Em uma
década o movimento indígena passou da expectativa por mudança à inviabilidade
do diálogo
Cristiano
Navarro, da Redação.
Lula e Dilma na inauguração da ponte sobre o Rio Negro - Foto: Roberto Stuckert
Filho/Presidência da República
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A história brasileira se repetiu em sua então mais
importante efeméride. Ao relembrar a data dos 500 anos da invasão portuguesa às
terras onde mais tarde seriam reconhecidas como Brasil, o governo do presidente
Fernando Henrique Cardoso mandou construir réplicas de Caravelas e organizou
uma grande festa convidando políticos, religiosos, militares e puxa-sacos para
comemorar a trágica colonização europeia.
Em resposta, indígenas de todo
Brasil, militantes sem-terra, quilombolas, estudantes, sindicalistas e
parlamentares da oposição se dirigiram em marcha para participar do convescote
mesmo sem convite. No caminho da marcha de Santa Cruz de Cabrália até Porto
Seguro, onde se realizavam as comemorações, os “penetras” foram interceptados
pela Polícia Militar da Bahia com bombas, helicópteros, gás lacrimogêneo,
cachorros e balas de borracha. As imagens da batalha que terminou com
militantes feridos e presos evocavam a ideia de que dali em diante seriam
outros 500, especialmente para o movimento indígena, que participou mais
massivamente. Assim, a chegada de Luís Inácio Lula da Silva à presidência da
República fez crescer o sentimento de mudança. Mas não foi bem assim.
Apoiados
em números que mostram a redução das demarcações de terras, o aumento dos casos
de violência praticados pelo Estado contra as comunidades e a redução
orçamentária para regularização fundiária dos territórios, o movimento indígena
e seus apoiadores observam os dez anos de governo Lula e Dilma Rousseff como
sendo de profundo retrocesso. “Retrocedemos muito neste período. Se antes
lutávamos pelo cumprimento dos nossos direitos, hoje lutamos para não perder
esses direitos reconhecidos na Constituição”, lamenta Sônia Guajajara,
coordenadora da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
(Coiab).
Em média, os governos dos presidentes Lula e Dilma homologaram menos
terras, em número e extensão, do que os antecessores José Sarney, Fernando
Collor de Melo, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso (veja o quadro
abaixo).
Relação das homologações de terras indígenas durante os últimos governos |
Na avaliação dos defensores dos direitos indígenas, a razão para
este retrocesso está na opção de modelo desenvolvimentista para o campo e para
as florestas, adotado pelos governos nesta última década. “Pela origem do
governo ligado aos movimentos sociais, o movimento indígena criou muita
expectativa, mas ele fez uma aliança com os latifundiários e as mineradoras,
deixando os nossos interesses de lado”, lembra Rildo Kaingang, coordenador da
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
Mais grave do que o não
reconhecimento dos territórios foi a utilização do decreto 1775/96 como
instrumento redutor de terras indígenas. A partir de sua edição, várias terras
sofreram redução durante o governo FHC. Embora durante a campanha o presidente
Lula houvesse prometido a intenção de revogar o decreto, não apenas o manteve
inalterado como também o utilizou para reduzir terras, a exemplo da exclusão de
230 mil hectares da terra indígena Baú, do povo Kayapó no estado do Pará, em
2004.
No congresso
O fortalecimento político e econômico dos setores
ligados ao agronegócio e a exploração de energia e minérios, se traduziu em
pressão não só sobre o poder executivo, mas também sobre o legislativo e o
judiciário. Assim, não só as terras deixaram de ser reconhecidas pelo Estado
como também as leis que asseguram este direito às populações indígenas passaram
a ser ameaçadas. As Propostas de Emenda à Constituição (PEC) 38, de autoria do
senador Mozarildo Cavalcanti do PTB de Roraima, e 215 sob responsabilidade do
deputado Osmar Serraglio do PMDB do Paraná, colocam o Congresso como um dos
responsáveis pelo reconhecimento das terras indígenas. No caso da PEC 38, além
de submeter as demarcações de terras indígenas à aprovação do Senado, a proposta
também estipula que as demarcações ou unidades de conservação ambiental não
excedam 30% do território dos estados.
Ou seja, alguns estados, especialmente
os do Norte, teriam de rever as áreas já reconhecidas. “O ataque direto aos
povos indígenas se concretiza no avanço destas PEC´s. A bancada ruralista não
se contenta com as pressões no Executivo e no Judiciário. Eles próprios querem
decidir se uma terra é ou não indígena, se uma terra é ou não quilombola, ou se
uma terra é ou não Reserva Ambiental”, avalia Buzatto. Em meio às pressões
pelas mudanças na Constituição, a governabilidade se põe em favor dos
ruralistas.“Hoje fica complicado contar com os deputados do PT que
tradicionalmente defenderam os direitos indígenas”, crítica Rildo Kaingang.
Surdez
Uma das principais reclamações do movimento
indígena durante este período é falta de ouvidos do Executivo. Após muita
cobrança por mais diálogo, o governo criou em março de 2006 a Comissão Nacional
de Política Indigenista (CNPI).
Composta por representantes do governo,
representantes do movimento indígena e indigenista, a comissão foi pensada para
acompanhar a tramitação de projetos de lei e propor diretrizes para a política
indigenista do governo federal. Seis anos após sua criação, inúmeras são as
críticas a este canal de interlocução.
Para Sônia Guajajara, a surdez do
Palácio do Planalto impossibilita o entendimento entre as partes. “Com o tempo
percebemos que estes espaços só serviam para legitimar as políticas do governo.
Porque o governo pensava seus projetos em cima de nossos direitos e nossas
terras e os tocava sem nos consultar. As coisas sempre vêm prontas do
Executivo, como a Portaria 303 e a usina de Belo Monte.
Este procedimento veio
a interromper qualquer possibilidade de diálogo”, sintetiza. A portaria 303 da
Advocacia Geral da União (AGU) citada pela representante da Coiab é a grande
dor de cabeça do movimento indígena.
Entre outras determinações que ferem os
direitos indígenas, a portaria afirma que as terras indígenas podem ser ocupadas
por militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais, sem
consulta aos povos; autoriza a revisão das demarcações em curso ou já demarcadas;
relativiza o direito dos povos indígenas sobre o usufruto exclusivo das
riquezas naturais existentes em suas terras; e cria problemas para a revisão de
limites de terras indígenas demarcadas.
“O governo não tem uma agenda de
diálogo com o movimento indígena. As discussões que não interessaram ao governo
são bloqueadas na CNPI atendendo sempre a interesses de mineradoras e do
agronegócio”, ressalta Rildo Kaingang.
http://www.brasildefato.com.br/node/11545
14/01/2013
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