Uma cultura pouco respeitada pela sociedade
é a dos
indígenas. E esta é a grande luta desse povo de cultura e raízes tão ricas
e de importância histórica tão grande. Assim, para comemorar as lutas e discutir
os problemas que os indígenas
ainda enfrentam hoje, o CIMI Sul, junto com
outras instituições, organizou uma série de eventos que discutiram e
refletiram o índio no Rio Grande do Sul. Para falar sobre o assunto, a IHU(Instituto
Humanitas Unisinos) On-Line entrevistou, por telefone, Roberto
Liebgott. Durante a entrevista, ele comenta a luta e a organização dos
povos indígenas
e coloca as necessidades que ainda não foram sanadas para a existência digna
dos índios aqui no Estado.
Confira a entrevista.
Roberto Liebgott |
IHU On-Line – O senhor pode falar
do evento na Câmara dos vereadores de Porto Alegre, que aconteceu no dia 25 de
abril?
Roberto Liebgott – A
Câmara dos Vereadores, na perspectiva da Semana dos Povos Indígenas, propiciou
uma discussão sobre as condições dos indígenas no Rio Grande do Sul, apontando
para as grandes questões e uma delas é a questão fundiária. Hoje, inúmeras
áreas estão sendo remarcadas. Há ainda as questões relativas às
políticas públicas, ou seja, a implementação de políticas diferenciadas que
assegurem a essas comunidades bons atendimentos de saúde, educação, atividades
produtivas. E existe a realidade, muito presente, que é a das comunidades
indígenas, que hoje moram nos centros urbanos. É preciso ter, por parte dos
poderes públicos, um olhar atento para essa realidade a fim de assegurar que
essas comunidades possam ter condições de vida digna aqui na cidade.
IHU On-Line – Quem são e como
vivem os índios que existem no Rio Grande do Sul?
Roberto Liebgott – Grande
parte da população indígena do Estado é composta por famílias de caingangues.
A maioria deles está hoje na região norte do Rio Grande do Sul e a população
caingangue é formada por cerca de 27 mil pessoas e muitas delas têm áreas
excessivamente reduzidas, fazendo com que tenhamos necessidade, por parte do
Governo Federal, de uma política para demarcação de terras.
O estado abriga também a comunidade Guarani,
formada por 13 mil índios, sendo que a maior parte está concentrada na grande
Porto Alegre. Em torno da capital, há vários acampamentos indígenas. E existe
também, para eles, a necessidade de que se faça uma política específica para se
demarcar suas terras também. A população, em todo o Estado, gira em torno dos
40 mil indígena, sendo que grande parte mora em aldeias, em comunidades.
Muitas famílias vivem nas cidades. Por exemplo, São
Leopoldo abriga uma comunidade caingangue, assim como os municípios
de Estrela, de Lajeado
e de Farroupilha. Em Porto Alegre, há pelo menos três espaços onde
vivem comunidades caingangues. Essa é a realidade geral dos índios aqui no
Estado. O importante disso tudo é que tanto os caingangues quanto os Guaranis
têm uma força étnica impressionante, e é por isso que eles conseguem existir
nesse mundo urbano. Todos falam a língua. Assim, eles mantêm viva as suas
tradições, a sua religiosidade é mantida. Esse é um aspecto bem importante que
deve ser valorizado: o aprofundamento de todo esse processo de resistência
e de luta dos povos indígenas,
tanto no Rio Grande do Sul como no Brasil. Existe, também, um pequeno grupo de
remanescentes do povo Charrua, que hoje lutam para serem
reconhecidos como descendentes desse povo.
IHU On-Line – Eles estão tentando
manter a sua cultura, como o senhor afirmou. O que o senhor acha das
organizações do Estado para ajudar os índios a manterem sua cultura?
Roberto Liebgott – Com
relação ao próprio Estado, ele tem instâncias com a responsabilidade de
assegurar a assistência para as comunidades. Então, em relação à questão
fundiária, a responsabilidade é da Funai
– Fundação Nacional do Índio. Quer dizer, a distribuição,
identificação e demarcações de área são de responsabilidade deles. No âmbito de
assistência à saúde existe a Funasa. E a Educação
está a cargo da Secretaria Estadual de Educação, sendo sua
atribuição assegurar que sejam implementadas escolas diferenciadas à
comunidade, ou seja, escolas que tenham a pedagogia indígena, onde a língua
seja a língua indígena, como a primeira no processo educacional. E há, por
outro lado, organizações da sociedade civil, entidades como o CIMI
que é um órgão da CNBB,
e que presta serviço no apoio às lutas desses povos na perspectiva de assegurar
demarcação de terra e assistências, fazendo com que possam existir de
acordo com seus costumes, crenças e tradições. Há outras organizações, como um
órgão ligado à Igreja Luterana, que presta serviços e uma
séria de outras entidades que têm envolvimento direto com a questão indígena.
E o mais importante é o envolvimento do movimento de resistência indígena, em
que cada povo acaba constituindo suas organizações políticas e vai fazer
interlocuções e discussões frente ao Estado, cobrando a assistência e
implementação de seus direitos.
Nos últimos anos, tivemos como avanço na
questão indígena essa realidade de protagonismo dos próprios índios. Povos que
eram fadados à extinção hoje estão vivos, atuantes, presentes,
organizados, cobrando do Poder Público a implementação de seus direitos.
IHU On-Line - Como o índio vê a
urbanização que acontece a sua volta, quando ele tenta manter suas raízes?
Roberto Liebgott – Os
povos indígenas vivem muito em comunidades. Cada comunidade tem a sua
organização social e política.
Eles se estruturam organizacionalmente e a partir daí eles desenvolvem
inter-relações com outros segmentos da sociedade. Então, hoje eles têm uma boa
compreensão da importância de estabelecerem relações de alianças com setores
que se comprometem com a sua causa e também relações de parcerias com outros
segmentos para implementação de pequenos projetos que os ajudem nessa busca
para terem melhores condições de vida. Eles têm um olhar muito atento para toda
essa diversidade que está em torno de suas comunidades ou que lidam com eles,
prestando algum apoio ou serviço.
IHU On-Line – E como o líder
indígena está inserido nesta cidade e na sua comunidade?
Roberto Liebgott – As
comunidades normalmente têm uma organização, uma chefia, uma coordenação
interna. É comum que passe por uma relação com os mais
velhos que têm uma atribuição religiosa. Eles mantêm, mais fortemente,
esse tipo de organização interna e cada comunidade indígena
tem um cacique ou outras lideranças que fazem esse intercâmbio com a nossa
sociedade. Então, cada comunidade designa lideranças políticas para fazerem
essa comunicação, para cobrar do poder público assistência, por exemplo. Cada
comunidade tem, em sua organização social e política, pessoas que vão fazer
essa relação com os outros setores e com a sociedade.
IHU On-Line – Temos visto muitos
índios vivendo como pedintes nas cidades. Qual é a melhor forma de inserir esse
índio na cidade sem que ele perca a sua cultura, a sua raiz, mas também sem que
ele se transforme num pedinte?
Roberto Liebgott – Essa é
uma questão que a gente consegue observar mais em torno das cidades porque
existe muita carência nas comunidades. Em função da falta de verbas, por
exemplo, as comunidades Guaranis não tem o que plantar, então elas sobrevivem
basicamente da produção de artesanato. Por isso, uma das questões importantes a
serem debatidas é a estruturação de espaços no mundo urbano para que essas
pessoas possam comercializar o produto que têm, que é basicamente o artesanato.
Uma forma de se diminuir o número de pedintes é na perspectiva de que eles
tenham um espaço onde possam apresentar e comercializar o seu produto, e daí
tirar o seu sustento. Agora se nós compararmos a condição de pedintes é muito
mais grave na nossa sociedade do que nas culturas indígenas. São milhares de
pessoas em torno das cidades e que ficam mendigando. Os índios também enfrentam
essa questão de pedir para garantir um espaço de coleta, ou seja, por falta de
recurso nas suas comunidades, pedem como uma questão de coleta nesses espaços
em que eles acham que podem conseguir algum benefício a mais para sua família e
comunidades.
IHU On-Line – E com tanta gente
defendendo o índio, como o senhor avalia a autonomia que os índios têm no país?
Roberto Liebgott – Seria
interessante uma recuperação histórica para eu responder essa questão. Se
olharmos para a década de 1970, perceberemos que toda a política de estado era
na perspectiva de integração do índio na sociedade, ou seja, o Estado queria
que no Brasil não existissem índios. E desse período em diante, povos do Brasil
inteiro começaram a se organizar e articular em grandes Assembléias indígenas e
a mostrar sua força e a estabelecer no estado brasileiro uma relação de que
eles também têm o direito de serem diferentes, de pertencerem a culturas
diferentes. E isso foi se constituindo num processo organizativo brilhante pelo
país. No nosso entendimento, é o que está dando aos povos essa força de serem
sujeitos e protagonistas na historia do Brasil dos anos 1980 até agora. E isso
culminou na garantia dos direitos constitucionais. Na Constituição de
1988, eles tiveram grande participação, apresentaram suas propostas e a
constituição contemplou os povos indígenas em um capitulo especifico com os
direitos indígenas. Lá estão o direito à terra, o direito a terem uma
assistência diferenciada e o direito de serem índios. A constituição, em função
das lutas do povos, reconhece que os índios têm direito de serem índios. E, a
partir dessa realidade, muitos outros segmentos aderiram à causa
indígena. Muitas organizações se colocam a serviço para apoiá-los. Hoje a
luta é para que os direitos que estão na constituição sejam implementados. E os
índios têm um papel bonito. Eles são protagonistas, embora tenham apoio de
outros tantos segmentos que apontem e falem da realidade indígena. Não há
dúvida: hoje os povos indígenas no Brasil são protagonistas de uma
história de resistência muito bonita, a partir da sua organização e sua própria
luta em todo o país.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/6800-a-luta-dos-povos-indigenas-continua-entrevista-especial-com-roberto-liebgott
02/05/ 2007
Roberto Liebgott é coordenador
do Conselho Indigenista Missionário - CIMI -
da Região Sul do Brasil.
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