Frei Marcos Sassatelli |
A data de 10 de dezembro desafia-nos
permanentemente, todos os dias do ano. Nesta data - no corrente ano - faremos a
memória dos 64 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Caminhamos
muito (tivemos avanços e conquistas), mas ainda há muito a caminhar para
realizar efetivamente os Direitos Humanos no Brasil, na América Latina e no
mundo.
Em 1950, a Organização das Nações Unidas (ONU)
estabeleceu que em 10 de dezembro seria celebrado anualmente o Dia Internacional
dos Direitos Humanos. A data foi escolhida em memória da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, adotada pela ONU, em Paris, na Assembleia Geral de 10 de
dezembro de 1948.
Na ocasião, a Assembleia proclamou o documento (com
30 artigos) “como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as
nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo
sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação,
por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de
medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu
reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos
dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua
jurisdição” (aqui texto citado).
A data de 10 de dezembro desafia-nos
permanentemente, todos os dias do ano. Nesta data - no corrente ano - faremos a
memória dos 64 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Caminhamos
muito (tivemos avanços e conquistas), mas ainda há muito a caminhar para
realizar efetivamente os Direitos Humanos no Brasil, na América Latina e no
mundo.
O Dia Internacional dos Direitos Humanos leva-nos a
fazer duas reflexões. A primeira, sobre as violações dos Direitos Humanos,
praticadas atualmente no Brasil, e a segunda, sobre os sinais concretos de
esperança que existem hoje no Brasil.
A primeira leva-nos a reconhecer que continuam
existindo hoje muitas violações de Direitos Humanos no Brasil: violações
individuais (que - mesmo frequentes - são pontuais) e violações estruturais
(que são permanentes).
Normalmente, as violações individuais chocam-nos a
todos/as, pelo seu requinte de frieza, crueldade e desumanidade. A não ser em
casos claramente patológicos, perguntamo-nos: como pode um ser humano cometer
crimes tão bárbaros? Entre os muitos, cito dois casos de Goiânia: no primeiro,
um jovem é executado a sangue frio, em pleno dia, por três policiais, que -
depois de cercar a casa onde ele estava escondido com viaturas da Polícia - a
invadiram, sem nenhuma autorização legal. No segundo caso, três moradores de
rua foram executados, no período da meia-noite às 4 horas, e um dos suspeitos é
um policial, que estaria agindo a mando de traficantes.
Em 30 dias 8 moradores de rua foram assassinados na
capital. “Há suspeita de envolvimento de policiais militares nos crimes, sendo
dois soldados, um subtenente e um outro policial, cuja patente ainda não havia
sido confirmada pela Polícia” (O Popular, 02/12/12, p. 9). Praticamente, todos
os dias a mídia noticia a execução - sobretudo nos bairros da periferia - de
algum jovem, quase sempre envolvido com o mundo das drogas. Chega de extermínio
da juventude! É urgente implementar Políticas Públicas que ocupem os jovens e
os ajudem a descobrir o sentido da vida.
As violações estruturais dos Direitos Humanos são
situações sociais impessoais, anônimas, silenciosas, com as quais nós nos
acostumamos, omitindo-nos e perdendo, muitas vezes, a capacidade de nos
indignar e a vontade de lutar. Entre as muitas, cito duas situações do Estado
de Goiás: a situação da Saúde Pública e a situação da Educação Pública. A
primeira - mesmo reconhecendo a dedicação de agentes de saúde (médicos,
enfermeiros e outros) - é uma situação de calamidade. É uma situação que mata
os pobres e descarta os idosos. É uma situação de descaso e de violência
institucionalizada permanente.
A situação da Educação Pública - mesmo reconhecendo
(como na área da Saúde) a dedicação de educadores/as - é uma situação de
descalabro e de faz de conta. A maioria dos professores faz de conta que ensina
e a maioria dos alunos faz de conta que aprende. É também uma situação de violência
institucionalizada permanente. O próprio sistema econômico no qual vivemos é
uma violação estrutural permanente dos Direitos Humanos.
A segunda reflexão leva-nos a perceber os sinais de
esperança, que irrompem, com força cada vez maior, na caminhada de realização
dos Direitos Humanos, no Brasil hoje. Entre os muitos, cito três sinais, que,
na realidade, são três grandes frentes de luta.
O primeiro sinal ou a primeira frente de luta é a
do Movimento Nacional de Direitos Humanos e dos inúmeros Centros ou Comissões
de Direitos Humanos e de Justiça e Paz, que brotam por toda parte no Brasil e
se fortalecem cada vez mais (alguns Centros ou Comissões, em nível
institucional e sua grande maioria, em nível de organizações da sociedade
civil).
O segundo sinal ou a segunda frente de luta é a da
Educação em Direitos Humanos. A aprovação do Programa Nacional de Direitos
Humanos, do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos e das Diretrizes
Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (em nível institucional) respalda
a luta das organizações da sociedade civil, sobretudo dos Movimentos Populares
e possibilita um amplo trabalho de Educação em Direitos Humanos, seja na
Educação formal, seja, sobretudo, na Educação informal.
O terceiro sinal ou a terceira frente de luta é a
do empenho da sociedade civil organizada no esclarecimento público das
violações dos Direitos Humanos pela Ditadura Militar (1964-1985). A criação da
Comissão Nacional da Verdade e das Comissões Estaduais da Verdade - algumas já
criadas e outras a serem criadas (em nível institucional) e a criação dos
Comitês Estaduais pela Verdade, Memória e Justiça - alguns já criados e outros
a serem criados (em nível de organizações da sociedade civil) são
acontecimentos emblemáticos, de grande significado social e histórico. Estas
Comissões e estes Comitês são uma conquista da sociedade civil organizada e uma
prova concreta que as violações dos Direitos Humanos (como torturas,
desaparecimentos e assassinatos) são crimes que nunca podem e devem ser
anistiados.
A motivação principal das Comissões e Comitês é
construir uma história sobre as violações dos Direitos Humanos pela Ditadura
Militar, em que a Verdade seja revelada, a Memória seja feita e a Justiça seja
exigida.
Reconhecemos, com gratidão, que os principais
incentivadores dos Comitês Estaduais são os anistiados, os exilados voltados ao
Brasil, os presos pela Ditadura Militar e os familiares das vítimas,
assassinadas ou tidas como desaparecidas (fala-se de 15 em Goiás e de cerca 450
no Brasil). Viva os Direitos Humanos! Verdade, Memória e Justiça!
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/11326
10/12/2012
Frei Marcos Sassatelli é frade
dominicano, Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção -
SP), Professor aposentado de Filosofia da UFG. E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br.
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