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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

ESCOLA DE BAMBU SALVA CRIANÇAS DA EXCLUSÃO NA LIBÉRIA


Documentário brasileiro ajuda angariar fundos para projeto sustentável de inclusão

 Por Amanda Cotrim Especial para Caros Amigos
 
 



“O que você aprende você precisa ensinar”, ele diz. “Muitas crianças não têm pais e precisam ir atrás de comida; algumas vão para a prostituição. A população pobre da Libéria está morrendo porque não tem condições de ir até o hospital. Eu não quero que essa escola morra. Eu não quero que essas crianças voltem para as ruas”, clama Sabato Neufville, ativista de 34 anos. Em setembro de 2009, ele construiu uma escola feita com bambu, num antigo galpão, na comunidade de Fendell, na capital da Libéria, de Monróvia (veja vídeo abaixo).

 
Sabato é negro. É forte. É dono de um olhar observador e de uma fala firme. Corpo robusto, alto, magro. Tem olhos avermelhados, uma barba fina e usa um anel no dedo anelar esquerdo. Ele, assim como todos os liberianos, fala inglês. Na Libéria há 17 dialetos, mas a colonização linguística dos EUA é a oficial.

Sabato é pai: adotou 9 crianças que ficaram órfãs por causa da guerra. Ele trabalha como freelancer para a Organizações das Nações Unidas (ONU) e ganha 800 dólares por mês. Com esse dinheiro vive e mantém a escola de bambu. Os 16 educadores da escola ganham 20 dólares por mês.

Algumas crianças dormem durante as aulas, resultado da jornada dupla: trabalham e estudam. Elas, os professores e Sabato são os personagens de uma história que está muito distante dos olhos do mundo. O maior objetivo do ativista liberiano é que as pessoas conheçam e ajudem o projeto para a construção da nova escola de bambu.

Guerra

A guerra civil na Libéria durou 14 anos (1989-2003). Atualmente, ela está controlada. Sabato está vivo para contar-nos essa história porque durante a guerra, ele foi refugiado por duas vezes; uma em Guiné e outra na Costa do Marfim, onde pôde continuar os estudos. Durante esse período, 300 mil pessoas morreram.

Crianças tiveram os pais mortos, garotos tiveram os braços e pernas decepados, meninas foram estupradas. Os meninos pobres, muitos órfãos, foram sequestrados pela guerra e pegaram em fuzis, sem saber se viveriam ou se matariam. As crianças liberianas, que perderam os pais no conflito, hoje, vivem nas ruas. Quem traz essas memórias é o olhar de Sabato. “Eu sei que se as crianças e os jovens forem educados, eles não vão matar outra pessoa. Se as crianças não forem para a escola, a guerra civil vai continuar. Mas eu não posso fazer isso sozinho”, diz.

Sabato é católico e com a fé de quem acredita em Deus ele aposta a sua vida na escola de bambu. Quando questionado sobre a importância da comida, num país pobre, sendo ela, então, mais importante do que a educação, o liberiano é enfático: “Se a pessoa tiver educação, ela vai lá... e consegue a comida. Por isso a educação é tão fundamental quanto a comida. Eu faço isso porque elas serão os futuros médicos e professores do meu país”, acredita.

 
 
Documentário

“Essa história precisava ser contada. Quando conheci a escola construída pelo Sabato tive a certeza que um documentário seria a melhor forma de registrá-la”, diz Vinícius Zanotti, criador do documentário "Escola de Bambu".

O jovem, jornalista, militante, em 2010, com 25 anos, decide colocar a mochila nas costas e conhecer a África. Mas o que deveria ser uma viagem de algumas semanas tornou-se uma estadia de dois meses. Ao chegar na Libéria, o documentarista contraiu malária e retardou sua volta ao Brasil. Ainda muito doente Vinicius conheceu Sabato, dentro de um carro, enquanto se recuperava da malária. A partir daí, a vida dos dois mudaria para sempre.

As crianças liberianas têm sonhos, elas querem reconstruir o país, conta Vinicius. “A Libéria é a terra da liberdade, mas, ao mesmo tempo em que os liberianos lutam, falta conhecimento, eles não sabem até que ponto está o mundo. Um fato que me marcou muito foi quando um liberiano me perguntou quantas horas de energia elétrica a gente usava no Brasil”, conta.

Início

Vinícius, porém, não se contentou em só conhecer a história de Sabato e da escola de bambu. Ele foi além: realizou o documentário e fez um pacto com o ativista. Prometeu ao liberiano que voltaria ao Brasil, venderia o documentário e conseguiria dinheiro suficiente para, junto com ele, erguer uma escola, com banheiros, infraestruturara, área de lazer e condições dignas para todas as crianças. O pacto foi firmado. A escola teria que ter, agora, uma casca firme, para abrigar todos aqueles sonhos.

O desafio teve início em setembro de 2011, quando oficialmente começou a campanha “Escola de Bambu” (clique aqui e acesse o projeto). O documentário passou a ser comercializado e a campanha ganhou as redes sociais e a simpatia da opinião pública, mais intensamente nas cidades paulistas de Campinas e São Paulo, onde Vinicius vive. O valor para que a nova escola de bambu nasça é estimado em 340 mil reais.

Na Mira
 
 
O Brasil realizou o Seminário “Brasil- África”, no BNDS, em maio desse ano, cujo objetivo foi discutir os investimentos que empresas nacionais deverão realizar no continente, entre elas, a mineradora Vale, Petrobras, Camargo Corrêa. A intenção, entre outras, é transferir tecnologia brasileira para a África.

O continente tem se tornado ponto de atração para o capital estrangeiro, o produto interno bruto (PIB) está previsto para crescer 6% esse ano. O produto interno bruto de países como Serra Leoa e Líbia estão previstos para crescer 35% e 76%, respectivamente. Um continente cuja soma de toda a riqueza cresce, mas que não traz reflexo na distribuição de renda e na qualidade de vida dos africanos. Durante o evento, o ex-presidente Lula enfatizou que mais de 300 milhões de africanos têm celulares.

Desigualdade Social

Na Libéria há 3 milhões de habitantes, 65% da população é composta por jovens. “Se o jovem da Libéria tiver educação, não vai mais ter guerra”, confia Sabato.

No país há três diferentes classes: o pobre, o rico e a classe intermediária. Os pobres recebem 50 dólares por mês, os intermediários recebem 500 e os ricos ganham 5 mil dólares por mês. A classe dominante economicamente reúne as pessoas que trabalham para o governo. Sabato conta que é muito fácil dividir os pobres e os ricos na Libéria: os ricos têm carro e moram em casas grandes.

O ativista destaca que, além da guerra civil, a Libéria foi vítima de seu passado histórico. Os ex-escravos americanos, que foram para o país africano, conseguiram muito dinheiro à custa das riquezas nativas, como o óleo, a borracha e o diamante. Esses escravos pegaram o dinheiro e voltaram para os Estados Unidos, como lembra Sabato.

Atualmente, a Libéria é a maior produtora de borracha do mundo, em um território da multinacional Firestone, já denunciada por outras mídias como mantenedores de trabalhadores em regime de escravidão. Eles ganham menos de 50 dólares mensais; são obrigados a morar no local, além de pagar o aluguel e alimentação com desconto diretamente na folha de pagamento.

No documentário “Escola de Bambu”, uma criança liberiana é questionada sobre qual profissão ela gostaria de exercer, quando crescesse. Sua resposta gritou aos ouvidos dos telespectadores, mas na Libéria ninguém ouviu: “Eu quero ser o presidente do meu país, para poder baixar o preço de tudo, para que os pobres possam comprar as coisas”. Sabato acredita que essas vozes só serão ouvidas quando houver educação.
  

 
Projeto

André Dal'Bó, arquiteto formado pela Universidade de Campinas (Unicamp), conheceu Vinícius em 2007 por causa da atuação junto aos movimentos sociais de ocupação urbana. “Tempos depois, Vinícius foi para África e expôs essa experiência. Daí eu pensei: Podemos ajudar a fazer essa escola”, diz Dal'Bó.

O primeiro passo foi buscar uma linguagem próxima à existente no local, com materiais e técnicas construtivas já utilizadas no cotidiano dos liberianos: O bambu e a terra em forma de blocos de adobe. “O projeto arquitetônico vai além de sua forma física”, justifica Dal'Bó.

O projeto conta, ainda, com sistema de tratamento de esgoto por biodigestão, geração de energia elétrica, captação e reuso da água da chuva. O arquiteto explica que haverá ampla ventilação e iluminação natural nas salas de aula.

O objetivo é transformar o bambu, planta comum no país, num modelo construtivo, sem danos ambientais. O arquiteto destaca que a intenção é ensinar aos estudantes das universidades públicas da Libéria (a que a população pobre tem acesso) este novo mecanismo. Além desse projeto elaborado por Dal'Bó, há a proposta de um gerador de energia, produzido com ímãs e rodas de bicicleta. Segundo Vinicius, dessa forma será possível criar novas opções de trabalho.

A Libéria, atualmente, conta com 80% de mão de obra informal. “Imagina que poderemos ensinar 70 pessoas a construírem um gerador de energia, utilizando o lixo tecnológico que os países desenvolvidos jogam na África, justamente com rodas de bicicletas”, exclama o documentarista. 

Ele estima que, quando o projeto deixar a Libéria, as pessoas vão estar aptas a produzirem esse modelo, que, segundo ele, é de baixo custo. “500 reais, sem a necessidade de gastos contínuos, como é o caso da energia pública, gerador a gasolina e energia solar”, compara o documentarista.

‘ONU É INCAPAZ DE LEVAR E MANTER A PAZ NA LIBÉRIA’
 


 A situação da Libéria é avaliada na entrevista abaixo pelo professor da Unicamp, Omar Ribeiro Thomaz, que pesquisa conflitos na África.
 
Omar Ribeiro Thomaz
Caros Amigos - O que explica essa tensão permanente, na Libéria?

Omar Ribeiro Thomaz -
A Libéria foi um dos poucos países onde não houve um estado colonial. Ela proclamou sua independência em meados do século xix. Desde sua existência, o país foi palco de grandes conflitos civis. Um dos motivos que explica essa tensão permanente trata-se de uma questão histórica: O universo urbano é associado ao aparato do estado e o universo rural vive na precariedade. Sempre houve tensão entre esses dois espaços.

Caros Amigos - Qual é o papel do governo diante desses conflitos?

Omar Ribeiro Thomaz -
Na Libéria há minas de diamantes que vão envolver disputas pelo controle desses recursos e pelo controle da mão de obra. O aparato do Estado não é inexistente, mas ele participava dessa disputa, sem conseguir controlar. A Libéria testemunhou uma guerra que disputava diamantes e a mão de obra para explorar o diamante. Essa mão de obra era reduzida ao trabalho forçado, geralmente jovens, do sexo masculino, por vezes crianças, eles eram obrigados a fazerem parte das milícias que praticavam esses trabalhos, como uma espécie de “senhores da guerra”. Mas isso era possível porque tem um mercado consumidor de diamante: Nova York, Paris...
Nesse contexto, o Estado liberiano não deixou de existir, mas ele passa a ser uma das forças por diamantes e por pessoas: este foi um período de guerra brutal. Faz parte dessa cadeia, cuja ponta final está no diamante, que é comprado por uma milionária de Nova York. Essa são questões fundamentais do conflito armado.

Caros Amigos - Como você analisa o papel da ONU para manter a paz na Libéria?

Omar Ribeiro Thomaz -
Nos últimos 20 anos, com raras exceções, a ONU tem se mostrado incapaz de levar e manter a paz. Nesse contexto, geralmente, a paz chega quando a população está exausta e não tem mais forças para lutar. Você vai ter organizações internacionais que vão denunciar grandes empresas que aceitavam comercializar esses diamantes, cuja origem é dessas regiões de conflito: Mão de obra escrava e em sua maioria infantil. O grosso da população vai conseguir se organizar (cada país se organiza de uma maneira). Aí, quando a comunidade se organiza, ONU chega. Ou seja, ela chega quando a população local já está articulando a pacificação.

Caros Amigos - Ellen Johnson, a presidente da Libéria, recebeu o prêmio Nobel da Paz. Como você analisa o seu governo (eleita em 2005 e reeleita em 2011)?

Omar Ribeiro Thomaz -
 A presidente da Libéria foi capaz de trazer recursos e promover um círculo virtuoso de desenvolvimento. Mas a paz é tensa porque há a clivagem do universo urbano e rural. Por outro lado, a Libéria é incapaz de atender demandas básicas da população. O projeto como a Escola de Bambu dificilmente vai conseguir apoio de um Estado que mal consegue se manter. É um Estado, relativamente, incapazes de atender a população. Eles vêem na presidente uma força positiva e ela tem feito um bom trabalho. Ela representa um grande sentido de oportunidade- (Ellen morou e estudou no Estados Unidos). A presidente tem elementos que a favorecem no cenário internacional, favorecendo, assim, a Libéria. Ela conseguiu, de alguma forma, manter a paz. Evidentemente, a Libéria é incapaz de atender o que a Libéria necessita. Ela ainda depende de grandes projetos de saúde e educação, já que o estado é incapaz. O fato é que a Libéria vive uma paz frágil Eu espero que isso não aconteça, mas o pais poderá viver um novo ciclo de conflitos, mesmo com a paz enquanto tendência.

Caros Amigos - A Libéria precisa ser salva?
 
Omar Ribeiro Thomaz -
 Nenhum país precisa ser salvo. O que a Libéria precisa é que as pessoas prestem atenção nela. Ela precisa que as organizações internacionais não venham com receita pronta e preste atenção das demandas dos liberianos. A escola de bambu é uma demanda. É preciso levar a sério o que os africanos querem para eles mesmos, sem a mentalidade de ajuda, paternalista....nada disso. A África é um fabuloso reduto de criação de riqueza para o ocidente explorar O conflito é quererem transformar os africanos em objetos de algum tipo de salvação. Quem for fazer algum trabalho lá, que não faça trabalho na Libéria, mas com a Libéria e com os liberianos, escutando o que eles têm a dizer.



             Fonte: http://carosamigos.terra.com.br/
 Publicado em Sexta, 17 Agosto 2012 14: 31 Escrito por Caros Amigos. 

             http://www.youtube.com/watch?v=1OZAw_xCLjI

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