O conflito entre grandes produtores de arroz e
povos indígenas na região da Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima, existe
há décadas, mas intensificou-se nos últimos dias, com o crescimento nos
trabalhos de retirada dos não-índios da região. “Os verdadeiros povos daquela
área continuam vivendo numa situação de muita tensão porque tanto os políticos
locais quanto os invasores da área articulam mobilizações e eventos que
provocam as comunidades indígenas e promovem a violência”, afirmou Roberto
Liebgott, em entrevista concedida por telefone à IHU (Instituto Humanitas Unisinos) On-Line.
Enquanto os índios querem ocupar o seu território
de direito, os arrozeiros queimam pontes que dão acesso à região, promovem
protestos e incendeiam propriedades daqueles. Tudo isso apoiado por políticos e
pela elite do estado. “Há necessidade de uma ação urgente do governo para
retirar esses arrozeiros e impedir que novas invasões sejam promovidas ou
patrocinadas pelos políticos locais”, comentou Liebgott sobre o longo conflito.
Confira a entrevista.
Roberto Liebgott |
IHU On-Line – Qual é a sua reflexão sobre a situação na Raposa Serra do Sol?
Roberto Liebgott – A área de Raposa Serra do Sol,
embora tenha sido homologada pelo presidente da República, enfrenta uma
situação de violência que permanece porque os ocupantes não-indígenas não foram
retirados da área. Então, os verdadeiros povos daquela área continuam vivendo
numa situação de muita tensão porque tanto os políticos locais quanto os
invasores dela articulam mobilizações e eventos que provocam as comunidades
indígenas e promovem a violência. Então, os índios hoje vivem uma situação
muito complicada naquela área.
IHU On-Line – O que representa para os
índios a permanência desses arrozeiros em sua região?
Roberto Liebgott – Representa o enclave da
violência, porque eles foram, ao longo das últimas décadas, os principais
promotores de conflitos internos, fomentando conflitos da própria sociedade
local contra as comunidades indígenas. Ou seja, são verdadeiros enclaves que
precisam ser retirados. Caso contrário, não vai haver avanço significativo
algum com a demarcação da área.
IHU On-Line – Um dos grandes arrozeiros inseridos nesse conflito é prefeito de uma
das cidades da região. Ele prevê um conflito inevitável depois que o governo
federal retirá-los da região. O conflito é inevitável mesmo?
Roberto Liebgott – O conflito está estabelecido
há décadas na área. O que precisa haver é uma ação contundente da parte do
governo federal, através do órgão indigenista e do próprio efetivo da Polícia
Federal, no sentido de remover os invasores da área indígena. Não são mais
muitos, porque grande parte dos invasores foi sendo retirada ou pelo Poder
Público ou pela própria força que os índios exerceram. Então, há necessidade de
uma ação urgente do governo para retirar esses arrozeiros e impedir que novas
invasões sejam promovidas ou patrocinadas pelos políticos locais.
IHU On-Line – Por que esses grandes arrozeiros querem tanto essa região dos índios?
Roberto Liebgott – Eles se instalaram ali e ali
começaram a arrecadar lucros. Esses arrozeiros, em sua grande maioria, são
oriundos de várias regiões, inclusive do Sul do Brasil, que foram para a região
da Raposa da Serra do Sol, na perspectiva de colonização e de obtenção de
lucro. Com isso, invadiram o território indígena e passaram a explorar este
local. Eles nunca pagaram impostos, nunca pagaram nada porque historicamente
aquela é uma área indígena. Então, eles exploram a terra, obtendo lucro às
custas do direito dos povos indígenas.
IHU On-Line – Como a situação de Raposa Serra do Sol chegou a este patamar?
Roberto Liebgott – Há muitas décadas, os povos
indígenas lutam pela demarcação daquela área. Muitas lideranças deram a vida
por aquele território. Então, não é uma história de luta de hoje e nem uma
história de violência nova enfrentada pelos índios. Trata-se de um processo sistemático
que vem se desenvolvendo há décadas, desde que os índios passaram a se
organizar, se articular e reivindicar o seu território como território de
direito tradicional. Assim, desde então, a pressão é muito forte e muito
violenta.
IHU On-Line – O que está acontecendo em Raposa Serra do Sol pode mostrar uma perda da
soberania brasileira sobre a região?
Roberto Liebgott – Isso é uma outra falácia que
as autoridades locais, os políticos e a elite da região tentam passar para a
sociedade. Na verdade, o que é uma terra indígena? Uma terra indígena é
propriedade da União. Então, na medida em que o governo demarca uma área, ela
passa a ser propriedade exclusiva da União com usufrutos dos povos indígenas.
Então, demarcar terras indígenas é assegurar que o patrimônio da União seja
garantido, inclusive constitucionalmente.
IHU On-Line – Como o governo deveria agir sobre este problema?
Roberto Liebgott – Primeiro, o governo deveria,
por meio de suas forças, tanto do órgão indigenista quanto do ministério da
justiça, articulado com a polícia federal, remover os invasores da terra
indígena. Porque é uma área homologada com direitos exclusivos dos índios para
sua ocupação, seu usufruto, e todos que estão sobre elas são considerados
invasores. Além disso, seus títulos, que eles alegam possuir, também são
caracterizados como nulos. Então, o governo deveria proceder imediatamente à
retirada desses ocupantes do território indígena.
(www.ecodebate.com.br) entrevista publicada pelo
IHU On-line, 03/04/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas
Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São
Leopoldo, RS.]
Roberto Liebgott é coordenador
do Conselho Indigenista Missionário - CIMI -
da Região Sul do Brasil.
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