Por:
Alana Moraes*
A América latina vive hoje um momento bastante
diferente daquele que vive o centro do capitalismo mundial. Europa e Estados
Unidos atravessam um cenário marcado por crise social: crise do capital, crise
do sistema de representação, crise civilizatória.
A crença no mercado
financeiro fez desmoronar os pilares do estado de bem estar social, a esquerda
européia não conseguiu dar conta de construir um paradigma alternativo ao
neoliberalismo e os processos de lutas sociais, assim como ocorreu por aqui nos
anos noventa, concentram-se em resistir à perda de direitos sociais
consolidados.
As mulheres na Europa são protagonistas nas campanhas contra a
política de austeridade porque sabem muito bem que o enfraquecimento do estado
de bem estar significa o fortalecimento das opressões do capitalismo e do
patriarcado: intensificação dos serviços domésticos e dos cuidados. “Não vamos
pagar essa crise!” é a palavra de ordem das feministas naquele pedaço do mundo.
Por aqui as coisas seguem um outro rumo. O processo
de lutas contra o neoliberalismo que acirrou a pobreza e a desigualdade em
nossos países dos anos 1980 até o final dos anos 1990 produziu uma conjuntura
onde governos progressistas e populares chegaram ao poder. Foram tempos de
muitas lutas: grandes greves de trabalhadores e trabalhadoras, o surgimento de
novos atores importantes como o MST, o PT, um movimento feminista combativo e
crítico ao sistema capitalista, movimentos indígenas, mobilização no campo e na
cidade.
Hoje vivemos por aqui uma conjuntura de mais democracia e participação
(ainda que soframos volta e meia a reação de uma direita golpista e anti-povo
), a desigualdade diminui assim como a pobreza, o acesso ao ensino público é ampliado.
Mudamos os rumos das coisas porque acreditamos na disputa do Estado, porque os
movimentos sociais souberam se colocar como protagonistas na produção de uma
ordem mais democrática e igualitária, porque disputamos um projeto de sociedade
de direitos e democrática.
No entanto, nossa democracia precisa ser agora
radicalizada. Aquele ciclo de lutas que começou na resistência à ditadura, na
luta pelas eleições diretas e por uma constituição cidadã, na ampliação e
consolidação dos direitos trabalhistas, parece se esgotar nesse momento.
Os
movimentos sociais precisam agora ter em mente a superação da democracia
liberal, formal e representativa em direção à produção de uma ordem democrática
popular e participativa, o que significa por exemplo lutar pelo direito de
participar da gestão política dos recursos públicos, lutar para que as forças
progressistas que construíram esse novo cenário sejam também protagonistas no
projeto de desenvolvimento que hoje se discute em nosso país. É a radicalização
democrática que pode construir um processo histórico diferente daquele que foi
construído na Europa e que hoje se esgota.
Tudo isso pra dizer que o projeto de
desenvolvimento e crescimento econômico baseado no agronegócio ameaça de
maneira brutal nosso novo e renovado ciclo de lutas assim como o projeto
democrático e popular. As sociedades produzidas nas regiões do agronegócio são
sociedades extremamente desiguais, dominadas por uma elite conservadora e
criminosa que só se reproduz a partir da expropriação de terras, apropriação
desigual dos recursos naturais, usos de venenos que contaminam a terra e a
água, violência contra aqueles que resistem à concentração fundiária e ao
monocultivo.
O agronegócio hoje é fundamental para a balança comercial do
Brasil, é parcela significativa do produto interno bruto do país (26%), é a
mercadoria mais valiosa que temos para vender para os países ricos.
Esse
suposto desenvolvimento é construído a partir do monocultivo de não-alimentos,
da exploração inconsequente e desregulada do meio ambiente, da concentração de
terras, do uso de transgênicos, da insegurança alimentar. Dados da FAO nos
mostram que a insegurança alimentar na América Latina e Caribe atinge 35% das
pessoas. Não é uma coincidência: a América Latina produz metade da soja mundial.
Nada disso é novidade. O que queremos marcar aqui e
que tem a ver com nosso projeto de radicalização da democracia é que o
agronegócio só se reproduz no Brasil a partir do financiamento público do
estado brasileiro, especialmente do BNDES. Ou seja, o agronegócio é uma
política de estado, uma política pública e tudo que é público nos toca como
cidadãos e cidadãs.
A política do agronegócio é parte ainda do modelo
neoliberal porque é orientada pelo poder das multinacionais e do mercado
financeiro e ainda nos coloca em um lugar subalterno na economia mundial: nos
vemos mais uma vez às voltas com a nossa “vocação” de exportadores de produtos
primários, tal como as elites agrárias e conservadoras sempre quiseram desde o
começo do século XX.
Ora, defender a democratização do estado e
ampliação da participação popular – a mesma que elegeu governos progressistas –
significa dizer que queremos disputar a destinação dos recursos públicos assim
como o modelo de desenvolvimento em curso no Brasil. Radicalizar a democracia
significa produzir processos decisórios que contemplem o povo e os mais pobres
e o agronegócio é vazio de povo e cheio de mercado e corporações financeiras. O
agronegócio ameaça nosso projeto democrático e popular em todas as suas
facetas.
A Marcha Mundial das Mulheres, assim como fez
quando surgiu na luta contra o modelo neoliberal, que produziu ainda mais
pobreza e desigualdade no Brasil, mais uma vez emerge no cenário social,
acumulando forças e organizando as mulheres para denunciar a expansão do
agronegócio e seu impacto em nossas vidas. Porque isso tem a ver com nosso
projeto popular, e porque a derrota do agronegócio é fundamental para a
autonomia econômica, direitos e soberania alimentar das mulheres camponesas.
Radicalizar a democracia significa eleger políticas prioritárias para o bem
comum, para a eliminação da pobreza e opressão e no campo isso quer dizer:
reforma agrária, financiamento público para a pequena agricultura,
fortalecimento da agroecologia e da economia solidária. O Agronegócio é a
política dos “1%”, para usar a imagem política dos occupys, é o projeto
da elite minoritária, do mercado financeiro e, portanto, ameaça a ordem
democrática e o projeto da maioria.
No dia 10 de dezembro, estaremos em ação no Brasil
todo denunciando o projeto de exploração do agronegócio, porque, neste dia, as
companheiras da Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte, estarão em ação
direta contra o projeto de perímetro irrigado destinado ao agronegócio, que prevê
a desapropriação de 13 mil hectares, expulsando, assim, mais de 150 famílias de
suas casas. Neste dia iremos fazer a primavera feminista, ocuparemos as ruas e
exigiremos a destituição dos “1%”!
Seguiremos em marcha por um projeto feminista e
popular, pela consolidação de uma democracia justa e participativa. Até que
todas sejamos livres!
Fonte: http://marchamulheres.wordpress.com
*Alana Moraes é mestra em Antropologia
e militante da Marcha Mundial das Mulheres.
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