Antes de qualquer ato de licenciamento deve ser feita a consulta com as populações afetadas, dizem procuradores - Foto: Reprodução
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O Ministério Público Federal (MPF)
entrou na quarta-feira (3) com recurso para suspender a operação militar que o
governo federal faz na região do Tapajós, no oeste do Pará, assim como os
estudos e o licenciamento da usina hidrelétrica São Luiz do Tapajós. O MPF pede
que, antes de qualquer ato de licenciamento ou estudos, os índios Munduruku e
as comunidades ribeirinhas diretamente afetados sejam consultados, conforme
manda a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
“Considerando que a política
energética atual do Estado brasileiro para a Amazônia compreende a produção de
energia a partir do barramento dos rios, o direito à consulta, conforme
estabelecido na Convenção 169, merece destaque. Trata-se de condição essencial
para a segurança das comunidades e para o livre exercício dos direitos humanos
e fundamentais dos povos afetados, cujo modo de vida inerente ao rio passa a
ser ameaçado”, diz o recurso do MPF.
O recurso foi apresentado à Justiça
Federal em Santarém (PA) mas deve ser apreciado pelo Tribunal Regional Federal
da 1ª Região, em Brasília (DF). A Convenção 169 foi assinada pelo Brasil em
2002 e integrada ao ordenamento jurídico brasileiro em 2003. De acordo com
decisões do Supremo Tribunal Federal, tem força de emenda constitucional. Mas
nunca foi aplicada pelo governo brasileiro, apesar dos inúmeros projetos
hidrelétricos que afetam populações tradicionais na Amazônia.
Para os procuradores da República
que atuam no caso, a operação armada que está ocorrendo atualmente no Tapajós
derruba qualquer chance de diálogo e consulta como manda a Convenção 169. “Não
existe diálogo, mas predisposição ao confronto. O Judiciário deve afirmar
peremptoriamente se entende a Operação Tapajós como processo adequado de
diálogo, pautado pela boa-fé, conforme prescreve a Convenção 169 da OIT. Na
visão do MPF, está claro que a Operação descumpre a Convenção, ferindo os mais
comezinhos princípios de direitos humanos”, dizem os procuradores Fernando
Antônio de Oliveira Jr, Felipe Bogado e Luiz Antonio Amorim Silva, de Santarém.
No recurso, o MPF pede a
reconsideração das decisões anteriores da Justiça Federal de Santarém. O juiz
Airton Aguiar Portela permitiu a continuidade da chamada Operação Tapajós,
apesar de ter ordenado a consulta aos indígenas e a realização da avaliação
ambiental integrada da bacia do Tapajós. O MPF quer a revisão desse
entendimento, para suspender todo e qualquer ato para licenciamento de usinas,
inclusive a operação militar, enquanto não houver a consulta.
O Tribunal também vai analisar o
pedido para que todas as populações tradicionais da região onde o governo quer
construir as usinas sejam consultadas, não apenas os indígenas. Os ribeirinhos
do alto e médio Tapajós são conhecidos como beiradeiros e vivem em uma das
regiões ambientalmente mais bem preservadas de toda a Amazônia.O processo de
consulta previsto na Convenção 169 inclui a identificação de todas as
comunidades tradicionais afetadas.
O governo alegou no processo
judicial sobre a usina São Luiz do Tapajós que só pode fazer a avaliação
ambiental do impacto de várias usinas se fizer estudos na região.
Com isso,
justificou a operação militar que está atualmente em curso na região e que, no
entendimento do MPF, pode ocasionar graves conflitos com as comunidades
indígenas.Para o MPF, a consulta deve preceder qualquer tipo de estudo
ambiental na região.
“A realização de avaliação
ambiental antes do processo de consulta ofende à Convenção 169 da OIT,
porquanto a consulta aos povos indígenas e às população tradicionais deve ser
prévia”, diz o recurso. “O Governo Federal, ao tentar realizar de maneira
precipitada o processo de consulta, no cenário de potencial conflito como o
atual, descumpre a Convenção 169 da OIT e sujeita o Estado brasileiro a sanções
na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)”, alertam.
A Convenção 169 da OIT determina a
consulta sempre que seja prevista qualquer medida legislativa ou administrativa
que possa afetar diretamente populações indígenas e tradicionais. “Verifica-se
que existem inúmeras medidas legislativas e administrativas tomadas por órgãos,
agentes públicos do poder executivo e legislativo, bem como pelo empreendedor,
com a autorização do executivo.
Todas elas afetam diretamente os povos
indígenas cujas terras estão ameaçadas pela sobreposição da UHE São Luiz do
Tapajós. No entanto, não houve a consulta livre, prévia e informada aos povos
indígenas e tradicionais afetados pelas medidas e pelas ações do projeto”,
explica o recurso do MPF.
Consulta prévia às
populações do Tapajós
Segundo o MPF, “a CLPI (Consulta
Livre, Prévia e Informada) deve abarcar as populações indígenas e os povos
tradicionais afetados pela UHE São Luiz do Tapajós. Portanto, não deve ficar
restrita apenas às populações indígenas em um raio de 40 km de distância do local
exato do empreendimento, como pretende fazer o Governo Federal.
Devem também ser ouvidas as
populações indígenas que, mesmo não estando no raio do empreendimento, retiram
sua sobrevivência da Bacia do Tapajós. Mais do que isso. Nos termos da
Convenção 169 da OIT, devem ser ouvidas também as populações tradicionais
ribeirinhas, motivo pelo qual o pedido do MPF na presente demanda abarca também
as populações tradicionais.
É evidente que a construção de uma
Hidrelétrica impacta em todo o regime de águas de determinado rio. É
indefensável entender que isso não afeta o modo de vida de populações indígenas
e tradicionais que vivem da pesca ou da exploração de outros de recursos
naturais ao longo da Bacia do Tapajós.
Em suma, os processos de consulta
devem servir às comunidades que atendam aos seguintes critérios: a) possuir uma
relação ancestral com o território; b) ter vida própria de comunidade com
mecanismos de auto-governança; c) auto-reconhecer-se como pertencente a um
grupo étnico reconhecido constitucionalmente; d) Possuir identidade cultural e
histórica distinta em seus costumes”.
Carta Munduruku
Na manhã desta quinta-feira (4), o
MPF recebeu em Belém (PA) uma liderança dos índios Munduruku, Valdenir
Munduruku, o representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Luís
Claúdio Teixeira, o representante do Fórum da Amazônia Oriental (FAOR),
Marquinho Mota, e outros integrantes de organizações que atuam em defesa dos
direitos indígenas. O grupo entregou ao procurador da República Ubiratan
Cazetta uma carta em que reforçam a necessidade de interrupção urgente da
operação Tapajós.
"O governo está em nossas
terras como bandidos, como ladrões invadindo sem avisar os nossos rios e
territórios para destruir o rio Tapajós e explorar nossas riquezas. E está
ameaçando nos ferir ou matar se reagirmos", diz o texto. O documento será
encaminhado à Procuradoria da República em Santarém.
Confira a íntegra da carta:
"Carta do povo
Mundurukú para a justiça, para o governo e para a sociedade mundial e os povos
indígenas sobre a operação Tapajós no território Mundurukánia
Aldeia Sawré Muybú, Itaituba
29 de março de 2013
Nós, povos indigenas Mundurukú do
Médio e alto Tapajós estamos na aldeia Sawré Muybú para reafirmar nossa aliança
e dizer que o rio Tapajós é um só assim como o povo mundurukú é um só.
Denunciamos que os representantes
do governo Tiago Garcia e Nilton da secretaria geral da república e o governo
todo não cumpriram com o compromisso registrado nas atas das reuniões de 15 de
março de 2013. Não aguardaram a reunião das lideranças Mundurukú marcada para
10 de abril de 2013 para dizer como queremos ser consultados e depois reunir
com o governo para comunicar nossa decisão.
Além disso, comunicamos que estamos
sendo humilhados e ameaçados pela operação das Forças Armadas do governo
criadas pelo decreto 7957 de 12 de março de 2013 que manda pesquisadores
invadirem nossas terras junto com as policia Rodoviária Federal, a policia
Federal, o Exercito e a Força Nacional por causa das hidrelétricas do Tapajós.
Denunciamos que as Forças Armadas estão espalhadas sobre o rio Tapajós sobre a
Transamazônica e nossos territórios intimidando e ameaçando as pessoas
impedindo de navegar pelos nossos rios e circularmos livremente pelas estradas
nas nossas terras e aldeias.
Não podemos pescar, trabalhar,
tomar banho no rio, caçar, andar livremente e viver nossa vida.
O governo está em nossas terras
como bandidos, como ladrões invadindo sem avisar os nossos rios e territórios
para destruir o rio Tapajós e explorar nossas riquezas.
E está ameaçando nos ferir ou matar
se reagirmos.
O governo também esta tentando
dividir o nosso povo Mundurukú para conquistar e destruir o rio Tapajós, mas o
rio Tapajós não se divide e o povo Mundurukú também não se divide.
Nada que o governo oferece paga
toda a riqueza que temos.
Não venderemos nosso rio e território,
nosso povo, nossa história nem o futuro dos nossos filhos.
Helicópteros e voadeiras estão
circulando pelo rio e pelo ar desde 27 de março de 2013 (vídeos em anexo). Os
Mundurukú foram intimidados pela policia federal rodoviária e pela força nacional
e na Transamazônica e no Porto Buburé no Tapajós. Em quanto isso bandidos estão
soltos pelas cidades do Brasil.
Por isso exigimos que:
Todos nossos direitos questionados
pelo Ministério Público Federal na justiça sejam garantido. E fazemos a mesma
exigência do Ministério Público de Santarém por nossos direitos violados pela
Usina Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós.
Pedimos ao MPF/PA e a justiça
Federal que esse documento seja anexado ao processo contra as barragens no
Tapajós. E informamos que nós vamos dizer como queremos ser consultados sobre
todas as medidas legislativas e administrativas que afetam a nossa vida, com
ajuda do nosso órgão e instituições que escolhemos. A constituição 169 da OIT
garante aos povos indígenas esse direitos. Somos nós Mundurukú que decidimos
como seremos consultados, somos nós que decidimos como mudar vida do nosso
povo.
Exigimos que as Forças Armadas pare
imediatamente de humilhar e se retirem de nossas terras, se isso não acontecer
vamos agir do nosso jeito e parem de voar sobre nossas aldeias e rios queremos
dialogo com o governo e não queremos brigas e nem morte já perdemos em novembro
passado nosso parente Adenilson Kirixi assassinado pela policia na aldeia Teles
Pirez. Mas não aceitamos acordo para trocar nossos direitos por hidrelétricas
do Tapajós.
Por fim exigimos a homologação de
todos territórios e que o governo cumpra essas medidas até dia 19 de abril de
2013 que é nosso dia.
Pedimos que a sociedade brasileira
que todos os povos indígenas do Brasil e o mundo se juntem a nós por essa causa
e pela a Amazônia. E contem com o apoio do povo Mundurukú para essa e para
todas as lutas dos povos indígenas do planeta."
Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/12552
04/04/2013
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