Manifestação Campesina na Guatemala |
Monocultivos,
megaprojetos e ataques à vida camponesa ainda
assolam o país centro-americano.
Pedro
Carrano, de Guararema (SP)
Trabalhadores da Guatemala |
Ainda hoje, os movimentos sociais se posicionam
contra os projetos voltados para o monocultivo e o extrativismo voltado à
exportação. O recente governo de Otto Perez Molina, na avaliação de Carlos
Barrientos, configura-se como de direita, no momento em que as oligarquias não
aceitaram sequer as medidas assistenciais do governo anterior, de Álvaro Colom.
Carlos Barrientos tenta traduzir, em entrevista ao
jornal Brasil de Fato, o atual cenário político do país, que não pode ser
desvinculado da opressão e da formação socioeconômica, marcada pela resistência
contra o processo de colonização. Ele integra o Comitê de Unidade Campesina
(CUC), da Guatemala.
A repressão e a militarização se acentuam no país.
A dependência econômica em relação aos Estados Unidos e a criminalização dos
movimentos sociais seguem do mesmo modo na vida desse povo.
Veja abaixo a entrevista
Carlos Barrientos |
Brasil de Fato – Na condição de país atrelado ao
Acordo de Livre Comércio da América Central com os EUA, qual tem sido o impacto
da crise mundial do capitalismo na Guatemala?
Carlos Barrientos – A crise se sente, mas não em
termos tão fortes. Por um lado, os EUA são o principal mercado da produção
guatemalteca, que é sobretudo agrícola. Basicamente, o que se produz na
Guatemala é café, em quantidade importante, cana, banana, borracha.
Então houve
sim uma baixa no montante que vem do setor empresarial, o que afetou os setores
mais despossuídos, porque há um aumento da inflação. Todavia, não foi tão
dramático como se esperava, porque, no caso do café, temos tido anos em que se
recuperou o preço, comparado com o ano de 2000, quando houve uma crise dos
preços do café.
Por outro lado, a produção de cana-de-açúcar se
expandiu não só para o açúcar, mas para etanol. O mundo incrementou o consumo
de etanol e agrocombustíveis, então isso permitiu que o impacto não fosse
maior.
Creio que o impacto [da crise] veio de um fenômeno
que se dá não só na Guatemala, como em muitos países da América Latina, da
população que migra aos EUA e envia remessas. Em 2010, houve uma recuperação
das remessas familiares.
Brasil de Fato – Qual o papel dos agrocombustíveis
na expansão do capital na Guatemala?
Carlos Barrientos – O outro fator que reduziu o
impacto é que há uma posição dos setores empresariais e governamentais de abrir
o país ao investimento estrangeiro que se deu no ramo de agrocombustíveis,
monocultivo, e também na mineração. Curiosamente, nesses tempos de crise certos
produtos estão tendo bom preço no mercado internacional, o que ajudou que o
impacto fosse menor.
Isso digo em termos econômicos, agora em termos da vida do
povo, e da situação do país, estes processos de abertura comercial, ampliação
da produção de cana e da palma africana tiveram um golpe muito
forte.
Em alguma medida, nós fazemos a comparação entre o
que está acontecendo agora com o que aconteceu quando entrou o cultivo do café,
ao final do século dezenove, porque há certos padrões que se repetem. Um deles
é que há novamente a expulsão dos indígenas e camponeses.
O outro é a
reconcentração de terras por diversas modalidades. Quando se introduziu o
cultivo de café se modificou a área que se usava para certos cultivos. Só que
agora é a cana, a palma africana, ou a mineradora e a construção de grandes
hidrelétricas, com a ideia de vincular-se ao que era o antigo Plano Puebla
Panama [agora Plano Mesoamericana], com o fim de exportar energia elétrica ao
norte, uma vez que os EUA consomem a quarta parte da energia do
mundo.
Brasil de Fato – Na política há um processo de
perseguição do atual governo contra lideranças sociais?
Carlos Barrientos – Colom defendeu os interesses
empresariais. Mas as pequenas medidas sociais foram mal vistas pela oligarquia
guatemalteca. Preocupada, a oligarquia apoiou a extrema-direita, gerou um clima
de muito terror, uma vez que a Guatemala é rota do
narcotráfico.
O atual presidente, Otto Perez Molina, aproveitou
isso muito bem. Ele é ex-militar, contrainsurgente, esteve em lugares como
Nebaj (oeste da Guatemala), onde foi oficial no destacamento, um dos lugares
onde houve uma quantidade muito grande de massacres. Mas ele foi oficial de
Inteligência Militar e tem uma trajetória terrível. Conhece muito bem como
criar um clima de guerra psicológica que lhe seja favorável, sobretudo nos
centros urbanos.
Brasil de Fato – Como tem sido a sua relação com os
movimentos sociais e com o povo guatemalteco?
Carlos Barrientos – O governo de Colom encerra seu
período, uns oito ou nove meses antes que terminasse, com um despejo massivo de
treze comunidades que haviam ocupado terra em um lugar ao norte onde se está
expandindo a cana-de-açúcar. Há camponeses assassinados, vários capturados e se
despejou 800 famílias dessas distintas comunidades.
Há medidas cautelares da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, para que se proporcionasse segurança a estas famílias.
Afinal, os guardas armados do engenho eram a lei e ordem na região, por isso
havia que garantir segurança às famílias, mas o governo não faz nada, e se põe
ao lado das famílias mais ricas da
Guatemala.
Quando começa o novo governo de Perez Molina, há
muito temor sobre sua postura. Todavia, as comunidades desalojadas, organizadas
na Via Campesina, decidiram em março deste ano realizar uma marcha de 200 km,
no sentido da capital, à qual se juntaram uma série de organizações, para
demandar basicamente quatro grandes blocos: o problema da terra; que
finalizasse a criminalização, processo que vem desde os governos anteriores;
fim das explorações mineiras, monocultivos e megaprojetos; leis de
desenvolvimento para comunidades camponesas.
Brasil de Fato – Desde o Brasil, a impressão que
temos é que a esquerda na Guatemala não tem uma expressão forte no campo
eleitoral. Como você pode explicar isso?
Carlos Barrientos – Houve organizações guerrilheiras
que por muito tempo lograram a implantação de um projeto militar, como o que se
projetava no caso da Guatemala.
Chegou- se a um momento de impasse, que nem
Exército e nem a guerrilha poderiam vencer. Havia quatro organizações
guerrilheiras, que se articularam em uma organização mais ampla que se chamou
Unidade Revolucionária Nacional de Guatemala.
Porém, quando a guerrilha se
constitui em partido político, se dá um processo de entrar em cheio na dinâmica
eleitoral, o que levou a guerrilha a se distanciar de sua base social tradicional,
camponesa e indígena, e então começa a converter-se em partido com a mesma
lógica dos demais. Isso gerou resultados eleitorais pobres e resultou em
fracionamentos.
Entre a esquerda inserida nos movimentos sociais, há também uma
divisão entre luta política e luta social, o que não ajudou em nada. Então, a
presença da esquerda (no parlamento) é muito pequena. Temos apenas dois
deputados em um congresso de 158 pessoas. E sete prefeituras dentre 333, uma
presença muito pequena. Esse é o grande desafio da esquerda: como articular o
social com o político e como recuperar o que anteriormente foram suas bases de
sustentação.
Brasil de Fato – Você vê uma possibilidade de
síntese entre a teoria marxista e a visão indígena?
Carlos Barrientos – Um primeiro aspecto é de caráter
histórico. Os povos originários em Guatemala tem 500 anos de luta e
resistência. Em uma sistematização se pode dizer que, durante quinhentos anos,
não houve uma geração no território maia que não tenha experimentado uma
rebelião, um levante; algum fato em que teve que enfrentar as autoridades
constituídas, coloniais, republicanas, capitalistas, burguesas e assim por
diante.
Então, há uma trajetória de luta e resistência muito forte, algo que a
oligarquia tratou de esconder e sequestrar, senão daria um mau exemplo se dissesse
nas escolas que o povo maia nunca se rendeu e sempre lutou. É difícil encontrar
informações sobre isso. Mas, sim, há evidências históricas desse processo de
luta e
resistência.
Há outro elemento capaz de falar de uma
confluência. Na Guatemala, a riqueza se levantou sobre a base da expropriação
do fruto do trabalho da população camponesa, e do despojo das comunidades
originárias. Então, são duas contradições principais, uma é a contradição
classista Capital e Trabalho, explorados e exploradores, a outra contradição é
entre os Estados nacionais e os povos originários, porque nesse processo
histórico os povos originários mantiveram sua cosmovisão e suas práticas de
distinto tipo.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/11328
11/12/2012
Carlos
Barrientos - Integrante do Comitê de Unidade Campesina (CUC),
da Guatemala.
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