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quinta-feira, 25 de abril de 2013

GREVE DE ÍNDIO NO MARACANÃ



Por Lúcio Flávio Pinto - Cartas da Amazônia 
  
 
O índio potiguar Tiuré desistiu da greve de fome que iniciaria no dia 19, dia dedicado ao índio pelo calendário festivo nacional, no Rio de Janeiro. A suspensão do ato de protesto se deveu à “inesperada ação do Presidente da Comissão da Anistia, que se pronunciou em agilizar meu processo e da Secretaria de Direitos Humanos em agir em prol da aldeia maracanã, além da imensa solidariedade de parentes e amigos, que me comoveram profundamente”, explicou. A suspensão, porém, será temporária. “Além de ser um retorno tático, é um gesto de confiança no Governo, que  poderá ser temporário, dependendo do desenrolar nos próximos dias. Estaremos atentos, mobilizado, poderei retomar meu ato”, garantiu Tiuré, em comunicação pessoal a este colunista.

  
 
Os motivos da greve de fome foram apresentados num manifesto único na literatura indígena. Merece ser lido com atenção, tanto pelos que concordam com o texto como pelos que dele discordam. E que, por isso, merece ser reproduzido na íntegra:

“Eu, Tiuré, do povo Potiguara, José Humberto Costa Nascimento, ativista dos direitos indígenas, atual resistente da Aldeia Maracanã, antigo Museu do Índio, considerado o primeiro indígena a receber o status de Refugiado Político de um Tribunal Internacional reconhecido pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados, conforme o acordo de Genebra, exilado durante 25 anos, comunico a todos que a partir do dia 19 de abril, dia considerado como o Dia do Índio, em local a ser definido no Estado do Rio de Janeiro, Brasil, aos 64 anos do meu nascimento, interromperei minha alimentação, iniciando um ritual indígena de greve de fome, contra:
– a política de extermínio das populações indígenas no Brasil seja por conveniência ou omissão do Governo Brasileiro
– o não reconhecimento, até esta data, do veredicto internacional de Refugiado Político, pela Comissão da Anistia e o conseqüente agravamento das feridas causadas pelas rupturas, perseguições, seqüestro, torturas e ameaças de morte, causadas por agentes do Estado durante a ditadura.
– a política terrorista do Estado do Rio de Janeiro usada contra os índios que lutam neste momento para recriar no antigo Museu do Índio um espaço de Universalidade Indígena conhecida como Aldeia Maracanã.
De plena e sã consciência realizo este ritual indígena de passagem como única forma de ação política, pacífica e de muita paz espiritual, diante do labirinto judicial, legislativo e executivo em que as questões indígenas se encontram hoje neste País.
É um grito extremo e silencioso contra o modus operandi resgatado da Ditadura, no uso da truculência e repressão policial-militar no trato com índios que, resistem no meio rural e urbano, contra a imposição de megaprojetos desenvolvimentistas que matam nossas matas, rios e vem destruindo sistematicamente modos de vidas e cultura milenares. Este ato espiritual de luta política  é autônomo, independente de qualquer ONG,  partido político ou organizações religiosas ou não. Meu compromisso é somente com o grande espírito Tupã. Junto-me aos parentes indígenas que passaram por este ritual no Brasil ou na América como forma de protesto. Conclamo a todos, indígenas ou não, do Brasil e do mundo, para se manifestarem, solidários ou não, para que este grito ressoe no Palácio do Planalto. Levarei minha greve de fome até as últimas consequências caso o Estado Brasileiro não se pronuncie nas questões abaixo:

– sobre meu processo na Comissão da Anistia
– sobre as investigações do genocídio indígena praticado na  Ditadura e condenação dos criminosos
– apuração das responsabilidades pelas violências causadas pela tropa de choque para desalojar recentemente  as famílias indígenas da Aldeia Maracanã no Rio de Janeiro e reintegração de posse do prédio do antigo Museu do Índio, promovendo a sua necessária reforma e posterior utilização definitiva pelos e para os índios brasileiros;
– inclusão na pauta governamental de diálogo aberto e de respeito aos primeiros habitantes desta terra;
Por último, responsabilizo o Estado Brasileiro pela minha possível morte ou pelas seqüelas irreversíveis pelas consequências desta greve de fome.
  

Ao ter conhecimento do manifesto, mandei esta mensagem de apoio a Tiuré:

“Conheço Tiuré há quase 40 anos. Passamos os anos mais recentes sem qualquer contato. Eu nem sabia para onde ele tinha ido depois de deixar a aldeia dos índios Gaviões, em Marabá, no Pará, onde nos conhecemos. Mas minha memória do nosso civilizado contato (raro nos contatos entre brancos e índios) guardou a sua marca de pessoa consciente, lúcida e corajosa. Passei a admirá-lo como um dos mais expressivos líderes indígenas, apesar de seu modo discreto e filosófico de ser, sem espalhafato, sem a necessidade de ver confirmadas suas muitas virtudes. Confesso meu espanto e indignação ao saber que Tiuré está disposto a ir ao extremo da greve de fome, só menos radical, como meio de protesto, que o suicídio, para conseguir tão pouca coisa. Sua pauta de reivindicação é de fácil atendimento. Basta que os destinatários da sua mensagem sejam educados, civilizados e democratas. Se Tiuré precisa arriscar sua vida por uma plataforma tão magra, com a magreza aviltadora dos dias que o esperam a partir do dia 19, é porque essas expressões perderam a sua substância - vivencial e etimológica - nestes nossos dias de confusão. Espero que, finalmente, possamos ter uma boa surpresa. Nossa dívida para com os povos dos quais Tiuré é legítimo e valoroso representante é muito maior do que os compromissos com a Copa do Mundo, e nem precisa que uma entre em colisão com os outros, se as autoridades tiverem o mínimo de discernimento, boa vontade e espírito cívico. Os compromissos se traduzem em moeda. A dívida, em séculos de atitudes que, por sua obstinação no massacre, resultaram na situação que leva Tiuré ao protesto. Estou com ele. E só abro se oferecerem uma chave de lucidez na resolução do problema”. Felizmente um melhor encaminhamento à questão permitiu o ato saudável de suspensão da greve de fome. Ela teve o efeito útil de interessar muito mais pessoas pela questão.

Lúcio Flávio Pinto, 62, é jornalista desde 1966. Editor do "Jornal Pessoal", publicação quinzenal que circula em Belém do Pará desde 1987.


Fonte:http://br.noticias.yahoo.com/blogs/cartas-amazonia/greve-%C3%ADndio-no-maracan%C3%A3-154122110.html

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