Lei voltou a ser discutida nesta semana no RS,
com audiência pública solicitada pelo movimento negro que gerou declarações no
governo do estado e na Assembleia Legislativa.
Iuri Muller do Sul 21
Depois de uma década Lei 10.639/03 voltou a ser discutida nesta semana no RS. Foto:Foto: Marina Lovato / Agência ALRS |
Aprovada pelo Congresso e sancionada pelo
ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva ainda em 2003, a Lei 10.639 – que
prevê a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” no
currículo das escolas do país – é aplicada apenas de forma mínima, mesmo dez
anos depois. A situação da lei voltou a ser discutida nesta semana no Rio
Grande do Sul, com a audiência pública solicitada pelo movimento negro que
gerou declarações no governo do estado e na Assembleia Legislativa.
A audiência ocorreu na última terça-feira (23),
na Assembleia Legislativa, em Porto Alegre. A reivindicação principal, de
cobrar maior rigor no cumprimento da lei e na fiscalização do que é realizado,
fez com que deputados e representantes do governo buscassem encaminhamentos
para um panorama que, segundo os movimentos sociais, se alterou pouco ou nada
mesmo após uma década de implementação.
Para a assessora de Diversidade Étnico-Racial da
Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul, Marielda Medeiros, em entrevista
para o Sul21, “o poder público tem responsabilidade
na questão, que é importante no combate ao racismo e ao desconhecimento”. Para
Marielda, o grande número de escolas, a fragilidade da formação de parte dos
professores e o desafio cultural que é discutir o racismo podem atrasar a
aplicação da lei – mas não o desconhecimento do tema. “Depois de dez anos (da
aprovação da lei), ninguém pode dizer que não a conhece, e nem quais são
os conteúdos necessários”, diz.
Quanto à formação dos professores nas
universidades, processo intimamente relacionado ao sucesso das medidas, a
assessora afirma que “o governo do estado tem parceria com universidades
públicas e privadas para que o professor receba a formação necessária. Ainda
assim, o currículo de muitas universidades permanece frágil e professores saem
com deficiência nos temas relacionados à cultura e história afro-brasileira.”
Presidente da Comissão de Educação, Cultura,
Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa, a deputada Ana
Affonso (PT) tampouco nega a deficiência nos resultados até agora visíveis da
Lei 10.639. Para a deputada, “é difícil para o educador romper com a formação
que recebeu durante os anos de estudo, mas não é motivo para que não estejam
aptos”. Ana Affonso acredita que a discussão permanente sobre o tema pode
provocar transformações no que hoje se observa nas escolas: “o debate sobre o
assunto pode vencer a dificuldade ou a má vontade de quem quer que seja”.
Para a deputada do Partido dos Trabalhadores,
apesar da necessidade de buscar uma melhor aplicação do que diz a lei, não se
pode deixar de lado o esforço já existente. “Precisamos de divulgação do que
vem sendo feito nas escolas, porque há avanços também, até para mostrarmos ao
movimento negro que o discurso de que nada está acontecendo não é correto”,
defende.
A audiência pública da última terça-feira pode
render encaminhamentos em breve sobre a questão, como a criação de um pólo de
formação acadêmica de formação continuada, a fiscalização de conselhos
estaduais e municipais sobre o que é feito nas escolas e o agendamento de uma
reunião de movimentos sociais com o secretário de Educação do Rio Grande do Sul,
José Clóvis de Azevedo.
Contexto político e ideológico
Onir Araújo, advogado e membro do Movimento Negro
Unificado (MNU), problematiza o não cumprimento da lei de outra forma: para
ele, trata-se de uma reação previsível de quem busca manter a ordem dominante.
“A não aplicação da lei sinaliza o quão farto é o conteúdo racista da
sociedade, e demonstra uma inabilidade política enquanto sujeitos históricos”,
opina. Para o advogado, a presença de conteúdos relacionados à história e à
cultura afro-brasileira é uma demanda antiga do movimento negro.
A origem desses anseios no Brasil, inclusive,
remontaria a oitenta anos atrás: “para o movimento negro, desde a Frente Negra,
nos anos 1930, a
questão da história do nosso povo ser contada no ensino é essencial para a
integração do negro”. A aprovação de uma lei como a 10.639 seria, no entanto, o
“desaguadouro institucional” do problema – que estaria muito longe de uma
resolução definitiva mesmo com o cumprimento ideal, já que transcende a
presença do tema no currículo escolar.
Para Onir Araújo, “a lei é importante e
necessária, mas é limitada, precisa ser vista dentro de um contexto político e
ideológico. Por exemplo, nunca foi organizado um orçamento que garantisse que
ela fosse cumprida. Assim, os governos podem alegar que falta dinheiro, que não
há verba”. Na mesma linha, ele acredita que verdadeiros avanços no combate ao
racismo no Brasil não podem depender apenas da esfera institucional, e sim de
efetiva mobilização popular.
O militante do MNU acredita que “quando se tenta
abrir uma cunha nesta estrutura que é patriarcal, burguesa e racista”, ocorre a
reação dos que buscam manter “um status de 513 anos de história”. O
descumprimento da lei, que ocorre “em todos os estados do Brasil”, seria
tecnicamente um caso típico de mandado de injunção – no caso, quando a Justiça
ordena a aplicação de uma lei. Entretanto, tampouco haveria boa vontade do
Judiciário. “Apenas com o bloco na rua isso não vai ser um diálogo de surdos”,
resume Araújo.
O exemplo utilizado pelo advogado para demonstrar
que a lei, ainda que bem executada, permanece sendo insuficiente, relaciona a
não aplicação com um histórico de violência constante: “a prova de que a lei
não basta é que 30 mil jovens negros são vítimas de homicídio por ano no
Brasil, e esse é um massacre invisível para muita gente. Não é só uma lei que
vai adiantar”. Está previsto ainda para o primeiro semestre de 2013, segundo a
deputada Ana Affonso, um seminário que busca mapear a aplicação da lei 10.639
no Rio Grande do Sul.
Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/12761
25/04/2013
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