Em entrevista, Frei Betto fala sobre Igreja,
comunicação, as lutas e desafios do continente.
Frei Betto é autor de mais de 50 livros - Foto: Lucas Lima |
Quem diz isso é Frei Betto, escritor, teólogo,
educador, escolhido por um júri internacional para receber o prêmio José Martí
de 2013, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO). “Frei Betto foi escolhido por sua oposição a
todas as formas de discriminação, injustiça e exclusão e por sua promoção da
cultura de paz e dos direitos humanos”, explicou a organização.
O prêmio será
entregue no dia 30 de janeiro, em Havana, na Terceira Conferência Internacional
pelo Equilíbrio Mundial, que marca o 160° aniversário do combatente da
independência cubana e poeta da libertação latino-americana, José Martí.
Nesta entrevista ao Portal Minas Livre Frei
Betto, autor de mais 50 livros de diversos temas, mineiro de Belo Horizonte,
fala sobre Igreja, comunicação, as lutas e desafios do continente.
Portal Minas Livre: Qual a importância de um prêmio
como o da UNESCO, que resgata o pensamento de José Martí e valoriza pessoas que
seguem seu legado? Como é para o senhor recebê-lo neste ano?
Frei Betto: O mérito é de todos que lutamos por justiça, paz e
direitos humanos na América Latina. Sou apenas um pequeno grão de imensa praia
que converge rumo ao futuro melhor de nosso continente.
Portal Minas Livre: O senhor conheceu de perto diversas experiências de
construção do socialismo, e atuou ativamente em um momento de ascenso da luta
popular. Qual perspectiva o senhor vê hoje para retomar essa mobilização
engajada? Há no horizonte da América Latina a possibilidade do socialismo?
Frei Betto: O horizonte de toda pessoa generosa e altruísta tem
que ser o de uma humanidade constituída em uma só família, sem preconceitos e
discriminações, sem desigualdade e injustiças. Se isso vai chamar socialismo ou
outro ismo, não me importa. Importa que não podemos aceitar, sem indignação,
tanta desigualdade social como há no Brasil e no mundo. O engajamento dos
jovens nesse processo é fundamental. Não conheço nenhum revolucionário que
tenha iniciado sua luta após os 30 anos. E estou convencido: quando mais
utopia, menos drogas; quanto menos utopia, mais drogas. O que não dá é viver
sem sonhos...
Portal Minas Livre: Como intelectual, assessor e militante, na sua
opinião quais seriam as principais lutas que as forças progressistas desse país
deveriam centrar seus esforços e se unir em torno delas?
Frei Betto: A principal é a reforma agrária. Seguida da
educação e da saúde. O Brasil não terá futuro sem mexer na sua estrutura
fundiária e sem promover uma verdadeira revolução na educação e na saúde.
Portal Minas Livre: A partir de sua experiência no primeiro governo
Lula e de suas observações desde então, como o senhor vê o recente estudo da CEBRAP
que conclui que houve redução na miséria no Brasil, mas ainda somos um dos
países mais desiguais do mundo?
Frei Betto: É um fato. É a chamada Belíndia - o Brasil é um
misto de Bélgica e Índia. Sem educação e melhor qualificação de nossa mão de
obra não conseguiremos reduzir essa desigualdade gritante.
Portal Minas Livre: O senhor é articulista de alguns jornais da
imprensa comercial, mantendo uma postura crítica nesses espaços. Como vê hoje a
atuação da mídia na construção de um projeto de sociedade? Qual o papel da
imprensa popular nessa disputa?
Frei Betto: A imprensa popular tem que criar e alargar seu
nicho, sem querer disputar com os grandes meios. E todos nós devemos pressionar
o governo para que concessões de rádio e TV também sejam dadas a movimentos
sociais, sindicatos, ONGs etc e não aos mesmos caciques de sempre.
Portal Minas Livre: Como o senhor vê a postura da Igreja hoje em
relação aos problemas fundamentais do Brasil e da América Latina? A Igreja é
mais reacionária hoje do que era há 30 anos?
Frei Betto: Há uma vaticanização da Igreja Católica no Brasil,
no refluxo em sua atuação social. Infelizmente ela deixou de ser a voz dos que
não têm, voz nem vez. No entanto, as comunidades eclesiais de base, as
pastorais populares e a teologia da libertação continuam ativas.
Portal Minas Livre: Houve uma dificuldade de aceitação da Igreja com a
revolução cubana e com Fidel Castro. Na ocasião, seu livro “Fidel e a religião”
alcançou grande repercussão em Cuba, no Brasil e no mundo, e contribuiu para
esse diálogo. Estamos enxergando nesse momento um confronto parecido na
Venezuela. Como vê esse conflito? Já pensou em contribuir com o processo
venezuelano com alguma iniciativa parecida?
Frei Betto: Estive em Caracas em 2011 e mantive bom diálogo com
Chávez. Todo processo revolucionário produz choques com as forças reacionárias,
e a Igreja Católica na América hispânica não tem a tradição progressista da
Igreja no Brasil.
Portal Minas Livre: Como o senhor vê o projeto da direita neoliberal na
América Latina hoje? Eles estão perdendo poder ou podem retomar pela via
eleitoral ou golpes a controlar grande parte dos Estados?
Frei Betto: Há que ficar atento. O imperialismo não dorme no
ponto. Vide Honduras e Paraguai. No entanto, as forças progressistas avançam na
América Latina e no Caribe, graças a Deus!
Portal Minas Livre: Como o senhor vê a pretensão de Aécio Neves ser
candidato à presidência em 2014 e o que uma eventual vitória dele pode
representar?
Frei Betto: Ninguém tira da Dilma a vitória na eleição de 2014.
Portal Minas Livre: O senhor recentemente lançou um livro que passa
pela história de Minas. Quais as marcas dessa história na nossa realidade
atual?
Frei Betto: Lancei o romance "Minas do ouro" (Ed.
Rocco), no qual descrevo cinco séculos da história de Minas Gerais - do 16 ao
20 - através da saga da família Arienim. Levei 13 anos pesquisando a história
de Minas e trabalhando no texto. As marcas atuais dessa história despontam na
capacidade de indignação do mineiro frente às injustiças e em sua capacidade
criatividade, tanto na política quanto nas artes.
18/01/2013
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