Projeto Serra Sul, da Vale, recebeu a licença de
instalação apesar de parte da área integrar a reserva ambiental da Floresta
Nacional de Carajás.
No mês de julho, o maior
empreendimento da Vale, Projeto Serra Sul (S11D), recebeu dos órgãos ambientais
do governo federal, o Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) e o Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio),
a licença de instalação do projeto da mina e da usina de beneficiamento do
minério de ferro, apesar de parte da área integrar a reserva ambiental da
Floresta Nacional de Carajás. A pressão sobre reservas ambientais e territórios
das populações originárias é uma das características de tais projetos na
Amazônia.
O S11D encontra-se nos limites dos
municípios a sudeste do Pará, Canaã dos Carajás e Parauapebas. Com o projeto a
mineradora irá incrementar a produção de ferro em 90 milhões de toneladas por
ano, mas com capacidade de dobrar a produção. O mercado asiático tem sido o
destino do minério de ferro de excelente teor das terras dos Carajás, em
particular a China e o Japão. A previsão é que a usina inicie as operações até
2016. A iniciativa que inclui mina, duplicação da Estrada de Ferro de Carajás
(EFC), ramal ferroviário de 100km e porto está orçada em US$ 19,5 bilhões.
Os recursos estão distribuídos da
seguinte forma: a logística consumirá US$ 14, 1 bilhões; US$8,1 bilhões serão
usados na mina e na usina; enquanto US$ 2 bilhões serão usados durante o ano.
Como em outros empreendimentos na Amazônia, o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) é o responsável por parte dos recursos, ao lado do
banco japonês, Japan Bank Internacional Cooperation (JBIC). O projeto é maior
ou equivalente à primeira versão do Programa Grande Carajás (PGC), iniciado há
quase 30 anos.
Miséria S/A
O extrativismo mineral é o
principal item da balança comercial do estado do Pará, chegando a contribuir
com 90% do Produto Interno Bruto (PIB). O mesmo minério que pesa no PIB é
responsável por uma renúncia fiscal de R$ 9 bilhões por ano por conta da Lei
Kandir (lei complementar federal n.º 87, de 13 de setembro de 1996), que
desonera as empresas em recolher o Imposto de Circulação de Mercadoria e
Serviço (ICMS) dos produtos primários e semielaborados. Dados do Departamento
Nacional de Produção Mineral (DNPM) sinalizam que o setor faturou 100 bilhões
de reais em 2012. Deste total o Pará responde por 23,3%, ficando atrás de Minas
Gerais, que concentra 41,4% da produção.
A desoneração em R$9 bilhões se
aproxima do orçamento total do estado para o ano de 2013, estimado em R$ 13
bilhões, assim explica a dissertação de mestrado em Direito de Victor Souza,
defendida da Universidade Federal do Pará (UFPA). No cenário de corporações
internacionais que exploram ou reivindicam licença para prospecção mineral
junto ao DNPM em solo paraense, constam a suíça Xstrata, a estadunidense Alcoa,
a francesa Ymeris, a Reinarda, subsidiária da australiana Troy Resourse, a
norueguesa Norsk Hidro, a chilena Codelco e a Vale, esta a de maior
musculatura.
Análises do jornalista Lúcio Flávio
Pinto, um especialista em temática amazônica, sinalizam que entre 1997 a 2001,
a Vale contribuiu para o erário paraense com menos de R$ 6 milhões em impostos
sobre minério de ferro exportado. Existe minério praticamente em todo o estado,
- de seixo a ouro -, até o momento Carajás tem se constituído como o principal
polo. O setor de maior peso na economia paraoara planeja investir 46 bilhões de
dólares (quase 80 bilhões de reais) durante a vigência do seu plano quinquenal
(2010/2014).
“O principal efeito desses
investimentos será incrementar ainda mais a especialização do Pará como estado
exportador (talvez vindo a ocupar a 4ª ou mesmo a 3ª posição nacional em 2014)
e gerador de saldo de divisas (já é o 2º mais importante do Brasil)”, avalia o
jornalista. Os planos de desenvolvimento para a Amazônia tem consolidado a
região como uma fonte exportadora de matérias primas, ou no máximo
semielaborados e energia. Conforme os tratados de economia, um exportador de
commodities. Uma economia de enclave, que não dinamiza as regiões ela opera.
As quase três décadas de
extrativismo mineral em Carajás não representam uma alteração da qualidade de
vida das populações do Maranhão e Pará, estados impactados pelo projeto. Iguais
em desgraça, ambos ocupam lugar de destaque no mapa da pobreza do país. No
Maranhão 1,7 milhão da população, do total de 6,5 milhões de habitantes sobrevivem
abaixo da linha da miséria, ganhando R$70,00 por mês.
No ranking da extrema pobreza do
Brasil, o Pará ocupa o quarto lugar, com uma população de 1,5 milhão de pessoas
na linha da pobreza. Entre os municípios do corredor de Carajás nenhum alcança
a renda per capita mês igual a um salário mínimo. Parauapebas e Marabá lideram
o ranking com R$221,48 e R$188,59 respectivamente. São João do Araguaia tem o
pior indicador, R$67,72, enquanto Canaã dos Carajás responde com R$167,46. O
município vizinho da mina, Curionópolis tem a per capita de R$ 108,15, quase a
mesma renda da pequena Palestina do Pará, R$ 106, 64.
Os demais municípios do sudeste
paraense possuem a seguinte per capita: Bom Jesus do Tocantins, R$107,80; Brejo
Grande do Araguaia, R$113,77; Eldorado dos Carajás, R$106,16; Itupiranga,
R$85,71; Nova Ipixuna, R$127,26; Piçarra, R$119,34; São Domingos do Araguaia.
R$ 113,55 e São Geraldo do Araguaia com R$136,06, segundo dados de 2010, do
Sistema de Informação Territorial (SIT), do Ministério de Desenvolvimento
Agrário (MDA).
Megaempreendimentos x
populações ancestrais
Os números quase sempre
estratosféricos do setor costumam ser festejados em chamadas de capas dos
jornais locais, que secundam as tensões e situações de conflito que os megas
projetos provocam junto à sociodiversidade amazônica, entre eles camponeses,
indígenas e quilombolas. Hidrelétricas, portos, rodovias, hidrovias e ferrovias
integram o quadro de empreendimentos públicos e privados que pressionam
territórios ancestrais e áreas de reservas ambientais, como é o caso da EFC.
Duplicação da EFC pressiona
territórios quilombolas
A EFC possui 892 km e corta 25
localidades, sendo 21 só no Maranhão. Diariamente passam dois tipos de trens
por essa ferrovia: o trem de passageiros e o trem cargueiro, que possui 332
vagões e mais de 3.400 m de comprimento. A duplicação de parte da Ferrovia de
Carajás, inaugurada em 1985, no último ano de distensão da ditadura, tem tirado
o sono das populações quilombolas das comunidades de Monge Belo e Santa Rosa dos
Pretos, cravadas nos municípios maranhenses de Itapecuru Mirim e Anajatuba, a
114 quilômetros de São Luís.
O território quilombola Monge Belo
é composto por oito povoados (Monge Belo, Ribeiro, Bonfim19, Santa Helena,
Juçara, Frade, Teso das Taperas e Jeibará dos Rodrigues). 300 famílias vivem
nele. Em Santa Rosa dos Pretos sobrevivem 600 famílias em 13 comunidades, que
são: Boa Vista, Pirinã, Barreiras, Leiro, Centro de Águida, Fugido, Barreira
Funda, Sítio Velho, Picos I, Picos II, Santa Rosa, Curva de Santana e Alto de
São João mencionadas como habitadas e quatro comunidades (Matões, Fazenda Nova,
Pindaíba e Conceição) consideradas desabitadas.
Dados do relatório da Campanha
Justiça nos Trilhos (Jnt) indicam que o projeto de duplicação da EFC prevê a
construção de 46 novas pontes, 5 viadutos ferroviários e 18 viadutos
rodoviários. As obras estão planejadas em duas fases (2010-2012 e 2012-2015). A
primeira contemplou obras em Itapecuru-Mirim sobre os territórios quilombolas,
Alto Alegre do Pindaré, Bom Jesus das Selvas, Buriticupu e Açailândia, no
estado do Maranhão e em Marabá, no estado do Pará. A empresa Norberto Odebrecht
é a responsável pela obra. Em picos da construção, canteiros chegam a ter mais
de dois mil operários.
Defensores dos direitos da criança
e do adolescente têm denunciado a prostituição infantil na EFC por conta das
obras. Outro passivo social provocado pela ferrovia é o embarque clandestino de
vulnerável. Por conta da situação existe uma ação pública contra a companhia na
1ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de São Luís. O assunto é tema
de um processo administrativo (PA 116/2005 – 1ª PIJ) em tramitação na
promotoria, cujo titular é o promotor de Justiça Márcio Thadeu Silva Marques.
Desde 2005 a empresa vem procrastinando em assinar um Termo de Ajuste de
Conduta (TAC).
Terras da Amazônia -
Território em disputa
A Vale incorporou uma faixa de
território de 40 metros de cada lado da (EFC) dos territórios quilombolas. E
para tanto chegou a pedir judicialmente a impugnação do reconhecimento das
terras como de remanescente de quilombo. As comunidades buscam desde 2005 o
reconhecimento do território, prestes a receberem o documento do governo
federal foram surpreendidas pela ação da mineradora.
Sob uma lógica de caos fundiário, a
disputa envolve além de quilombolas e a maior empresa da economia nacional,
fazendeiros e camponeses, o Ministério Público Federal (MPF), a Fundação
Cultural Palmares (FCP), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA) e o Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e
organizações de defesa de Direitos Humanos, como a Campanha Justiça nos Trilhos
(Jnt).
A duplicação da via férrea
interferirá ainda em territórios indígenas, entre eles, a aldeia Mãe Maria, do
povo Gavião, localizado no estado do Pará. No Maranhão poderá causar impactos
nos territórios indígenas Caru (Guajajara e Awá-Guajá), Alto Turiaçu (povos
Urubu Ka’apor, Timbira e grupos de awá-Guajá, nômades e isolados), Pindaré,
entre Bom Jardim e Santa Inês (povo Guajajara e algumas famílias de Guaranis).
Ocupar trechos da EFC tem sido a estratégia de variados grupos para abrir o
diálogo com a Vale. A última ocupação ocorreu no dia 19 de julho deste ano, e
reuniu 700 pessoas, em Alto Alegre do Pindaré, no Maranhão. Com vistas a
enfrentar os passivos sociais e ambientais provocados pela EFC, prefeitos de 23
municípios estão organizados em torno de um consórcio municipal.
A peleja na Justiça
Em 2011 o MPF do Maranhão moveu uma
Ação Civil Pública contra a Vale e o Ibama, por conta das obras da duplicação
de 2,4 quilômetros da EFC no município de Itapecuru Mirim. Os estudos
realizados pela Vale omitiram uma série de dados sobre a região, e laudos
realizados pela FCP e o Incra, que apontavam para necessidade de aprofundamento
das pesquisas sobre os territórios quilombolas. No documento da Vale entregue
ao Ibama na época, havia somente uma mera menção da existência de Monge Belo e
Santa Rosa dos Pretos.
Em julho de 2012, a obras foram
suspensas. A decisão foi do juiz federal da 8ª Vara de São Luís, Ricardo
Macieira, que avaliou que a licença foi obtida sem a realização do Estudo de
Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). O
desembargador Mário César Ribeiro, presidente do Tribunal Regional Federal, de
Brasília revogou a liminar em setembro do mesmo ano.
Após as tensões, a Vale firmou
acordou mediado pelo MPF, em que se comprometeu a realizar estudos visando à
recuperação ambiental de rios e igarapés atingidos pela via férrea; a construir
viadutos e melhorar passagens de nível para assegurar a travessia de moradores
e veículos; recuperar cursos de água atingidos; realizar a medição da poluição
do ar e sonora, por meio de aparelhos a serem instalados. Além disso,
disponibilizar 700 mil reais, no prazo de 60 dias, para serem aplicados em
construção de escola de ensino médio e implantação de projeto agrícola. A
Campanha Jnt acusa que a empresa não tem cumprido o acordo firmado.
Há situações de conflito em todo o
complexo que mobiliza os interesses da companhia e o projeto S11D, a exemplo do
que ocorre nas ocupações Boa Esperança, Nova Esperança e a Vila Mozartinópolis
(Racha Placa), que conformam parte do entorno de interesse da mina no município
de Canaã dos Carajás. No Pará o MPF tem mediado os conflitos relacionados com
camponeses que terão de ser removidos para a implantação do ramal ferroviário.
Em outro projeto que explora níquel ao sul do estado, a tensão ocorre com o
povo indígena Xkirin do Cateté.
A omissão de informação, a
insuficiência de dado e uma revisão bibliográfica limitada são características
recorrentes nos estudos e relatórios de impactos ambientais apresentados pelas
grandes corporações para a obtenção de licenças de seus empreendimentos em solo
amazônico. Outro item apontado pelos defensores de direitos humanos é a
indiferença contra a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), da qual o Brasil é signatário. A convenção orienta que as comunidades
tradicionais sejam consultadas sobre a interferência em seus territórios.
Na quebra de braços entre Davi
contra Golias, a Vale fracionou o pedido de licenciamento ambiental, como se a
licença da mina em Carajás, a duplicação de parte da EFC, a reforma dos 57
pátios de cruzamento e a construção do quarto píer, no Porto da Ponta da
Madeira, em São Luís fossem dissociados.
Conforme a assessoria jurídica da
Campanha Jnt as obras continuam a todo vapor na cidade de Itapecuru Mirim.
Assim como os problemas e a falta de respeito às populações atingidas. Segundo
a assessoria, as estradas vicinais estão destruídas e o trem tem ficado até
três dias parados num desvio, o que impede o direito de ir e vir das pessoas.
Os quilombolas indicam como passivos do projeto a destruição de igarapés, a
poluição das águas, a ocorrência de atropelamentos constantes de pessoas e
animais, mudança no modo de vida das comunidades quilombolas e o
comprometimento da segurança alimentar pela perda do território e dos recursos
hídricos.
Outro passivo colocado pelo
relatório da Campanha Jnt tem relação com o valor pago pelas benfeitorias, que
não considera as perdas financeiras e a impossibilidade de continuação de
algumas atividades. Alguns moradores tiveram que negociar parte de seus
quintais, ficando com o espaço bastante reduzido, o que impossibilita a
continuação da criação de animais de pequeno porte, como galináceos, outros
moradores perderam canteiros em que cultivavam hortaliças.
A Campanha Jnt tem se constituído
como uma pedra no caminho dos interesses da mineradora. Foi ela a responsável
pela premiação que a Vale recebeu em 2012, “O Oscar da Vergonha”, como a pior
empresa ambiental do mundo. O "Public Eye People's” existe desde 2000. As
ONG´s Greenpeace e a Declaração de Bernia são os organizadores. A chancela é
entregue durante o Fórum Econômico de Davos, na Suíça. A Campanha é uma das
organizações alvo da arapongagem realizada pelo setor de “inteligência” da
corporação, conforme declarou à imprensa ex gerente do serviço demitido no
começo do ano, André Almeida.
A expropriação no quilombo
do Pará
Maria do Carmo é professora do
ensino fundamental na comunidade São Bernardino. Mora desde menina no
território quilombola de Jambuaçu, localizado no município de Mojú (PA).
Atualmente está sendo processada pela Vale. 778 famílias moram em Jambuaçu.
Elas estão distribuídas em 14 comunidades: Poacê, São Bernardino, Bom Jesus do
Centro Ouro, Nossa Senhora das Graças, Sta Luzia do Traquateua, Santo Cristo,
Conceição do Mirindeua; São Manoel; Jacundai; Ribeira e São Sebastião, segundo
pesquisa da Nova Cartografia Social da Amazônia.
Com 51 anos, a educadora acredita
que a causa esteja vinculada as diversas ações de resistência que, assim como
ela, outras lideranças realizaram no período de maior conflito entre a empresa
e os moradores do território. Dentre os episódios, o momento de maior tensão
foi quando um grupo composto por 300 pessoas derrubaram uma torre de linha de
transmissão de energia em dezembro de 2006, e fecharam a Rodovia Quilombola
durante 51 dias.
As ações foram motivadas pelo não
cumprimento do acordo, que na época era a construção da Casa Familiar Rural
(CFR), escola de alternância para os jovens do território, um posto de saúde
para as comunidades, a recuperação de 33 quilômetros de estrada que cortam as
terras quilombolas, e a reforma de duas pontes danificadas por caminhões da
Vale. Os pontos do acordo só foram cumpridos após a mobilização dos moradores.
Assim como Maria do Carmo, outras
duas pessoas estão sendo processadas, Raimunda Gomes de Moraes e Manoel
Almeida. Como registra a ação do Ministério Público Federal (MPF) “a Vale levou
à Justiça Estadual vários quilombolas sob o fundamento de dano em suas
instalações e ainda promoveu Notificação Extrajudicial das comunidades, numa
clara tentativa de intimidá-los”.
Segundo o MPF, as fases do
licenciamento ambiental foram acompanhadas pela Secretaria de Estado de Meio
Ambiente (SEMA – PA), e nele foram estabelecidas as obrigações no qual a
empresa deveria realizar com o objetivo de atenuar os impactos ambientais,
sociais e econômicos gerados pela instalação do mineroduto e a linha de
transmissão.
Dentre as condições que deveriam
ser implementadas está o projeto de geração de renda (projeto produtivo)
realizado pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). De acordo com o
presidente da Associação Quilombola de Jambuaçu (Bambaê), Ricardo Tavares da
Silva, atualmente está sendo realizado um projeto de apoio à agricultura
familiar realizado pela Norsk Hydro, empresa norueguesa, e a Cooperativa
Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta) na Casa Familiar Rural. “Esse projeto não é
o projeto de geração de renda para as famílias que foram afetadas. Até porque
quem irá realizar é a UFRA. Ele [projeto] foi feito para dar sustentabilidade à
escola, e também para que os alunos possam aplicar os conhecimentos que
aprendem em sala de aula”.
Os quilombolas acusam que a empresa
não tem cumprido até o momento as condicionantes estipuladas em 2008. Conforme
acordo firmado com o MPF do Pará, a empresa teria que apresentar programas de
geração de renda e diversificação da produção agrícola para as áreas impactadas
pelo empreendimento, contudo, como diz o texto apresentado pelos procuradores
da República, Bruno Araújo Soares Valente e Felício Pontes Jr. “Ao invés de
cumprir as condicionantes, implementando projetos para todos os quilombolas, a
Vale acena com uma humilhante proposta que transforma obrigação ambiental em
esmola”, criticam.
A proposta da empresa é executar o
projeto desenvolvido pela UFRA para 58 famílias identificadas pela Coordenação
das Associações Quilombolas e inserir duas culturas anuais como mandioca e
feijão ou mandioca e milho, e ainda uma cultura perene, cupuaçu ou açaí, para
cerca de 400 famílias que concordaram com o trabalho da UFRA.
Mediante o não cumprimento das
condicionantes e como a presença do mineroduto infringe o direito e a
integridade do patrimônio coletivo do território quilombola do Jambuaçu, o MPF
solicita em ação judicial o pagamento no valor de cinco salários mínimos para
cada uma das 788 famílias remanescentes de quilombo, e a implantação de projeto
de geração de renda na comunidade.
Jambuaçu, Mojú, norte do Pará. Do
terminal rodoviário pode-se vê o rio que banha e batiza a cidade. É o “rio das
cobras” em tupi. Situado na zona Guajarina, localizado no nordeste paraense,
fica a 257 km da capital Belém. Moju ainda faz fronteira com oito cidades –
Breu Branco, Tailândia, Barcarena, Acará, Baião, Mocajuba, Igarapé-Miri e
Abaetetuba. A cidade é o ponto de partida para chegar ao território quilombola
de Jambuaçu distante 25 km do centro.
O transporte até o território
quilombola é escasso. Há apenas dois horários de saída do terminal, um às 11
horas e o outro somente às 15horas, mesmo assim ainda não é certeza, e quando
não sai deixa muitos moradores na mão.
Em 2006, o território ganhou as
manchetes na mídia. Lideranças das quinze comunidades que compõem o território
derrubaram uma torre de linha de transmissão. Estas e outras mobilizações e
ações de resistência tecem a luta que o território vem travando desde 2004,
quando a Vale iniciou a instalação de parte do projeto da Mina de bauxita,
localizada no município de Paragominas, sudeste paraense. Trata-se da terceira
maior mina de bauxita do mundo, com capacidade de produzir 9,9 milhões de
toneladas anuais.
A ação pública ambiental movida
pelo MPF explica que o empreendimento contempla uma mina de bauxita denominado
de Miltônia 3; linha de transmissão de energia elétrica para suprir a demanda
que o empreendimento necessita; construção de mineroduto para realizar o
transporte de polpa de bauxita com 244 quilômetros de extensão, tendo inicio em
Paragominas e terminando na empresa Alunorte, no município de Barcarena. O
mineroduto percorre cinco municípios, Ipixuna do Pará, Tomé-Açú, Acará,
Abaetetuba e Mojú. Além dos projetos do alumínio, as populações da região
socializam os impactos da monocultura do dendê, incentivada pela politica
federal de biodiesel, também controlada pela Vale.
As plantas industriais da Alunorte
e Albrás integram a cadeia produtiva do alumínio no Pará são consideradas as
maiores do mundo. A primeira transforma a bauxita em alumina, e a segunda a
alumina em alumínio. A energia elétrica é o principal insumo. A Mineração Rio
do Norte, que também fez parte do portfólio da Vale, explora bauxita desde a
década de 1980 na cidade de Oriximiná, no sudoeste do Pará. A cadeia do
alumínio paraense tem ainda em sua composição a estadunidense Alcoa, que
explora a matéria prima para a produção de alumínio no Baixo Amazonas, no
município de Juriti, oeste paraense.
Coisa de gigantes
Em 2010 a Vale repassou o controle
acionário da cadeia do alumínio para a norueguesa Norsk Hidro ASA numa operação
realizada em 2010, em Oslo, Noruega. Parceira da Vale há 40 anos a Hidro já
detinha 34% das ações. Informação publicada no site da empresa explica que a
operação inclui a transferência do controle de Paragominas, 91% de participação
na refinaria de alumina Alunorte, 51% na fábrica de alumínio Albras e 81% na
futura refinaria de alumina CAP, e a Vale passa a deter 22% das ações da Hydro.
O site da Hidro esclarece que o
projeto CAP é uma refinaria de alumina em implantação, com capacidade anual de
produção de 1,86 milhão de toneladas e potencial de expansão de até 7,4 milhões
de toneladas, abastecida principalmente por Paragominas. A Hydro já detinha 20%
da CAP, e passará a controlar 81% com essa operação. A empresa existe desde o
começo do século passado e opera em 40 países dos cinco continentes.
Terras de negros – terras
de engenhos de cana de açúcar
Tanto as linhas de transmissão de
energia elétrica e o mineroduto atravessam o território de Jambuaçu, contudo o
processo de titulação do território começou em 2001, o que garante aos
remanescentes de quilombolas o direito a terra, e, por conseguinte o direito ao
trabalho, à preservação da cultura, dos costumes e das tradições.
O fator histórico é outro ponto de
destaque na garantia de direitos aos remanescentes de Jambuaçu. A presença do
negro na Amazônia está marcada nas obras de Vicente Salles como um importante
documento historiográfico baseado na revisão de documentos oficiais e
jornalísticos datados dos séculos XVII a XIX. No livro O negro no Pará – Sob o
regime da escravidão relata que ao longo do rio Moju, assim como no rio Acará,
Capim e Guamá, registra a ocorrência de muitos engenhos de lavoura de cana de
açúcar, cultivada a partir da mão de obra escrava. A grande concentração de
negros na região se deve pela importância econômica que a cidade representou na
época, concentrando ali um dos maiores mocambos do estado.
Em Jambuaçu, a Convenção 169 da OIT
também foi ignorada. Muitos moradores do território assinaram de forma
individual o Instrumento Particular de Constituição de Servidão, Transação,
Quitação e Outras Avenças para alienarem suas terras como fez Maria do Carmo 51
anos, presidente Associação da Comunidade São Bernardino. “O termo foi assinado
de forma individual e sem conhecermos o que estávamos assinando. Eu falo por
mim, eu sou professora, mas na época não tínhamos o conhecimento que temos
hoje. Eles apenas chegavam e diziam assim: olha esse projeto é do Governo
Federal, então vocês não podem fazer nada. Como nós não tínhamos a visão que
temos hoje fomos obrigados a procurar quem nos orientasse”.
Ela ainda informa que muitos
moradores da comunidade souberam que seria construído o mineroduto ou as linhas
de transmissão quando as máquinas já estavam trabalhando na área e derrubando a
mata para limpeza do terreno. As comunidades de Jambuaçu vivem em sua grande
maioria da agricultura familiar, da pesca, criação de pequenos animais e do
extrativismo, como a coleta de ouriços da Castanha do Pará.
O MPF apontou na ação pública que o
acordo estabelecido de forma individual estabeleceu limites para a produção
agrícola aos moradores que assinaram o termo, o que levou muitas famílias a
miséria, como foi verificado pela inspeção judicial. Quanto à indenização o
valor foi irrisório, e determinado de forma unilateral pela Vale.
Durante a entrevista, Maria do
Carmo recorda que antes da presença da empresa a maior dificuldade para o
território era o deslocamento até a cidade, porque não tinha a estrada, e o
transporte era fluvial. “Mas em compensação os nossos produtos eram totalmente
diferentes, tinha fartura, se conseguia viver da terra, esse era o sustento da
minha família” acrescenta.
A Comissão Pastoral da Terra da
Região Guajarina (CPT) informou que houve uma perda de 20% do território das
comunidades quilombolas, o que representa 2.400 hectares de terras após a
implantação dos minerodutos e da linha de transmissão.
Os impactos perduram
Os impactos ambientais causados
pelo empreendimento vão desde o assoreamento, alteração da navegabilidade e
modificação da qualidade de igarapés e do rio Jambuaçu. Estes e outros
problemas ambientais podem ser vistos nos relatos publicados pela Nova
Cartografia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil – Quilombolas de
Jambuaçu – Moju, coordenado pelo antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida da
Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e a professora Rosa Elizabeth Acevedo
Marin da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Maria de Nazaré Silva Rodrigues, 32
anos, presidente da Associação Quilombola de Santa Maria do Traquateua informa
que a empresa reconhece como atingidos apenas 58 famílias. O fato, segundo ela,
gerou uma crise interna no movimento pela exclusão da maioria da população das
14 comunidades. Assim, as 58 famílias que receberam a indenização, em nome da
coletividade, decidiram pela divisão do recurso com as demais famílias
afetadas, mas que não eram reconhecidas pela empresa. Por conta da decisão, as
58 famílias foram multadas e ficaram sem receber quatro salários mínimos. “Isso
só enfraqueceu o território, gerou desunião e fortaleceu a Vale” avalia.
Diante dos impactos e do processo
judicial que Maria do Carmo enfrenta com a Vale, ela diz que se sente triste
pela situação do território, das várias lutas que vem enfrentando e em tom de
desabafo faz algumas previsões preocupantes. “Essa comunidade aqui está em
extinção. Nós estamos sabemos que nesse território vai passar gasoduto, linha
de trem, mais linhas de transmissão. E vai chegar um tempo que a comunidade vai
sair, porque onde vai passar gás você não vai pode morar. É uma preocupação
minha: aonde nós iremos? Pra cidade? O agricultor vai ter que comprar tudo,
porque ele não tem como plantar indo pra cidade, tudo vai ser diferente, então
isso é uma preocupação minha”.
Rogério Almeida é autor
do livro Territorialização do campesinato no sudeste do Pará, editado pelo
NAEA\UFPA\2013. Lilian Campelo é jornalista freelance.
29/07/2013
Foto: Pitpitoca/CC