Daniele Silveira da Radioagência NP
Povos tradicionais lutam pela demarcação de territórios e contra interesses econômicos - Foto: Egon Heck - Cimi |
Lembrado mais como uma data folclórica, o “Dia do
Índio” – celebrado em 19 de abril – perdeu a reflexão e o debate necessários
sobre as questões enfrentadas por esses povos no Brasil. Para além de crianças
com rostos pintados ou com cocar na cabeça, nesta data povos indígenas propõem
uma verdadeira discussão sobre as dificuldades enfrentadas. Entre os desafios
estão a demarcação de terras tradicionais, falta de acesso a serviços públicos,
preconceitos e casos de desrespeito aos direitos humanos.
Atualmente, existem mais de 230 povos indígenas
vivendo no Brasil. A população total dessas comunidades chega a quase 900 mil
pessoas, segundo o último Censo Demográfico. Número muito abaixo dos estimados
5 milhões que existiam antes da chegada dos europeus por aqui.
Para o indígena e integrante do Tribunal Popular,
Sassá Tupinambá, não há o que comemorar no dia 19 de abril. Diante da situação
de descaso do Estado brasileiro quanto à garantia e defesa dos direitos dos
povos indígenas, ele defende maior comprometimento.
“Não faz sentido ter esse dia e esse dia ser
ratificado pelo Estado brasileiro, sendo que o Estado brasileiro não cumpre as
próprias regras criadas pelo Estado, que é a Constituição Federal e as leis
internacionais que o Brasil é signatário em relação aos direitos dos povos
indígenas.”
A garantia das terras originalmente ocupadas
continua a ser o principal problema enfrentado pelos indígenas. Com o modelo
econômico adotado no país, que se baseia no agronegócio e na exportação de
commodities, essa população tem direitos violados.
Assédio econômico
A principal resistência está nos setores
políticos e econômicos. O procurador da República no Amazonas, Júlio Araújo,
considera o direito à terra o ponto central da questão indígena.
“A gente tem problemas de terras que não foram
devidamente demarcadas – não consideraram efetivamente a ocupação tradicional
dos índios –, e terras já demarcadas, mas que sofrem muitas pressões porque
possuem riquezas, como minérios e madeira.”
Um estudo da Comissão Pró-Índio de São Paulo
divulgado no dia 18 de abril alertou que a mineração é a principal ameaça na
maioria das terras indígenas analisadas.
A pesquisa ainda apontou além da extração de
recursos naturais, obras de infraestrutura, expansão do turismo e especulação
imobiliária como outras ações que ameaçam as comunidades.
Araújo destaca que os indígenas não têm como
resistir às pressões econômicas.
“Há um assédio muito forte do interesse econômico
sobre essas terras, gerando violência. Esse é um grande problema e um ponto
central, porque a terra para os povos indígenas assume um caráter de
pertencimento. Uma relação muito mais forte do que a nossa relação de posse
física”.
Entraves jurídicos
De acordo com um levantamento realizado pelo MPF
em 2009, somente no Mato Grosso do Sul havia 87 processos judiciais envolvendo
disputa de terras indígenas.
O povo Xavante, da terra Marãiwatsédé, no
nordeste do Mato Grosso, é um exemplo dessa realidade. Somente após vinte anos
o processo de regularização chegou ao fim.
Sem o reconhecimento oficial das comunidades, não
há acesso aos serviços públicos. O MPF já registrou vários casos em que povos
indígenas não recebem atendimento. O procurador Júlio Araújo ressalta a
garantia dos serviços públicos como dever do Estado independente do
reconhecimento formal dos territórios.
“A comunidade acaba ficando meio que em um limbo.
Embora a autoidentificação seja o critério realmente relevante, muitas vezes o
atendimento de uma comunidade depende de critérios formais, embora a gente
considere equivocado esse entendimento.”
Entre os exemplos verificados pelo MPF está o da
população Tembé, das aldeias Jeju e Areal, da cidade de Santa Maria do Pará
(PA). A comunidade não pode usar os serviços do Distrito Sanitário Especial de
Saúde Indígena.
Contra os estereótipos
Sobre o “Dia do índio”, Sassá Tupinambá ainda
reforça que não deseja ver crianças saindo das escolas pintadas de verde e
amarelo ou com cocares feitos de papel, reforçando estereótipos sobre a cultura
indígena. Para ele, o momento é de denúncia das violências vividas pelas
comunidades no país.
“É preciso mostrar qual é a realidade que os
povos indígenas estão vivendo, sendo atacados nas suas terras por pistoleiros,
tendo suas terras invadidas por latifundiários, a morosidade do Estado
brasileiro e do governo na demarcação, ampliação e desintrusão de terras.”
Levantamento do Conselho Indigenista Missionário
(Cimi) registra 503 assassinatos de indígenas no Brasil entre 2003 e 2011. O
número corresponde a uma média de 55,8 mortes por ano.
http://www.brasildefato.com.br/node/12712
19/04/2013
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