O lago Titicaca entre as fronteiras de Bolívia e
Peru guarda histórias ancestrais dos povos originários da América do Sul.
Marcio
Zonta, de Puno (Peru).
Vista da ilha Taquile: 25 rios desaguam no Titicaca, dando contorno ao imenso lago de 8,5 mil km² - Foto: Petr/CC |
Correndo no altiplano dos Andes e ditando um expressivo
contorno na fronteira entre Peru e Bolívia, o lago Titicaca não é mera paisagem
para turistas sacarem suas fotos e levarem apenas de recordação.
Esse imenso
lago de aproximadamente 8500 km² abrangendo o território peruano e boliviano
traz em suas águas a história dos povos originários de parte da América Latina.
Segundo historiadores, teria sido das águas do Titicaca que nasceu a
civilização Inca.
“Isso é o que a lenda andina conta, que o Deus Sol teria se
manifestado e indicado as ilhas do rio como lugar ideal para se viver”, explica
Pablo Rafa, professor de história. Os Incas dominaram a região entre os séculos
12 e 16 até a invasão espanhola e ainda hoje seus descendentes vivem na Ilha do
Sol, conhecidos como os povos Uros.
O caminho
Para chegar ao lago Titicaca a reportagem do Brasil
de Fato percorreu de ônibus mil e quatrocentos quilômetros em 24 horas de
viagem até Puno, cidade localizada ao sul do Peru. De Puno se pode tomar um
carro e fazer o trajeto que margeia todo o lago até o distrito de Desaguadero,
na fronteira com a Bolívia, percorrendo mais 147 quilômetros.
Em pouco tempo de
rodagem na estrada se faz notória a presença do imponente lago Titicaca
contornando os limites de comarca entre os dois países andinos. “Do lado de lá
do lago é a Bolívia”, aponta Raul Jimenez, o motorista do carro. Cercado por
montanhas reflorescidas de verde e imenso topo brancos das geleiras que rodeiam
o altiplano, o cenário lembra uma imensa arena formada pelo lago ao centro e os
cerros em suas cercanias. Sua população ribeirinha, indígena campesina, habita
nas diversas comunidades que sobrevivem da pesca e da agricultura.
Nessas
comunidades está parte dos 20% de peruanos sem acesso ao atendimento médico e,
portanto, tudo que envolve a saúde de seus moradores é regido por conhecimentos
ancestrais. “É difícil a presença de médicos em nossa região por isso ainda
preservamos modos antigos de cuidar de nossa saúde, totalmente natural para
curar enfermidades”, explica a camponesa Rosa, que cuida de um rebanho de
carneiros a beira da estrada.
O sol forte combinado ao vento intenso que se
esfria nas geleiras das cordilheiras contribui para uma marca peculiar nesses
moradores que vivem às margens do lago, sobretudo, no rosto das crianças
deixando suas bochechas avermelhadas quase que escoriadas. Entre os habitantes
da região, as línguas quéchua e aimara predominam e o espanhol é secundário.
“Só falamos espanhol quando vamos à cidade ou temos alguma reunião na capital”,
diz Rosa. Fim de trecho e depois de quase três horas e meia de viagem, o lago
Titicaca deixa seu lado peruano e passa a imperar na Bolívia.
Na fronteira
entre os dois países uma enorme feira que vende especiarias locais e produtos
diversos mistura bolivianos e peruanos, cujas vestimentas e traços indígenas
pouco distinguem os moradores de ambas as nações. Ao fundo, o Titicaca
possibilita aos dois países diversas relações, sendo o lago comercialmente
navegável mais alto do mundo, situado a 3.821 mil metros acima do nível do mar.
Ademais é um dos mais extensos da América Latina. “Peruanos e bolivianos se
aproveitam do Titicaca para pescar, navegar seus produtos de um país ao outro,
além de compartirmos essa paisagem maravilhosa”, diz empolgado o boliviano
Perez. Mais de 25 rios desaguam no Titicaca. O Lago ainda possui 41 ilhas,
muitas delas povoadas. Sem contar a população que vive em Uros, em
aproximadamente dez ilhas artificiais.
Ilhas flutuantes
A reportagem do Brasil de Fato seguiu numa viagem
de aproximadamente meia hora de barco Titicaca adentro até uma dessas ilhas do
povo ancestral da etnia Uros para conversar com seus habitantes e conhecer o
modo de vida dessa população que resguarda a cultura de um Peru autóctone. Ao
desembarcar na ilha e pisar numa esteira feita de um material natural de
textura fofa, causa curiosidade sobre a engenharia que se desenvolve para
manter essas ilhas flutuantes.
O líder da comunidade explica: “A matéria prima
utilizada advém do próprio Lago, uma espécie de planta chamada totora que nasce
no fundo do Titicaca. Dessa forma, nas zonas do lago que a planta desenvolve
mais, os índios aproveitam e a costuram formando uma camada uniforme de três
metros de altura flutuante, batizada de Khili”, explica Aschar. Sobre essa
camada, também com a totora se produz a esteira que vai ser uma espécie de
revestimento e piso para possibilitar a caminhada.
É sobre essa estrutura
natural que o povo Uros constrói suas casas, igualmente se utilizando da
totora. A moradia é feita apenas de um quarto e o fogão de barro fica ao ar
livre para evitar incêndios. No total, as ilhas flutuantes do Titicaca são
habitadas por entre três e dez famílias, que ainda criam porco, ave de curral e
coelho para alimentação. O peixe serve não só para subsistência, como para
venda na própria ilha aos visitantes e a cidade de Puno. O artesanato é outro
atrativo que é escoado para a cidade, se tornando uma das principais atividades
econômicas das famílias de Uros que mais uma vez têm a totora como matéria
prima para produção.
“O artesanato de Uros é reconhecido em todo o mundo, pois
só o mesmo tem a peculiaridade da totora, o distinguindo de outros produtos,
principalmente, em beleza”, afirma o jovem Uachi que habita na ilha. Abastecido
em parte pelas geleiras derretidas das cordilheiras, o lago tem uma temperatura
média de nove graus. Com o baixar do sol a temperatura na ilha baixa
bruscamente, além de ganhar intensas rajadas de ventos proporcionadas pela
altitude, colaborando para uma sensação térmica ainda mais fria. “Aqui de noite
chega a menos de dez graus, mas já estamos acostumados”, diz Aschar ao se
despedir.
Mais
sobre o assunto:
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/11616
17/01/2013
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