Exmo. Sr. Luciano Coutinho
Presidente do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES
Rio do Janeiro, Brasil
As organizações da
sociedade civil abaixo-assinadas, comprometidas com a defesa dos direitos
humanos, o desenvolvimento com responsabilidade socioambiental e o fortalecimento
da democracia, vem respeitosamente apresentar as seguintes considerações e solicitações
de medidas urgentes antes do desembolso do empréstimo anunciado por BNDES no
financiamento do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, no Estado do Pará:
Considerando que existem fortes
evidências de inviabilidade econômica do Complexo Belo Monte, conforme ampla
documentação em estudos técnicos[1], em decorrência de fatores
como: i) o aumento constante nos custos do empreendimento, que já se
multiplicaram em quase 7 vezes, de R$ 4.5 bilhões em 2005 para R$ 19 bilhões na
época do leilão em 2010, e atualmente estão em torno de R$ 28,9 bilhões
conforme dados do BNDES, podendo chegar a R$ 32 bilhões, segundo analistas; ii)
a reduzida capacidade de geração de energia ao longo do ano, ou seja, em média
apenas 39% da capacidade instalada de 11,2 mil MW; e iii) os verdadeiros custos
econômicos associados à mitigação e compensação de impactos socioambientais que
foram cronicamente sub-dimensionados, em grande medida por causa de pressões
políticas pela aprovação de licenças ambientais, contrariando pareceres
técnicos do próprio IBAMA;
Considerando que o BNDES assinou em
16/06/2011 um primeiro empréstimo ponte no valor de R$ 1,1 bilhões a favor do
Consórcio Norte Energia S.A. (NESA), um segundo empréstimo ponte em 07/02/2012
no valor total de R$ 1,8 bilhão utilizando a Caixa Econômica Federal (CEF) e o
Banco ABC S.A. como repassadores; e que o BNDES anunciou em 26/11/2012 a
aprovação de um financiamento de R$ 22,5 bilhões (o maior empréstimo de sua
história) para Belo Monte, com a atuação da CEF e do BTG Pactual como bancos
repassadores de parte dos recursos[2], somando um total de R$
25,4 bilhões;
Considerando que os empréstimos do BNDES
a favor do consórcio Norte Energia estão utilizando recursos públicos, oriundos
do PIS-PASEP e FGTS, alocados no Fundo
de Amparo ao Trabalhador (FAT) e da emissão de bônus do Tesouro Nacional no
mercado internacional (em que o diferencial entre a taxa de juros paga pelo
Tesouro e aquela cobrada ao BNDES é também coberta pelo contribuinte
brasileiro);
Considerando que, para a aprovação dos
dois empréstimos ponte, no valor total de R$ 2.9 bilhões, o BNDES dispensou a
realização de análise de viabilidade econômica e de classificação de risco do
Complexo Belo Monte, exigida pela Resolução no. 2.682/99 do Conselho Monetário
Nacional – CMN e aparentemente não cumpriu com as determinações do Circular nº
3547 de 07/07/2011/BACEN (D.O.U. 08/07/2011) quanto à necessidade de avaliação
e cálculo do risco decorrente da exposição a danos sócio ambientais do empreendimento;
Considerando que, apesar das
determinações das Resoluções 2022/10 e 2025/10, aprovadas por sua Diretoria
Executiva, que instituíram nova Política de Responsabilidade Social e Ambiental
e nova Política Socioambiental do Sistema BNDES, o Banco ainda não conta com um
guia socioambiental com diretrizes para orientar financiamentos para o setor
hidrelétrico, como ferramenta para assegurar o cumprimento de seus objetivos
sociais, econômicos e ambientais, no marco da legislação vigente;
Considerando que o BNDES recebeu
notificações extra-judiciais assinadas por diversas organizações da sociedade
civil em outubro de 2010 e novembro de 2011[3], com advertências sobre os
riscos financeiros, legais e de reputação de seu envolvimento no financiamento
do Complexo Belo Monte; sem que isso tenha provocado mudanças efetivas na
postura do banco;
Considerando o descumprimento crônico de
condicionantes das licenças ambientais (Licença Prévia no. 342/2010 e Licença
de Instalação no. 795/2011), como provam os relatórios de acompanhamento do
IBAMA e da FUNAI, além de relatos de entidades civis e populações atingidas,
sem que isso tenha afetado as decisões do BNDES quanto ao financiamento de Belo
Monte;
Considerando as graves violações de
direitos humanos das populações indígenas e outras comunidades locais do Xingu
e da legislação ambiental, assim como irregularidades no cumprimento da
legislação trabalhista por parte da NESA e empresas terceirizadas;
Considerando os impactos socioambientais
que a construção de Belo Monte já está provocando, a exemplo do deslocamento
compulsório de agricultores familiares e ribeirinhos sem compensação efetiva,
comprometimento da qualidade de água, mortandade de peixes e quelônios, aumento
do desmatamento ilegal, grilagem de terras e exploração madeireira ilegal,
invasão de empresas mineradoras predatórias (a exemplo da multinacional
canadense Belo Sun na Volta Grande do Xingu), aumento da violência e da
prostituição infantil, criminalização dos defensores dos direitos humanos na
região, assim como a sobrecarga de serviços de saúde, saneamento, educação e
segurança pública em áreas urbanas; sem medidas efetivas de solução dos
problemas, no âmbito das condicionantes de licenças, do PDRS Xingu e das
medidas cautelares solicitadas por a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos
(CIDH);
Considerando o quadro de ilegalidades de
Belo Monte tem resultado, até o momento, no ajuizamento de 15 ações do
Ministério Público Federal, 21 ações da Defensoria Pública e 18 ações de
organizações da sociedade civil; e internacionalmente a petição do caso e a concessão
de medidas cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos em favor das
comunidades indígenas na bacia do Xingu;
Considerando que o BNDES não possui, até
a presente data, sistema de monitoramento e avaliação do cumprimento de
condicionantes de licenças ambientais, de violações dos direitos humanos e da
legislação ambiental e de outros impactos socioambientais de empreendimentos
como Belo Monte, contrariando o discurso de responsabilidade social e ambiental
do banco;
Considerando que um novo aporte de R$
22,5 bilhões do BNDES, no contexto atual de descumprimento de obrigações
formais por parte da NESA, BNDES e outros órgãos públicos deve intensificar
enormemente os problemas de degradação ambiental e o sofrimento de populações
atingidas e ameaçadas na região afetada por Belo Monte;
Solicitamos que nenhum
desembolso do empréstimo de R$ 22,5 bilhões do BNDES para a Norte Energia S.A.,
anunciado no dia 26/11/2012, seja realizado antes do cumprimento das seguintes
medidas urgentes, que constituem, na sua grande maioria, como obrigações
formais pré-existentes do banco:
a) Demonstração do pleno
cumprimento das leis nacionais e internacionais aplicáveis para hidrelétricas,
e as diretrizes, critérios e demais compromissos do Protocolo de Intenções pela
Responsabilidade Socioambiental (Protocolo Verde) assinado pelo BNDES em agosto
de 2008;
b) Esclarecimento dos
motivos pela inexistência de guia socioambiental com diretrizes para orientar
investimentos no setor de hidrelétricas, conforme previsto nas Resoluções
2022/10 e 2025/10 que instituíram a nova Política de Responsabilidade Social e
Ambiental e nova Política Socioambiental do Sistema BNDES, assim como explicação
sobre as medidas que o banco vem tomando e pretende implementar para que tais
resoluções sejam cumpridas no caso de Belo Monte;
c) Critérios e métodos
utilizados pelo BNDES na análise de viabilidade econômica de Belo Monte -
especialmente no que se refere aos custos de construção, produção e venda de
energia, e custos de mitigação e compensação de impactos socioambientais –
explicando os riscos de prejuízos para os cofres públicos e o contribuinte
brasileiro e como o banco pretende saná-los;
d) Demonstração do
cumprimento efetivo da Resolução no. 2.682/99 do Conselho
Monetário Nacional – CMN,
referente à análise de viabilidade econômica e de classificação de risco do
Complexo Belo Monte;
e) Atendimento pleno das
determinações do Circular nº 3547 de 07/07/2011/BACEN (D.O.U. 08/07/2011) quanto
à necessidade de avaliação e cálculo do risco decorrente da exposição a danos
sócio ambientais do empreendimento;
f) Demonstração das
análises realizadas pelo BNDES a respeito do grau de cumprimento de
condicionantes das licenças ambientais e suas implicações para a aprovação do
empréstimo principal;
g) Esclarecimento sobre as
análises realizadas pelo BNDES sobre o grau de cumprimento da legislação em
vigor sobre direitos humanos e trabalhistas, inclusive o direito a
consentimento livre prévio e informado, conforme o artigo 231 da Constituição
Federal, a Convenção 169 da OIT, a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas
de Nações Unidas e as medidas cautelares concedidas pela Comissão Interamericana
de Direitos Humanos;
h) Posicionamento do BNDES
sobre as mais de 50 ações ajuizadas sobre ilegalidades no licenciamento e
implantação do Complexo Belo Monte, e suas conclusões quanto as implicações do
passivo jurídico do empreendimento para a aprovação do empréstimo principal; e
i) Demonstração do pleno
atendimento do artigo 1, § 1º da Lei 6.938/81, no que se
refere à responsabilidade
objetiva dos agentes financeiros por danos ambientais do empreendimento,
inclusive aqueles não previstos ou assumidos na Licença Prévia no. 342/2010.
Senhor Presidente,
considerando a urgência e relevância deste assunto, inclusive para assegurar
coerência entre os objetivos de responsabilidade social e ambiental do BNDES e suas
operações na prática, solicitamos o máximo de atenção e empenho no atendimento
deste pleito. Nesse sentido, solicitamos a realização de uma reunião urgente de
Vossa Excelência e sua equipe com uma delegação das organizações signatárias
desta carta, para tratar das questões aqui levantadas e a implementação das medidas
urgentes propostas.
Altamira-PA, 04 de dezembro
de 2012
Subscrevemos,
atenciosamente,
Movimento Xingu Vivo
Para Sempre - MXVPS
Antônia Melo Silva,
Coordenadora Correio eletrônico: xinguvivo@yahoo.com.br
Tels: (93) 3515-2927 9135-1505 www.xinguvivo.org.br
Co-assinam este documento:
Amigos da Terra – Brasil
Associação Cultural Acaoã
Associação Indígena
Koritiano
Central de Movimentos
Populares
Central Sindical e Popular
Conselho Indigenista
Missionário (CIMI)
Comissão Pastoral da Terra
(CPT)
Comitê em Defesa do Igarapé
Urumari
Conselho Municipal da
Mulher - Rio Branco, AC
ECOA – Ecologia e Ação –
Campo Grande, MS
Foro Municipal de Economia
Solidária - Porto Velho, RO
Fundo Socioambiental CASA
Instituto Amazonia Solidaria
e Sustentavel (IAMAS) – PA
Instituto Humanitas -
Belém, PA
Instituto India Amazônia -
Porto Velho, RO
Instituto Madeira Vivo –
Porto Velho, RO
Instituto Mais Democracia -
Rio de Janeiro, RJ
Instituto Socioambiental –
ISA
Justiça Global – Rio de
Janeiro, RJ
Movimento de Mulheres
Trabalhadores de Altamira Campo y Cidade do Município de Placas, PA
Movimento de Mulheres
Trabalhadores de Altamira Campo e Cidade - Altamira, PA
Movimento do Pequenos
Agricultores – RO
Movimento Indígena
Unificado
Movimento Negro da
Transamazônica e Xingu – PA
Movimento Rio Madeira Vivo
Para Sempre – RO
Movimento Tapajós Vivo – PA
Mutirão Pela Cidadania –
Altamira, PA
Oficina Território Livre
PACS – Instituto Políticas
Alternativas para o Cone Sul.
Povo Hunikuin da Floresta do
Tarayá, AC
Rede Brasil sobre Instituições
Financeiras Multilaterais
Serviço de Ação, Reflexão e
Educação Social - Manaus, AM
Sindicato de Trabalhadores Rurais
de Xapuri – AC
Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais de Porto de Moz – PA
Sindicato dos Trabalhadores
em Educação Popular Regional, Altamira – PA
Sindicato dos Trabalhadores
em Educação Pública Regional Transamazônica e Xingu – PA
Sociedade Paraense de
Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) – Belém, PA
União Nacional por Moradia
Popular, RO
Centro de Estudos da Cultura e
História Afro-Indigenista do Brasil – CECHAIB-MACAU/RN- BRASIL
Organizações
Internacionais
Amazon Watch – EUA
Asociacion Ambiente y Sociedad –
Colombia
Asociacion Boliviana de Médicos
Tradicionales y Naturista – Bolivia
Asociación Chicas – Bolivia
Associação Interamericana
para a Defesa do Ambiente (AIDA)
Associação para os Povos
Ameaçados Suiça (Society for Threatened Peoples) –Suiça
Bianca
Jagger Human Rights Foundation – Reino Unido
CENSAT, Amigos de la Tierra –
Colombia
Centro de Investigación y
Promoción del Campesinado – Bolivia
Centro de Incidencia
Ambiental (CIAM) – Panamá
Centro Mexicano de Derecho
Ambiental (CEMDA) – México
Comité Integrador de
Organizaciones Económicas Campesinas – Bolivia
Comunidad Campesina Florestal
Bolivar, - Pando, Bolivia
Cooperación Accion Solidaria para
el Desarrollo – Peru
Corporación de Gestión y
Derecho Ambiental (ECOLEX) – Ecuador
Derecho, Ambiente y Recursos
Naturales (DAR) – Peru
Earthjustice – Estados Unidos
Federación Agraria de Madre de
Dio – Peru
FERN – Inglaterra
Fundación SAVIA – Colombia
Foro Boliviano Sobre Medio
Ambiente y Desarrollo - Bolivia
[1]
Veja, por exemplo: Mega-projeto,
Megariscos: Análise de Riscos para Investidores no Complexo Belo Monte (Amigos da Terra – Amazônia
Brasileira, International Rivers, janeiro de 2012) http://ef.amazonia.org.br/2012/01/bancos-e-empresas-associadas-a-belo-monte-podem-ter-
eputacao-colocadaem- xeque/; Hidrelétricas na Amazônia: dos riscos econômicos e
ambientais assumidos em Belo Monte aos impactos socioambientais sinerigos no
Tapajós, Wilson C.S. Junior, in: O Setor Elétrico Brasileiro e a Sustentabilidade no Século 21:
Oportunidades e Desafios. (2a edição, novembro de 2012) http://tinyurl.com/SetorEletricoBrasileiro
[2]
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Sala_de_Imprensa/Destaques_Primeira_Pagina/20121126_belomonte.html
[3]
http://www.xinguvivo.org.br/2010/10/24/notificacao-extrajudicial-ao-bndes/
http://www.xinguvivo.org.br/2011/11/07/bancos-recebem-notificacao-sobre-riscos-de-envolvimento-com-belomonte/
Fonte: http://www.xinguvivo.org.br/wp-content/uploads/2012/12/Carta-Aberta_BNDES_Belo-Monte_Final_04dez2012.pdf
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