Emily Almeida, de Recife (PE)
Denúncia foi elaborada durante o encontro Abril Indígena; encontro reúne cerca de mil indígenas de 12 povos do estado |
Povos reunidos no Abril Indígena –
Acampamento Terra Livre (ATL) de Pernambuco, em campus da Universidade
Federal (UFPE), elaboraram carta-denúncia, nesta terça-feira, 2, na qual
solicitaram a regulação dos professores e professoras indígenas. O Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) Nº01/08 do Ministério Público do Recife, que dava
prazo ao governo de estado para o ajustamento, está vencido desde 2010. Entre
os itens do termo, está a criação da categoria de professores indígenas, cujos
contratos estão vencidos.
A carta – que segue na íntegra abaixo - foi
encaminhada pelas lideranças e Comissão de Professores e Professoras Indígenas
de Pernambuco (Copipe) ao MP. Durante a audiência, as lideranças apresentaram
as diversas dificuldades da educação escolar indígena, como o contrato dos
professores, os problemas do transporte, a precariedade da estrutura física, a
discussão do currículo intercultural, o reconhecimento das especificidades, o
entendimento dos processos pedagógicos dos povos, a criação da categoria de
professores e professoras e a realização de um concurso para a contratação de
profissionais.
As lideranças contestam a negligência da
Secretaria de Educação, que não encaminha o projeto às outras instâncias para
que chegue à Assembleia Legislativa. Para os indígenas, a secretaria não
institui uma política indígena e sua atuação não tem sido eficiente através do
Conselho de Educação Escolar. O funcionamento deste é comprometido por entraves
burocráticos, organizativos e políticos. Ainda que seja um espaço reivindicado
pelos próprios indígenas, eles contestam a ineficiência deste. Solicitam a
eficiência deste espaço para que seja suficiente, que deve servir para
discutir, construir e deliberar as políticas públicas de educação escolar
indígena.
Segundo a promotora Eleonora Marise Silva
Rodrigues, ela própria havia contatado o secretário de Educação Rodrigo Dantas
para saber sobre o andamento do TAC vencido. Ele teria respondido que em um mês
daria retorno ao MP sobre o ajustamento. Caso este não seja encaminhado, a
promotora se comprometeu em intervir, aplicando penalizações ao governo do
estado.
Na manhã desta quarta-feira, 3, ocorrerá uma
audiência pública na Assembleia Legislativa de Pernambuco em que eles vão
pautar as reivindicações feitas e cobrar uma postura do governo diante do
impasse.
Leia a íntegra da carta encaminhada ao MP:
EXMA. SRA. DRA. PROMOTORA DE JUSTIÇA PARA
A ÁREA DE EDUCAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO
A COMISSÃO DE PROFESSORES E
PROFESSORAS INDÍGENAS DE PERNAMBUCO (COPIPE), organização
indígena sem personalidade jurídica que reúne e mobiliza os professores e
lideranças indígenas de Pernambuco. Reunidos nos dias 1, 2 e 3 de abril, no
XXVIII encontrão da COPIPE – levante dos povos indígenas de PE, em Recife,
professores(as) e lideranças indígenas vem à presença de V. Exa, com fundamento
no art. 5º, XXXIV da Carta da República, expor e requerer o que adiante se
segue:
- No estado de Pernambuco habitam 12 povos indígenas (Atikum, Pankararu, Truká, Entre Serras Pankararu, Fulni-ô, Tuxá, Pipipã, Kambiwá, Kapinawá, Pankaiwká, Pankará e Xukuru), cada povo com sua organização sócio-politica específica, somando uma população de mais de 45.000 indígenas, entre esses, mais de 10 mil crianças e jovens.
- A Constituição Federal de 1988 ao assegurar o respeito à diversidade cultural da sociedade brasileira, reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (art. 231) Ainda que,“o ensino Fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegura às comunidades indígenas a utilização de suas próprias línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.” (artigo 210).
- Várias iniciativas e mobilizações foram realizadas pelos povos indígenas no sentido de fazer cumprir seus direitos fundamentais, especialmente o direito a educação escolar indígena específica, diferenciada e intercultural, exigindo-se do Estado brasileiro a criação de normas legais que definissem a competência para a oferta de ensino, a criação de uma categoria específica de professores indígenas como forma de garantir a interculturalidade da educação escolar indígena e o rompimento com o modelo integracionista que orientava as políticas públicas para os povos indígenas.
- Assim, o Estado de Pernambuco, atendendo a solicitação dos professores e lideranças dos povos indígenas e a Resolução nº 03/99 e ao Parecer 14 da Câmara de Educação Básica do Ministério da Educação, editou o Decreto Estadual n.º 24.628 de 12/08/2002, determinando a estadualização das escolas de ensino fundamental estabelecidas em terras indígenas, então sob a responsabilidade dos diversos municípios em que estavam situados os territórios indígenas. A criação da categoria Escola Indígena em Pernambuco foi regulamentada pela Resolução do CEE/PE nº 05, de 16 de novembro de 2004.
- Considerando a urgência em assegurar a continuidade da prestação desse serviço público essencial, determinando a contratação temporária de docentes para atuarem nas escolas indígenas, bem como negociando com os gestores municipais a cedência dos professores indígenas vinculados aos municípios que já exerciam a docência nessas escolas.
- Com efeito, ao contratar temporariamente os professores indígenas e estadualizar as escolas indígenas, o Estado de Pernambuco assumiu a responsabilidade de garantir o pleno funcionamento da educação escolar indígena, garantindo-se, inclusive, a formação acadêmica e intercultural adequada aos profissionais da educação escolar indígena que não preenchiam os requisitos legais exigidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), assegurando-se, ainda, a formação continuada em serviço.
- Ocorre que de 2002 até o presente a demanda de oferta de educação escolar indígena tem aumentado significativamente, especialmente com a oferta do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e o ensino médio nas terras indígenas, que antes inexistia,diminuindo o contingente de alunos que eram obrigados a abandonar a sua aldeia para estudar na cidade.
- Nesse diapasão a educação escolar indígena continua a ser tratada com descaso pelo governo do estado, atendendo a essa nova demanda com a ampliação do número de profissionais contratados temporariamente ou a prorrogação dos contratos existentes, gerando insegurança entre os docentes e toda a comunidade indígena que não sabe até quando essa situação poderá perdurar. Ademais, igualmente estão sendo contratados temporariamente serviços gerais, como merendeiras, auxiliares de limpeza e agentes de segurança através de empresas de prestação de serviço contratadas pelo Estado.
- Não há, igualmente, regulamentação para as demandas específicas relacionadas à gestão escolar em cada povo, uma vez que cada etnia possui um modelo e princípios de organização peculiares e correlacionados a sua própria organização social. De maneira, que apesar de terem sido sistematizados estes modelos de gestão escolar, em formação realizada com a Secretaria de Educação (SEE-PE), os mesmos não são reconhecidos. Ou seja, até o momento, a SEE-PE não apresentou ao Conselho estadual de educação escolar indígena uma minuta ou proposta de resolução que regulamente os cargos e funções relacionados a gestão escolar em cada povo indígena.
10. Considerando que essa política de
precarização do serviço público tem sido uma constante no que diz respeito à
educação básica em Pernambuco, o Ministério Público celebrou com o Estado de
Pernambuco Termo de Ajustamento de Conduta (TAC n. 01/08) visando inibir
a continuidade das ilegalidades praticadas pelos gestores estaduais, mas até a
presente data, ao menos no que diz respeito à educação escolar indígena, essa
situação permanece.
11. Essa situação de insegurança jurídica tem
gerado diversos dissabores aos educadores e educandos, uma vez que não é
possível assegurar educação de qualidade ante a ausência de vontade politica
para regularizar em definitivo essa situação. A criação da categoria de
professor indígena nos quadros do serviço público estadual e a posterior
realização de concurso público específico representam um passo significativo no
sentido de assegurar com que os profissionais da educação tenham os seus
direitos constitucionais assegurados.
12. Enquanto esse quadro não é resolvido em
definitivo alguns professores, merendeiras e outros auxiliares passam pelo
constrangimento de passar um ano sem receber os seus vencimentos, mesmo
comparecendo regularmente aos seus locais de trabalho.
13. Observe-se que o Conselho Estadual de
Educação Escolar Indígena (CEEIN), criado pela Lei nº 13.071, de 18 de julho de
2006, e regulamentado através do Decreto nº 31.644, de 08 de abril de 2008,
órgão consultivo, deliberativo e de assessoramento técnico em todos os níveis e
modalidades de ensino, aprovou em 2011 anteprojeto de lei para regulamentação
da categoria professor indígena, após longa discussão entre os povos indígenas
do Estado, encaminhando o anteprojeto de lei a apreciação do secretário de
educação de Pernambuco para as providências legais, o que até o presente
momento não se tem notícias de qualquer iniciativa no sentido de regularizar
essa situação
.
.
14. No sentido o CEEIN, considerando a
resistência de alguns setores em promover a regularização dos professores
indígenas de Pernambuco, aprovou a realização de seminário de sensibilização
com as autoridades do executivo estadual, parlamentares, membros da
procuradoria geral do Estado, poder judiciário estadual, Ministério Público
federal, Ministério Público Estadual, universidades, entidades indigenistas,
professores e lideranças indígenas para debater e conhecer como outros estados
da federação têm solucionado a questão da regularização da situação funcional
dos professores indígenas, mas até a presente data a Secretaria Estadual de
Educação não se dignou a encaminhar a deliberação do Conselho de Educação
Escolar Indígena, impossibilitando que o debate fosse realizado.
15. Importante registrar, nesse sentido, que no
Nordeste o Estado da Bahia aprovou a Lei nº 18.629/2010 que regulamenta a
categoria professor indígena e a Assembléia Legislativa do Estado do Ceará tem
realizado audiências públicas para discutir o projeto de lei em tramitação
naquela casa legislativa. Outros estados da federação também estão avançados na
regularização dessa situação.
16. Registre-se, ainda, que o Estado de
Pernambuco não tem tomado iniciativa no sentido de garantir as escolas
indígenas o currículo diferenciado e intercultural, bem como que a Secretaria
de Educação não dispõe de estrutura administrativa adequada para atender
eficazmente as demandas da educação escolar indígena, fazendo com que as
demandas dos povos indígenas não sejam atendidas com agilidade pelas gerências
de educação regionais.
17. Para conhecimento de V.Exa encaminhamos
em anexo dados preliminares com o quantitativo estimado de professores com
contratos temporários, numero de escolas, alunos respectivamente de acordo com
nível, modalidade e segmentos de ensino oferecidos nos territórios indígenas.
Estes dados foram organizados pelos professores e lideranças durante o XXVIII
Encontrão de professores - Alevante dos povos indígenas de PE.
Ante o exposto, requer a Comissão dos
Professores Indígenas (COPIPE):
a) A instauração de
procedimento administrativo para apurar as violações de direitos dos povos
indígenas quanto à oferta de educação escolar indígena por parte do Estado de
Pernambuco.
b) Que V. Exa. requisite
da Secretaria de Educação de Pernambuco o quantitativo de professores
contratados temporariamente por povo indígena e por modalidade de ensino, bem
como o número total de alunos matriculados por povo indígena.
c) Que V. Exa. requisite
informações sobre as medidas adotadas pela Secretaria de Educação no sentido de
regularizar a situação funcionam dos profissionais da educação escolar indígena
e a regulamentação da gestão dessas unidades de ensino.
d) A adoção de medidas
judiciais cabíveis para forçar o Estado de Pernambuco afim de cessar as graves
violações dos direitos constitucionais dos povos indígenas.
Nestes Termos,
Pede Deferimento
Recife, 02 de abril de 2013
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/12534
03/04/2013
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