Ao ser perseguido por quatro veículos, filho
do cacique capotou o carro que dirigia; “não foi acidente, foi ameaça”,
diz ele culpabilizando fazendeiros que nos próximos meses terão que sair da
terra indígena.
Andreia
Fanzeres da OPAN
Terra Indígena Marãiwatsédé |
“Não foi acidente, foi ameaça”, assim definiu Mário
Paridzané ao descrever a perseguição e capotamento de um carro oficial dirigido
por ele, que realizava o transporte de pacientes de Marãiwatsédé no último dia
3 de novembro. A hipótese propalada pela Associação dos Produtores Rurais da
Suiá Missu (Aprub) e estampada nesta semana nos jornais de Mato Grosso de que o
indígena teria ingerido bebida alcóolica ao volante ou simulado um acidente
para acelerar o processo de desintrusão da Terra Indígena Marãiwatsédé soou
como mais uma afronta à resistência Xavante em meio à pistolagem instalada na
região entre São Félix do Araguaia, Bom Jesus do Araguaia, Alto Boa Vista e
Ribeirão Cascalheira (MT) a serviço de fazendeiros que ocupam ilegalmente a
terra indígena.
"Vamos matar os índios; índio bão é morto", avisa pichação em placa - Foto: Divulgação |
A perseguição por quatro veículos ao carro da
Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) dirigido pelo filho do cacique
Damião Paridzané no último dia 3 foi mais um caso de atentado direto à
integridade física dos indígenas que há 46 anos lutam para retornar e reocupar
seu território tradicional. “Mário é habilitado, motorista profissional há
muitos anos, e isso nunca aconteceu”, relata um indígena de Marãiwatsédé.
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Ele se recorda de outros graves episódios
acontecidos desde 2004, quando os Xavante ocuparam uma pequena parcela dos 165
mil hectares a que têm direito, não investigados pelas autoridades competentes:
incêndios ateados de forma criminosa em áreas de pastagem no entorno da aldeia
Marãiwatsédé, restringindo o espaço já diminuto para circulação dos indígenas e
matando cabeças de gado utilizadas como fonte de alimentação pelos Xavante, por
exemplo.
“Os fazendeiros também já atiraram em um jovem que
ficou com a perna quebrada, eles já roubaram nosso gado e queimaram o ônibus
que usávamos para transporte escolar no Posto da Mata”, lembra outro integrante
da comunidade. “Os fazendeiros disseram que se encontrarem um índio sozinho vão
matar e sumir com ele. Ninguém tem dúvida de que agora não foi acidente, foi
ameaça de novo”, alerta o indígena.
No retorno de Barra do Garças, após levar crianças
desnutridas de Marãiwatsédé para serem atendidas no hospital, Mário fez uma
parada em Água Boa e em Ribeirão Cascalheira, onde foi abordado por pessoas que
questionavam se ele era filho do cacique Damião. Com medo, o indígena não
respondeu e continuou seu caminho, mas notou nas proximidades do Posto Malu que
estava sendo seguido por quatro veículos. Perto da terra indígena, aumentou a
velocidade na tentativa de fuga, mas foi fechado por um dos carros e capotou a
caminhonete. Os indígenas relatam que Mário foi socorrido pelo motorista de um
caminhão que se encontrava parado na estrada e levado até a entrada da aldeia.
Quando, na mesma noite, um grupo de indígenas retornou ao local do acidente
encontrou a caminhonete incendiada.
O carro era o único veículo cedido pelo governo
para atendimento à saúde indígena em Marãiwatsédé, cujos moradores sofrem
inúmeros problemas de saúde agravados pela falta de acesso aos recursos
naturais essenciais à sua sobrevivência. A aldeia registra altos índices de
desnutrição em meio ao assoreamento de córregos, contaminação por agrotóxicos e
falta de abastecimento de água potável. Com o acidente e perda total do
veículo, a situação de transporte de pacientes, que já era ruim, ficou pior.
Mário sofreu ferimentos na cabeça e pelo corpo e,
apesar de ter tentado ser atendido em Barra do Garças e Ribeirão Cascalheira,
só conseguiu vaga no último dia 8 de novembro em um hospital em Canarana.
Depois de quase 20 anos de tramitação na Justiça, o
processo de desintrusão da Terra Indígena Marãiwatsédé foi novamente autorizado
pelo Supremo Tribunal Federal em outubro de 2012. O governo enviou a Força
Nacional de Segurança, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal para
dar apoio às ações da FUNAI, que iniciou na semana passada as notificações aos
fazendeiros detentores de propriedades dentro de Marãiwatsédé.
Apesar da mobilização do governador de Mato Grosso,
deputados e senadores ligados ao agronegócio em tentativas de negociação e
adiamento dos prazos para a desintrusão junto à Casa Civil, a Secretaria Geral
da Presidência da República afirmou que é falsa a informação de que a
desintrusão será adiada ou reanalisada em 15 dias. O governo federal mantém
posição firme na condução deste processo. A partir da notificação de saída, os
ocupantes têm 30 dias para deixar a terra indígena.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/11126
12/11/2012
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