Em
entrevista, o cientista político argentino Atilio Boron afirma que, em
praticamente todos os países da região, os conglomerados midiáticos
converteram-se em "operadores políticos”
Fernando
Arellano Ortíz, do Cronicon. net
.Tradução: Adital
Memorial da América Latina |
"Não há erro: os meios de comunicação
simplesmente são grandes conglomerados empresariais que têm interesses
econômicos e políticos. Na América Latina, os monopólios midiáticos têm um
poder fenomenal que vêm cumprindo na função de substituir os partidos políticos
de direita que caíram em descrédito e que não têm capacidade de chamar a
atenção nem a vontade dos setores conservadores da sociedade”. Assim o
politólogo e cientista social argentino Atilio Boron caracteriza a denominada
canalha midiática.
Nesse sentido, explica, "cumpre-se o que muito
bem profetizou Gramsci há quase um século, quando disse que diante da ausência
de organizações da direita política, os meios de comunicação, os grandes
diários, assumem a representação de seus interesses; e isso está acontecendo na
América Latina”. Em praticamente todos os países da região, os conglomerados
midiáticos converteram-se em "operadores políticos”.
A Crise do Capitalismo e o triunfo de Chávez
Boron, que dispensa apresentação por ser um
importante referente da teoria política e das ciências sociais em Iberoamérica,
foi um dos expositores principais do VI Encontro Internacional de Economia
Política e Direitos Humanos, organizado pela Universidad Popular Madres de la
Plaza de Mayo, que aconteceu em Buenos Aires, entre os dias 4 e 6 de outubro.
Tópicos como a crise estrutural do capitalismo, o
fenômeno da manipulação dos monopólios midiáticos e o que significa para a
América Latina o triunfo de Hugo Chávez foram tratados com profundidade por
esse destacado politólogo, sociólogo e investigador social, doutorado em
Ciências políticas pela Universidade de Harvard e, atualmente, diretor do
Programa Latino-americano de Educação a Distância em Ciências Sociais do Centro
Cultural da Cooperação Floreal Gorini, na capital argentina.
Para aprofundar sobre alguns desses temas, o
Observatorio Sociopolítico Latinoamericano (www.cronicon.net)
teve a oportunidade de entrevistá-lo no final de sua participação em dito fórum
acadêmico internacional.
Rumo a um projeto pós-capitalista
No desenvolvimento de sua exposição no encontro da
Universidad Popular de Madres de la Plaza de Mayo, Boron analisou o contexto da
crise capitalista.
"Hoje em dia é impossível referir-se à crise e
à saída da mesma sem falar do petróleo, da água e das questões meio ambientais.
Essa é uma crise estrutural e não produto de uma má administração dos bancos
das hipotecas subprime”.
Recordou que, recentemente, foram apresentadas
propostas por parte dos Prêmios Nobel de Economia para tornar mais suave a
débâcle capitalista. Uma, a esboçada por Paul Krugman, que propõe revitalizar o
gasto público. O problema é que os Estados Unidos estão quebrados e o nível de
endividamento das famílias nos Estados Unidos equivale a 150% dos ingressos
anuais. "Krugman propõe dar crédito ao Estado para que estimule a
economia. Porém, os Estados Unidos não têm dinheiro porque decidiram salvar os
bancos”.
A outra proposta é de Amartya Sem, que analisa a
situação do capitalismo como uma crise de confiança e é muito difícil
restabelecê-la entre os poupadores e os banqueiros devido aos antecedentes
desses últimos. Por isso, essas não deixam de ser "pseudo explicações que
não levam à questão de fundo. Não explicam porque caem os índices do PIB e
sobem as bolsas. Ambos índices estariam desvinculados e as bolsas crescem
porque os governos injetaram moeda ao sistema financeiro”.
A crise capitalista serviu para acumular riqueza em
poucas mãos, uma vez que "o que os democratas capitalistas fizeram no
mundo desenvolvido foi salvar os banqueiros, não os endividados, ou seja, as
vítimas”.
Exemplificou com as seguintes cifras: enquanto o
ingresso médio de uma família nos Estados Unidos é de 50.000 dólares ao ano, o
daqueles de origem latina é de 37.000 e o de uma família negra é de 32.000, o
diretor executivo do Bank of America, resgatado, cobrou um salário de 29
milhões de dólares.
Então, é evidente que cada vez mais há uma
tendência mais regressiva de acumular riqueza em poucas mãos. Em trinta anos, o
ingresso dos assalariados foi incrementado em 18% e o dos mais ricos cresceu
238%.
"No capitalismo desenvolvido houve uma mutação
e os governos democráticos transformaram-se em plutocracias, governos ricos”.
Porém, além disso, "o capitalismo se baseia na apropriação seletiva dos
recursos”.
Por isso, citando o economista egípcio Samir Amin,
Boron afirma sem medo que "não há saída dentro do capitalismo”.
Como alternativa, Boron sustenta que "hoje,
pode-se pensar em um salto para o modelo pós-capitalista. Há algo que pode ser
feito até que apareçam os sujeitos sociais que darão o ‘tiro de misericórdia’
no capitalismo. O que se pode fazer é desmercantilizar tudo o que o capitalismo
mercantilizou: a saúde, a economia, a educação. Assim, estaremos em condições
de ver o amanhecer de um mundo mais justo e mais humano”.
A reeleição na Venezuela
Sobre a matriz de opinião que os monopólios midiáticos
da direita têm tentado impor no sentido de que a reeleição do presidente Chávez
é um sintoma de que ele quer se perpetuar no poder, a análise de Boron foi
contundente:
"Há um grau de hipocrisia enorme nesse tema,
porque os mesmos que se preocupam com o fato de Chávez estar por 20 anos no
governo, aplaudiam fervorosamente a Helmut Kohl, que permaneceu no poder por 18
anos, na Alemanha; ou Felipe González, por 14 anos, na Espanha; ou Margaret
Thatcher, por 12 anos, na Inglaterra”.
"Há um argumento racista que diz que somos uma
raça de corruptos e imbecis; que não podemos deixar que as pessoas mantenham-se
muito tempo no poder; ou há uma conveniência política, que é o que acontece ao
tentarem limar as perspectivas de poder de líderes políticos que não são de seu
agrado. Agora, se Chávez instaurasse uma dinastia onde seu filho e seu neto
herdassem o poder, eu estaria em desacordo. Porém, o que Chávez faz é dizer ao
povo que eleja; e, em âmbito nacional, por um período de 13 anos, convocou o
povo venezuelano para 15 eleições, das quais ganhou 14 e perdeu uma por menos
de um ponto; e, rapidamente, reconheceu sua derrota. Então, não está dito em
nenhum lugar serio da teoria democrática que tem que haver alternância de
lideranças, na medida que essa liderança seja ratificada em eleições limpas e
pela soberania popular”.
Confira a entrevista:
Atilio Boron |
A canalha midiática assume a representação de
interesses da direita
Brasil
de Fato – Hoje, no debate da teoria
política, fala-se de "pós-democracia”, para significar o esgotamento dos
partidos políticos, a irrupção dos movimentos sociais e a incidência dos meios
de comunicação na opinião pública. Que alcance você dá a esse novo conceito?
Atilio Boron – Eu analiso como uma expressão da capitulação do pensamento burguês que,
em uma determinada fase do desenvolvimento histórico do capitalismo,
fundamentalmente a partir do final da I Guerra Mundial, apropriou-se de uma
bandeira -que era a da democracia- e a assumiu. De alguma maneira, alguns
setores da esquerda consentiram nisso. Por quê? Bom, porque estávamos um pouco
na defensiva e, além disso, o capitalismo havia feito uma série de mudanças
muito importantes. Por isso, a ideia de democracia ficou como se fosse uma
ideia própria da tradição liberal burguesa, apesar de que nunca houve um
pensador dessa corrente política que fizesse uma apologia do regime
democrático. Estudavam sobre isso, possivelmente, a partir de Thorbecke ou de
John Stuart Mill; porém, nunca propunham um regime democrático; isso vem da
tradição socialista e marxista. No entanto, apropriaram-se dessa ideia;
passaram todo o século XX atualizando-a. Agora, dadas as novas contradições do
capitalismo e ao fato de que as grandes empresas assumiram a concepção
democrática, a corromperam e a desvirtuaram até o ponto de torná-la
irreconhecível, perceberam que não tem sentido continuar falando de democracia.
Então, utilizam o discurso resignado que diz que o melhor da vida democrática
já passou; um pouco a análise de Colin Crouch: o que resta agora é o
aborrecimento, a resignação, o domínio a cargo das grandes transnacionais; os
mercados sequestraram a democracia e, portanto, temos que nos acostumar a viver
em um mundo pós-democrático. Nós, como socialistas, e, mais, como marxistas
jamais podemos aceitar essa ideia. Creio que a democracia é a culminação de um
projeto socialista, da socialização da riqueza, da cultura e do poder. Porém,
para o pensamento burguês, a democracia é uma conveniência ocasional que durou
uns 80 ou 90 anos; depois, decidiram livrar-se dela.
Brasil
de Fato – Mesmo em uma situação anômala
mundial e levando-se em conta que a propriedade dos grandes meios de
comunicação está concentrada em uns poucos monopólios do grande capital, como
você analisa o fenômeno da canalha midiática na América Latina? Parece que,
paulatinamente, vão perdendo a credibilidade...?
Atilio Boron - O que bem qualificas como
canalha midiática tem um poder fenomenal, que vem substituindo os partidos
políticos da direita que caíram no descrédito e que não têm capacidade de
prender a atenção nem a vontade dos setores conservadores da sociedade. Nesse
sentido, cumpre-se o que, Gramsci muito bem profetizou há quase um século,
quando disse que diante da ausência de organizações da direita política, os
meios de comunicação, os grandes diários, assumem a representação de seus
interesses e isso está acontecendo na América Latina. Em alguns países, a
direita conserva certa capacidade de expressão orgânica, creio que é o caso da
Colômbia; porém, na Argentina, não, porque nesse país não existem dois
partidos, como o Liberal e o Conservador colombianos; e o mesmo acontece no
Uruguai e no Brasil. O caso colombiano revela a sobrevivência de organizações
clássicas do século XIX da direita que se mantiveram incólumes ao longo de 150
anos. É parte do anacronismo da vida política colombiana que se expressa
através de duas formações políticas decimonônicas [do século XIX], quando a
sociedade colombiana está muito mais evoluída. É uma sociedade que tem uma
capacidade de expressão através de diferentes organizações, mobilizações e iniciativas
populares que não encontram eco no caráter absolutamente arcaico do sistema de
partidos legais na Colômbia.
Brasil
de Fato – Com essa descrição que encaixa
perfeitamente na realidade política colombiana, o que poderíamos falar, então,
de seus meios de comunicação...
Atilio Boron - Os meios de comunicação naqueles
países em que os partidos desapareceram ou debilitaram-se são o substituto
funcional dos setores de direita.
Brasil
de Fato – O que significa para a América
Latina o triunfo do presidente venezuelano Hugo Chávez?
Atilio Boron - Significa continuar em uma
senda que se iniciou há 13 anos, um caminho que, progressivamente, ocasionado
algumas derrotas muito significativas ao imperialismo norte-americano na
região, entre elas, a mais importante, a derrota do projeto da Alca (Área de
Livre Comércio das Américas), que era a atualização da Doutrina Monroe para o
século XXI e isso foi varrido basicamente pela enorme capacidade de Chávez de
formar uma coalizão com presidentes que, não sendo propriamente de esquerda,
eram sensíveis a um projeto progressista, como poderia ser o caso de Lula, no
Brasil e de Néstor Kirchner, na Argentina. Ou seja, de alguma maneira, Chávez
foi o marechal de campo na batalha contra o imperialismo; é um homem que tem a
visão geopolítica estratégica continental que ninguém mais tem na América do
Sul. O outro que tem essa mesma visão é Fidel Castro; porém, ele já não é chefe
de Estado, apesar de que eu sempre digo que o líder cubano é o grande
estrategista da luta pela segunda e definitiva independência, enquanto que Hugo
Chávez é o que leva as grandes ideias aos campos de batalha, e, com isso,
avançamos muito. Inclusive, agora, com a entrada da Venezuela ao Mercosul,
conseguiu-se criar uma espécie de blindagem contra tentativas de golpe de
Estado. Caso a Venezuela permanecesse isolada, considerado um Estado paria,
teria sido presa muito mais fácil da direita desse país e do império
norte-americano. Agora, não será tão fácil.
Brasil
de Fato – Você vê algumas nuvens cinzentas
no horizonte do processo revolucionário da Venezuela?
Atilio Boron - Creio que sim, porque a direita
é muito poderosa na América Latina e tem capacidade de enganar as pessoas. E os
grandes meios de comunicação têm a capacidade de manipular, enganar, deformar a
opinião pública; vemos isso muito claramente na Colômbia. Boa parte dos
colombianos compraram o bilhete da Segurança Democrática com uma ingenuidade,
como aqui na Argentina compramos o bilhete de ganhar a Guerra das Malvinas.
Portanto, temos que levar em consideração que, sim, existem nuvens no horizonte
porque o imperialismo não ficará de braços cruzados e tentará fazer algo como,
por exemplo, impulsionar uma tentativa de sublevação popular, tentar
desestabilizar o governo de Chávez e derrubá-lo.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/10995
25/10/2012
Atilio
Boron - Ele
é o autor de vários livros sobre ciências sociais
e da filosofia marxista e orientado com um o
claro compromisso político para o
socialismo na América Latina. Atualmente
é professor de Teoria Política e
Social da Faculdade de Ciências
Sociais da Universidade de Buenos
Aires desde 1986, pesquisador
sênior e diretor do PLED CONICET (Programa Latino-Americano de Educação a Distância em Ciências Sociais).
Ele também trabalha como colunista
em vários meios, e palestrante,
envolvido, entre outros, o Fórum Nacional de Educação para a Mudança Social, realizado
anualmente pelo movimento nucleados
na Base Nacional de Estudantes Organizações ENEOB da Argentina. É
um destacadísimo intelectual
sempre teve um compromisso político
claro e tem extensa carreira acadêmica por 9 anos sendo Secretário Executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais
CLACSO (1997 a
2006), máxima lista pode aspirar a um cientista social na América América.
Em 2004, ele foi agraciado com o Prêmio Ensaio Ezequiel Martínez Estrada da Casa de las Américas por seu livro Império & Imperialismo. Em 2009 ele foi premiado pela Unesco Internacional José Martí Prêmio por sua contribuição à unidade e integração dos países da América Latina e do Caribe.
Em 2004, ele foi agraciado com o Prêmio Ensaio Ezequiel Martínez Estrada da Casa de las Américas por seu livro Império & Imperialismo. Em 2009 ele foi premiado pela Unesco Internacional José Martí Prêmio por sua contribuição à unidade e integração dos países da América Latina e do Caribe.
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