Convênio firmado entre órgãos governamentais para
produção de biocombustíveis no país andino oculta anseio estadunidense.
Marcio
Zonta correspondente em Lima (Peru)
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Destruição da plantação de coca seria pretexto
para entregar as terras para o agronegócio-
Foto: Reprodução
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Um convênio de cooperação interinstitucional para
promover pesquisas e produção de biocombustíveis na Amazônia peruana foi
assinado recentemente no país. Entre os envolvidos no projeto estão a estatal
Petroperú, o Instituto Nacional de Inovação Agrária (Inia), Conselho
Inter-Regional Amazônico (Ciam), o Instituto Pró Investimento e a Comissão
Nacional para o Desenvolvimento e Vida sem Drogas (Devida).
A iniciativa
acena à possibilidade de substituir grandes extensões de plantação de folha de
coca e outros cultivos que geram alimentos, por espécies de plantas
oleaginosas, próprias para produção de biocombustíveis.
Especialistas no assunto alertam que a junção
desses órgãos governamentais oculta a intervenção dos Estados Unidos no
projeto, além de interesses empresariais que ameaçam a soberania alimentar no
Peru.
O discurso adotado pelos membros da cooperação
também expõe uma nova tática contra os camponeses cocaleiros. As argumentações
contra o plantio da folha de coca já não são mais associadas somente à produção
de cocaína, mas como produto inviável economicamente para a agricultura
peruana.
Para o pesquisador peruano em política
internacional e segurança nacional, Ricardo Soberón, que deixou o cargo de
coordenador da Devida no início do ano por discordar das políticas do
presidente Ollanta Humala no combate às drogas no país, “a destruição da
plantação da folha de coca sob qualquer alegação é pretexto para entregar as
terras dos cocaleiros aos anseios empresariais e estadunidenses na região”.
Lourdes Benavides, autora do estudo As Sementes da Fome que traz
objeções à plantação de matéria prima para produção de biocombustíveis,
adverte: “Não tem sentido que se produza em regiões com déficit de alimentos,
plantas que serão transformadas em combustível de carros”.
Mãos invisíveis
A forma como se armou a tarefa de cada órgão
governamental envolvido no convênio insinua uma estratégia dos Estados Unidos e
uma mirada meramente empresarial ao projeto.
A Devida teria um papel chave nesse processo,
ficando responsável por destinar as terras com cultivos de planta de coca que
julgar ilegal, à plantação de oleaginosas.
O Inia será responsável por analisar e validar os
estudos tecnológicos para o cultivo dos insumos e o Ciam se encarregará de
distribuir entre cinco e dez mil hectares, por projeto, das terras apontadas
pela Devida aos investidores privados.
Por sua vez, o Pró Investimentos tem a
responsabilidade de garantir o aporte financeiro empresarial à assistência
técnica e fomentar a parceria entre o público e o privado nos futuros negócios
em torno do convênio. Por fim, a Petroperú entraria como parceira subsidiária
para a produção dos biocombustíveis.
Na trama entre os diversos órgãos, a Devida seria
uma instituição de fachada, pois teria a influência estadunidense ditando as
regras aos demais parceiros.
Em visita aos Estados Unidos em maio passado para
cumprir uma agenda de reunião com funcionários do alto escalão da Casa Branca,
a presidente da Devida, Carmen Masías revelou. “O governo de Humala conta com
ajuda norte americana para assistência técnica destinada às forças armadas
peruanas, desenvolvimento de cultivos alternativos à folha de coca e
reabilitação de áreas dominadas pelo narcotráfico”. Expondo a verdadeira
posição da Devida no convênio.
“Esse projeto parte da intenção estadunidense
que vai se beneficiar da produção de biocombustíveis no Peru e seus objetivos
estão expressos na Devida”, alerta Juan Villas, sociólogo peruano.
Os Estados Unidos destinou ao Peru no ano de 2011
cerca de 55 milhões de dólares para serem distribuídos entre as instituições de
combate às drogas no país.
Masías, ao assinar o projeto, no início de
novembro, afirmou que a plantação de plantas oleaginosas traz mais benefícios
mercadológicos em relação à folha de coca. “A vantagem é que existe uma demanda
de mercado para os biocombustíveis”.
Para Soberón existe a tentativa de persuadir o
camponês cocaleiro e a sociedade peruana com um novo discurso para além da
criminalização da planta, “afirmando que não existe desenvolvimento econômico
com a folha de coca, por isso teria que extinguir seu
cultivo”.
Colocando os projetos de interesses estrangeiros,
como os de biocombustíveis, para alternativas ao plantio de coca. “Lançam uma
série de programas governamentais e privados que dizem que o camponês tem que
se converter em empresário, agroexportador, utilizando suas terras de outra
maneira”, complementa Soberón.
No Peru, grandes grupos privados já utilizam 40 mil
hectares de terras para plantação de palma azeiteira destinada à produção de
biocombustíveis.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/11301
07/12/2012
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