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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DO BNDES SOBRE O FINANCIAMENTO DE BELO MONTE

















Exmo. Sr. Luciano Coutinho

Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES

Rio do Janeiro, Brasil

As organizações da sociedade civil abaixo-assinadas, comprometidas com a defesa dos direitos humanos, o desenvolvimento com responsabilidade socioambiental e o fortalecimento da democracia, vem respeitosamente apresentar as seguintes considerações e solicitações de medidas urgentes antes do desembolso do empréstimo anunciado por BNDES no financiamento do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, no Estado do Pará:

Considerando que existem fortes evidências de inviabilidade econômica do Complexo Belo Monte, conforme ampla documentação em estudos técnicos[1], em decorrência de fatores como: i) o aumento constante nos custos do empreendimento, que já se multiplicaram em quase 7 vezes, de R$ 4.5 bilhões em 2005 para R$ 19 bilhões na época do leilão em 2010, e atualmente estão em torno de R$ 28,9 bilhões conforme dados do BNDES, podendo chegar a R$ 32 bilhões, segundo analistas; ii) a reduzida capacidade de geração de energia ao longo do ano, ou seja, em média apenas 39% da capacidade instalada de 11,2 mil MW; e iii) os verdadeiros custos econômicos associados à mitigação e compensação de impactos socioambientais que foram cronicamente sub-dimensionados, em grande medida por causa de pressões políticas pela aprovação de licenças ambientais, contrariando pareceres técnicos do próprio IBAMA;

Considerando que o BNDES assinou em 16/06/2011 um primeiro empréstimo ponte no valor de R$ 1,1 bilhões a favor do Consórcio Norte Energia S.A. (NESA), um segundo empréstimo ponte em 07/02/2012 no valor total de R$ 1,8 bilhão utilizando a Caixa Econômica Federal (CEF) e o Banco ABC S.A. como repassadores; e que o BNDES anunciou em 26/11/2012 a aprovação de um financiamento de R$ 22,5 bilhões (o maior empréstimo de sua história) para Belo Monte, com a atuação da CEF e do BTG Pactual como bancos repassadores de parte dos recursos[2], somando um total de R$ 25,4 bilhões;
 
Considerando que os empréstimos do BNDES a favor do consórcio Norte Energia estão utilizando recursos públicos, oriundos do PIS-PASEP e FGTS,  alocados no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e da emissão de bônus do Tesouro Nacional no mercado internacional (em que o diferencial entre a taxa de juros paga pelo Tesouro e aquela cobrada ao BNDES é também coberta pelo contribuinte brasileiro);

Considerando que, para a aprovação dos dois empréstimos ponte, no valor total de R$ 2.9 bilhões, o BNDES dispensou a realização de análise de viabilidade econômica e de classificação de risco do Complexo Belo Monte, exigida pela Resolução no. 2.682/99 do Conselho Monetário Nacional – CMN e aparentemente não cumpriu com as determinações do Circular nº 3547 de 07/07/2011/BACEN (D.O.U. 08/07/2011) quanto à necessidade de avaliação e cálculo do risco decorrente da exposição a danos sócio ambientais do empreendimento;

Considerando que, apesar das determinações das Resoluções 2022/10 e 2025/10, aprovadas por sua Diretoria Executiva, que instituíram nova Política de Responsabilidade Social e Ambiental e nova Política Socioambiental do Sistema BNDES, o Banco ainda não conta com um guia socioambiental com diretrizes para orientar financiamentos para o setor hidrelétrico, como ferramenta para assegurar o cumprimento de seus objetivos sociais, econômicos e ambientais, no marco da legislação vigente;

Considerando que o BNDES recebeu notificações extra-judiciais assinadas por diversas organizações da sociedade civil em outubro de 2010 e novembro de 2011[3], com advertências sobre os riscos financeiros, legais e de reputação de seu envolvimento no financiamento do Complexo Belo Monte; sem que isso tenha provocado mudanças efetivas na postura do banco;

Considerando o descumprimento crônico de condicionantes das licenças ambientais (Licença Prévia no. 342/2010 e Licença de Instalação no. 795/2011), como provam os relatórios de acompanhamento do IBAMA e da FUNAI, além de relatos de entidades civis e populações atingidas, sem que isso tenha afetado as decisões do BNDES quanto ao financiamento de Belo Monte;

Considerando as graves violações de direitos humanos das populações indígenas e outras comunidades locais do Xingu e da legislação ambiental, assim como irregularidades no cumprimento da legislação trabalhista por parte da NESA e empresas terceirizadas;

Considerando os impactos socioambientais que a construção de Belo Monte já está provocando, a exemplo do deslocamento compulsório de agricultores familiares e ribeirinhos sem compensação efetiva, comprometimento da qualidade de água, mortandade de peixes e quelônios, aumento do desmatamento ilegal, grilagem de terras e exploração madeireira ilegal, invasão de empresas mineradoras predatórias (a exemplo da multinacional canadense Belo Sun na Volta Grande do Xingu), aumento da violência e da prostituição infantil, criminalização dos defensores dos direitos humanos na região, assim como a sobrecarga de serviços de saúde, saneamento, educação e segurança pública em áreas urbanas; sem medidas efetivas de solução dos problemas, no âmbito das condicionantes de licenças, do PDRS Xingu e das medidas cautelares solicitadas por a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH);

Considerando o quadro de ilegalidades de Belo Monte tem resultado, até o momento, no ajuizamento de 15 ações do Ministério Público Federal, 21 ações da Defensoria Pública e 18 ações de organizações da sociedade civil; e internacionalmente a petição do caso e a concessão de medidas cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos em favor das comunidades indígenas na bacia do Xingu;

Considerando que o BNDES não possui, até a presente data, sistema de monitoramento e avaliação do cumprimento de condicionantes de licenças ambientais, de violações dos direitos humanos e da legislação ambiental e de outros impactos socioambientais de empreendimentos como Belo Monte, contrariando o discurso de responsabilidade social e ambiental do banco;

Considerando que um novo aporte de R$ 22,5 bilhões do BNDES, no contexto atual de descumprimento de obrigações formais por parte da NESA, BNDES e outros órgãos públicos deve intensificar enormemente os problemas de degradação ambiental e o sofrimento de populações atingidas e ameaçadas na região afetada por Belo Monte;

Solicitamos que nenhum desembolso do empréstimo de R$ 22,5 bilhões do BNDES para a Norte Energia S.A., anunciado no dia 26/11/2012, seja realizado antes do cumprimento das seguintes medidas urgentes, que constituem, na sua grande maioria, como obrigações formais pré-existentes do banco:

a) Demonstração do pleno cumprimento das leis nacionais e internacionais aplicáveis para hidrelétricas, e as diretrizes, critérios e demais compromissos do Protocolo de Intenções pela Responsabilidade Socioambiental (Protocolo Verde) assinado pelo BNDES em agosto de 2008;
b) Esclarecimento dos motivos pela inexistência de guia socioambiental com diretrizes para orientar investimentos no setor de hidrelétricas, conforme previsto nas Resoluções 2022/10 e 2025/10 que instituíram a nova Política de Responsabilidade Social e Ambiental e nova Política Socioambiental do Sistema BNDES, assim como explicação sobre as medidas que o banco vem tomando e pretende implementar para que tais resoluções sejam cumpridas no caso de Belo Monte;

c) Critérios e métodos utilizados pelo BNDES na análise de viabilidade econômica de Belo Monte - especialmente no que se refere aos custos de construção, produção e venda de energia, e custos de mitigação e compensação de impactos socioambientais – explicando os riscos de prejuízos para os cofres públicos e o contribuinte brasileiro e como o banco pretende saná-los;

d) Demonstração do cumprimento efetivo da Resolução no. 2.682/99 do Conselho
Monetário Nacional – CMN, referente à análise de viabilidade econômica e de classificação de risco do Complexo Belo Monte;

e) Atendimento pleno das determinações do Circular nº 3547 de 07/07/2011/BACEN (D.O.U. 08/07/2011) quanto à necessidade de avaliação e cálculo do risco decorrente da exposição a danos sócio ambientais do empreendimento;

f) Demonstração das análises realizadas pelo BNDES a respeito do grau de cumprimento de condicionantes das licenças ambientais e suas implicações para a aprovação do empréstimo principal;


g) Esclarecimento sobre as análises realizadas pelo BNDES sobre o grau de cumprimento da legislação em vigor sobre direitos humanos e trabalhistas, inclusive o direito a consentimento livre prévio e informado, conforme o artigo 231 da Constituição Federal, a Convenção 169 da OIT, a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas de Nações Unidas e as medidas cautelares concedidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos;

h) Posicionamento do BNDES sobre as mais de 50 ações ajuizadas sobre ilegalidades no licenciamento e implantação do Complexo Belo Monte, e suas conclusões quanto as implicações do passivo jurídico do empreendimento para a aprovação do empréstimo principal; e

i) Demonstração do pleno atendimento do artigo 1, § 1º da Lei 6.938/81, no que se
refere à responsabilidade objetiva dos agentes financeiros por danos ambientais do empreendimento, inclusive aqueles não previstos ou assumidos na Licença Prévia no. 342/2010.
Senhor Presidente, considerando a urgência e relevância deste assunto, inclusive para assegurar coerência entre os objetivos de responsabilidade social e ambiental do BNDES e suas operações na prática, solicitamos o máximo de atenção e empenho no atendimento deste pleito. Nesse sentido, solicitamos a realização de uma reunião urgente de Vossa Excelência e sua equipe com uma delegação das organizações signatárias desta carta, para tratar das questões aqui levantadas e a implementação das medidas urgentes propostas.

Altamira-PA, 04 de dezembro de 2012

Subscrevemos, atenciosamente,

Movimento Xingu Vivo Para Sempre - MXVPS

Antônia Melo Silva, Coordenadora Correio eletrônico: xinguvivo@yahoo.com.br Tels: (93) 3515-2927 9135-1505 www.xinguvivo.org.br

Co-assinam este documento:

Amigos da Terra – Brasil

Associação Cultural Acaoã

Associação Indígena Koritiano

Central de Movimentos Populares

Central Sindical e Popular

Conselho Indigenista Missionário (CIMI)

Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Comitê em Defesa do Igarapé Urumari

Conselho Municipal da Mulher - Rio Branco, AC

ECOA – Ecologia e Ação – Campo Grande, MS

Foro Municipal de Economia Solidária - Porto Velho, RO

Fundo Socioambiental CASA

Instituto Amazonia Solidaria e Sustentavel (IAMAS) – PA

Instituto Humanitas - Belém, PA

Instituto India Amazônia - Porto Velho, RO

Instituto Madeira Vivo – Porto Velho, RO
Instituto Mais Democracia - Rio de Janeiro, RJ

Instituto Socioambiental – ISA

Justiça Global – Rio de Janeiro, RJ

Movimento de Mulheres Trabalhadores de Altamira Campo y Cidade do Município de Placas, PA

Movimento de Mulheres Trabalhadores de Altamira Campo e Cidade - Altamira, PA

Movimento do Pequenos Agricultores – RO

Movimento Indígena Unificado

Movimento Negro da Transamazônica e Xingu – PA

Movimento Rio Madeira Vivo Para Sempre – RO

Movimento Tapajós Vivo – PA

Mutirão Pela Cidadania – Altamira, PA

Oficina Território Livre

PACS – Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul.

Povo Hunikuin da Floresta do Tarayá, AC

Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais

Serviço de Ação, Reflexão e Educação Social - Manaus, AM

Sindicato de Trabalhadores Rurais de Xapuri – AC

Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Porto de Moz – PA

Sindicato dos Trabalhadores em Educação Popular Regional, Altamira – PA

Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública Regional Transamazônica e Xingu – PA

Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) – Belém, PA

União Nacional por Moradia Popular, RO

Centro de Estudos da Cultura e História Afro-Indigenista do Brasil – CECHAIB-MACAU/RN- BRASIL

Organizações Internacionais

Amazon Watch – EUA

Asociacion Ambiente y Sociedad – Colombia

Asociacion Boliviana de Médicos Tradicionales y Naturista – Bolivia

Asociación Chicas – Bolivia

Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente (AIDA)

Associação para os Povos Ameaçados Suiça (Society for Threatened Peoples) –Suiça

Bianca Jagger Human Rights Foundation – Reino Unido

CENSAT, Amigos de la Tierra – Colombia

Centro de Investigación y Promoción del Campesinado – Bolivia

Centro de Incidencia Ambiental (CIAM) – Panamá

Centro Mexicano de Derecho Ambiental (CEMDA) – México

Comité Integrador de Organizaciones Económicas Campesinas – Bolivia

Comunidad Campesina Florestal Bolivar, - Pando, Bolivia

Cooperación Accion Solidaria para el Desarrollo – Peru

Corporación de Gestión y Derecho Ambiental (ECOLEX) – Ecuador

Derecho, Ambiente y Recursos Naturales (DAR) – Peru

Earthjustice – Estados Unidos

Federación Agraria de Madre de Dio – Peru

FERN – Inglaterra

Fundación SAVIA – Colombia

Foro Boliviano Sobre Medio Ambiente y Desarrollo - Bolivia



[1] Veja, por exemplo: Mega-projeto, Megariscos: Análise de Riscos para Investidores no Complexo Belo Monte (Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, International Rivers, janeiro de 2012) http://ef.amazonia.org.br/2012/01/bancos-e-empresas-associadas-a-belo-monte-podem-ter- eputacao-colocadaem- xeque/; Hidrelétricas na Amazônia: dos riscos econômicos e ambientais assumidos em Belo Monte aos impactos socioambientais sinerigos no Tapajós, Wilson C.S. Junior, in: O Setor Elétrico Brasileiro e a Sustentabilidade no Século 21: Oportunidades e Desafios. (2a edição, novembro de 2012) http://tinyurl.com/SetorEletricoBrasileiro

[2] http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Sala_de_Imprensa/Destaques_Primeira_Pagina/20121126_belomonte.html

[3] http://www.xinguvivo.org.br/2010/10/24/notificacao-extrajudicial-ao-bndes/ http://www.xinguvivo.org.br/2011/11/07/bancos-recebem-notificacao-sobre-riscos-de-envolvimento-com-belomonte/


Fonte: http://www.xinguvivo.org.br/wp-content/uploads/2012/12/Carta-Aberta_BNDES_Belo-Monte_Final_04dez2012.pdf

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