Projeto de lei da senadora ruralista obriga governadores a executar
reintegração de áreas sem verificar cumprimento da função social dos imóveis.
Pedro Rafael, de Brasília (DF.
Senadora Ruralista Kátia Abreu (PSD-TO) Defensora de Latifúndio Improdutivo |
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do
Senado Federal analisa projeto de lei (PLS 251/2010) que obriga governadores a
executar reintegração de posse, em imóveis urbanos e rurais, no prazo máximo de
15 dias. A proposta classifica como crime de responsabilidade o descumprimento
da medida.
De autoria da senadora Kátia Abreu (PSD-TO),
presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA),
o PLS 251/2010 tramita em regime terminativo na CCJ e, se aprovado, seguirá
direto para a Câmara dos Deputados sem necessidade de passar no plenário.
Na semana passada, ao ser examinada por quase uma
hora na comissão, a proposta foi rechaçada por parlamentares de diversos
partidos, inclusive representantes do DEM, PSDB e PMDB. O texto continua nas mãos
do relator, senador Sérgio Petecão (PSDAC), aliado de Kátia Abreu, e não tem
data para entrar novamente em pauta na comissão.
Além de considerarem o prazo “extremamente”
apertado, o projeto, na ótica de senadores, especialistas e movimentos sociais
ouvidos pelo Brasil de Fato, ignora por completo a
determinação constitucional sobre a função social da propriedade. “A senadora
Kátia Abreu está se aproveitando do seu cargo para proteger suas próprias
fazendas de uma ocupação, onde já foram identificadas situações de trabalho
escravo e grilagem de terras”, aponta Alexandre Conceição, da coordenação
nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Em março, trabalhadoras rurais participaram de
uma mobilização na fazenda Aliança, em Tocantins, de propriedade da família da
senadora. A área já foi embargada, há três anos, pelo Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente (Ibama), por causa de desmatamento. Em agosto de 2012, 56
trabalhadores em condições análogas à de escravidão foram libertados na fazenda
Água Amarela, em Araguatins (TO). O imóvel está registrado em nome de André
Luís de Castro Abreu, irmão da senadora.
Kátia Abreu foi uma das vozes mais rebeldes
contra a aprovação Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que passou a
determinar expropriação de imóveis rurais onde há constatação de trabalho
análogo à escravidão. De acordo com o artigo 184 da Constituição Federal, um
imóvel rural descumpre sua função social quando é considerado improdutivo,
viola relações trabalhistas e de bem-estar social ou agride ao meio
ambiente.
Direito de todos
Na sessão da Comissão de Constituição e Justiça
que debateu o PLS 251/2010, houve bate-boca entre Kátia Abreu e o senador
Roberto Requião (PMDB-PR). Em defesa da sua proposta, a senadora ruralista
afirmou que é preciso garantir o direito de propriedade de uma minoria.
“E é do direito da minoria que nós estamos aqui
falando. Não queremos tirar o direito da maioria; o direito, o desejo, o sonho
das pessoas de terem terra. Mas o direito e o sonho daqueles que querem ter
terra não podem ser concretizados invadindo o meu direito, invadindo o meu
sonho, invadindo a minha propriedade”, afirmou.
Requião defendeu a necessidade de uma solução
negociada, para não haver situações “lamentáveis”, como a desocupação da comunidade
Pinheirinho, realizada de forma violenta em 2012, em São José dos Campos (SP).
Na ocasião, mais de sete mil famílias foram expulsas de uma área residencial,
que havia sido abandonada pelo proprietário há quase dez anos. “Quero reafirmar
a minha visão suportada, não numa histeria proprietária, mas numa visão
sociológica do país”, destacou.
O senador explicou ainda que, nos seus dois
últimos mandatos como governador do Paraná (2002-2010), editou decreto
estabelecendo comissão de negociação em todas as situações de reintegração de
posse. A medida, segundo o parlamentar, garantiu a resolução de 110 dos 116
processos ocorridos no estado durante esse período.
Função social
Para o promotor de Justiça do estado de São
Paulo, Marcelo Goulart, a senadora Kátia Abreu faz um equívoco jurídico ao
argumentar em favor do direito de propriedade. “Esse direito só é protegido e
reconhecido juridicamente – em favor daquele que detêm o espaço – se ele faz
cumprir a função social do imóvel”, afirma.
No caso da terra, um bem finito, o promotor
defende que não há apenas a prevalência do interesse particular na posse de um
imóvel. “Aquilo que é produzido na terra beneficia o detentor da propriedade
enquanto titular daquela produção. Mas essa produção também deve atender ao
interesse público, por isso a exigência do cumprimento da função social. É isso
que precisa ficar caracterizado na ação possessória”, completa.
Ao mesmo tempo, avalia o promotor, a Constituição
Federal assegura o acesso à propriedade, como direito fundamental e universal.
“Todos os brasileiros têm direito à propriedade, direito de acesso à terra. É
por isso que a própria Constituição prevê um programa de reforma agrária”.
O engenheiro agrônomo e doutorando em Economia Agrária
pela Unicamp, Antonio Oswaldo Storel Jr., lembra que a ocupação de terras está
intimamente relacionada ao descumprimento da função social da propriedade,
fator ignorado pelo projeto de lei de Kátia Abreu.
“Normalmente, o movimento social tem ocupado
terras para pressionar o governo a fazer o processo de desapropriação. O
movimento não ocupa indiscriminadamente qualquer imóvel, ele ocupa um imóvel
que o governo já identificou como improdutivo”, aponta.
Mais sobre o assunto:
Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/12605
10/04/2013
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