O jornalista Leonardo Sakamoto
relata e contextualiza o caso da empresa DuPont Pioneer, uma das maiores do
mundo e que acaba de ser incluída na "lista suja" do trabalho
escravo.
Uma das maiores empresas de sementes
do mundo, a DuPont Pioneer foi incluída na “lista suja” do trabalho escravo. A
entrada da transnacional norte-americana do agronegócio no cadastro de
empregadores envolvidos em casos de escravidão contemporânea foi confirmada
pelo governo federal na atualização semestral consumada na última sexta-feira
(28). A DuPont Pioneer foi responsabilizada pela manutenção de 99
trabalhadores em condições análogas à escravidão em flagrante ocorrido no município de
Joviânia (GO), em meados de 2010. Na ocasião, um grupo formado por
auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e por membros do
Ministério Público do Trabalho (MPT) e Polícia Federal (PF) encontrou
trabalhadores alojados em diversos barracos e outras instalações extremamente
precárias, passando frio e fome. Aliciados por um “gato” (recrutador
ilícito de mão de obra) no Piauí e no Maranhão, as vítimas, que usavam
sanitários em péssimas condições e eram obrigadas a dormir em espumas e
colchões velhos espalhados pelo chão, trabalhavam ao longo de extensas jornadas
na retirada e coleta de grãos de espigas de milho.
Oito políticos, todos ruralistas,
também entraram na atualização do cadastro de empregadores flagrados com
trabalho escravo. Destaque para propriedades dos deputados
federais João Lyra (PSD-AL) e Urzeni Rocha (PSDB-RR), e do ex-ministro da
Agricultura de Fernando Collor (1990-1992) Antônio Cabrera. Ao todo, foram
incluídos 142 nomes, entre novos e aqueles que retornaram à relação. Com
isso, a “lista suja” passa a contar com 504 empregadores. A matéria é
de Maurício Hashizume, da Repórter Brasil:
Contatada, a DuPont enviou comunicado em
que afirma, sobre o caso em específico, ter firmado um Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) em
novembro de 2010. A empresa alega que, desde então, vem cumprindo o
acordo. Informa ainda que “atua sistematicamente por meio de seus
processos na adoção de rigorosas práticas de controle de conformidade com a
legislação trabalhista, razão pela qual agirá na sua defesa para não ser
vinculada a situações que não refletem sua forma de atuação na sociedade.
O faturamento da química DuPont como
um todo (não apenas na divisão de sementes Pioneer) foi de US$ 34,8 bilhões em
2012. O valor corresponde à totalidade do orçamento federal brasileiro
destinado à saúde (R$ 77 bilhões) no ano de 2011. Fundada em 1926, a DuPont
Pioneer “atua em 70 países e conta com 79 mil funcionários em todo o mundo,
sendo 4,3 mil na América do Sul”, segundo informações divulgadas no próprio site
da companhia. O governo argentino aplicou sanções
econômicas à DuPont também em decorrência da exploração de
pessoas em condições análogas à escravidão na região de Córdoba em 2001, ano em
que a Justiça do Trabalho brasileira condenou a mesma empresa por
contratação irregular.
Outra empresa de peso indiretamente
envolvida em flagrantes de trabalho escravo que se desdobraram na inclusão da
lista suja é a Klabin S/A, do setor de papel e celulose. Em maio de 2012,
fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Santa
Catarina (SRTE-SC) resgatou 12 pessoas de condições análogas à escravidão da
Fazenda Pelotinhas, em Lages (SC), propriedade da Arruda Rodrigues Participações
arrendada à Klabin (abaixo foto da fiscalização com a água
usada para beber,tomar banho e preparar alimentos).
Por conta dessa ação, que encontrou
trabalhadores do corte de pinus alojados em barracos de madeira e consumindo
água de um brejo, tanto a Arruda Rodrigues como o produtor Marcos Antônio de
Barba passaram a constar no cadastro. Acionada pela reportagem, a Klabin
alegou, por meio de sua assessoria de imprensa, ter descredenciado os
referidos fornecedores e reafirmou seus compromissos como participante do Pacto Nacional
pela Erradicação do Trabalho Escravo, no sentido de atuar no
corte de relações econômicas com envolvidos em casos de escravidão.
Construção civil - A recorrência de
casos de trabalho escravo em empreendimentos de construção civil também se
refletiu na atualização da “lista suja” do trabalho escravo. Ingressaram no
cadastro, por exemplo, a Construtora Coccaro, flagrada explorando mão de obra
escrava em obra de moradia popular do governo do estado de São Paulo na região
central da capital paulista, e a Geccom Construtora, que
mantinha 90 operários migrantes do Nordeste que sequer recebiam salários
regulares em canteiro de casas do programa
federal “Minha Casa Minha Vida” localizado em Fernandópolis (SP).
Segundo o gerente de Recursos Humanos
da Coccaro, Piragibe Castanheira, a empresa foi autuada pelo MTE por problemas
trabalhistas envolvendo três migrantes vindos do Nordeste que prestavam serviço
para uma terceirizada, mas o inquérito sobre o caso no MPT teria sido
arquivado. Piragibe declarou que a empresa deve requerer sua exclusão da “lista
suja” na Justiça.
No caso do empreendimento da Geccom
Construtora, que na ocasião informou à reportagem não estar ciente da
situação por ter terceirizado tarefas, um funcionário chegou a
falecer depois de caminhar por cerca de duas horas. Mais uma morte (por
descarga elétrica fatal) também foi registrada em obra em Campinas (SP) sob alçada da empresa Rockenbach
Tecnologia em Pré-Moldados, que também está entrando na “lista
suja”. O flagrante relativo a este último empregador se deu em 2012 e incluiu a
retenção de documentos de 18 homens e duas mulheres. A Geccom foi consultada
pela Repórter Brasil, mas não deu retorno; representantes
da Rockenbach não foram encontrados.
Também está entrando no cadastro federal a JGR Engenharia e Serviços. Operação da Superintendência Regional de Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE-MG) resgatou 88 migrantes de outros estados e do Norte de Minas Gerais de sete condomínios na região de Belo Horizonte (MG). Alguns não possuíam nem a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS). Foram lavrados 47 autos de infração e as rescisões somaram mais de R$ 225 mil.
Minas Gerais também foi palco de mais
libertações em áreas de construção civil que estão culminando com a inclusão
dos respectivos empregadores na “lista suja”. Em 2009, nove pessoas que
trabalhavam pela Metalúrgica Andara na obra do Consórcio Parque Logístico Via
Expressa, em Contagem (MG), tinham apenas um ônibus improvisado como
alojamento. Resgates realizados em empreendimentos da Construtora Alves – que
realizava obras no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Sudeste de Minas Gerais – Campus Juiz de Fora – e da Construtora Linhares –
construção na Fazenda Santa Marta do Vale Verde, Cumaru do Norte (PA) –
resultaram igualmente na inclusão no cadastro governamental.
Já a Maia e Borba S/A, que é parceira
na construção de shopping centers em Goiás e alega ter mais de 500 mil m² de
empreendimentos construídos entre obras residenciais, comerciais e industriais
em seis estados do país, está sendo introduzida na relação do MTE/SDH por conta
de quadros de trabalho escravo na produção de carvão vegetal na Fazenda
Mirador/Carvoaria Santa Fé, em Taipas do Tocantins (TO).
A reportagem não conseguiu registrar
a posição da JGR, e a Maia e Borba S/A, mesmo informada sobre a questão, optou
por não retornar. A Metalúrgica Andara, por seu turno, preferiu não se
pronunciar por repelir a atribuição de responsabilidade por condições análogas
à escravidão.
Mais setores - Libertações
ocorridas no setor sucroalcooleiro também compõem a mais recente atualização. A
Destilaria Alpha teve seu nome adicionado à “lista suja” em consequência
de operação de 2009 que resgatou 80
pessoas dos canaviais da empresa, no Centro-Oeste de Minas Gerais.
Em Goiatuba (GO), 39 foram resgatados em 2011 pela primeira vez do trabalho mecanizado em plantações de
cana-de-açúcar da Fazenda Santa Laura, que fazia parte da Associação
dos Fornecedores de Cana (Usina Bom Sucesso). Adquirida pelo grupo Vital
Renewable Energy Company (VREC) em dezembro de 2010, a Usina Bom Sucesso
pertencia anteriormente ao Grupo Farias (envolvido em outros problemas trabalhistas). Por
conta da operação na Fazenda Santa Laura, Antônio Carlos da Cruz passou a
constar da “lista suja”. A reportagem tentou contato com a Alpha, mas não
encontrou ninguém. Na opinião de Antônio Carlos, a fiscalização que o colocou
no cadastro foi equivocada e injusta, pois as condições de trabalho praticadas
não eram tão precárias. Ele também assegurou que buscará retirar o seu nome da
“lista suja” por meio de uma ação no Poder Judiciário.
A WS Modas é mais uma das empresas
que foi acrescentada à relação. A confecção, que produzia para a grife Gregory, foi
flagrada em 2012 por fiscalizações de trabalho escravo urbano na exploração de
11 pessoas. A Gregory não quis se pronunciar sobre a inclusão.
Desde 2003, a “lista suja” do
trabalho escravo é mantida pela Portaria Interministerial (2/2011), firmada
pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pela Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República (SDH/PR).
O cadastro vem sendo atualizado
semestralmente e reúne empregadores flagrados pelo poder público na exploração
de mão de obra em condições análogas à escravidão. A “lista suja” tem sido
um dos principais instrumentos no combate a esse crime, através da pressão da
opinião pública e da repressão econômica. Após a inclusão do nome do infrator,
instituições federais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o
Banco da Amazônia, o Banco do Nordeste e o BNDES suspendem a contratação de
financiamentos e o acesso ao crédito. Bancos privados também estão proibidos de
conceder crédito rural aos relacionados na lista por determinação do Conselho
Monetário Nacional. Quem é nela inserido também é submetido a restrições
comerciais e outros tipo de bloqueio de negócios por parte das empresas
signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo – cujo
faturamento representa cerca de 30% do Produto Interno Bruto brasileiro.
O nome de uma pessoa física ou
jurídica é incluído na relação depois de concluído o processo administrativo referente
à fiscalização dos auditores do governo federal e lá permanece por, pelo menos,
dois anos. Durante esse período, o empregador deve garantir que regularizou os
problemas e quitou suas pendências com o governo e os trabalhadores. Caso
contrário, permanece na lista.
Clique aqui para ver a “lista suja”
completa.
Leonardo
Sakamoto é jornalista e cientista político.Possui um blog sobre direitos
humanos no Portal UOL, no qual este texto foi originalmente escrito.
Fonte: http://editora.expressaopopular.com.br/batalha-das-ideias/gigante-do-ramo-das-sementes-%C3%A9-inclu%C3%ADda-na-lista-suja-do-trabalho-escravo
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