Para o estudioso egípcio e membro do Partido
Comunista, as eleições no país marcadas para outubro podem ser manipuladas tal
como foram as de 2011.
O presidente do Egito Mohammed Mursi foi deposto
nesta quarta-feira (3) pelas Forças Armadas após forte pressão popular. Em seu
lugar, o ex-presidente da Suprema Corte, Adly Mahmud Mansur, foi jurado
presidente interino do país.
Em
entrevista ao jornal italiano "Il Manifesto", o estudioso egípcio e
membro do Partido Comunista Samir Amin, analisa o processo da eleição que
levou Mursi à presidência e também chama a atenção ao que diz respeito ao
futuro político do Egito, que elegerá um novo representante em outubro deste
ano.
Amin, que ainda é diretor do Fórum do Terceiro
Mundo, observa ainda que os militares que depuseram Morsi são financiados pelos
EUA, e que em seu seio há grupos políticos que, inclusive, mantêm contatos com
a Irmandade Muçulmana e com fundamentalistas salafitas.
“Se não houver mudanças, as eleições fixadas para
o próximo mês de outubro serão realizadas debaixo da repressão, e o voto será
manipulado tal como aconteceu em 2011.”
do Il Manifesto Tradução de Heitor Figueiredo
Confira
a entrevista
Samir Amin |
Il Manifesto - Porque os egípcios
insurgiram para pedir as demissões do presidente Morsi?
Samir Amin - A campanha
denominada Tamarrod (Rebelião) foi uma iniciativa extraordinária. Foram
recolhidas milhões de assinaturas que representavam a reflexão política, um
acontecimento de grande envergadura que foi completamente ignorado pela mídia
internacional. Pois parece que a maioria eleitoral que se definiu nas últimas
eleições desapareceu. A Irmandade Muçulmana gerencia o poder como se 100% dos
eleitores tivessem votado neles. Por isso se apoderaram do estado colocando nas
direções das instituições todos seus homens. Uma ocupação que dão espaço às
oposições e também aos técnicos que estavam empregados desde os tempos de
Mubarak.
Il Manifesto - Tudo isso aconteceu apesar
do Egito sofrer com uma aguda crise econômica?
Samir Amin - O problema maior
não é somente esta crise econômica. Mas a maneira de como os islâmicos querem
resolver a crise introduzindo soluções ultra-liberais. Além de substituir os
amigos de Mubarak com uma turma de burgueses capitalistas, na sua maioria
comerciantes super-reacionários que querem vender todas as propriedades públicas
e por isso todo o mundo os odeia, visto que querem programar as mesmas
políticas do antigo regime."
Il Manifesto - Foi nesse âmbito que o
presidente Morsi assinou o projeto de Zona de Livre Trocas no Sinai, apesar de
ser um projeto que favorece unicamente os interesses econômicos de Israel?
Samir Amin - Exato. Esse projeto
foi uma catástrofe do ponto de vista econômico visto que nessa região não
haverá nenhuma industrialização, do momento que a dita zona de livre troca será
monopolizada por pequenas máfias que estão gerenciando a fraude fiscal e a
venda dos recursos públicos na região. Por isso a Irmandade Muçulmana fecha os
olhos e espera o empréstimo do FMI que foi definido, apesar das denúncias de
corrupção e outros escândalos".
Il Manifesto - Não acha que fizeram pior
quando, por exemplo, inventaram as Obrigações Islâmicas Sokuk?
Samir Amin -Na realidade foi um
autêntico roubo, visto que venderam a preços de banana as propriedades que
valem bilhões. Aliás, nem foram privatizações, apenas uma fraude.
Il Manifesto - Voltamos às eleições.
Visto que Morsi ganhou após oito dias de indefinições e, antes de tudo, após o
veto para a candidatura do nasserista Sabbahi (líder do partido nacionalista
ligado à história de Nasser, ndr.) já no primeiro turno. Acredita que houve
manipulações?
Samir Amin - Houve, sim, uma
fraude eleitoral grande como uma montanha. Hamdin Sabbahi devia participar do
segundo turno, mas foi vetado pela embaixada dos EUA. Os observadores da União
Europeia aceitaram as motivações dos diplomatas estadunidenses e fecharam os
olhos diante da fraude. É preciso explicar que os cinco milhões de votos que
Sabbahi recebeu, eram votos de pessoas politicamente motivadas. Contrariamente,
ao que aconteceu com os eleitores de Morsi que, na maioria, não tinham um
mínimo de consciência política, e por isso venderam seu voto por bônus de leite
e de carne."
Il Manifesto - O presidente Morsi bateu
de frente com o movimento de protestos antes ou em novembro do ano passado,
quando assinou um decreto que ampliava seus poderes até o limite da ditadura?
Samir Amin - Na realidade,
Morsi, logo após sua posse, formulou a promessa de escutar quem contestava sua
linha política. Foi mera demagogia. Depois disso, ele mesmo deu a entender que
por de trás dele havia a presença das monarquias dos países do Golfo, de que
ele, simplesmente, virou o executor.
Il Manifesto - Então, até o histórico
apoio ao povo palestino ficou no esquecimento?
Samir Amin - A Irmandade
Muçulmana sustenta Israel, tal como fazem as monarquias do Golfo e do Qatar.
Oficialmente, sempre manifestam posições anti-sionistas, mas, na realidade,
estão alinhadas com Israel. Praticam uma mentira sistemática. Por exemplo, o
emir do Qatar diz uma coisa e depois faz o contrário. Isso porque no Qatar não
existe opinião pública, foi tudo silenciado. No caso da Síria, o presidente
Morsi apoiou o que há de pior nas fileiras da oposição síria, da mesma forma
como fazem os ocidentais que com o fornecimento de armas aos rebeldes, na
realidade, estão sustentando o que de pior há na oposição síria".
Il Manifesto - Mas a ausência de uma
lucidez política é consequência do tipo de Constituição que a maioria da
Irmandade Muçulmana impôs no governo em dezembro do ano passado?
Samir Amin - Eles queriam impor
a ditadura da maioria. Porém, pela primeira vez na história do Egito, os juízes
contestaram e se negaram em ratificar os resultados do referendo
constitucional. De fato, o objetivo do partido da Irmandade Muçulmana
"Liberdade e Justiça", era de construir uma teocracia tal como os
ayatollah fizeram no Irã. Muitos políticos islâmicos pretendem criar um
Conselho Constitucional dos Ulemas, que deveria semelhar a Al-Azhar - a máxima
instituição religiosa sunita - e que deveria controlar o poder executivo, o
legislativo e o sistema judiciário.
Il Manifesto - O que veio a impedir a
realização desse projeto?
Samir Amin - O
lumpemproletariado egípcio, notoriamente usado para manobras políticas, dessa
vez, ficou quieto, visto que não recebia nada em troca. Por outro lado,
há ainda muita ambiguidade na divisão do poder como as Forças Armadas, que
ficam com um pé atrás para, depois, poder intervir diretamente. É bom lembrar
que os militares são uma classe corrupta e extremamente fragmentada, que se
sustenta com a ajuda financeira dos EUA. No seu seio há muitos grupos políticos
e alguns deles mantêm contatos com a Irmandade Muçulmana e até com os
fundamentalistas salafitas. Entretanto, se houvesse eleições normais com
campanhas que respeitam as liberdades democráticas, o partido da Irmandade
Muçulmana seria derrotado. Se não houver mudanças, as eleições fixadas para o
próximo mês de outubro serão realizadas de baixo da repressão, e o voto será
manipulado tal como aconteceu em 2011.
Mais sobre o assunto:
Fonte:http://www.brasil de fato.com.br/node/13469
05/07/2013
Foto: Reprodução
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