a figura do índio que deve ser "civilizado", ou melhor, "catequizado".
Não são poucas as figuras que trazem Anchieta e Nóbrega com indiozinhos aos seus lados. Mas, depois disto, o índio desaparece não antes de nos legar algumas generalidades: são Tupis, adoram Jaci e Tupã e moram em ocas e tabas. E também uma herança: ensinam algumas técnicas, como a queimada, a fabricação de redes e esteiras e nos deixam suas lendas. Eles viram uma herança cultural a ser resgatada pela nacionalidade (cf. Almeida, 1987, p.64-65). Tempos depois, ao se falar da necessidade de ocupação dos espaços vazios, não se fala mais de índios. E como se o território do Centro-Oeste e do Norte do Brasil fosse virgem, como se ninguém morasse por lá (cf. Almeida, 1987, p.37-40; Telles, 1987, p.76-82). E é assim que chegamos aos índios atuais, isto quando chegamos, pois a maior parte dos livros didáticos não aborda a presença indígena no presente. Pulverizam-se dados, muitas vezes incorretos. Falam da existência de índios na Amazônia e no Xingu, lembram dos trabalhos de Rondon e dos Vilas- Boas e referem-se a Funai.
Logo em seguida, entretanto, os índios começam a atrapalhar a colonização. São os Tamoios que se aliam aos franceses e promovem ataques aos núcleos dos brancos. O brasileiro e o português neste momento, os franceses são estrangeiros e os índios os aliados, ora do estrangeiro, ora do brasileiro (cf. Almeida, 1987, p.45). De cordiais, os índios passam a ser traiçoeiros. A colonização exige, por sua vez, trabalho, e o índio e mão - de - obra utilizada em toda a colônia. Nesse momento, a figura do índio aparece ligada a do bandeirante, que expande o território e resolve o problema da mão-de-obra, escravizando índios e depois recapturando negros fugidos (Almeida, 1987, p.47). Mas a escravidão negra só se inicia porque, como explicam vários manuais, o índio não era afeto ao trabalho: "eram preguiçosos" e sua índole para a liberdade não permitia que ele vivesse sob o jugo da escravidão. E nesse momento também que apareceu a figura do índio que deve ser "civilizado", ou melhor, "catequizado".
Não são poucas as figuras que trazem Anchieta e Nóbrega com indiozinhos aos seus lados. Mas, depois disto, o índio desaparece não antes de nos legar algumas generalidades: são Tupis, adoram Jaci e Tupã e moram em ocas e tabas. E também uma herança: ensinam algumas técnicas, como a queimada, a fabricação de redes e esteiras e nos deixam suas lendas. Eles viram uma herança cultural a ser resgatada pela nacionalidade (cf. Almeida, 1987, p.64-65). Tempos depois, ao se falar da necessidade de ocupação dos espaços vazios, não se fala mais de índios. E como se o território do Centro-Oeste e do Norte do Brasil fosse virgem, como se ninguém morasse por lá (cf. Almeida, 1987, p.37-40; Telles, 1987, p.76-82). E é assim que chegamos aos índios atuais, isto quando chegamos, pois a maior parte dos livros didáticos não aborda a presença indígena no presente. Pulverizam-se dados, muitas vezes incorretos. Falam da existência de índios na Amazônia e no Xingu, lembram dos trabalhos de Rondon e dos Vilas- Boas e referem-se a Funai.
Bons e maus
selvagens: imagens contraditórias e fragmentadas
Presentes
em muitos manuais didáticos, essas imagens diversas e contraditórias dos índios
parecem encobrir uma dicotomia que perpassa toda a história: ou há índios
vivendo isolados na Amazônia e protegidos no Xingu ou já estão contaminados
pela civilização e a aculturação e seu caminho sem volta. Esta dicotomia pode
ser descrita de outra forma: ou estão no passado ou vão desaparecer em breve.
Estas soluções apresentadas pelo livro didático nos remetem a duas perspectivas
opostas e a eles sempre associadas: a do bom e a do mau selvagem.
Sua origem talvez possa ser buscada nos primeiros anos do contato dos europeus com as populações do Novo Mundo, quando do celebre debate ocorrido em 1550 entre o dominicano Las Casas e o jurista Sepúlveda, ou nas proposições filosóficas do século XVII, representadas por Rousseau e Hobbes, o primeiro argumentando que os índios representariam um estágio primitivo da humanidade, vivendo basicamente pelos seus instintos, e o segundo propagando a teoria da degenerescência, onde os índios viveriam num passado, numa era sem ordem, e que só a civilização os levaria para o progresso. Bom e mau selvagem são imagens opostas e parecem catalisar o imaginário sobre os índios na nossa sociedade. Imagens cristalizadas ao longo de séculos, elas parecem, hoje, revelar algo de concreto e diante delas não se pode ficar indiferente: ou os índios são bons e é preciso que os protejamos tais como eles são, ou os índios são maus e é preciso trazê-los logo a "civilização".
Um antropólogo francês revela que tais imagens tomam o homem civilizado como parâmetro para comparação. De um lado, ha a figura do bom selvagem e do mau civilizado, que espelha uma fascinação pelo estranho e pela pureza, com valores e ideais a serem resgatados, e, de outro, a figura do mau selvagem e do bom civilizado, marcando uma recusa do estranho, visto como um empecilho ao progresso da humanidade (cf. Laplantine, 1988).
São imagens fortes, as quais, todavia, não devemos tomar de forma tão polarizada ou monolítica, sob o risco de perder as nuances que elas efetivamente carregam. Neste sentido, os livros didáticos são criativos em mesclar tantas figuras diferentes e contraditórias, dando uma sensação de unicidade. Feita a ressalva, devemos reconhecer que estas duas imagens nos permitem uma aproximação da forma como a sociedade ocidental representa tais sociedades: contraditórias entre si, elas realizam uma simplificação da questão e demonstram a nossa incapacidade em compreender um outro, que e diferente, em seus próprios termos. E assim que a questão indígena tem estado envolta num ambiente de preconceito, intolerância e muita desinformação. A solução apresentada por vários livros didáticos parece ser a de que, na historia do Brasil, esse índio bom contribuiu para a colonização e deixou traços culturais para a nossa nacionalidade.
Mas esse índio acabou por desaparecer. Já o índio mau, o índio problema, esse e o que ainda ocupa espaços e que atrapalha o desenvolvimento (cf. Almeida, 1987, p.69-70). Enfim, a conclusão geral que podemos tirar disto tudo e que os manuais escolares continuam a ignorar as pesquisas feitas pela historia e pela antropologia no conhecimento do Outro, revelando-se deficientes no tratamento da diversidade étnica e cultural existente no Brasil, dos tempos da colonização aos dias atuais, e da viabilidade de outras ordens sociais. E é com esse material, equivocado e deficiente, que professores e alunos têm encontrado os índios na sala de aula. Preconceito, desinformação e intolerância são resultados mais que esperados deste quadro.
Sua origem talvez possa ser buscada nos primeiros anos do contato dos europeus com as populações do Novo Mundo, quando do celebre debate ocorrido em 1550 entre o dominicano Las Casas e o jurista Sepúlveda, ou nas proposições filosóficas do século XVII, representadas por Rousseau e Hobbes, o primeiro argumentando que os índios representariam um estágio primitivo da humanidade, vivendo basicamente pelos seus instintos, e o segundo propagando a teoria da degenerescência, onde os índios viveriam num passado, numa era sem ordem, e que só a civilização os levaria para o progresso. Bom e mau selvagem são imagens opostas e parecem catalisar o imaginário sobre os índios na nossa sociedade. Imagens cristalizadas ao longo de séculos, elas parecem, hoje, revelar algo de concreto e diante delas não se pode ficar indiferente: ou os índios são bons e é preciso que os protejamos tais como eles são, ou os índios são maus e é preciso trazê-los logo a "civilização".
Um antropólogo francês revela que tais imagens tomam o homem civilizado como parâmetro para comparação. De um lado, ha a figura do bom selvagem e do mau civilizado, que espelha uma fascinação pelo estranho e pela pureza, com valores e ideais a serem resgatados, e, de outro, a figura do mau selvagem e do bom civilizado, marcando uma recusa do estranho, visto como um empecilho ao progresso da humanidade (cf. Laplantine, 1988).
São imagens fortes, as quais, todavia, não devemos tomar de forma tão polarizada ou monolítica, sob o risco de perder as nuances que elas efetivamente carregam. Neste sentido, os livros didáticos são criativos em mesclar tantas figuras diferentes e contraditórias, dando uma sensação de unicidade. Feita a ressalva, devemos reconhecer que estas duas imagens nos permitem uma aproximação da forma como a sociedade ocidental representa tais sociedades: contraditórias entre si, elas realizam uma simplificação da questão e demonstram a nossa incapacidade em compreender um outro, que e diferente, em seus próprios termos. E assim que a questão indígena tem estado envolta num ambiente de preconceito, intolerância e muita desinformação. A solução apresentada por vários livros didáticos parece ser a de que, na historia do Brasil, esse índio bom contribuiu para a colonização e deixou traços culturais para a nossa nacionalidade.
Mas esse índio acabou por desaparecer. Já o índio mau, o índio problema, esse e o que ainda ocupa espaços e que atrapalha o desenvolvimento (cf. Almeida, 1987, p.69-70). Enfim, a conclusão geral que podemos tirar disto tudo e que os manuais escolares continuam a ignorar as pesquisas feitas pela historia e pela antropologia no conhecimento do Outro, revelando-se deficientes no tratamento da diversidade étnica e cultural existente no Brasil, dos tempos da colonização aos dias atuais, e da viabilidade de outras ordens sociais. E é com esse material, equivocado e deficiente, que professores e alunos têm encontrado os índios na sala de aula. Preconceito, desinformação e intolerância são resultados mais que esperados deste quadro.
Para
reverter à situação: algumas ideias
Para
reduzir ou acabar com o preconceito e a discriminação, e preciso gerar ideias e
atitudes novas, num processo que deve ser levado tanto em nível individual como
coletivo. Isso se faz com informações corretas e contextualizadas, que levem as
pessoas a refletir sobre suas posturas e atitudes cotidianas.[5]
Se levarmos em conta que atitudes preconceituosas implicam em apreciações
feitas sem um conjunto de informações satisfatórias, e lógico esperar que,
melhorando a informação, o sultado sejam mudanças de atitude (cf. Klineberg,
1976, p.427).
Por outro lado, a explicitação dos mecanismos de preconceito e discriminação deve nos levar a analisar não somente nossas atitudes e ideias individuais, mas também nossas praticas coletivas de discriminação, de concordância e de convivência com posturas discriminatórias e preconceituosas presentes no nosso dia-a-dia. Os livros didáticos são deficientes no tratamento da diversidade étnica existente no Brasil, tanto em termos históricos como atuais: um conjunto de informações incorretas, incompletas ou descontextualizadas sobre os índios acaba gerando ou reforçando o preconceito e a discriminação. Cabe, agora, perguntarmos como é possível reverter esta situação. Como é possível a escola, que desempenha um papel fundamental na formação do nosso referencial explicativo da realidade, colaborar na construção de uma sociedade pluriétnica, capaz de respeitar e conviver com diferentes normas e valores? O caminho e rever conhecimentos, perceber deficiências, buscar novas formas e novas fontes de saber.
O professor precisa levar para dentro da sala de aula a critica seria e competente dos livros didáticos e o exercício de convívio na diferença, não só entre membros de sociedades diferentes, mas também entre aqueles que têm origens regionais e culturais diversas. Por sua vez, o professor tem hoje a sua disposição uma produção "paradidática" recente e de boa qualidade, que pode auxiliá-lo na tentativa de tratar a questão indígena em sala de aula de forma contextualizada e livre dos estereótipos presentes nos manuais didáticos tradicionais. Ele pode contar também, com o apoio e a assessoria de grupos de pesquisas existentes em diferentes universidades brasileiras, bem como de organizações não governamentais de apoio aos índios, que vem desenvolvendo trabalhos de difusão e informação sobre a questão indígena[6].
Os antropólogos, que por forca de profissão mantém contatos intensos com os grupos indígenas e estudam a questão da diversidade, precisam tomar para si e como um desafio a tarefa de produzir materiais adequados e contextualizados para um publico mais amplo que aquele dos especialistas.[7] Os autores destes manuais didáticos precisam rever FDE. Comissão Contra a suas fontes e as teorias que Discriminação. A escola na luta segue, balizando seus livros em contra a discriminação. São pesquisas mais contemporâneas. Paulo: FDE, 1987. (sic). As editoras, por sua vez, precisam ser mais cuidadosas no controle dos materiais que publicam. E o governo federal deve incentivar avaliações sistemáticas dos livros didáticos beneficiados nos programas de compra e distribuição de material didático para todo o Pais. Por fim, cabe aos próprios índios - e muitos representantes indígenas já estão em condições de manter um dialogo mais efetivo com a sociedade nacional - "pacificar" e "civilizar" os não-índios.
Por outro lado, a explicitação dos mecanismos de preconceito e discriminação deve nos levar a analisar não somente nossas atitudes e ideias individuais, mas também nossas praticas coletivas de discriminação, de concordância e de convivência com posturas discriminatórias e preconceituosas presentes no nosso dia-a-dia. Os livros didáticos são deficientes no tratamento da diversidade étnica existente no Brasil, tanto em termos históricos como atuais: um conjunto de informações incorretas, incompletas ou descontextualizadas sobre os índios acaba gerando ou reforçando o preconceito e a discriminação. Cabe, agora, perguntarmos como é possível reverter esta situação. Como é possível a escola, que desempenha um papel fundamental na formação do nosso referencial explicativo da realidade, colaborar na construção de uma sociedade pluriétnica, capaz de respeitar e conviver com diferentes normas e valores? O caminho e rever conhecimentos, perceber deficiências, buscar novas formas e novas fontes de saber.
O professor precisa levar para dentro da sala de aula a critica seria e competente dos livros didáticos e o exercício de convívio na diferença, não só entre membros de sociedades diferentes, mas também entre aqueles que têm origens regionais e culturais diversas. Por sua vez, o professor tem hoje a sua disposição uma produção "paradidática" recente e de boa qualidade, que pode auxiliá-lo na tentativa de tratar a questão indígena em sala de aula de forma contextualizada e livre dos estereótipos presentes nos manuais didáticos tradicionais. Ele pode contar também, com o apoio e a assessoria de grupos de pesquisas existentes em diferentes universidades brasileiras, bem como de organizações não governamentais de apoio aos índios, que vem desenvolvendo trabalhos de difusão e informação sobre a questão indígena[6].
Os antropólogos, que por forca de profissão mantém contatos intensos com os grupos indígenas e estudam a questão da diversidade, precisam tomar para si e como um desafio a tarefa de produzir materiais adequados e contextualizados para um publico mais amplo que aquele dos especialistas.[7] Os autores destes manuais didáticos precisam rever FDE. Comissão Contra a suas fontes e as teorias que Discriminação. A escola na luta segue, balizando seus livros em contra a discriminação. São pesquisas mais contemporâneas. Paulo: FDE, 1987. (sic). As editoras, por sua vez, precisam ser mais cuidadosas no controle dos materiais que publicam. E o governo federal deve incentivar avaliações sistemáticas dos livros didáticos beneficiados nos programas de compra e distribuição de material didático para todo o Pais. Por fim, cabe aos próprios índios - e muitos representantes indígenas já estão em condições de manter um dialogo mais efetivo com a sociedade nacional - "pacificar" e "civilizar" os não-índios.
Referências
bibliográficas
ALMEIDA,
Mauro William Barbosa de. O racismo
nos livros didaticos. In: SILVA, Aracy Lopes da (Org.). A questão indígena na sala de aula: subsídios para os professores de 1
e 2 graus. São Paulo: Brasiliense, 1987. 253 p.il. p.13-71.
14 Merece
destaque, neste sentido, o trabalho que vem sendo desenvolvido pela Associação
Nacional de Apoio aos índios da Bahia (Anai-BA), junto aos professores da rede
publica da cidade de Salvador.
15 Cito
aqui a recente publicação A Temática Indígena na Escola: Novos Subsídios para
Professores de 1° e 2º Graus, organizada por Aracy Lopes da Silva e Luis
Donisete Benzi, que envolveu a participação de mais de 40 especialistas na
produção de textos e artigos sobre as sociedades indígenas no Brasil, e que
obteve o apoio do MEC e da UNESCO para sua edição. FDE. Comissão Contra a
Discriminação. A escola na luta contra a discriminação. São Paulo: FDE, 1987.
(sic).
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ASSISTENCIA AO ESTUDANTE. Estudos Sociais. In: Definição de critérios para avaliação dos livros didáticos: 1ª 4ª
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São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992. 279 p.p. 13-28.
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internacional de Ias ciencias sociales. Madrid: Aguilar, 1976. V.8.
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Brasiliense, 1988.
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Revista do Museu Paulista, São Paulo, V.30, p.165-191, 1985.
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Everardo Pereira Guimarães. Um índio didático: nota para o estudo de
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social do cotidiano. São Paulo: Brasiliense, 1984.
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2º graus. Brasília: MEC, 1995. 575p.
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Aracy Lopes da (Org.). A questão
indígena na sala de aula: subsídios para professores de 1° e 2º graus. São
Paulo: Brasiliense, 1987.
TEXTO 04
NOVAS PERSPECTIVAS PARA O ENSINO DE
HISTÓRIA DA ÁFRICA: UMA CONVERSA SOBRE LEGISLAÇÃO, BRAUDEL E FLÁVIO JOSEFO.
Marcos Jose de Melo*
“Civilização alguma vive sem movimento
próprio; cada qual se enriquece com as trocas, com os choques acarretados pelas
vizinhanças frutuosas.” (BRAUDEL, 2004: 32) Nestes termos, o historiador
Fernand Braudel, em sua obra “Gramática das Civilizações”, nos ensina que “as civilizações
são diálogos”. Ele explica que todos os dias, uma civilização toma emprestado
as suas vizinhas, mesmo que tenha que “reinterpretar”, de assimilar o que acaba
de lhes tomar. A primeira vista, cada civilização assemelha-se a um armazém de
estrada de ferro que não cessasse de receber, de expedir bagagens heteróclitas.
(IDEM: 49) Partindo-se desta premissa, ficam expostas as falhas do ensino de
Historia Antiga como um todo, e das propostas de inclusao de Historia da Africa
na sala de aula em particular, uma vez que primam, tradicionalmente, pela mera enumeração
de civilizações.
Na escola, os jovens aprendem Historia Antiga de tal modo que aparentemente uma civilização sucede a outra na Historia, elas não parecem ter convivido entre si. Estuda-se “Mesopotâmia” depois do “Egito Antigo”, e a Antiguidade Oriental termina quando aparecem os gregos. Ao invés disso, a proposta de ensino de Brandiu defende que os grupos humanos, num processo que ele chama de ‘constante vaivém’, tomam elementos emprestados de outras culturas e ao mesmo tempo cedem elementos seus a estas, mantendo diálogos do ponto de vista econômico, político, cultural com os eixos civilizatórios que os cercam. Diálogos que muitas vezes se traduzem através de relações violentas, mas diálogos. A recente legislação que tornou obrigatório o ensino de Historia da Africa no Brasil incorre nas mesmas distorções que citamos referentes a História Antiga. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de Historia e Cultura Afro-Brasileira e Africana foram instituídas com o objetivo de resgatar “historicamente a contribuição dos negros na formação da sociedade brasileira” é tão importante quanto, promover “alteração positiva na realidade vivenciada pela população negra.” (BRASIL, 2004: 08) Muito embora a legislação em si seja digna de nossos mais calorosos aplausos, isso não significa que determinados aspectos seus não devam ser criticados com fito em seu melhoramento.
Ora, para que seus objetivos sejam alcançados, a Lei estabelece os aspectos que devem ser destacados dentro do currículo do ensino de Historia africana, e chamamos a atenção para o seguinte: “Articulação entre passado, presente e futuro (...) experiências, construções e pensamentos produzidos em diferentes circunstâncias e realidades do povo negro.” (IDEM, IBIDEM) Porem, se forem seguidas a risca as “determinações” enumeradas logo depois pela mesma legislação, esta “articulação” simplesmente desaparece do quadro.
Para exemplificar, vejamos o sétimo item das citadas determinações. Ele refere-se a ancestralidade e religiosidade africana; aos núbios e aos egípcios, como civilizações que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da humanidade; as civilizações e organizações pré-coloniais, como os reinos do Mali, do Congo e do Zimbábue; ao tráfico e a escravidão do ponto de vista dos escravizados; (...) a ocupação colonial na perspectiva dos africanos; as lutas pela independência política dos países africanos; as ações em prol da unidade africana em nossos dias. (IDEM: 22) Esse formato precisa ser discutido, já que, ser for seguido a risca, exclui importantes civilizações africanas, sem critério algum para tal seleção, alem de, ainda mais grave, enumerar algumas civilizações que devem obrigatoriamente ser estudadas, estando estas enormemente distantes umas das outras no tempo e no espaço, como a Núbia (século IV a.C) e o Mali (século XIV da nossa era).
Ou seja, recai naquela falha ja apontada da mera enumeração de civilizações, algo como os “grandes momentos” da Historia africana. Ministrado dessa maneira, o ensino de Historia da Africa não se aprofunda sobre qualquer de seus aspectos, se torna uma simples lista de nomes e datas em sequencia. Não torna possível a compreensão da Historia africana como um processo, a abordagem permanece superficial e privilegia o estudo das opressões infligidas ao africano pelo estrangeiro. Desde meados de 2006, o Leitorado Antiguo, grupo de pesquisa, ensino e extensão em História Antiga sediado na Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata – Universidade de Pernambuco, vem trabalhando em pesquisas que tem como alvo fornecer uma contribuição ao ensino de Historia da Africa. Em nossa pesquisa, intitulada “A Africa Antiga e o ensino de Historia da Africa: o Kebra Nagast e suas raízes bíblicas” temos, trabalhado, a partir do cruzamento de artefatos culturais africanos e hebraicos e da mais recente historiografia sobre o tema, a importância de uma civilização africana antiga, a Etíope, no mundo do mediterrâneo oriental antigo.
No presente texto, nossa proposta e mostrar, a partir dos relatos envolvendo um obscuro personagem bíblico, os diálogos que existiam entre a Etiópia e outros povos antigos. E importante ressaltar que nossa pesquisa tem tido um “efeito colateral” inesperado, porem muito bem vindo. Através dela, temos ajudado a combater a imagem estereotipada acerca do continente africano que e alardeada nos meios de comunicação, e que grassa mesmo no meio universitário.
Cabe aqui uma breve discussão sobre o discurso da estereotipização, segundo o qual Africa e sinônimo de pobreza, fome, miséria, epidemias etc. Utilizando os conceitos de Foucault aplicados por Durval Muniz de Albuquerque Junior para analisar o surgimento da ideia de Nordeste, podemos dizer que essa imagem da Africa que citamos trata-se ‘simplesmente’ de uma formação discursivo-imagética, criada num contexto pós-colonização que alguns especialistas chamam de “afro-pessimismo”. Para citarmos um exemplo clássico, basta lembrar que Josué de Castro, em sua Geografia da Fome, publicada em meados do século XX, cita a fome na Africa, porem da muito mais destaque a situação da Índia, que naquela época carregava muito mais o estigma da miséria do que o continente africano.
Os países da Africa eram então ou colônia de países europeus ou recém independentes, e embora o continente já carregasse o estigma de “desconhecido” e “exótico” desde a época de sua ocupação, no século XIX, ainda não carregava o de “miserável”. O estudo do professor Durval se ocupa de desconstruir, ou reconsiderar, diversas categorias segundo as quais a Historia do Nordeste vem sendo produzida e ensinada, defendendo que a noção de “Nordeste” e uma formação discursivo-imágetica, algo literalmente “inventado” em um tempo, lugar e contexto específicos. A esse respeito, na introdução do livro, Durval afirma que os vários discursos produzidos sobre o Nordeste nas varias mídias e no próprio mundo acadêmico são impregnados do que ele chama de estratégia de estereotipizacão, “linguagem que leva a estabilidade a critica” e “que se arroga em dizer o outro com poucas palavras” (ALBUQUERQUE Jr, 1999: 20).
E preciso historicizar e contextualizar os conceitos e as ideias, especialmente quando estes dão animo a comportamentos e atitudes como aquelas que discriminam e tornam alvo de violência (qualquer que seja) determinadas populacoes, especialmente minorias. Exemplo disso e o que faz José Guimarães Mello em sua obra Negros e escravos na Antiguidade. Antes de dar inicio a sua analise do tema proposto, ele traz a tona uma discussão acerca da história do preconceito racial, citando vários autores e esvaziando a teoria racial de sua suposta naturalidade por sempre ter existido. Ele nos diz: “O historiador Toynbee afirmava que o sentimento racial entre os ocidentais só aparece no século XV da nossa era. Antes disso, em lugar da divisão entre brancos e negros, a humanidade se dividia entre pagãos e cristãos.” (MELLO, 2003: 19) Ou seja, pelo menos ate a modernidade não ha qualquer indicio serio da existência de racismo provocado pela diferença de cor da pele, pois ate então, e especialmente na Antiguidade, “todos os povos, de qualquer raca, eram passiveis de escravização, ao passo que modernamente a escravidão se concentrou unicamente sobre a raça negra.” (IDEM, IBIDEM) Assim, historicizando-se um conceito, dessacralizam-se e desnaturalizam-se as práticas decorrentes deste. Que dizer dos povos do passado? Como eles encaravam os povos africanos? E disso, em parte, que se ocupa a nossa pesquisa. Vamos agora tratar de um exemplo especifico, de um personagem africano que aparece tanto no relato bíblico como na obra do Historiador judeu-romano do primeiro século Flavio Josefo: Ebed- Melec. No livro bíblico de Jeremias, versículos 7 a 12 do capitulo 38, e 16 a 18 do capitulo 39, encontramos um relato a partir do qual podem ser extraídas valiosas informações sobre as relações entre judeus e etíopes, ajudando a quebrar a imagem de povos estanques vivendo isolados na antiguidade, ao mesmo tempo que mostra a ancestralidade da penetração da cultura judaica entre os etíopes, que “desembocara” mais tarde no Kebra Nagast, a epopeia nacional da Etiópia.
Trata-se da ocasião em que o rei Sedecias (na nomenclatura usada pela Bíblia de Jerusalém), de Israel, foi convencido, durante o sitio dos babilônicos, a permitir o lançamento do profeta Jeremias em uma cisterna onde morreria de fome, apuro do qual foi salvo graças a intervenção de Ebed-Melec, um etíope eunuco que vivia na corte de Sedecias. Percebe-se não só a interação entre estes povos, mas também que Ebed-Melec gozava de alta estima na corte real de Israel, uma vez que o rei atende aos seus apelos e manda que Jeremias seja resgatado da cisterna. Segundo Josefo, tratava-se de um criado do rei, obviamente prosélito judeu, mas com uma posição privilegiada, tendo acesso direto a pessoa do rei, que por sua vez estava disposto a ouvir suas admoestações (JOSEFO, 1990: 224).
Imaginemos uma aula de Historia Antiga e/ou de Historia da Africa em que o professor levasse para a sala de aula o Livro Décimo das Antiguidades Judaicas, de Josefo. Como essa Historia seria contada? Certamente de maneira bem diferente daquelas que criticamos nesse texto, e bem mais próxima daquela proposta por Braudel em sua obra citada, pois nesse texto antigo percebemos a História Antiga em sua dinâmica, em seu movimento característico. E um mergulho no belicoso momento da Historia que presencia a queda do Império Assírio, as tentativas de ascensão egípcias, a conquista babilônica da Palestina e finalmente a supremacia persa, com transito constante de exércitos internacionais, emissários e mercadores através de toda a região levantina.
E uma Historia em que a Assiria deixa um destacamento do exercito sitiando Jerusalém enquanto ataca o Egito, mas acaba sendo suplantado no domínio da região pelos babilônios, que mais tarde cairão sob o poderio persa. E no meio de todo este processo, visto não no formato asséptico dos livros didáticos, em que tais supremacias parecem se suceder sem que haja contato entre estes povos, mas no formato de uma fonte histórica, com suas contradições internas e seus etnocentrismos, encontramos em plena corte de Israel um etíope ocupando um cargo no alto escalão, a ponto de influenciar a autoridade máxima do Rei a voltar atrás em uma polemica decisão.
Nessa historia não ha lugar para preconceito racial, nem muito menos para uma Africa inferiorizada, relegada a segundo plano como nos e alardeado hoje. Nesse ponto, o professor poderia trazer à tona a discussão acerca do fato de que nessa época a Africa ainda não existia, ou seja, a formação discursivo-imagética que conhecemos atualmente estava há milênios de se estabelecer. O uso da fonte histórica diretamente em sala de aula pode se traduzir num forte aliado no combate a preconceitos que dificultam a aprendizagem da Historia, como aquela ideia segundo a qual Historia e uma “matéria decorativa”, que não precisa ser compreendida, apenas memorizada.
O trabalho de transposição didática, ou seja, a adaptação daquilo que se aprende na academia para a sala de aula, ou a pratica do historiador a pratica escolar, representa um desafio que tem aliados diversos. Joaquin Prats fala da necessidade de introduzir as questões metodológicas e técnicas como requisito para ensinar Historia, mostrando para o estudante que Historia não se traduz em um tipo de verdade acabada ou uma serie de datas a memorizar, mas sim um tipo de conhecimento construído através de um método cientifico especifico. Para tanto, o autor sugere que nao seja negado aos estudantes o conhecimento dos elementos e métodos de historiar; uma vez que “para conhecer Historia, deve-se conhecer o método de trabalho do historiador, e isto leva a empregar estratégias muito concretas nas aulas, que não podem ser derivadas de habilidades manuais”. (PRATS, 2006: 205) Essas estratégias concretas o autor assemelha aquilo que ja e tradicionalmente, e sem questionamentos, feito em relação às chamadas “ciências naturais”: a execução de experimentos em sala de aula, a fim de apresentar a natureza inacabada e interpretativa do conhecimento histórico. Prats assinala que, por exemplo, “o uso da cartografia histórica não tem como objetivo ensinar a olhar mapas sem outras razoes; seu objetivo se enquadra na aprendizagem de conceitos tais como mudanças espaciais, causa e consequências dos fatos”. (IDEM, IBIDEM) Esse uso da fonte, no caso, o uso de Josefo para ensinar Historia Antiga inserindo nesta a presença e a importância da Africa, ou propriamente para ensinar Historia da Africa, alem de se traduzir em uma “experimentação” a ser feita com os alunos em sala de aula, de analise de uma fonte e proposta de construção de uma Historia a partir dela, esta em acordo com o movimento de renovação do ensino de História Antiga que nosso país vivencia atualmente, e especialmente procura atender as determinações da Lei 10.639 em conexão com o que já foi exposto antes sobre as criticas que devem ser feitas a essa legislação. Para mostrar que não se tratava de um fato isolado, um etíope vivendo entre os judeus em Canaã, o texto de 2 Samuel 18: 21 afirma que foi um etíope a serviço do rei Davi que levou a este a noticia da morte de Absalão, filho do rei Saul.
Muito diferente da imagem atual, estereotipada, de uma Africa em geral, e Etiópia em particular, dependente de outras nações e irrelevante no cenário internacional, a Bíblia contem e transmite uma visão em que a Etiópia e os etíopes figuram no primeiro escalão das potencias e grandes homens da época, como em Ezequiel 30: 4, 5, 9, onde a Etiópia e retratada como uma poderosa nação aliada do Egito, confiante em si e temida, mas que seria humilhada pelo poder de Deus. Lembremos também das inúmeras citações aos etíopes feitas pelos autores gregos clássicos, especialmente Homero e Heródoto.
Afinal, toda a “odisseia” de Ulisses só nos e contada, e mesmo acontece, por que Posido havia ido a um banquete com os etíopes, por exemplo. Mais uma mostra de o quanto os povos norte-africanos estavam presentes na nossa velha conhecida, a “Antiguidade Oriental”, a despeito de nossa historiografia tê-los solenemente ignorado ao longo do tempo. A longa serie de citações a Etiópia e aos etíopes que encontramos na Bíblia e em outras fontes antigas, assim como as raízes do Kebra Nagast, bíblicas em sua maioria, são evidencia suficiente para demonstrar a importância desse povo no recorte temporal estudado, a Antiguidade. Quando aliado as evidências apontadas pela historiografia e pela arqueologia, assim como por diversas outras fontes da época, não bíblicas, como as fontes gregas ja citadas, começa-se a perceber que e plenamente factível a elaboração de uma Historia da Africa em que esta e ‘tratada em perspectiva positiva, não só de denuncia da miséria e discriminações’, baseada na mesma ‘historia da ancestralidade e religiosidade africana’.
Uma Africa com Historia, e uma Historia muito diferente da imagem negativa e estereotipada e preconceituosa repassada ao longo do tempo. As evidencias que citamos, colhidas em artefatos culturais, apenas corroboram o que os artefatos arqueológicos não dão margem a duvida: o fato de que a Etiópia, no inicio da era crista, “era uma potencia mercantil de primeiro plano, o que se evidencia pela cunhagem de moeda própria em ouro, prata ou cobre.” (KOBISHANOV, 1983: 390) A cunhagem de moedas, especialmente de ouro, no mundo antigo, era um ato não só econômico, mas essencialmente político: “Através dela o Estado de Axum [outra denominação para o antigo Estado etíope] proclamava ao mundo sua independência e prosperidade, o nome de seus monarcas e as divisas do reino.”
Tanto que por volta do ano 270, na Pérsia, o profeta Mani descreveu Axum em seu Kephalaia como “um dos quatro maiores impérios do mundo.” (IDEM: 386) De fato, as evidencias mostram que a Etiópia ocupou a hegemonia mundial das grandes rotas de comercio que tinham como centro a região do corno da Africa e ligavam desde Bizâncio a Índia. Escavações arqueológicas em vários sítios etíopes “revelaram numerosos objetos de origem não-etíope” (IDEM: 397), que vão desde estatuetas de Buda a moedas de prata romanas. As influências culturais de egípcios, árabes, judeus, sírios, budistas, armênios, gregos, cristãos bizantinos e outros foram assimilados pela cultura etíope e transformados em algo próprio.
Como ressalta Kobishanov, o reino axumita foi muito mais do que uma grande potencia comercial nas rotas que uniam o mundo romano a Índia e a Arábia ao nordeste da Africa; foi também um importante centro de difusão cultural, exercendo sua influencia ao longo dessas rotas e tendo, ao mesmo tempo, numerosos traços de sua cultura determinados pela influencia de muitos países de antiga civilização do nordeste da Africa e do sul da Arábia, sob seu domínio. (IDEM: 405)] Compreende-se melhor a partir de tais informações a visão que tinham outros povos dos etíopes, assim como o quadro que eles pintaram de si mesmo no século XIII, quando colocaram por escrito o ciclo de lendas sobre a origem de seu Estado de base teocrática no Kebra Nagast.
Isso implica dizer que, lembrando Braudel, “a fixidez dos espaços solidamente ocupados não exclui a permeabilidade dessas mesmas fronteiras as múltiplas viagens dos bens culturais que não cessam de transpô-las”, e que as civilizações africanas estiveram incluídas nesse processo durante toda a Idade Antiga. Também fornecem ao pesquisador, e especialmente ao professor, de Historia, ainda mais “justificativas” e elementos para ajustar as tradicionais metodologias e os tradicionais objetos da Historia a um ensino e uma escrita da Historia renovados.
Na escola, os jovens aprendem Historia Antiga de tal modo que aparentemente uma civilização sucede a outra na Historia, elas não parecem ter convivido entre si. Estuda-se “Mesopotâmia” depois do “Egito Antigo”, e a Antiguidade Oriental termina quando aparecem os gregos. Ao invés disso, a proposta de ensino de Brandiu defende que os grupos humanos, num processo que ele chama de ‘constante vaivém’, tomam elementos emprestados de outras culturas e ao mesmo tempo cedem elementos seus a estas, mantendo diálogos do ponto de vista econômico, político, cultural com os eixos civilizatórios que os cercam. Diálogos que muitas vezes se traduzem através de relações violentas, mas diálogos. A recente legislação que tornou obrigatório o ensino de Historia da Africa no Brasil incorre nas mesmas distorções que citamos referentes a História Antiga. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de Historia e Cultura Afro-Brasileira e Africana foram instituídas com o objetivo de resgatar “historicamente a contribuição dos negros na formação da sociedade brasileira” é tão importante quanto, promover “alteração positiva na realidade vivenciada pela população negra.” (BRASIL, 2004: 08) Muito embora a legislação em si seja digna de nossos mais calorosos aplausos, isso não significa que determinados aspectos seus não devam ser criticados com fito em seu melhoramento.
Ora, para que seus objetivos sejam alcançados, a Lei estabelece os aspectos que devem ser destacados dentro do currículo do ensino de Historia africana, e chamamos a atenção para o seguinte: “Articulação entre passado, presente e futuro (...) experiências, construções e pensamentos produzidos em diferentes circunstâncias e realidades do povo negro.” (IDEM, IBIDEM) Porem, se forem seguidas a risca as “determinações” enumeradas logo depois pela mesma legislação, esta “articulação” simplesmente desaparece do quadro.
Para exemplificar, vejamos o sétimo item das citadas determinações. Ele refere-se a ancestralidade e religiosidade africana; aos núbios e aos egípcios, como civilizações que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da humanidade; as civilizações e organizações pré-coloniais, como os reinos do Mali, do Congo e do Zimbábue; ao tráfico e a escravidão do ponto de vista dos escravizados; (...) a ocupação colonial na perspectiva dos africanos; as lutas pela independência política dos países africanos; as ações em prol da unidade africana em nossos dias. (IDEM: 22) Esse formato precisa ser discutido, já que, ser for seguido a risca, exclui importantes civilizações africanas, sem critério algum para tal seleção, alem de, ainda mais grave, enumerar algumas civilizações que devem obrigatoriamente ser estudadas, estando estas enormemente distantes umas das outras no tempo e no espaço, como a Núbia (século IV a.C) e o Mali (século XIV da nossa era).
Ou seja, recai naquela falha ja apontada da mera enumeração de civilizações, algo como os “grandes momentos” da Historia africana. Ministrado dessa maneira, o ensino de Historia da Africa não se aprofunda sobre qualquer de seus aspectos, se torna uma simples lista de nomes e datas em sequencia. Não torna possível a compreensão da Historia africana como um processo, a abordagem permanece superficial e privilegia o estudo das opressões infligidas ao africano pelo estrangeiro. Desde meados de 2006, o Leitorado Antiguo, grupo de pesquisa, ensino e extensão em História Antiga sediado na Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata – Universidade de Pernambuco, vem trabalhando em pesquisas que tem como alvo fornecer uma contribuição ao ensino de Historia da Africa. Em nossa pesquisa, intitulada “A Africa Antiga e o ensino de Historia da Africa: o Kebra Nagast e suas raízes bíblicas” temos, trabalhado, a partir do cruzamento de artefatos culturais africanos e hebraicos e da mais recente historiografia sobre o tema, a importância de uma civilização africana antiga, a Etíope, no mundo do mediterrâneo oriental antigo.
No presente texto, nossa proposta e mostrar, a partir dos relatos envolvendo um obscuro personagem bíblico, os diálogos que existiam entre a Etiópia e outros povos antigos. E importante ressaltar que nossa pesquisa tem tido um “efeito colateral” inesperado, porem muito bem vindo. Através dela, temos ajudado a combater a imagem estereotipada acerca do continente africano que e alardeada nos meios de comunicação, e que grassa mesmo no meio universitário.
Cabe aqui uma breve discussão sobre o discurso da estereotipização, segundo o qual Africa e sinônimo de pobreza, fome, miséria, epidemias etc. Utilizando os conceitos de Foucault aplicados por Durval Muniz de Albuquerque Junior para analisar o surgimento da ideia de Nordeste, podemos dizer que essa imagem da Africa que citamos trata-se ‘simplesmente’ de uma formação discursivo-imagética, criada num contexto pós-colonização que alguns especialistas chamam de “afro-pessimismo”. Para citarmos um exemplo clássico, basta lembrar que Josué de Castro, em sua Geografia da Fome, publicada em meados do século XX, cita a fome na Africa, porem da muito mais destaque a situação da Índia, que naquela época carregava muito mais o estigma da miséria do que o continente africano.
Os países da Africa eram então ou colônia de países europeus ou recém independentes, e embora o continente já carregasse o estigma de “desconhecido” e “exótico” desde a época de sua ocupação, no século XIX, ainda não carregava o de “miserável”. O estudo do professor Durval se ocupa de desconstruir, ou reconsiderar, diversas categorias segundo as quais a Historia do Nordeste vem sendo produzida e ensinada, defendendo que a noção de “Nordeste” e uma formação discursivo-imágetica, algo literalmente “inventado” em um tempo, lugar e contexto específicos. A esse respeito, na introdução do livro, Durval afirma que os vários discursos produzidos sobre o Nordeste nas varias mídias e no próprio mundo acadêmico são impregnados do que ele chama de estratégia de estereotipizacão, “linguagem que leva a estabilidade a critica” e “que se arroga em dizer o outro com poucas palavras” (ALBUQUERQUE Jr, 1999: 20).
E preciso historicizar e contextualizar os conceitos e as ideias, especialmente quando estes dão animo a comportamentos e atitudes como aquelas que discriminam e tornam alvo de violência (qualquer que seja) determinadas populacoes, especialmente minorias. Exemplo disso e o que faz José Guimarães Mello em sua obra Negros e escravos na Antiguidade. Antes de dar inicio a sua analise do tema proposto, ele traz a tona uma discussão acerca da história do preconceito racial, citando vários autores e esvaziando a teoria racial de sua suposta naturalidade por sempre ter existido. Ele nos diz: “O historiador Toynbee afirmava que o sentimento racial entre os ocidentais só aparece no século XV da nossa era. Antes disso, em lugar da divisão entre brancos e negros, a humanidade se dividia entre pagãos e cristãos.” (MELLO, 2003: 19) Ou seja, pelo menos ate a modernidade não ha qualquer indicio serio da existência de racismo provocado pela diferença de cor da pele, pois ate então, e especialmente na Antiguidade, “todos os povos, de qualquer raca, eram passiveis de escravização, ao passo que modernamente a escravidão se concentrou unicamente sobre a raça negra.” (IDEM, IBIDEM) Assim, historicizando-se um conceito, dessacralizam-se e desnaturalizam-se as práticas decorrentes deste. Que dizer dos povos do passado? Como eles encaravam os povos africanos? E disso, em parte, que se ocupa a nossa pesquisa. Vamos agora tratar de um exemplo especifico, de um personagem africano que aparece tanto no relato bíblico como na obra do Historiador judeu-romano do primeiro século Flavio Josefo: Ebed- Melec. No livro bíblico de Jeremias, versículos 7 a 12 do capitulo 38, e 16 a 18 do capitulo 39, encontramos um relato a partir do qual podem ser extraídas valiosas informações sobre as relações entre judeus e etíopes, ajudando a quebrar a imagem de povos estanques vivendo isolados na antiguidade, ao mesmo tempo que mostra a ancestralidade da penetração da cultura judaica entre os etíopes, que “desembocara” mais tarde no Kebra Nagast, a epopeia nacional da Etiópia.
Trata-se da ocasião em que o rei Sedecias (na nomenclatura usada pela Bíblia de Jerusalém), de Israel, foi convencido, durante o sitio dos babilônicos, a permitir o lançamento do profeta Jeremias em uma cisterna onde morreria de fome, apuro do qual foi salvo graças a intervenção de Ebed-Melec, um etíope eunuco que vivia na corte de Sedecias. Percebe-se não só a interação entre estes povos, mas também que Ebed-Melec gozava de alta estima na corte real de Israel, uma vez que o rei atende aos seus apelos e manda que Jeremias seja resgatado da cisterna. Segundo Josefo, tratava-se de um criado do rei, obviamente prosélito judeu, mas com uma posição privilegiada, tendo acesso direto a pessoa do rei, que por sua vez estava disposto a ouvir suas admoestações (JOSEFO, 1990: 224).
Imaginemos uma aula de Historia Antiga e/ou de Historia da Africa em que o professor levasse para a sala de aula o Livro Décimo das Antiguidades Judaicas, de Josefo. Como essa Historia seria contada? Certamente de maneira bem diferente daquelas que criticamos nesse texto, e bem mais próxima daquela proposta por Braudel em sua obra citada, pois nesse texto antigo percebemos a História Antiga em sua dinâmica, em seu movimento característico. E um mergulho no belicoso momento da Historia que presencia a queda do Império Assírio, as tentativas de ascensão egípcias, a conquista babilônica da Palestina e finalmente a supremacia persa, com transito constante de exércitos internacionais, emissários e mercadores através de toda a região levantina.
E uma Historia em que a Assiria deixa um destacamento do exercito sitiando Jerusalém enquanto ataca o Egito, mas acaba sendo suplantado no domínio da região pelos babilônios, que mais tarde cairão sob o poderio persa. E no meio de todo este processo, visto não no formato asséptico dos livros didáticos, em que tais supremacias parecem se suceder sem que haja contato entre estes povos, mas no formato de uma fonte histórica, com suas contradições internas e seus etnocentrismos, encontramos em plena corte de Israel um etíope ocupando um cargo no alto escalão, a ponto de influenciar a autoridade máxima do Rei a voltar atrás em uma polemica decisão.
Nessa historia não ha lugar para preconceito racial, nem muito menos para uma Africa inferiorizada, relegada a segundo plano como nos e alardeado hoje. Nesse ponto, o professor poderia trazer à tona a discussão acerca do fato de que nessa época a Africa ainda não existia, ou seja, a formação discursivo-imagética que conhecemos atualmente estava há milênios de se estabelecer. O uso da fonte histórica diretamente em sala de aula pode se traduzir num forte aliado no combate a preconceitos que dificultam a aprendizagem da Historia, como aquela ideia segundo a qual Historia e uma “matéria decorativa”, que não precisa ser compreendida, apenas memorizada.
O trabalho de transposição didática, ou seja, a adaptação daquilo que se aprende na academia para a sala de aula, ou a pratica do historiador a pratica escolar, representa um desafio que tem aliados diversos. Joaquin Prats fala da necessidade de introduzir as questões metodológicas e técnicas como requisito para ensinar Historia, mostrando para o estudante que Historia não se traduz em um tipo de verdade acabada ou uma serie de datas a memorizar, mas sim um tipo de conhecimento construído através de um método cientifico especifico. Para tanto, o autor sugere que nao seja negado aos estudantes o conhecimento dos elementos e métodos de historiar; uma vez que “para conhecer Historia, deve-se conhecer o método de trabalho do historiador, e isto leva a empregar estratégias muito concretas nas aulas, que não podem ser derivadas de habilidades manuais”. (PRATS, 2006: 205) Essas estratégias concretas o autor assemelha aquilo que ja e tradicionalmente, e sem questionamentos, feito em relação às chamadas “ciências naturais”: a execução de experimentos em sala de aula, a fim de apresentar a natureza inacabada e interpretativa do conhecimento histórico. Prats assinala que, por exemplo, “o uso da cartografia histórica não tem como objetivo ensinar a olhar mapas sem outras razoes; seu objetivo se enquadra na aprendizagem de conceitos tais como mudanças espaciais, causa e consequências dos fatos”. (IDEM, IBIDEM) Esse uso da fonte, no caso, o uso de Josefo para ensinar Historia Antiga inserindo nesta a presença e a importância da Africa, ou propriamente para ensinar Historia da Africa, alem de se traduzir em uma “experimentação” a ser feita com os alunos em sala de aula, de analise de uma fonte e proposta de construção de uma Historia a partir dela, esta em acordo com o movimento de renovação do ensino de História Antiga que nosso país vivencia atualmente, e especialmente procura atender as determinações da Lei 10.639 em conexão com o que já foi exposto antes sobre as criticas que devem ser feitas a essa legislação. Para mostrar que não se tratava de um fato isolado, um etíope vivendo entre os judeus em Canaã, o texto de 2 Samuel 18: 21 afirma que foi um etíope a serviço do rei Davi que levou a este a noticia da morte de Absalão, filho do rei Saul.
Muito diferente da imagem atual, estereotipada, de uma Africa em geral, e Etiópia em particular, dependente de outras nações e irrelevante no cenário internacional, a Bíblia contem e transmite uma visão em que a Etiópia e os etíopes figuram no primeiro escalão das potencias e grandes homens da época, como em Ezequiel 30: 4, 5, 9, onde a Etiópia e retratada como uma poderosa nação aliada do Egito, confiante em si e temida, mas que seria humilhada pelo poder de Deus. Lembremos também das inúmeras citações aos etíopes feitas pelos autores gregos clássicos, especialmente Homero e Heródoto.
Afinal, toda a “odisseia” de Ulisses só nos e contada, e mesmo acontece, por que Posido havia ido a um banquete com os etíopes, por exemplo. Mais uma mostra de o quanto os povos norte-africanos estavam presentes na nossa velha conhecida, a “Antiguidade Oriental”, a despeito de nossa historiografia tê-los solenemente ignorado ao longo do tempo. A longa serie de citações a Etiópia e aos etíopes que encontramos na Bíblia e em outras fontes antigas, assim como as raízes do Kebra Nagast, bíblicas em sua maioria, são evidencia suficiente para demonstrar a importância desse povo no recorte temporal estudado, a Antiguidade. Quando aliado as evidências apontadas pela historiografia e pela arqueologia, assim como por diversas outras fontes da época, não bíblicas, como as fontes gregas ja citadas, começa-se a perceber que e plenamente factível a elaboração de uma Historia da Africa em que esta e ‘tratada em perspectiva positiva, não só de denuncia da miséria e discriminações’, baseada na mesma ‘historia da ancestralidade e religiosidade africana’.
Uma Africa com Historia, e uma Historia muito diferente da imagem negativa e estereotipada e preconceituosa repassada ao longo do tempo. As evidencias que citamos, colhidas em artefatos culturais, apenas corroboram o que os artefatos arqueológicos não dão margem a duvida: o fato de que a Etiópia, no inicio da era crista, “era uma potencia mercantil de primeiro plano, o que se evidencia pela cunhagem de moeda própria em ouro, prata ou cobre.” (KOBISHANOV, 1983: 390) A cunhagem de moedas, especialmente de ouro, no mundo antigo, era um ato não só econômico, mas essencialmente político: “Através dela o Estado de Axum [outra denominação para o antigo Estado etíope] proclamava ao mundo sua independência e prosperidade, o nome de seus monarcas e as divisas do reino.”
Tanto que por volta do ano 270, na Pérsia, o profeta Mani descreveu Axum em seu Kephalaia como “um dos quatro maiores impérios do mundo.” (IDEM: 386) De fato, as evidencias mostram que a Etiópia ocupou a hegemonia mundial das grandes rotas de comercio que tinham como centro a região do corno da Africa e ligavam desde Bizâncio a Índia. Escavações arqueológicas em vários sítios etíopes “revelaram numerosos objetos de origem não-etíope” (IDEM: 397), que vão desde estatuetas de Buda a moedas de prata romanas. As influências culturais de egípcios, árabes, judeus, sírios, budistas, armênios, gregos, cristãos bizantinos e outros foram assimilados pela cultura etíope e transformados em algo próprio.
Como ressalta Kobishanov, o reino axumita foi muito mais do que uma grande potencia comercial nas rotas que uniam o mundo romano a Índia e a Arábia ao nordeste da Africa; foi também um importante centro de difusão cultural, exercendo sua influencia ao longo dessas rotas e tendo, ao mesmo tempo, numerosos traços de sua cultura determinados pela influencia de muitos países de antiga civilização do nordeste da Africa e do sul da Arábia, sob seu domínio. (IDEM: 405)] Compreende-se melhor a partir de tais informações a visão que tinham outros povos dos etíopes, assim como o quadro que eles pintaram de si mesmo no século XIII, quando colocaram por escrito o ciclo de lendas sobre a origem de seu Estado de base teocrática no Kebra Nagast.
Isso implica dizer que, lembrando Braudel, “a fixidez dos espaços solidamente ocupados não exclui a permeabilidade dessas mesmas fronteiras as múltiplas viagens dos bens culturais que não cessam de transpô-las”, e que as civilizações africanas estiveram incluídas nesse processo durante toda a Idade Antiga. Também fornecem ao pesquisador, e especialmente ao professor, de Historia, ainda mais “justificativas” e elementos para ajustar as tradicionais metodologias e os tradicionais objetos da Historia a um ensino e uma escrita da Historia renovados.
REFERÊNCIAS
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invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 1999.
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biografia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
BIBLIA DE JERUSALEM. São Paulo: Paulus
editora, 2002.
BRASIL. Ministério da Educação.
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de Historia e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: Ministério
da Educação, 2004.
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São Paulo: Martins Fontes, 2004.
BROOKS, Miguel F. (ed.). Uma tradução
moderna de Kebra Negast (A Gloria dos Reis). São Paulo: edição do autor, 2001.
CHARTIER, Roger. A História Cultural -
entre praticas e representações. Lisboa: Verbo, 2004.
FUNARI, Pedro Paulo. A renovação da
historia antiga. In KARNAL, Leandro (org.). Historia na sala de aula: conceitos,
práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2005.
GIORDANI, Mario Curtis. Historia da
Africa anterior aos descobrimentos. Petrópolis: Vozes, 1985.
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Africa - vol. I: Metodologia e pre-historia da Africa. São Paulo: Atica;
[Paris]: UNESCO, 1982.
KOBISHANOV, Y. M. Axum do século I ao século
IV: economia, sistema político e cultura. In MOKHTAR, G. Historia Geral da
Africa – vol. 2: A Africa antiga. São Paulo: Ática; [Paris]: UNESCO, 1983.
LECLANT, J. O Império de Kush: Napata
e Meroe. In MOKHTAR, G. Historia Geral da Africa – vol. 2: A Africa antiga. São
Paulo: Ática; [Paris]: UNESCO, 1983.
MELLO, Jose Guimarães. Negros e
escravos na Antiguidade. São Paulo: Arte & Ciência, 2003.
PRATS, Joaquin. Ensinar Historia no
contexto das Ciências Sociais: princípios básicos. In: Educar Especial;
Curitiba: Editora UFPR, 2006.
REVEL, Judith. Foucault: conceitos
essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005.
ULLENDORFF,
Edward. Ethiopia and The Bible. Londres: British Academy/Oxford University
Press, 1968.
TEXTO 05
A
CHEGADA DOS ARUAK
Benedito Prezia*
Se o baixo Amazonas fora talvez a
porta de entrada dos povos Tupi, o rio Orenoco foi o caminho que trouxe
seguramente os povos de língua Aruak, originários do litoral equatoriano ou das
planícies venezuelanas – os famosos lhanos.Esses povos agricultores, caminhando
na direção do sol nascente, procuraram melhores terras para sobrevivência de
suas famílias.
A grande dispersão dos Aruak em nosso
país mostra a antiguidade dessa migração, que deve remontar há quase 2000 anos,
quando houve a implantação de importantes culturas, como a marajoara, na foz do
Amazonas.
Hoje encontramos nações da família
Aruak como os Terena, em Mato Grosso do Sul; os Pereci e Salumã ou
Enawenê-nawê, em Mato Grosso;os Mehinaku, Waurá e Yawalapiti, Parque do Xingu,
também nesse Estado.No Acre e sudoeste do Amazonas, na região do rio Iaco, vivem os Apurinã e os Maxineri, e na
região do alto Juruá, os Kampa. Ao norte do amazonas, na região do rio Içana,
afluente do Negro, ainda estão os Baniwa do Içana, os Warekena, os Tariana e os
Baré. No alto rio Negro vivem os Mandawaka e os Yabaana, originários dos rios
Cauabori e Padauiri. E finalmente, em Roraima, ao norte de Boa Vista, vivem os
Wapixana.
Apesar de já se ter falado de um
tronco aruak, estudos mais recentes não confirmaram essa tese, muito embora
tenha existido uma mãe-língua, o proto-aruak, da qual derivam as demais línguas
desta importante família. Guiana, Guiana Francesa, Suriname, Venezuela e
Trinidad-Tobago são países que estiveram na rota de dispersão dos aruak e que
ainda hoje conservam muitos desses povos. Depois de estabelecidos na bacia
Amazônica, por volta do ano 100 de nossa era, bem mais tarde tiveram que
enfrentar a violenta chegada dos Karib, no século 15, que, vindos do litoral
venezuelano, buscavam novos espaços.
Com a entrada dos europeus, essas divergências
foram exploradas pelos invasores para enfraquecer a resistência indígena. Divididos,
muitos se tornaram aliados dos franceses, holandeses ou portugueses, de acordo
com as circunstâncias.
Ainda hoje a divergência Aruak-Karib
se faz sentir na região de Roraima, onde os Wapixana (Aruak) lembram as
violentas guerras mantidas com os Makuxi (Karib), na disputa de mulheres,
terras e alimentação. Por serem povos agricultores e de índole pacífica, os
Aruak quase sempre foram submetidos por outras nações mais guerreiras, como
aconteceu com os Terena e com os Pareci, em Mato Grosso. Por uma tática de
sobrevivência, aceitaram com facilidade as regras do dominador, sendo este um
dos motivos de certa descaracterização dos Terena e dos Wapixana, apesar de
manter outros elementos profundos que lhes dão coesão como povo.
TEXTO 06
A
IMPORTÂNCIA DA ORALIDADE*
Regiane Augusto de Matos
Até
os dias atuais, a maior parte das sociedades africanas subsaariana dá grande
importância à oralidade, ao conhecimento transmitido de geração para geração
por meio das palavras proferidas com cuidado pelos tradicionalistas – os
guardiões da tradição oral, que conhecem e transmitem as ideias sobre a origem
do mundo, as ciências da natureza, a astronomia e os fatos históricos.
Nessas
sociedades de tradição oral, a relação entre o homem e a palavra é mais intensa.
A palavra tem um valor sagrado, sua origem é divina. A fala é um dom, não
podendo ser utilizada de forma imprudente, leviana. Ela tem o poder de criar,
mas também o de conservar e destruir. Uma única palavra pode causar uma guerra
ou proporcionar a paz.
Alguns
ofícios existentes nas sociedades africanas estão relacionados à tradição oral,
a um conhecimento sagrado, a ser revelado e transmitido para as futuras
gerações; é o caso dos ferreiros, carpinteiros, tecelões, caçadores e
agricultores. Os mestres que realizam essas atividades fazem-no ao mesmo tempo
em que entoam cantos ou palavras ritmadas e gestos que representam a criação.
Os
griots ou animadores públicos também são tradicionalistas responsáveis pela
história, música, poesia e contos. Existem griots músicos, tocadores de
instrumentos, compositores e cantores, os griots embaixadores, mediadores em
caso de desentendimento entre as famílias, e os griots historiadores, poetas e
genealogistas, estes são os contadores de história. Nem todos os griots têm o
compromisso com a verdade como os demais tradicionalistas. A eles é permitido
inventar e embelezar as histórias.
O
aprendizado de um tradicionalista ocorre nas escolas de iniciação e no seio da
familiar, no qual o pai, a mãe e os parentes mais velhos também são os
responsáveis pelos ensinamentos, por meio de suas próprias experiências,
lendas, fábulas, provérbios e mitos sobre a criação do mundo, o papel do homem
no Universo, a existência do mundo dos vivos e dos mortos.
TEXTO 07
TUPINAMBÁS
– OS SENHORES DO LITORAL*
No
século XVI, a longa faixa litorânea que atualmente vai do Estado do Rio Grande
do Norte ao Rio Grande do Sul, com uma largura média de 200 quilômetros,
encontrava-se ocupada pela então rica e exuberante Mata Atlântica. Essas
regiões possuíam rios piscosos, um clima ameno e variadas e ricas flora e
fauna. Ao contrário dos sertões, elas eram próprias à agricultura e
especialmente favoráveis à ocupação humana. Estima-se que nessas regiões
litorâneas viveria cerca de 1 milhão de americanos de cultura tupinambá, um dos
dois grandes braços do tronco linguístico tupi-guarani.
A
cultura tupi-guarani ter-se-ia formado, há mais de 3 mil anos, na Amazônia
central. O braço guarani expandiu-se do berço amazônico em direção dos Andes e,
seguindo o curso dos rios Madeira, Purus e Paraguai, alcançou assim, desde os
sertões, o Brasil meridional. Mais tarde, o braço tupinambá chegou à foz do
Amazonas, daí evoluindo rapidamente para o sul, expulsando da estreita e fértil
faixa litorânea povos nativos tecnologicamente menos desenvolvidos. Sob
diversos nomes – tupiniquins, tupinambás, caetés, tamoios etc. –, comunidades
tupinambás ocuparam o litoral brasílico desde a foz do Amazonas até o litoral
de São Paulo.
Os tupinambás viviam em aldeias circulares –
taba –, protegidos por duas paliçadas de troncos e por fossos contendo estrepes1.
As aldeias se localizavam em sítios elevados e arejados, próximos de matas
férteis, do mar, de um rio ou de uma fonte de água. Elas possuíam uns 350
moradores e de quatro a sete grandes residências coletivas retangulares – malocas.
Com aproximadamente 150 metros quadrados e cobertas de palha até o chão, as
moradias tinham duas portas laterais e uma central e eram construídas em torno
de um grande pátio. Em cada uma delas viveriam uns cinquenta tupinambás. Uma
residência comunitária – a “casa grande” ou a “casa dos homens” – servia para
as deliberações da comunidade.
As comunidades tupinambás viviam sobretudo da
produção de suas hortas. A caça, a pesca e a coleta eram igualmente importantes
fontes de recurso alimentar. A técnica agrícola – coivara –era simples. Antes
das chuvas, os homens de uma taba ou de uma maloca abriam juntos, na mata
virgem, com machados de pedra de uns 500 gramas, uma grande clareira, e
deixavam secar, por alguns dias ou semanas, as árvores e os galhos abatidos. A
seguir, lançavam fogo.
As mulheres limpavam e preparavam
superficialmente os terrenos onde plantavam mandioca, batata-doce, vagens,
amendoim, abóboras, abacaxi, bananas e outros gêneros agrícolas. Os grãos de
milho eram enterrados com a ajuda de um bastão pontudo de madeira. O principal
produto dessa horticultura era a mandioca. As mulheres cuidavam das plantações,
ocupavam-se das colheitas e transportavam os vegetais até as residências.
Calcula-se que uma horta de meio hectare sustentasse uma família de três a cinco
pessoas. Os tupinambás não possuíam animais de transporte e não praticavam a
criação de gado – de pequeno, de médio ou de grande porte – para fins
alimentares.
População Numerosa
A
célula de base da sociedade tupinambá era a família nuclear – um homem adulto,
sua esposa e seus filhos. Os aldeões de prestígio praticavam a poligamia2.
Todavia as famílias monogâmicas eram mais comuns. As aldeias eram formadas pela
reunião de comunidades familiares independentes, associadas em residências
coletivas, sob a autoridade pouco rígida de um chefe –O principal3.
Cada maloca tinha, no mínimo, um principal. As aldeias podiam ter um ou mais
grandes chefes – os morubi’xaua.4
Não
existiam vínculos permanentes entre as aldeias. Elas mudavam-se para uns três a
cinco quilômetros de distância, a cada três, quatro ou cinco anos, quando se
esgotavam a fertilidade da terra e, sobretudo, quando escasseavam os recursos
em caça, pesca e coleta na região. Era comum que as aldeias se fracionassem
durante essas migrações. Cada família possuía um espaço de uns 10 metros
quadrados no interior da maloca. As residências coletivas não conheciam nenhuma
espécie de divisão interna.
Cada
esposa de um tupinambá poligâmico possuía sua própria horta e seu espaço habitacional.
Os tupinambás dormiam em redes de algodão – havia redes de casal e solteiros. À
noite, as mulheres mantinham fogos acesos ao lado das redes dos maridos, o que
lhes esquentava os corpos e afastava os insetos e os maus espíritos. Em geral
as refeições eram preparadas e consumidas dentro das residências. Os membros de
uma família realizavam juntos e em silêncio, refeições comedidas. Quando se
comia, não se bebia, e vice-versa.
Como
outros tubérculos, e ao contrário dos cereais, a mandioca não permite a
acumulação, em celeiros, de grandes resevas alimentares. Os tupinambás
conheciam apenas rudimentares formas de conservação de alimentos. Devido a
esses fatores e à relativamente baixa produtividade da horticultura brasílica,
as comunidades tupinambás viviam períodos de abundância e de escassez de
alimentos. Reinava uma grande solidariedade entre os membros de uma mesma taba
e, sobretudo de uma mesma maloca. O caçador e o pescador afortunados dividiam o
obtido com os companheiros menos felizes. O mesmo se fazia com os produtos das
hortas, sobretudo quando escasseavam os alimentos.
Os
primeiros europeus que visitaram as costas brasílicas ficavam impressionados
com a profunda harmonia e civilidade que reinava em uma aldeia tupinambá. Na
língua tupi-guarani, não existiam palavras para designar atos como o roubo, a
avareza, a inveja etc. A sociedade tupinambá tinha em alta consideração o
cumprimento da palavra dada, o exemplo como forma de convencimento, o poder de
persuasão dos oradores etc. Numa discussão, quando um orador falava, seu
opositor esperava atento e paciente, que ele terminasse seu discurso, para
falar à sua vez.
Mulheres Esforçadas
As
resoluções comunitárias eram tomadas, por unanimidade, em assembleia, na grande
praça ou na “casa dos homens”. Nessas ocasiões, os principais permaneciam
deitados, em redes atadas a troncos, e os aldeões permaneciam em pé ou sentados
no chão. Os principais e os anciões eram escutados atentamente e, no geral,
seguidos. As crianças e as mulheres não participavam e não falavam em
assembleias. Todas as noites, os homens se reuniam na “casa grande” para conversarem
sobre os acontecimentos do dia e tomarem as decisões comunitárias.
Não
devemos idealizar a sociedade tupinambá. As condições gerais de existência eram
duras e a média de vida era baixa. O grande mito dessa sociedade era a Terra
dos Males sem Fim. Um paraíso terrestre, escondido no leste ou entre as
montanhas, onde sozinhos, os machados iriam derrubar as árvores, as flechas
iriam caçar nas florestas, as hortas cresceriam sem o trabalho humano. Nesse
mundo, os guerreiros matariam muitos inimigos e as mulheres jamais
envelheceriam... Ou seja, sonhava-se com a emancipação do homem e da mulher dos
duros trabalhos produtivos cotidianos.
Eram claras as contradições sociais na
comunidade tupinambá. Os homens adultos e, sobretudo, os principais exploravam
os jovens solteiros, os cativos e principalmente as mulheres. Dos 8 aos 25 anos,
um filho trabalhava para seu pai. Para casar-se, assumia obrigações com o sogro
e com a família da esposa. Os tupinambás conheciam uma estrita e desigual
divisão sexual do trabalho que sobrecarregavam as mulheres.
Os homens praticavam a poliginia; as mulheres
não conheciam a poliandria. As esposas envelhecidas eram simplesmente
repudiadas pelos esposos. Era comum o casamento de tupinambás adultos e mesmo
idosos com mulheres jovens. O esposo poligâmico recebia muito mais do que
entregava às suas esposas. É igualmente a-histórica a concepção de “bom índio”.
Extremamente prestativos e solidários com os membros de sua aldeia, os brasis
eram terrível e “inocentemente” impiedosos com os inimigos.
Os tupinambás eram hábeis pescadores,
nadadores e mergulhadores. Construíam jangadas e canoas cavadas em troncos de
certas árvores. Durante as viagens nas canoas, os homens remavam e as mulheres
esvaziavam com cuias a água que entrava nas embarcações. Os tupinambás
conheciam a cerâmica, a cestaria, o trabalho com o algodão e fabricavam armas e
instrumentos domésticos e musicais. Manejavam com grande habilidade suas armas
de caça e de guerra – tacapes, arcos, flechas, escudos, machados de pedra
polida etc. Nas batalhas, soavam tambores, flautas, cornetas e buzinas.
Hábitos Estranhos
Os
homens usavam o cabelo curto na testa e longo na nuca, nas orelhas e nas
fontes. As mulheres o deixavam crescer até a cintura e o prendiam quando
trabalhavam. Homens e mulheres tatuavam o corpo, que pintavam (com jenipapo e
urucu) e untavam (com óleos). Furar o lábio inferior para colocar objetos de
pedra, osso ou madeira era um símbolo de masculinidade. Os homens usavam
colares de búzios, de ossos de animais e de dentes de inimigos e enfeitavam-se
com penas de aves. As mulheres usavam enfeites nos pescoços, nos braços e nas
orelhas. Homens e mulheres raspavam os pelos do corpo – barba, sobrancelha,
pelo pubiano etc.
O tupinambá interrompia o relacionamento
sexual com a esposa grávida. Após o parto, a mulher mantinha-se em repouso por
uns dois dias; daí, ia trabalhar. O homem deitava-se na rede e recebia as
visitas, para atrair sobre ele, e não sobre a mulher debilitada, os maus
espíritos. Os recém- nascidos eram aleitados até uma nova gravidez. Também eram
alimentados grãos de milho assado, mastigado pelas mães. Na educação dos filhos
se usava o exemplo, raramente o castigo físico. Entre esses e outros hábitos –
que para os europeus pareciam profundamente estranho –, encontrava-se o costume
brasílico de banhar-se diversas vezes ao dia. Os lusitanos criticavam o uso e
afirmavam que era altamente prejudicial à saúde.
Os
tupinambás doentes eram atendidos pelos parentes e pelos pajés. Ao falecerem,
os familiares lamentavam o ocorrido, chorando e gritando em voz alta, e um
principal realizava um discurso fúnebre, lembrando as qualidades do falecido e
que ele sempre cumprira com as suas obrigações.
O corpo era enterrado em uma cova funda e redonda, junto aos ornamentos, armas e outros objetos pessoais do falecido. Água e alimentos eram depositados junto ao corpo. Ao lado da cova, fazia-se uma outra, onde se acendia um fogo. Os parentes costumavam chorar sobre a sepultura e espalhar sobre ela grãos de milho e outros alimentos.
O corpo era enterrado em uma cova funda e redonda, junto aos ornamentos, armas e outros objetos pessoais do falecido. Água e alimentos eram depositados junto ao corpo. Ao lado da cova, fazia-se uma outra, onde se acendia um fogo. Os parentes costumavam chorar sobre a sepultura e espalhar sobre ela grãos de milho e outros alimentos.
Na época das descobertas, dominava na Europa
uma moralidade oficial profundamente sexofóbica5,
misógina6
e repressiva. Homens e mulheres podiam ser condenados à fogueira por atos
considerados sexualmente anormais, tais como a sodomia, o onamismo7,
o bestialismo etc. A relativamente ampla liberdade sexual americana espantava
os europeus. Alguns tupinambás possuíam duas, três ou mais esposas. Da
puberdade ao casamento, as jovens gozavam de uma extensa liberdade sexual.
Entretanto, apenas as esposas deviam manter-se fiéis aos maridos, sob pena de
serem repudiadas, açoitadas, escravizadas ou mortas.
O homem repudiava a mulher por adultério,
esterilidade e outros motivos. A mulher podia fazê-lo, se fosse maltratada.
Geralmente, quando um conjugue desejava, os casais se separavam sem maiores
problemas. Alguns maridos resistiam a deixar partir suas esposas. A
tranquilidade relativa com que os brasis aceitavam a homossexualidade masculina
e feminina escandalizou igualmente os lusitanos.
Para os europeus, era também motivo de espanto que os tupinambás assumissem tendencialmente papéis sociais segundo suas inclinações sexuais profundas. Algumas mulheres tupinambás comportavam-se como aldeões e eram tratadas como tal. Viviam com suas esposas nas residências coletivas. Participavam das discussões masculinas, iam à guerra etc.
Para os europeus, era também motivo de espanto que os tupinambás assumissem tendencialmente papéis sociais segundo suas inclinações sexuais profundas. Algumas mulheres tupinambás comportavam-se como aldeões e eram tratadas como tal. Viviam com suas esposas nas residências coletivas. Participavam das discussões masculinas, iam à guerra etc.
Vida Agradável
Principalmente
nos primeiros anos após a descoberta, a cultura americana exerceu uma profunda
atração sobre muitos europeus. Durante muito tempo, afirmou-se que “não se
pecaria [carnalmente] ao sul do equador”. Marinheiros e colonizadores
desertavam dos navios e das primeiras vilas para irem viver entre os brasis,
quase como brasis.
Eles se estabeleciam entre as populações tupinambás e aderiam gostosamente aos seus costumes. Moravam nas residências comunitárias, falavam corretamente o tupi-guarani, fumavam, andavam nus, bebiam cauim8, furavam os lábios, participavam das festas comunitárias, copulavam sem reservas, mantinham famílias poligâmicas.
Eles se estabeleciam entre as populações tupinambás e aderiam gostosamente aos seus costumes. Moravam nas residências comunitárias, falavam corretamente o tupi-guarani, fumavam, andavam nus, bebiam cauim8, furavam os lábios, participavam das festas comunitárias, copulavam sem reservas, mantinham famílias poligâmicas.
João
Ramalho e Diogo Álvares, o “Caramuru”, foram apenas os dois europeus
americanizados mais famosos da história do Brasil. Casados com filhas de
principais tiveram grande descendência e facilitaram a fixação e conquista
portuguesa do Novo Mundo. Com o começo da colonização, esses lusitanos
americanizados foram praticamente arrastados –sobretudo pelos jesuítas – de
volta ao convívio com os colonizadores. Nos primeiros tempos, alguns colonos
mais ricos e mais libertinos formavam haréns com vinte ou mais escravas. Também
para eles, o exercício da poligamia permitia que controlassem, domesticamente,
uma grande força de trabalho feminina.
Foi o difundido hábito antropofágico tupinambá
que mais profundamente impressionou os europeus. Para estes, o canibalismo era
um fenômeno conhecido apenas na literatura histórica e de viagens ou associado
a rituais de magia e satanismo. Ao visitarem as primeiras aldeias brasílicas,
os portugueses viram aterrorizados, membros humanos sendo preparados nos
fumeiros e em caldeirões, pedaços de cadáveres armazenados nas moradias,
cativos esperando para serem consumidos em futuros banquetes... Sacrificar e
devorar os inimigos aprisionados, no meio do terreiro durante uma concorrida,
complexa e demorada cerimônia, eram importantes instituições sociais
tupinambás.
Os cativos eram aprisionados, guardados,
engordados, vigiados, executados, despedaçados, defumados, assados ou cozidos e
devorados durante animada festa precedida por grande ingestão de bebidas
fermentadas. Convidados de outras aldeias vinham de grandes distâncias para
participar do festim. Pedaços do prisioneiro podiam ser defumados para serem
consumidos mais tarde. Recém-nascidos, crianças, jovens, adultos e velhos – de
ambos os sexos – participavam ou eram devorados durante o festim.
Quando os comensais eram muitos e a refeição
pouca, respeitavam-se os princípios patriarcais da sociedade tupinambá. Os
homens comiam as partes mais nobres da vítima e as mulheres e crianças
contentavam-se com a cabeça ou com um “mingau” feito com as vísceras e outras
sobras. Nada se desperdiçava do sacrificado. Alguns pedaços do corpo humano
eram muito apreciados, talvez devido a pretensas virtudes mágicas ou a um
melhor sabor. Certas partes como a língua e os miolos, eram reservadas aos
jovens. Os adultos regalavam-se com a pele do crânio. As mulheres
banqueteavam-se com os órgãos sexuais. Porções nobres eram dadas a hóspedes de
honra. Acreditava-se também na virtude curativa da carne humana.
Longa Espera
Dava-se
uma companheira ao prisioneiro que esperava – alguns por longos anos – o
momento de ser devorado. Ela servia, alimentava e coabitava com o cativo.
Depois, ela também o comia. Uma “esposa” que, enamorada, ajudasse um cativo a
fugir podia ser devorada por seus parentes se fosse presa. Se nascesse uma
criança da união do cativo com sua guardiã, o tenro recém-nascido seguia o
destino do pai. As mães não se negavam a ingerir a carne desses filhos, tidos
como inimigos. Os tupis consideravam que o filho descendia do pai e nada se
devesse à genitora. A comunidade aldeã participava solidária da vigilância dos
cativos.
Para muitos cientistas sociais, os tupinambás
não praticariam a antropofagia como recurso alimentar, mas apenas como ritual
de fundo social, guerreiro e mágico. Acreditamos que outras razões contribuíram
para a difusão e permanência desse hábito. Os tupinambás viviam em contínua
expansão demográfica em espaço territorial restrito. Boa parte de seus recursos
alimentares provinha de uma produção horticultora baseada, sobretudo na cultura
da mandioca. Tal dieta exigia importante complemento em proteína animal.
As necessidades dos tupinambás por proteínas eram
supridas com caça, pesca e coleta. Grupos humanos horticultores de algumas
centenas de membros, que apoiam grande parte de sua subsistência na caça, na
pesca e na coleta, esgotam rapidamente os recursos de vastos territórios. Como
vimos, os tupinambás conheciam situações de abundância e de escassez alimentar.
A guerra não teria objetivos canibalescos, e a prática antropofágica seria uma
importante arma psicológica. Os atos de capturar e devorar os inimigos teriam
fortes significados cerimoniais e mágicos.
Entretanto, as dificuldades alimentares
periódicas – sobretudo, a carência de proteína animal – desaconselharia o
desperdício das carnes dos inimigos. Em suas origens, a antropofagia tupinambá
teria tido fundamentos alimentares. E, em boa parte, ainda os teria, no século
XVI. O sacrifício de homens, mulheres, jovens e crianças: a cevagem dos cativos;
o minucioso aproveitamento dos corpos; a variedade de formas de preparação das
carnes; o armazenamento e o consumo fora de situações de cerimoniais etc. – tudo
isso sugere tal instância nutritiva. Ainda que o fato escandalize o homem
contemporâneo, a carne humana é um alimento muito rico.
Apesar do horror com que os europeus se
referiam aos hábitos canibalescos americanos, alguns deles, não resistindo à
tentação e rememorando hábitos perdidos em tempos muito reacuados, provaram o
mais requintado prato da cozinha tupinambá.
O francês calvinista Jean de Léry, que viveu alguns meses na Baía de Guanabara, na colônia de Villegaignon, em 1555, escreveu em seu livro Viagem ao Brasil que alguns intérpretes normandos9, que viviam há vários anos noc país, teriam se adaptado de tal modo aos costumes dos brasis que se vangloriavam “de haver morto e comido prisioneiros”. E tal fato não devia ser muito raro. Já em junho de 1496, durante o regresso à Europa da segunda expedição colombiana, exasperados pela falta de alimentos, marinheiros teriam sugerido insistentemente que fossem devorados os “índios” que viajavam como cativos (...).
O francês calvinista Jean de Léry, que viveu alguns meses na Baía de Guanabara, na colônia de Villegaignon, em 1555, escreveu em seu livro Viagem ao Brasil que alguns intérpretes normandos9, que viviam há vários anos noc país, teriam se adaptado de tal modo aos costumes dos brasis que se vangloriavam “de haver morto e comido prisioneiros”. E tal fato não devia ser muito raro. Já em junho de 1496, durante o regresso à Europa da segunda expedição colombiana, exasperados pela falta de alimentos, marinheiros teriam sugerido insistentemente que fossem devorados os “índios” que viajavam como cativos (...).
TEXTO 08
Os
poetas*
Escuta-se
ainda com frequência que os povos indígenas não evoluíram que são um atraso em
meio à modernidade desenvolvida. Tal senso comum, equivocado e defasado, se
espalha pelos mais diversos setores da cultura e das camadas dirigentes.
Impõe-se como uma muralha diante das sociedades indígenas, cujos conhecimentos
estéticos são ignorados pela cultura letrada.
O
problema tem seu histórico, pois, no Brasil ao menos, a formação intelectual
que começa no ensino básico não considera a existência das culturas ameríndias
(para não falar das africanas ou asiáticas), preteridas em favor dos cânones
euroamericanos. Essa negligência sistemática representa uma enorme perda para o
conhecimento cosmopolita, que não estabelece acesso aos insondáveis mananciais
de pensamento e criação indígenas.
Uma
das razões para o problema, e talvez a mais essencial, consiste na persistência
das noções de aculturação e integração, baseadas na ideia de que os povos
indígenas supostamente perdem suas tradições para, aos poucos, se fundirem à
população brasileira. A questão, sustentada noutros tempos pelo antropólogo
Darcy Ribeiro (1922-97), foi desmentida pelos fatos e pela etnologia
contemporânea. Sabe-se e observa-se, nos dias de hoje, que os povos indígenas
não apenas crescem como também reinventam as novidades trazidas pelos brancos a
partir de seus próprios critérios de pensamento.
Nas
desoladas áreas do Centro-Oeste ou nos luxuosos litorais paulista e fluminense,
em situações frequentemente miseráveis, os guaranis, por exemplo, seguem
realizando em sua língua materna os complexos ciclos míticos, tais como os
reunidos no “Ayvu Raptya”. Seus textos míticos não deixam nada a desejar aos
clássicos da antiguidade europeia ou às literaturas contemporâneas. Ainda
assim, têm passado despercebidos aos olhos da cultura. [...]
As
riquezas das poéticas ameríndias não foram menosprezadas por poetas
norte-americanos, tais como Gary Snyder e também Jerome Rothenberg, que, nos
anos 1970, pesquisavam com afinco as produções dos povos da América do Norte.
[...] No Brasil, pouco aconteceu. As reinvenções e metaforizações das culturas
indígenas realizadas por Mário de Andrade, Raul Bopp, Sousândrade ou Oswald de
Andrade, por mais relevantes que sejam, não esgotam o potencial e a diversidade
das estéticas alheias que, entre tais autores, foram aliás enviesadas pelas inquietações modernistas.
Desde
então, poucos além dos etnólogos se lançaram sobre a floresta. Algo para o que
Antonio Risério já apontava há mais de dez anos: “Não só os poetas precisam
abrir os olhos e o coração para a poesia indígena (e africana), como os etnógrafos
precisam nos mostrar mais sistematicamente a colheita poética de suas
expedições”.
TEXTO 09
DESCONSTRUINDO OS MITOS*
Interpretação
do Alcorão por parte dos pesquisadores: (Utilizar exemplos) Arthur Ramos em “Introdução à Antropologia Brasileira” em relação à circuncisão
dos rapazes, prática realmente islâmica, e “a excisão do clitóris da menina”
como uma assimilação feita pelos grupos Mandinga da civilização muçulmana.
É
comum atribuir-se tal prática à religião islâmica. Entretanto, trata-se de um
costume tribal africano que se iniciou na Eritréia pré-monoteísta e se espalhou
depois para a Etiópia, Somália, Sudão, Egito e outras regiões da África,
afetando tanto as meninas muçulmanas quanto as cristãs ou de religiões
animistas, indiscriminadamente. Apesar de sua permanência, este costume
contraria ensinamentos básicos da religião islâmica, que prega o prazer sexual
dentro do casamento igualmente para homens e mulheres. João
José dos Reis no livro “Rebelião Escrava no Brasil” “É bem conhecida à posição
subalterna das mulheres no mundo islâmico...”.
O
versículo citado em questão refere-se primeiramente à liderança familiar,
masculina, que não se estende à outras esferas da vida. No trecho “...porque
Alá fez uns superiores aos outros...” não significa, como aparenta na tradução,
a superioridade absoluta dos homens em relação às mulheres, mas na
superioridade recíproca entre homens e mulheres em determinados aspectos. Quanto
à proibição das mulheres participarem de rituais religiosos, ato totalmente repudiado pelo profeta Mohamad (SAAS). Ao contrário de Arthur
Ramos, João José dos Reis não compartilha das teorias “jihadistas” que afirmam
que os malês organizaram sua rebelião com o propósito de repetir uma “guerra
santa” na Bahia, lutando indiscriminadamente contra africanos, brancos e
crioulos “pagãos”. Como afirma João José dos Reis, a presença de escravos
não-islamizados na luta demonstra que esta intenção não existia e que o
objetivo maior era a luta pela liberdade.
A
influência do Islam na cultura africana é inegável e pode ser constatada
através de comportamentos específicos dos escravos malês. A mais marcante seria
a rebeldia constante contra a condição de escravo que sempre os caracterizou.
Não que os escravos não-islamizados aceitassem passivamente a escravidão, mas
diferiam muitas vezes na maneira de resistir a ela.
Esta
rebeldia, se analisada pelo âmbito religioso, teria origem na crença de todo
muçulmano de que deve se submeter somente a Deus. Dentro desta perspectiva,
seria mais digno morrer lutando para ser um homem livre que viver como escravo.
Afirmações
Aspecto
do levante dos Malês,a rebelião ocorrida em 1835 na Bahia no qual as principais
lideranças eram os africanos muçulmanos. A religião foi talvez a força
ideológica-cultural mais poderosa de moderação das diferenças étnicas sociais
no interior da comunidade africana, embora tenha falhado em unir africanos e
crioulos.
Pelo
fato de haver ter sido um meio de solidariedade inter-étnica, o islã ajudou a
promover a unidade entre muitos escravizados e libertos africanos. O islã
representou um forte fator de mobilização e, obviamente, organizou os rebeldes
de maneira sofisticada. Ao mesmo tempo, os lideres malês não negligenciaram a
busca de aliados fora do campo muçulmano, no que foram favorecidos pela
etnicidade. Nagôs muçulmanos e não muçulmanos participaram do levante de 1835.
O Islã foi uma poderosa força ideológica e organizacional, e articulou politicamente a ira dos escravizados e libertos africanos contra os beneficiários da exploração de classe e da opressão étnica. A religião esteve entrelaçada com classe e etnia e todas devem ser consideradas como fatores dinâmicos que possibilitaram a rebelião de 1835.
As guerras de nações, muitas vezes inspiradas em deuses étnicos guerreiros, antecederam e sucederam o expansionismo muçulmano na África Ocidental. Na Bahia os malês tentaram aproveitar a militância “tribal” dos escravizados vindos da África e não há evidência de que seu projeto de rebelião tivesse como objetivo a imposição do islã sobre outros africanos, e muito menos massacre destes, todos africanos foram considerados pelos malês aliados potencias, e todos os baianos, sobretudo os brancos, adversários. Só em salvador os africanos, escravos e libertos, representavam 33% de uma população total de aproximadamente 65 500 habitantes, em 1835. Cerca de 63 % dos escravizados eram de origem africana.
O Islã foi uma poderosa força ideológica e organizacional, e articulou politicamente a ira dos escravizados e libertos africanos contra os beneficiários da exploração de classe e da opressão étnica. A religião esteve entrelaçada com classe e etnia e todas devem ser consideradas como fatores dinâmicos que possibilitaram a rebelião de 1835.
As guerras de nações, muitas vezes inspiradas em deuses étnicos guerreiros, antecederam e sucederam o expansionismo muçulmano na África Ocidental. Na Bahia os malês tentaram aproveitar a militância “tribal” dos escravizados vindos da África e não há evidência de que seu projeto de rebelião tivesse como objetivo a imposição do islã sobre outros africanos, e muito menos massacre destes, todos africanos foram considerados pelos malês aliados potencias, e todos os baianos, sobretudo os brancos, adversários. Só em salvador os africanos, escravos e libertos, representavam 33% de uma população total de aproximadamente 65 500 habitantes, em 1835. Cerca de 63 % dos escravizados eram de origem africana.
*FONSECA.
Selva Guimarães. Didática e Prática de Ensino de História: experiências,
reflexões e aprendizados. 11ºed.Campinas/SP: Papirus, 2003. (Coleção
Magistério: formação e trabalho pedagógico)
[1]
Este texto é o resumo de parte das ideias que foram apresentadas durante
exposição realizada por ocasião do Fórum Anual da AEC/PE, ocorrido nos dias 29
e 30/01/02 no Auditório do Colégio Salesiano, no Recife.
[2]
Mestre em História pela UFPE. Pesquisador da História indígena em Pernambuco,
com vários artigos publicados sobre o assunto. Leciona no Colégio de Aplicação
e Prática de Ensino de História junto ao Departamento de Métodos e Técnicas de
Ensino – DMTE do Centro de Educação/UFPE. E-mail: Edson@cap.ufpe.br
* Adaptado de: MOORE, Carlos. “Novas
Bases para o Ensino da Historia da Africa no Brasil”. In: BRASIL. Valores afro-brasileiros na educação. Programa 1. Boletim 22. Nov. 2005. pp. 15-29
* Comunicacao apresentada no grupo de
trabalho "Textos Didaticos em Sala de Aula", no 2° Encontro
Perspectivas do Ensino de Historia, realizado na Universidade de Sao Paulo
(USP), no periodo de 12 a 15 de fevereiro de 1996. Trata-se de uma versao
modificada e reduzida do artigo "Livros Didaticos e Fontes de Informacoes
sobre as Sociedades Indigenas no Brasil" (Silva, Grupioni, 1995). 11O
grupo de trabalho foi instituido pela Portaria no1.130, de 5 de agosto de 1993,
assinada pelo ministro Murilio Hingel, e composto por membros indicados pelo
Consed, Undime, Anped, SEF e FAE, divididos em quatro subgrupos: Portugues,
Matematica, Ciencias e Comunicacao apresentada no grupo de trabalho
"Textos Didaticos em Sala de Aula", no 2° Encontro Perspectivas do
Ensino de Historia, realizado na Universidade de Sao Paulo (USP), no periodo de
12 a 15 de fevereiro de 1996. Trata-se de uma versao modificada e reduzida do
artigo "Livros Didaticos e Fontes de Informacoes sobre as Sociedades
Indigenas no Brasil" (Silva, Grupioni, 1995). 12Refiro-me ao capitulo
"Estudos Sociais" da publicacao Definicao de Criterios para a
Avaliacao dos Livros Didaticos: I°a 4"Serie, editada pela FAE, em marco de
1994.
[5]Uma experiência interessante de combate a discriminação foi a
criação, no âmbito da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, de uma
Comissão contra a Discriminação, que desenvolveu programas junto as escolas
públicas do Estado de São Paulo. Essa comissão elaborou a cartilha A Escola na
luta contra a Discriminação. 1987
[6]
Merece destaque, neste sentido, o trabalho que vem sendo desenvolvido pela
Associação Nacional de Apoio aos Índios da Bahia (Anai-BA), junto aos
professores da rede pública da cidade de Salvador.
[7]
Cito aqui a recente publicação, A Temática Indígena na Escola: Novos Subsídios
para os Professores de 1º e 2º Graus, organizada por Aracy Lopes da Silva e
Luis Donisete Benzi, que envolveu a
participação de mais de 40 especialistas na produção de textos e artigos sobre
as sociedades indígenas no Brasil, e que obteve o apoio do MEC e da UNESCO para
sua edição.
*
Mestrando em História pela Universidade de Pernambuco: membro do Leitorado
Antíguo -Grupo de Ensino e Extensão em História Antiga.E-mail:
marcos_melo83hotmail.com
*
Benedito Prezia In: Benedito Prezia & Eduardo Hoornaert. Esta Terra Tinha
Dono. 6ºed.rev.e atual. São Paulo: FTD, 2000. Pag.36.
*
In: Regiane Augusto de Matos. História e Cultura Afro-Brasileira.
2ºed.1ºreimpressão. São Paulo: Contexto, 2012. Pag.19.
*
In: Mário Maestri. Terra do Brasil: a conquista lusitana e o genocídio
tupinambá. São Paulo: Moderna, 1993. Págs.34-41.
1
Madeira pontuada cravada no solo
2
Matrimônio de um homem com mais de uma mulher (poliginia)ou de uma mulher com
mais de um homem(poliandria).
3
No caso, chefe de uma maloca ou taba.
4
Morubixaba; chefe de aldeia tupi-guarani.
5
Repulsa ao sexo.
6
Repulsa ao sexo feminino.
7
Automasturbação manual masculina
8
Bebida brasílica alcoólica cozida e fermentada.
9
Nativo da Normandia, França.
* IN: (“Textos e Tribos”, Ed. Imago).
CESARINO, Pedro de Niemeyer. Os poetas. Folha de S. Paulo, São Paulo, 18
jan. 2009. Caderno Mais! P. 6.
*IN: REIS, João José & SILVA,
Eduardo. Negociação e Conflito: a resistência negra no Brasil escravista.
São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
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